Fernando Canzian / Folha de S. Paulo
Entre todos os embustes vendidos pelo então candidato Jair Bolsonaro na campanha de 2018, o mais bem disfarçado talvez tenha sido o seu aceno ao mercado, personificado na biografia de Paulo Guedes, escolhido para atrair empresários e bancos para o seu lado.
Nos campos político e pessoal, um deputado medíocre e ignorante como Bolsonaro talvez não produzisse mesmo nada melhor do que a sujeição humilhante ao centrão e posicionamentos contrários aos dos eleitores de quem depende, como demonstrou seu negacionismo versus a aderência da população às vacinas.
O resultado é que Bolsonaro entra em sua campanha à reeleição pequeno, desmoralizado e sem ter onde se agarrar.
Lançados tardiamente, mesmo seus principais programas sociais, o Casa Verde e Amarela e o Auxílio Brasil, seguem muito identificados com o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, ambos criados por Lula.
Apesar do valor médio de R$ 400, mesmo o Auxílio Brasil atual é muito inferior, em reais e em abrangência, em relação ao montante recebido pelos mais pobres anteriormente, reforçando o “efeito piora”.
No geral, o que o presidente entrega em seu último ano é um país em estagflação, crescendo quase nada e inflacionado. Nada menos promissor.
É a partir desse ponto que Bolsonaro prepara agora a traição a seus eleitores do mercado, os trouxas deixados para o final, juntamente com o seu mais tolo fiador, Paulo Guedes.
“PEC Kamikaze” é como a equipe do ministro qualifica proposta do Senado, apoiada pelo filho 01, Flávio Bolsonaro, que pode gerar impacto de mais de R$ 100 bilhões ao ano à União. Tudo fora do teto de gastos, hoje a principal âncora fiscal do governo que, apesar de desmoralizada, ainda mantém alguma previsibilidade.
Além de reduzir tributos sobre diesel, biodiesel, gás e energia elétrica em 2022 e em 2023, sem compensação pela perda de receitas, a proposta autoriza a União a criar, nos dois anos, um auxílio-diesel mensal de até R$ 1.200 a caminhoneiros autônomos. Outro dispositivo abre caminho para oferecer botijões de gás gratuitamente a até 17,5 milhões de famílias.
Por vias muito mais explícitas, trata-se de populismo fiscal comparável ao da reeleição de Dilma Rousseff em 2014, que acabou jogando o Brasil na brutal recessão de 2015-2016.
É inegável que Bolsonaro e sua equipe tiveram o azar de existir durante uma das maiores crises sanitárias da história. E surpreende que, apesar disso, as contas de seu governo tenham terminado 2021 em relativa ordem, com o menor déficit desde 2013, de R$ 35 bilhões.
O que não deveria surpreender é Bolsonaro, pela reeleição, arruinar tudo no final —e finalmente tocar fogo no que ainda resta do tal Posto Ipiranga.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/fernandocanzian/2022/02/bolsonaro-poe-fogo-no-posto-ipiranga.shtml