Vinicius Konchinski*, Brasil de Fato
O Grupo Sipal, gigante do agronegócio que teve contas bancárias bloqueadas por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) por suposto envolvimento em atos golpistas, obteve R$ 22,5 milhões em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para comprar caminhões dois meses antes da eleição.
Sete caminhões com as mesmas características dos comprados foram registrados em relatório do governo do Distrito Federal por estarem estacionados em frente ao quartel general do Exército enquanto eram realizadas manifestações contra o resultado das eleições.
O governo distrital identificou 234 caminhões presentes em manifestações em Brasília. A íntegra do documento foi revelada pelo site Metrópoles na semana passada.
No documento, estão listadas as placas dos veículos. Com base nelas, é possível verificar que todos os caminhões vinculados à Sipal eram fabricados pela Mercedes-Benz, de modelo 2022 e registrados em Francisco Beltrão (PR), onde fica uma filial do grupo cujas contas foram bloqueadas por ordem do STF.
Em agosto, mês em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) lançou sua campanha à reeleição, o BNDES liberou R$ 22,5 milhões à Sipal, em cinco operações, intermediadas pelo banco Mercedes-Benz. O banco opera basicamente financiando vendas da Mercedes, montadora dos caminhões da Sipal vistos em atos golpistas.
A Sipal confirmou que comprou caminhões da Mercedes com dinheiro do BNDES. Não deu detalhes sobre quantos. Afirmou, porém, que nenhum dos caminhões comprados com recursos disponibilizados pelo banco público foram enviados pela empresa à Brasília.
A empresa, aliás, informou que somente um caminhão registrado em nome do grupo esteve em Brasília, diferentemente do registrado pelo governo do DF. A empresa também informou que esse caminhão não foi enviado por ela. O veículo, segundo a Sipal, já havia sido vendido quando esteve na capital. A documentação dele é que não havia sido regularizada.
O STF determinou o bloqueio de contas da Sipal e outras empresas e pessoas porque, entre outras coisas, elas estariam envolvidas no envio de 115 caminhões a Brasília “com fins de rompimento da ordem constitucional – inclusive com pedidos de ‘intervenção federal’, mediante interpretação absurda do art. 142 da Constituição Federal”.
O Grupo Sipal foi fundado em 1970, tem mais de mil funcionários e sede em Curitiba, no Paraná. No Estado, ele realiza operações portuárias no Porto de Paranaguá e controla armazéns de grãos em diferentes cidades. O grupo também tem armazéns de grãos e uma destilaria de álcool em Mato Grosso.
Por conta disso, ela considera-se uma das maiores empresas do agronegócio Brasil. Reportagens sobre a Sipal indicam que ela vem faturando mais de R$ 10 bilhões por ano.
O próprio BNDES considera a empresa de “grande porte”. Levando isso em consideração, o banco emprestou, via agentes parceiros, R$ 119 milhões ao Grupo Sipal só neste ano, incluindo os financiamentos a caminhões. Ao todo, foram 18 operações, com média de R$ 6,6 milhões cada.
Dívida com a União
O Grupo Sipal tem diferentes empresas, cada uma com um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). A decisão do STF, proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, cita somente um deles (02.937.632/0017-79), da filial de Francisco Beltrão.
Essa filial tem nove sócios e administradores, quase todos ligados à família Scholl. Um dos citados no quadro societário é Willian Scholl.
Willian Scholl também é um dos dois sócios da Sipal SA Indústria Comércio e Agropecuária (CNPJ 83.297.663/0001-47). Essa empresa deve mais de R$ 211 milhões à União, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, vinculada ao Ministério da Economia.
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O outro sócio da Sipal SA é Wagner Scholl, o qual também tem participação em empresas do grupo Grupo Sipal, como a Centro Sul, Usimat e Tirolesa.
Procurado, o Grupo Sipal não comentou a decisão do STF que cita a empresa. Informou também que não tem relação com a empresa Sipal SA, devedora da União.
A empresa também informou que segue trabalhando normalmente e que a decisão do STF não afetou em nada suas operações.
O BNDES informou que, do ponto de vista financeiro, os empréstimos à Sipal “transcorrem dentro da normalidade”. “Na época em que foram realizadas, o cliente estava com todas as condições prévias atendidas”.
O banco informou que não pode financiar empresas que não comprovem regularidade fiscal perante a União. Informou que, em operações realizadas com intermediação de agentes financeiros, clientes precisam apresentar a Certidão Negativa de Débitos (CND) ou Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPEND), expedida pela Receita ou Procuradoria-Geral da Fazenda.
O BNDES ressaltou que, pelo fato de a Sipal SA Indústria Comércio e Agropecuária (CNPJ 83.297.663/0001-47) não fazer parte do contrato de financiamento firmado com o banco, a regularidade fiscal dessa empresa não foi avaliada.
O banco não comentou o suposto envolvimento da Sipal em atos antidemocráticos. Ressaltou, porém, que “acompanha os processos envolvendo seus clientes”. “Caso confirmadas irregularidades no uso dos recursos emprestados, o banco adota procedimentos previstos em seus contratos e seus normativos”, declarou.
O BNDES não deu detalhes sobre os financiamentos concedidos à Sipal alegando sigilo empresarial. Confirmou que, em 2022, a empresa obteve financiamentos por meio das linhas BNDES Finame Ônibus e Caminhões e BNDES Finame Materiais.
Procurado, o banco Mercedes-Benz não respondeu.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato