Supremo Tribunal Federal | Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF

Revista online | Ativismo judicial ou adequação do Estado Juiz

Manoel Martins Junior*, jurista, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022)

No centro das tensões políticas que vivemos nos últimos anos, está a dificuldade da superação dos marcos do Estado Liberal, conhecido como Estado de Direito e o desejado Estado Democrático de Direito. O constituinte foi arrojado ao proclamar a Constituição Cidadã encerrando o ciclo autoritário do regime de 64. Mais do que apenas restabelecer as liberdades civis, afirmou o Estado Brasileiro como um Estado Democrático de Direito, que exige das instituições públicas a busca permanente da justiça social com a adoção de políticas públicas que removam os abismos sociais gerados pela desigualdade perversa que ainda marca nosso país – verdadeiro entrave à democracia.

A construção do Estado Democrático de Direito leva em conta os elementos que compõem o Estado de Direito, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário – o da superação do “status quo”. É um tipo de Estado que transcende o capitalista, pois é promotor de justiça social sem as mazelas do personalismo e monismo político das democracias populares do socialismo real. 

Confira a versão anterior da revista Política Democrática online

O Estado Democrático de Direito não afirma, apenas, como no Estado de Direito, o império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça social pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais.

Como se vê, o Estado deixa de ser “alheio” às contradições que afligem a sociedade e passa a ser indutor da concretização do anseio histórico da igualdade, dado aos seus objetivos políticos, que, em nossa Constituição, são expressos no artigo 3º. I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Lateralmente, a Constituição não comporta mais normas meramente programáticas e tem como valor estruturante a democracia ao exigir de todos os agentes políticos e instituições de Estado a atuação conforme seus princípios e objetivos. Daí o crescente papel da jurisdição constitucional na concretização dos direitos constitucionais.

Surge daí, do crescente papel do Judiciário na concretização dos direitos constitucionais, o descontentamento de setores conservadores que criticam o chamado “ativismo judicial”, acusando nossas Cortes, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF), de usurpação de funções típicas do Legislativo. Esperavam que nosso Judiciário continuasse nas amarras do Estado de Direito e não assumisse o seu papel de fazer valer a soberania popular expressa na declaração constitucional dos objetivos do Estado Brasileiro. Esperavam que a Constituição continuasse a ser uma “boa carta de intenções”.

Veja, a seguir, galeria:

Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministra Rosa Weber. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
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Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministra Rosa Weber. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
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Criticam a crescente intervenção do Judiciário em temas políticos como uma ameaça aos princípios democráticos e republicanos, pois afetaria as prerrogativas dos diferentes poderes do Estado. Acontece que as tarefas da construção do Estado Democrático de Direito conferem novos contornos às relações entre os poderes em face das exigências contemporâneas para a defesa dos direitos da cidadania. Na democracia, o recurso ao Judiciário é uma ferramenta à disposição da cidadania para a defesa de direitos ameaçados pela ação ou omissão do Estado.

E não se pode negar o papel positivo de juízes e tribunais na garantia da fruição de direitos deferidos constitucionalmente e sonegados pelo Estado e o que dizer do papel do STF na defesa da democracia contra as recentes investidas golpistas, e o mesmo se diga do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, com coragem e competência, atuou para que tivéssemos eleições limpas.

Por derradeiro, resta afirmar que o protagonismo do Poder Judiciário, sua maior intervenção, ocorre em razão da omissão dos demais poderes nas suas missões constitucionais. Lembremos: no Estado Democrático de Direito, todos os agentes e instituições públicas devem atuar para consecução dos objetivos do Estado Brasileiro, dentre os quais o da democracia e da igualdade, que são pedras alicerçantes de nossa República.

Sobre o autor

*Manoel Martins Junior é professor decano do Departamento de Direito Público da UFF; ex-Diretor da Faculdade de Direito da UFF; professor de Direito Constitucional.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Alertas registrados em dezembro atingiram área do tamanho do Recife (PE) - Valter Campanato/ Agência Brasil

Alertas de desmatamento crescem 54% em 2022 e atingem pior marca da série

Brasil de Fato*

Os alertas de desmatamento na Amazônia Legal em 2022 atingiram a maior área desde 2015, quando teve início a série histórica do Deter-B, sistema de monitoramento em tempo real do Inpe. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (6). 

Entre janeiro e 30 de dezembro do ano passado, os alertas totalizaram 10.267 km², o equivalente a mais de 8 vezes a cidade do Rio de Janeiro. O acumulado entre agosto e setembro também foi o pior dos últimos sete anos (4.793 km²) e teve aumento de 54% em relação ao mesmo período do ano passado. 

Apenas no último mês de 2022, a Amazônia pode ter perdido área equivalente à da cidade de Recife (PE). Em dezembro, os alertas atingiram 218 km², 150% a mais do que em 2021. É o terceiro pior dezembro desde 2015. 

A taxa oficial de desmatamento na Amazônia, divulgada pelo sistema Prodes, é medida de agosto a julho do ano seguinte. Por isso, os recordes de desmatamento destruição serão herdados pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva

"O governo Bolsonaro acabou, mas sua herança ambiental nefasta continua”, disse o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.

“Os alertas de destruição da Amazônia bateram recordes históricos nos últimos meses, deixando para o governo Lula uma espécie de desmatamento contratado, que vai influenciar negativamente os números de 2023", complementou.

Corrida pela destruição 

Segundo o Observatório do Clima, as estatísticas comprovam que houve uma corrida pela destruição da Amazônia na reta final do governo de Jair Bolsonaro (PL). Após o resultado das eleições, os alertas cresceram de maneira sem precedentes em redutos bolsonaristas da Amazônia.

