Há duas maneiras de interpretar a declaração infundada de Jair Bolsonaro sobre a possibilidade de fraude na disputa presidencial: ou o candidato quer acirrar a mobilização do eleitorado contra seus rivais do PT, ou quer deixar uma porta aberta para contestar o resultado das urnas se for derrotado. Nos dois casos, a estratégia é irresponsável.
O líder das pesquisas decidiu estimular a corrosão da confiança dos eleitores na democracia. Ao dizer que petistas podem fraudar o processo de votação, sem evidências concretas para amparar essa suspeita, o deputado do PSL toma emprestada a linguagem de políticos personalistas e populistas.
Na primeira hipótese, Bolsonaro estaria usando uma ferramenta retórica para incitar o medo entre os eleitores. Identificado como adversário ferrenho do PT, buscaria aglutinar ainda mais o voto antipetista em torno de sua figura com o discurso do medo da vitória do partido.
A acusação desmotivada não pode ser encarada como mera tática de campanha. Sem provas, a desconfiança sobre a urna eletrônica e sobre o processo democrático pode ter efeitos duradouros sobre o eleitorado —mesmo que ele seja vitorioso.
No cenário mais grave, Bolsonaro estaria preparando o terreno para atacar a própria eleição. Se for derrotado, o candidato abrirá um terceiro turno na Justiça ou convocará seus apoiadores às ruas para protestar não apenas contra os eleitos, mas contra todas as instituições que deram sustentação à votação?
Candidato a vice, Hamilton Mourão tentou contemporizar. “Temos de relevar o que ele disse. O homem quase morreu há uma semana. O cara está fragilizado”, afirmou. Faltou dizer que ele mesmo já arrancou aplausos em palestras ao surfar na contestação às urnas eletrônicas.
Dizer que a democracia não funciona é a maneira mais eficaz de alimentar o clamor por soluções autoritárias. Questionar desde já a legitimidade da eleição é o tipo de ataque que busca apagar, com antecedência, as regras do jogo.