Levy Teles / O Estado de S.Paulo
Nos anos 1970, os evangélicos eram apenas 5% dos brasileiros. Hoje, segundo pesquisa do Datafolha de dezembro de 2019, são mais de 30% – caso sigam a curva de crescimento, poderão ser o segmento com mais fiéis no País, aponta antropólogo Juliano Spyer, da USP. Autor do livro Povo de Deus, de 2020, ele disse ao Estadão que não se ganha uma eleição presidencial sem ter adesão de um público tão grande. Apesar das constantes sinalizações do presidente Jair Bolsonaro às pautas defendidas pelos evangélicos, Spyer acredita haver espaço para candidatos de outros espectros prosperarem. Para isso, segundo ele, é preciso falar em termos como “família, vida e amor”.
No livro, o sr. afirma que há preconceito contra o evangélico na política? Por que?
Sim. E ele não é maior, nem pior do que o preconceito em relação ao povo. Mas tem duas questões a mais: o evangélico não quer que passem a mão na cabeça dele. Segundo, há um contexto diferente porque o setor vem se tornando cada vez mais influente em pautas de costumes, de cultura, com a música gospel muito forte comercialmente. A igreja é um espaço de muito debate. Essas organizações estão interligadas e têm a maior bancada do Congresso. É uma comunidade em plena ebulição e isso incomoda muito.
Os presidenciáveis estão realmente atentos a esta parcela tão significativa da população?
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É uma tática tola (ignorar a parcela do eleitorado evangélico) e vem sendo corrigida. Há a movimentação dos pré-candidatos sobre isso, como houve por parte de Ciro Gomes, na entrevista com Mangabeira Unger, em que toca no assunto. Entre vários candidatos, há pessoas importantes como o ex-presidente Lula, ou o deputado Marcelo Freixo, que demonstram essa preocupação, uma mudança de chave em relação a começar a tratar o evangélico como diverso, como alguém que merece ser respeitado e como um grupo com o qual se deve dialogar.
Nesse ponto Bolsonaro leva vantagem?
Ele é o único entre os presidenciáveis que defende de forma integral temas caros ao cristão evangélico, como a defesa da família tradicional e da liberdade de religião. Além disso, deu demonstrações seguidas de compromisso com esse segmento, como na indicação do André Mendonça para o Supremo (Tribunal Federal).
No livro, o sr. diz que há quem queira politizar a fé de forma extrema. Isso não pode ser perigoso?
Há um esforço muito grande de pastores que têm projetos pessoais e de poder que usam seus recursos para instigar de uma forma maldosa essa separação entre ser cristão e ser de esquerda, associando o cristianismo e a esquerda a um monte de barbaridades. Inclusive, muitos deles agindo de má-fé, que participaram de governos de esquerda e hoje estimulam essa postura nas redes sociais. É um contexto a se ficar atento. Tem muita gente no campo evangélico que não está convencido que o presidente seja o único candidato que pode representar os evangélicos.
Há espaço para a esquerda crescer no meio?
Dentro dessas igrejas, muitos cristãos que estão convencidos que Bolsonaro não é o melhor candidato estão sendo constantemente pressionados a não se pronunciar publicamente em relação a isso.
É possível conversar com evangélicos sobre temas sensíveis da agenda moral como aborto ou homossexualidade?
Numa conversa com o pastor Henrique Vieira, falei como a gente lida com o pobre em relação às pautas morais. Ele deu duas sugestões: a primeira é a pessoa de esquerda tirar a cartilha debaixo do braço e escutar. A segunda é retomar a possibilidade de falar, trazer de novo termos como família, vida e amor.
Há divergências entre os evangélicos e o presidente?
Ele não é evangélico – ele é casado com uma evangélica. É uma pessoa rude, grosseira, que fala palavrão, um comportamento que os evangélicos não querem mostrar para a sociedade. Mas o tiro no pé eleitoral – aqui, um trocadilho intencional – é a defesa das armas de fogo. Ao fazer isso, ele cria um problema com o eleitorado evangélico feminino que vive na periferia e não quer mais saber de armas na rua.
Há espaço para candidatos da terceira via, como Sérgio Moro, avançar entre os evangélicos?
Ouvi recentemente de um pastor que respeito que ele é o candidato ideal para o evangélico. É muito melhor em termos de presença pública do que Bolsonaro. É comportado, fala baixo e é uma pessoa que se tornou conhecida como aquela que perseguiu criminosos e sofreu retaliações por isso. Só essa parte da narrativa oferece ecos, oportunidades e paralelos com histórias do cristianismo. Haveria uma grande oportunidade de Moro capturar o voto do evangélico. Me surpreendeu que isso não apareça nas pesquisas. Tenho a impressão que essa falta de opções dos evangélicos se deu pela extrema polarização entre Bolsonaro e Lula, e pelo fato dos temas principais que vão ser debatidos, os três primeiros são relativos ao campo econômico: a própria economia, o emprego e a fome. O combate à corrupção, certamente, não é um dos três primeiros. NOTÍCIAS RELACIONADAS
Fonte: O Estado de S. Paulo
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