Em Rondônia e no Acre, as queimadas na primeira semana de novembro ultrapassaram os piores números já registrados desde o início da série histórica, em 1998. Os estados deram mais de 70% dos votos a Bolsonaro e reelegeram apoiadores do ex-presidente para governador.

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato já temiam que a troca de governo provocasse um salto no desmatamento. Ao contrário de Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se elegeu prometendo lançar as bases para atingir "o desmatamento zero" até 2030. 

Texto publicado originalmente no portal Brasil de Fato.


Foto: Fabio Rodrigues/Agência Brasil

Governo faz primeira reunião ministerial nesta sexta-feira

Agência Brasil*

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva termina a primeira semana de governo com uma reunião de sua equipe de ministros e ministras, nesta sexta-feira (6). O encontro começa às 9h30, no Palácio do Planalto e, segundo o próprio presidente, "só tem horário para começar". 

Em mensagem publicada no Twitter, Lula disse que a reunião tem o objetivo de "organizar os trabalhos". "Estou otimista com o início do governo. Pegamos a casa mal cuidada, mas já estamos trabalhando, porque nossa responsabilidade é muito grande com o povo brasileiro. Bom dia!", escreveu.

Em vídeo divulgado por sua assessoria, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que a reunião tem o objetivo de ser um momento de acolhimento dos novos integrantes do primeiro escalão do governo federal. "O presidente Lula fez questão de convocar essa reunião com todas e todos, fazendo um acolhimento desses ministros e ministras, dar partida no início do governo", afirmou.

O encontro terá uma apresentação da Casa Civil sobre as principais ações de governo, incluindo um panorama sobre obras. O presidente também quer estabelecer entendimento entre os ministros para a retomada de uma relação federativa com estados e municípios.

Uma reunião do presidente com todos os governadores está agendada para o dia 27 de janeiro. 

Texto publicado originalmente na Agência Brasil.


Lula diz que terá a mais importante relação com o Congresso Nacional

Agência Brasil*

Na abertura da primeira reunião ministerial, hoje (6), com a presença dos 37 ministros, no Palácio do Planalto, em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a união entre as pessoas para acabar com as "brigas familiares" motivadas pela polarização política. Ele cobrou respeito às leis e à Constituição e uma boa relação com o Congresso Nacional. “Eu vou fazer a mais importante relação com o Congresso que eu já fiz”, garantiu.

Neste sentido, o presidente pediu que os parlamentares sejam bem atendidos em todos os ministérios. "Não mandamos no Congresso, dependemos do Congresso, e por isso, cada ministro tem que ter a paciência e a grandeza de atender bem cada deputado e senador", acrescentou.

Lula disse que, caso isso não aconteça, o governo vai ouvir o que não quer quando precisar de votos para aprovar matérias importantes. “Temos que saber que nós é que temos que manter uma boa relação com o Congresso Nacional. Não tem importância que você divirja de deputados e senadores. Quando vamos conversar não estamos propondo casamento", ressaltou, dizendo que as alianças podem ser temporárias em temas que interessem ao povo.

Ainda sobre a relação com o Congresso, apesar de ter cobrado empenho de sua equipe, o presidente afirmou que, se preciso, também entrará em campo pessoalmente junto aos parlamentares.

“Já estive oito anos na Presidência, e gostaria de dizer que dessa vez vocês não se preocupem porque terão um presidente disposto a fazer todas as conversas necessárias com partidos políticos e lideranças”, salientou.

O presidente da República lembrou à equipe [de ministros] que muitos deles são resultado de acordos políticos. “Não adianta ter o governo tecnicamente mais formado em Harvard possível e não ter um voto na Câmara e no Senado", afirmou.

Agronegócio

Ainda ao falar sobre relação com setores importantes, em outro momento, Lula citou o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro (PSD-MT). Segundo ele, empresários “de verdade do agronegócio sabem a necessidade da produção sem precisar ofender ou adentrar a floresta amazônica ou qualquer bioma".

Metas

Antes do início da reunião, em mensagem publicada no Twitter, o presidente disse que o objetivo do encontro de hoje é "organizar os trabalhos. Estou otimista com o início do governo. Pegamos a casa mal cuidada, mas já estamos trabalhando porque nossa responsabilidade é muito grande com o povo brasileiro. Bom dia!", escreveu.

Fazem parte da pauta principal da primeira reunião ministerial as metas para os 100 primeiros dias de governo. O discurso inicial de Lula - de 20 minutos - foi aberto à imprensa e a reunião segue neste momento fechada. Após uma apresentação do chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa, sobre pontos levantados pela equipe de transição, cada ministro terá cinco minutos para expor suas prioridades.

Antes de a reunião começar, a primeira-dama Janja Lula Silva presenteou os ministros com a foto tirada no dia da posse de Lula com a equipe ministerial completa.

Texto publicado originalmente na Agência Brasil.


Nas entrelinhas: Simone Tebet no governo Lula esvazia a “terceira via”

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

Qual o significado principal da presença da ex-senadora Simone Tebet no governo Lula? Numa visão economicista, diríamos que servirá de contraponto liberal à política do ministro da Fazenda, Fenando Haddad, supostamente estatizante e sem compromisso com a responsabilidade fiscal, como apontam a maioria dos oposicionistas que criticam o governo Lula por sua política econômica, desde antes mesmo de sua posse. Errado: a presença de Simone Tebet exerce um papel simbólico e político que transcende suas responsabilidades no Ministério do Planejamento e Orçamento: reforça o caráter de centro-esquerda da coalizão democrática de governo. Não é pouca coisa.

É óbvio que a política econômica do novo governo, que está em disputa, terá um papel decisivo para o posicionamento da elite econômica e da classe média que não apoiou Bolsonaro nem Lula no primeiro turno, preferindo Simone Tebet ou Ciro Gomes (PDT). É óbvio que as propostas que rompem a linha de convergência da coalizão e as declarações desastradas sobre pautas específicas dos novos ministros de Lula são um fator de acirramento de desconfianças em relação ao novo governo, que acaba associado ao fracasso da “nova matriz econômica” que levou à derrocada econômica o governo Dilma Rousseff. Mas a questão de fundo, mesmo para esses setores, é política: Simone no governo significa o esvaziamento da chamada “terceira via”, ou seja, da possibilidade de romper a polarização Lula versus Bolsonaro por meio de uma terceira alternativa de poder desde já.

Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), com 4,76% e 1% dos votos, respectivamente, no primeiro turno das eleições de 2018, por experiência própria, se aperceberam do esvaziamento da “terceira via” a partir daquela eleição. O fracasso levou-os a apoiar Lula sem vacilar. O ex-governador paulista até trocou o PSDB pelo PSB para ter uma legenda que lhe permitisse aceitar o convite de Lula para ser seu vice. Da mesma forma, o então governador de São Paulo Rodrigo Garcia, que concorria à reeleição, diante do mesmo fenômeno, trabalhou fortemente para inviabilizar a candidatura do ex-governador João Doria pelo PSDB. Eduardo Leite (PSDB), mesmo com a desistência de Doria, optou para disputar um segundo mandato no governo do Rio Grande Sul, do qual havia até se desincompatibilizado. Ambos não acreditavam na terceira via. Garcia apoiou Bolsonaro no segundo turno.

Coube a Ciro Gomes (PDT), um sobrevivente de 2018, quando obteve 12,47% dos votos, e a Simone Tebet (MDB) representar o projeto de” terceira via”, que novamente fracassou. Ciro Gomes teve a sua menor votação em quatro disputas: 3,04%. Simone surpreendeu na terceira colocação, mas com 4,6%, ou seja, menos de 1 voto para cada 20 eleitores. Como Lula havia batido na trave no primeiro turno e teve que fazer uma disputa dramática com o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, no segundo turno, o apoio da candidata do MDB ao petista teve um papel decisivo, ainda mais porque Ciro Gomes se recusou a fazer campanha para Lula.

Divergências

Simone nunca foi uma real alternativa de poder, mas seu engajamento na campanha de Lula não somente contribuiu para que o petista aumentasse a votação e ganhasse a eleição, como lhe deu projeção política maior do que tivera no primeiro turno, principalmente por causa das mobilizações de rua, sozinha ou ao lado de Lula. Tanto do ponto de vista eleitoral, em razão da votação que obtivera, quando em razão do alinhamento político com Lula, que a convidou para o Ministério do Planejamento, as possibilidades de projeção política futura de Simone são maiores ao participar do governo. Sem mandato nem apoio do MDB, na oposição, como desejavam alguns aliados que insistem na possibilidade de uma terceira via em 2026, perderia todo o protagonismo político. Além disso, colocaria ambição pessoal acima dos riscos que a democracia corre se contribuísse para desestabilizar o governo Lula.

“Nosso papel, sem descuidar da responsabilidade fiscal, da qualidade dos gastos públicos, é colocar o brasileiro no orçamento”, disse Simone, ontem, ao tomar posse no Ministério do Planejamento, consciente de seu papel no “governo do PT e da frente ampla democrática”. Ao fazê-lo, deixou claro que não renunciaria a convicções políticas: “Ministro Haddad, ministro Alckmin e ministra Esther, temos divergências econômicas”, disse.

Mas de onde vêm essas discordâncias? Dos economistas, que têm sérias divergências e visões de mundo, cada um com um modelo de economia na cabeça. A divergência fundamental está na avaliação do papel do mercado na superação dos problemas econômicos. Economistas neoliberais acreditam que se deixarmos o mercado funcionar livremente tudo se resolverá. Economistas conhecidos como keynesianos e estruturalistas apontam a incapacidade de os agentes resolverem grandes depressões, recessões prolongadas e promover a transformação estrutural ´para o desenvolvimento econômico. Economistas liberais ou “neoclássicos” acreditam no poder dos mercados para levar as sociedades a estados ótimos de bem-estar para as pessoas. Os “novo-keynesianos” acreditam no mercado no longo prazo, mas não no curto prazo.

Entretanto, é por causa dessas divergências que os políticos têm o poder de decisão sobre a política econômica. Suas escolhas são mais importantes do que as teorias econômicas. Quando Lula admite divergências entre seus ministros da área econômica, estabelece o contraditório e, a partir dele, aumenta sua capacidade de acertar nas decisões.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-simone-tebet-no-governo-lula-esvazia-a-terceira-via/

Arte: João Rodrigues/FAP

Podcast especial analisa o legado de Pelé, o Rei do Futebol

João Rodrigues, da equipe da FAP

O maior atleta do Século 20, o maior jogador de futebol da história, o maior brasileiro de todos os tempos. Edson Arantes do Nascimento morreu, mas o legado de Pelé será eterno. O Rei do Futebol usou a fama também para trabalhar por causas nas quais acreditava, desde a paz mundial até os direitos da criança e o combate à pobreza.

Para analisar, a trajetória de Pelé dentro e fora de campo, o podcast desta semana da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) conversa com Álvaro Silva e Henrique Brandão. Capixaba de Vitória, jornalista e escritor, Álvaro José dos Santos Silva é membro da Academia Espírito-santense de Letras. Carioca, jornalista e escritor, Henrique Brandão é fundador do bloco Simpatia É Quase Amor e autor do romance Coração Vagabundo, publicado pela Editora Ponteio.



O combate ao racismo protagonizado pele Rei do Futebol, a importância histórica da Lei Pelé para o esporte brasileiro e as relações de Pelé com a política também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Plantão da Globo, Jornal da Band, Jornal da Record, DW Brasil e da narração de Edson Leite do 1º gol de Pelé na Final da Copa do Mundo de 1958.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Ex-presidente José Sarney e vice-presidente Geraldo Alckmin compareceram à solenidade - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Simone Tebet assume ministério do Planejamento prometendo "dar visibilidade aos invisíveis"

Brasil de Fato*

Em mais uma cerimônia de posse ministerial concorrida, Simone Tebet (MDB) assumiu nesta quinta-feira (5) a pasta do Planejamento e Orçamento defendendo a inclusão de pessoas consideradas "invisíveis". Durante a cerimônia de posse, a ministra prometeu trabalhar por "uma nação soberana, justa e para todos". 

"A primeira infância, os jovens e idosos estarão no orçamento. As mulheres, os negros, os povos originários, estarão no orçamento. As pessoas com deficiência, a comunidade LGBTQIA+, estarão no orçamento. Os trabalhadores brasileiros estarão no orçamento. Passou da hora de dar visibilidade aos invisíveis", afirmou.

"Nosso plano de governo tem que abarcar todas essas necessidades. Sem causar desarranjo nas contas públicas, de olho na dívida pública, nos indicadores econômicos", complementou, citando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, presente à cerimônia.

Tebet disse que foi surpreendida pelo convite feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assumir a pasta. Ela afirmou que imaginava ser convidada para atuar em alguma área ligada à "pauta social e de costumes", na qual "tem sinergia" com o petista. 

A agora ministra confirmou que antes do Natal recebeu de Lula um envelope lacrado com o nome do ministério para o qual estava sendo convidada, e que o então presidente eleito pediu que ela não lesse o conteúdo até que passasse o período de festas. Depois, em novo encontro, abriu e leu a indicação para o Planejamento e Orçamento.

Tebet afirmou que reforçou, em conversa com o presidente, ter divergências em relação à agenda econômica petista. Porém, Lula afirmou que gostaria de ter pessoas diferentes trabalhando juntas e se somando.

"O Orçamento será transparente e factível, dentro de metas estabelecidas, com políticas públicas eficazes, avaliadas e monitoradas permanentemente", prometeu a ministra. "Queremos e vamos garantir a segurança jurídica, a segurança socioambiental e a previsibilidade, que vai atrair mais investimentos, emprego e renda".

A ministra disse, ainda, que sua equipe de trabalho "não terá medo" de dizer "o que está funcionando e o que não está funcionando". Ela afirma que haverá especial atenção para evitar o desperdício de obras paradas que não ofereçam retorno ao povo brasileiro.

Convidada a discursar na abertura da cerimônia, a ministra da igualdade racial, Anielle Franco, afirmou que as políticas de orçamento e planejamento serão fundamentais para concretizar e amplificar políticas que potencializem a igualdade de raça, gênero e diversidade. 

"Já me coloquei à disposição da ministra [Tebet], e trabalharemos juntas em estratégias que ampliem a diversidade na composição dos ministérios, e seguiremos trabalhando para evidenciar os talentos que o Brasil do futuro produz todos os dias", destacou.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Energia solar se torna a segunda maior fonte do Brasil

Made for minds*

A energia elétrica fotovoltaica, ou energia solar, se tornou a segunda maior fonte da matriz energética brasileira, com 11,2% da capacidade nacional. O marco, alcançado nesta terça-feira (03/01), foi divulgado pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Com um volume de 23,9 gigawatts (GW) de potência instalada, a energia gerada a partir de painéis solares passou à frente da eólica (23,8 GW), com 11,1%, ficando atrás apenas das fontes hídricas (109,7 GW), que ainda respondem por 51,3% do parque nacional.

Segundo a Absolar, os 23,9 GW estão distribuídos em 16 GW de geração distribuída – instalada em telhados e pequenos terrenos – e 7,9 GW de geração centralizada – com origem nas grandes usinas.

Aumento de incentivos

A expansão da energia solar no país ocorre em meio a um aumento de incentivos econômicos à instalação de usinas fotovoltaicas de pequeno a grande porte. Em 2022, o Brasil registrou um crescimento de 60% na capacidade instalada de energia solar. Só nos últimos meses, o ritmo de crescimento tem girado em torno 1 GW por mês.

"A tecnologia (solar) ajuda a diversificar a matriz elétrica do país, aumentar a segurança de suprimento, reduzir a pressão sobre os recursos hídricos e proteger a população contra mais aumentos na conta de luz", afirmou em nota o CEO da Absolar, Rodrigo Sauaia.

No momento, a energia solar se prepara para mudanças nas regras referentes à modalidade de geração distribuída. Nesta sexta-feira (06/01), encerra-se o prazo para que consumidores entrem com pedidos de conexão de seus painéis junto à rede das distribuidoras, a fim de garantir a isenção de taxas.

Expansão na capacidade instalada

A oferta de energia gerada por fontes renováveis registrou um forte aumento em 2022. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o país encerrou o ano passado com uma expansão de 8.235,1 megawatts (MW) – a segunda maior já registrada, atrás apenas dos 9.528 MW alcançados em 2016.

Somente as usinas eólicas e solares responderam, respectivamente, por 2.922,5 MW e 2.677,3 MW. Usinas termelétricas a biomassa representaram 904,9 MW; as termelétricas que utilizam combustível fóssil contribuíram com 1.355,7 MW; e as centrais hidrelétricas somaram 374,6 MW.

Texto publicado originalmente no Made for minds.


Nas entrelihas: Geraldo Alckmin e Marina Silva completam Esplanada

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

O vice-presidente Geraldo Alckmin, no Desenvolvimento, Indústria, Comércio e serviços, e a deputada Marina Silva, no Meio Ambiente, protagonizaram, ontem, as cerimônias de posse mais concorridas da Esplanada, com discursos que apontam para duas prioridades, entre outras: a reindustrialização do país, que perdeu complexidade industrial, e o combate ao desmatamento, um verdadeiro ovo de Colombo do ponto de vista ambiental. Os dois setores estão entre os mais prejudicados pela política econômica do governo Bolsonaro.

Ao lado do presidente Lula, Alckmin fez um longo discurso sobre a situação da estrutura produtiva do país e destacou que “a reindustrialização é essencial para que possa ser retomado o desenvolvimento sustentável e que essa retomada ocorra sob o único prisma que a legitima: o da justiça social”. Para Alckmin, a recriação do ministério foi necessária para “reconstruir o país e retomar o caminho do desenvolvimento”. A novidade na proposta de Alckmin, porém, é compatibilizar a retomada industrial com a economia verde, para que o Brasil possa ser um “grande protagonista do processo de descarbonização da economia global” e possa integrar às cadeias globais de valor com investimentos em inovação e novas tecnologias nas áreas onde pode ter competitividade.

Embora o discurso não agrade setores liberais, que veem na política industrial uma forma indevida de intervenção do Estado na economia, Alckmin tem razão quando afirma que o Brasil não pode prescindir da sua indústria se tiver ambições de alavancar o crescimento econômico e se desenvolver socialmente. “Ou o país retoma a agenda do desenvolvimento industrial, ou não recuperará o caminho de crescimento sustentável, gerador de empregos”, disse.

O papel de Alckmin será decisivo, também, do ponto de vista político, porque o vice-presidente da República sempre teve boas relações com o empresariado, principalmente paulista. De certa forma, seu discurso buscou um ponto de equilíbrio entre a política econômica do governo e o mercado.

Há muita especulação no mercado financeiro em relação à política econômica do governo Lula e ao desalinhamento entre os ministros, que gera mais confusão, como as declarações desastradas do ministro da Previdência, Carlos Lupi, sobre a reforma da Previdência. Alckmin será uma peça-chave na articulação da equipe econômica do governo Lula, que inclui Simone Tebet, no Planejamento, e Carlos Fávaro (PR), na Agricultura, ao atuar como algodão entre os cristais, para que a política a ser adotada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha complementariedade nas demais pastas.

Desmatamento

Outra estrela a tomar posse foi Marina, que assumiu o Ministério do Meio Ambiente com o propósito de alcançar o desmatamento zero. O impacto que isso pode ter no plano internacional é formidável, porque reduz fortemente a taxa de aquecimento global. É um verdadeiro ovo de Colombo. A primeira-dama Janja acompanhou a posse.

Há razões para otimismo. Com exceção dos últimos quatro anos, nenhum outro país reduziu tanto suas emissões de carbono como o Brasil. Nosso diferencial é a soberania sobre 60% da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Cerca de 44% de nossas emissões de gases de efeito estufa decorrem da mudança de uso da terra, ou seja, o desmatamento, principalmente na Região Amazônica.

É muito mais fácil e barato — portanto, mais eficiente — combater o desmatamento do que alterar a toque de caixa os sistemas de energia, de transporte, de padrão construtivo, de produção de alimentos, embora isso deva ocorrer. O Brasil tem expertise para isso: entre 2004 e 2012, reduziu o desmatamento na Amazônia em 84% e, consequentemente, suas emissões em 67%. A mudança de rumo no ministério, se houver cooperação e coordenação interdisciplinar com outras pastas, como anunciou Marina, pode perfeitamente tornar irrisório o desmatamento e encontrar outras formas de atender às necessidades de 38 milhões de brasileiros na Amazônia, cerca de 12% da população, em condições em geral precárias, que desejam e merecem uma vida mais próspera.

Não adianta isolar e tratar a floresta como um parque intocado. É inviável politicamente e ineficaz. A chave é combinar controle ambiental com repressão às ilegalidades e iniciativas que tornem a floresta em pé mais valiosa para a população local do que sua derrubada, como propôs Marina. Com o governo Lula, tendo Marina à frente da pasta, abre-se a possibilidade de uma nova economia da floresta, gerando produtos e tecnologia. O potencial de descobertas farmacológicas e químicas a partir da biodiversidade também é enorme e pode substituir a pecuária de baixa produtividade e o garimpo ilegal.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-geraldo-alckmin-e-marina-silva-completam-esplanada/

Política, festa e roda - viva

Paulo Fábio Dantas Neto*, Esquerda Democrática

Tentarei explicar o que percebi, talvez impropriamente, como uma gramática identitária regendo a investidura, marcantemente festiva, de Luiz Inácio Lula da Silva no seu terceiro mandato presidencial. É um juízo impressionista. Decorre de um estado de alma que defino como alívio – pela derrota eleitoral da extrema-direita – mas desprovido de ânimo, efeito do êxito, político e moral, no campo democrático, de uma esquerda autorreferente, amarrada ao seu passado, que supõe, entre outras imodéstias, fazer o léxico identitário (de gênero, de raça, de cultura, de costumes) incidente no Brasil e em todo o Ocidente, servir a uma aventura – também identitária, mas de partido e movimento – através do túnel do tempo.

A impropriedade da minha parte talvez seja elevar esse ilusionismo semântico à categoria de gramática. A concessão traduz um sentimento de apreensão com a possibilidade de a esperteza política crescer demais, virar bicho, engolir o dono e todos os que amarramos nossos botes à deriva ao seu velho navio.

Incapaz de traduzir racionalmente esse sentimento nos limites de minhas palavras, apelo a Chico Buarque de Holanda, poeta dos maiores da nação, a grande ausente naquele woodstock de fragmentos:

Tem dias que a gente se sente

Como quem partiu ou morreu

A gente estancou de repente

Ou foi o mundo então que cresceu

A gente quer ter voz ativa

No nosso destino mandar

Mas eis que chega a roda-viva

E carrega o destino pra lá

Expropriado por uma roda-viva: assim me senti no dia da posse. Aliás, assim me sentia desde que a dita transição arriou suas malas. Com vontade de embarcar num vapor barato, eu e uma obsessão política.

O mal-estar com a estética da festa talvez não seja assim tão relevante. Quem sabe um despiste, um pretexto, um bode expiatório para justificar um desânimo que é, antes de tudo, político, ao ver democracia e república divorciarem-se em público. Mas disso tenho falado bastante nesta coluna. O dia hoje é para falar de ultrajes sem rigor. Vamos lá:

Símbolos impressionam-me em demasia. Sei que é um erro de análise política superestimá-los assim. Com algum esforço, sou capaz de abstraí-los e aceitar uma descrição racional da festa da posse, segundo a qual os recados identitários ali presentes apareçam como adjetivo de alguma substância democrática prévia, aspectos pontuais que transmitem um quê de novo a um antigo script. Ou como um artigo indefinido, que precede o substantivo democracia para que ele fique vago a ponto de tornar-se qualquer coisa. Mas no fundo creio serem enganosos, por vezes perigosos, esses discernimentos entre forma e substância, entre traje e adereços. Creio (o verbo é esse, sem retoque) que, na real, são inseparáveis.

O populismo pairava na festa, emanado da figura central, mas curiosamente não lembro de alguém ali ter discursado sobre um povo, ou procurado mostrá-lo. Falava-se de vários “povos”, a começar pelos “originários”, passando pelo pobre, pelo preto e chegando a mil comunidades imaginadas e enumeradas por discursos negativos e agendas afirmativas. É um passo a mais em relação ao clássico "nós x eles", que tornava maniqueísta uma disputa por algo ainda pretendido, afinal, como objeto (poder) comum. Agora o ânimo bélico persiste numa estética encantada pelo termo diversidade. Todos os narcisos acham feio o que não é espelho, mas cada fragmento dessa diversidade sem alteridade não precisa, em tese, vencer adversários a cada contexto. O inimigo essencial, fixo, é qualquer noção de todo. Cada ator exibe seu pedaço como a parte que lhe cabe e basta num latifúndio social dialogicamente improdutivo. A retórica de luta de cada qual mantém o espetáculo. Arremedo estético da luta real, cotidiana, de brasileiros e brasileiras destinados a viverem juntos, misturados em suas dores e misérias, alegrias e grandezas, através de pensamentos, palavras e obras praticados na roda-viva de todo dia, através de conflitos e cooperações, decididas por conciliação ou por força maior. Como se puder e Deus quiser.

Sei que tudo isso poderia ser visto mais benignamente, com dramaticidade mais modesta, através do uso de termos politicamente menos arriscados, como sociedade e cultura. E uma vez assim visto, ser analisado, compreendido, acolhido, processado e incorporado ao acervo do tempo que anda. Sendo bossa nova, isso é muito natural. Mas a tradução disso na política é delicada. Precisamos prestar atenção porque desafinar aí pode ser fatal. Aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim!

A imagem de JK passando a faixa presidencial a Jânio Quadros e a da repetição do ato, quatro décadas depois (no meio delas uma ditadura que durou duas), seguido de um abraço caloroso entre FHC e Lula devem ser remetidas ao museu, antes desses gestos tornarem-se, de fato, prática estável, ou devem ser resgatadas sempre, para que um dia a estabilidade vire tradição? Alguma vez, após o último dia 01.01, uma foto de posse será valorizada se ao lado do presidente não houver um(a) representante dos povos ditos originários? Presidentes a serem retratado(a)s doravante serão suseranos, entre povos e poderes essencialmente distintos, não importa a carga de legitimidade política que mandatários recebam das urnas ou de alianças lúcidas e leais àquelas? A entrega da faixa por entes fixos do social e aquela linha de frente da foto são conjunturais ou são fatos consumados que vieram para ficar? São fragmentos de uma unidade que está sendo quebrada ou verdades reveladas contra uma sempre falsa unidade? Sejam uns ou outras, podem/devem ser amalgamado(a)s pela mobilidade social e política de uma democracia em processo ou podem/devem permanecer como fragmentos ou como idealizações de povos distintos?

Sem respostas conclusivas, apenas compartilho uma percepção intranquila de que o Brasil atual carece de uma consciência conservadora em cima, para que milhões de consciências conservadoras persistentes que vivem desagregados embaixo não sejam duradouramente capturados por aventureiros peritos em lançar mão de símbolos e instituições nacionais. O risco que se corre é, como na foto histórica de 01.01.23, a representatividade social querer ofuscar (no limite dispensar) a representação política da nação e dos seus cidadãos, fazendo prevalecer hierarquias imaginárias, assincréticas e idiossincráticas. Mal nos livramos, pelas urnas, do espectro destrutivo de umas e já chocamos ovos de outras, no nosso quadrado festivo que mede só 51%, mas é deslumbrante e deslumbrado.

Assumo eventuais exageros, mas no momento vejo mais perigo em silêncios do que naqueles. Exageros, nesse caso, são sequelas de vacinas buscadas contra um futuro arrependimento por coisas não ditas. Reconheço aqui, sem precisar acompanhá-lo em tudo, a atitude de um intelectual como Antônio Risério, que estica essa corda, e com ela não se enforca. Mas, de novo, é Chico Buarque quem vem em socorro (talvez sem querer, já que ele pode estar adorando essa festa, pá!) quando me sinto incapaz, como agora, de justificar os meus exageros com minhas próprias palavras:

A gente vai contra a corrente

Até não poder resistir

Na volta do barco é que sente

O quanto deixou de cumprir

Sinto-me assim implicado no que uma esquerda de horizonte republicano deixou de responder positivamente, na década dos 90, a sinais modernizadores dados pela coalizão partidária, conservadora e reformista, que chegou ao governo com o Plano Real, ainda na infância da república democrática da Carta de 1988. E implicado também no consentimento passivo que deu ao experimento político centrífugo que veio na sequência e que terminou fragmentando partidos ainda mal nascidos em facções decrépitas e oscilantes. A renúncia (ou a impossibilidade) da disputa da liderança moral da esquerda teve um preço político alto, ainda hoje cobrado, sem perdão. Sem partido e sem vontade alguma de integrar algum, sigo vendo em partidos políticos instituições imprescindíveis e não quero repetir o que considero ter sido um erro. Daí achar que exageros impressionistas e críticas precoces ao que se está fazendo – por ora em Brasília – com o mandato recebido nas urnas estão entre os menores perigos.

Para conter as críticas acena-se a uma possível brecha que elas abririam a uma oposição de extrema-direita. Sim, o perigo da extrema direita é real e eleitoral. Mas será tanto maior quanto for difusa a condescendência com o populismo e o identitarismo, que, depois de terem bloqueado o caminho de afirmação de uma esquerda republicana no Brasil, acham-se, hoje, em coalizão de veto ao nascimento do que pode vir a ser batizado de centro democrático, a Geni de todas as horas, como acabamos de ver.

Bóric, homem político centrado no novo tempo, tendo a direita do seu país nos calcanhares, está precisando recorrer à gramática cosmopolita e liberal, para – em trilha sintonizada, penso eu, com o que propõe, por exemplo, Mark Lilla, como saída duradoura para o Partido Democrata norte-americano – ir ao encontro da nação chilena e assim tentar reduzir os danos causados àquele país pela onda identitária de esquerda. Não sabemos se terá êxito, mas trata-se de um jovem vagalume que faz falta entre nós.

Lula, centro-esquerda das antigas, não presta atenção em Lilla (nem em Bóric) e também não liga para essas coisas do mundo identitário, a não ser como modo de fazer delas símbolos de outras coisas. Acha-se capaz de instrumentalizar essa “onda” para mais facilmente exercer o governo pessoal. Trata os arautos da onda como tratava antigos bolcheviques e guevaristas, nos primórdios do PT. O mútuo “me engana que eu gosto” não vai funcionar com essa turma indisposta a respeitar qualquer tradição secular e muito determinada a denunciar como maligno o próprio teatro da representação, onde Lula respira. Onde nação e sociedade respiram, mesmo ameaçadas por nacionalismos e populismos politicofóbicos.

Antes que um desquite ruidoso aconteça e seus estilhaços se espalhem, é preciso refletir – como uma das hipóteses legítimas de desdobramento da necessária transição política que ora se inicia – se o Brasil não precisará buscar, num futuro imediato (leia-se 2026), um porto fora da esquerda. Se para sair da rua estreita em que nos metemos desde 2014 e que foi dar no beco de 2018 não vai ser preciso que haja partidos e lideranças que plantem, desde já, devagar, mas sempre, o que não cairá do céu de Brasília. É ver se construir uma oposição democrática ao atual governo não está tão legitimamente na ordem do dia quanto a construção dele mesmo. Penso que sem ambos, governo e oposição democráticos, quiçá republicanos, não haverá reconstrução, muito menos pacificação de nada que se possa chamar de país.

* Cientista político e professor da UFBa

Texto publicado originalmente no Facebook da Esquerda Democrática.


© UNICEF/Brian Sokol Alina em sala de aula no Paraguai, aprendendo a ler e escrever em braile

Dia Mundial do Braille foca em direitos humanos de pessoas com deficiência

ONU News*

As Nações Unidas marcam o Dia Mundial do Braille neste 4 de janeiro. Celebrada desde 2019, a data busca conscientizar da importância desta linguagem para a realização plena dos direitos humanos de pessoas com deficiência visual.

A Organização Mundial da Saúde, OMS, estima que pelo menos 1 bilhão de pessoas, no globo, vivam com alguma limitação visual que poderia ter sido evitada ou ainda não foi tratada.

Direitos das pessoas com deficiência visual

Segundo dados da ONU, pessoas com deficiência visual têm mais chance de viver na pobreza. A falta de cumprimentos dos direitos delas ou de atenção às suas necessidades tem consequências amplas: a perda da visão geralmente representa uma vida inteira de desigualdade, problemas de saúde e barreiras à educação e ao emprego.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 2006, considera o Braille essencial para a educação, liberdade de expressão e opinião, acesso à informação e inclusão social.

Em novembro de 2018, a Assembleia Geral proclamou 4 de janeiro como o Dia Mundial do Braille. Para o órgão da ONU, a plena realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais depende de uma promoção escrita inclusiva.

Braille

O Braille é uma representação tátil de símbolos alfabéticos e numéricos, usando seis pontos para representar cada letra e número, com a capacidade de comunicar até símbolos musicais, matemáticos e científicos.

O método leva o nome de seu inventor na França do século 19, Louis Braille, é usado por pessoas com diferentes níveis de deficiência visual para ler os mesmos livros e materiais impressos em uma fonte visual.

O Braille é essencial no contexto da educação, da liberdade de expressão e opinião, bem como da inclusão social, conforme refletido no segundo artigo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Texto publicado originalmente no portal ONU News.

 


Para MST e MMC, a erradicação da fome é o desafio prioritário de 2023 - Agência Brasil

"Para acabar com a fome no país, temos a solução", afirmam movimentos populares do campo

Brasil de Fato*

“Tem um trocado para me ajudar?”. A frase, cada vez mais comum nas calçadas das grandes cidades, é evidência empírica do que pesquisas atestam com números. Com quase 59% da população vivendo com algum tipo de insegurança alimentar, 2023 chega para o Brasil tendo a fome como um dos temas centrais do debate público.

“Para acabar com a fome no país, temos a solução. É a reforma agrária: desapropriação de latifúndio, produção de alimento saudável e fortalecimento da agricultura familiar”, afirma Alexandre Conceição, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 

Michela Calaça, liderança do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), ressalta que o enfrentamento da fome precisa ser considerado em sua complexidade. “Às vezes parece que é só uma questão de falta de renda. Não é apenas isso. Está ligada à produção de alimentos, à construção da soberania alimentar e à defesa do território. Esse é o principal desafio do nosso momento”, avalia.  

Na opinião de Alexandre, o país precisa mudar sua matriz tecnológica de produção de alimentos, deixando de priorizar a “produção envenenada de commodities do agronegócio” para dar espaço para a agroecologia.   

De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar da Rede Penssan, a falta de comida no prato está ainda mais acentuada nas áreas rurais. Em 60% dos domicílios no campo, a insegurança alimentar é uma realidade. Em uma ironia perversa, a situação afeta mesmo aqueles que vivem do cultivo de alimentos. A fome atinge 21,8% dos lares de agricultores familiares.  

Para o MST e o MMC, movimentos que se engajaram na campanha e nas propostas de transição do novo governo petista, a reversão desse cenário passa pela via institucional. “Enquanto movimentos do campo, da floresta e das águas, temos que construir junto com o novo governo uma proposta de soberania alimentar que vá para além do acesso ao alimento”, opina Calaça.  

O novo governo 

Nos primeiros dias deste terceiro mandato presidencial de Lula (PT), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) foi reativado por meio de Medida Provisória. O órgão, composto por dois terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes do governo, tem o objetivo de assessorar a presidência sobre o tema. 

Outra novidade é a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), desvinculado do Ministério da Agricultura. Este último está sob o comando do senador licenciado Carlos Fávaro (PSD), que já presidiu a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja).  

O ministro da Agricultura foi relator do texto final do PL 510/2021, que segue tramitando no Congresso Nacional e é apelidado por seus críticos como “PL da Grilagem”. Sojicultor, Fávaro chegou a postar em seu Twitter que não mediria esforços para a aprovação do PL, que seria uma “carta de alforria” para os ruralistas.

Já o MDA terá como ministro Paulo Teixeira (PT), que em outubro havia sido eleito para o seu quinto mandato como deputado federal. Em solenidade nesta terça (3), Teixeira afirmou que sua gestão trabalhará “com porta aberta” para os movimentos sociais, “acolhendo sugestões e críticas, naquela ‘amizade incômoda’. Venham para cima”.  

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ficará sob a alçada de sua pasta e não do Ministério da Agricultura, pasta a que estava vinculada até o último governo.

Expectativas 

“Nós, os movimentos rurais, estamos na expectativa de que a gente possa ter um Executivo fortalecido com a recriação do MDA, que o Incra volte a ser uma instituição voltada à desapropriação de terra e que a Conab seja fortalecida com orçamento”, avalia Conceição. "Quando o Estado compra alimentos para os estoques reguladores da Conab, ele ajuda a combater a inflação dos alimentos”, complementa o dirigente do MST. 

Na visão de Michela Calaça, “é possível e necessário integrar, defender e, ao mesmo tempo, pressionar o governo. É claro que isso não é uma postura individual, mas coletiva. Enquanto organizações sociais, enquanto povo organizado, essa é a tarefa”, diz. 

“O nosso objetivo, como MST, segue sendo o mesmo. Lutar pela terra, pela reforma agrária e pela transformação social. Para essa luta, a ocupação de terra sempre foi e será um elemento central”, salienta Alexandre. “Mas não significa que ao fazer isso, você também não possa fazer disputas institucionais”, aponta. 

“Vamos manter nossa autonomia frente ao governo”, destaca o dirigente do MST, “mas ao mesmo tempo estar junto e cobrar para que, com a reforma agrária, o governo possa de fato cumprir a missão de matar a fome do país”.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.