© PMA/Josh Estey Minabige, 49, mora com o marido e a filha em uma pequena cabana de um cômodo no Sri Lanka, onde comem, cozinham, rezam, estudam e dormem, a poucos centímetros de um esgoto a céu aberto

Para erradicar pobreza é preciso trocar caridade por direitos, diz relator especial

ONU News*

relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos* das Nações Unidas, Olivier de Schutter, acredita que viver na pobreza inclui várias dimensões muitas vezes ignoradas em debates mais amplos.

Numa entrevista à ONU News Francês, ele abordou o significado de ser pobre e algumas formas de erradicação da pobreza.

Cuidados de saúde e educação

Para de Schutter, ser pobre não é apenas ter pouca renda e falta de acesso a um trabalho digno, mas também sobre sofrer humilhação, maus tratos sociais e institucionais por parte dos serviços do Estado e de administrações públicas.

Segundo o relator, as pessoas em situação de pobreza destacam suas experiências com estigma, discriminação no acesso ao emprego, habitação, cuidados de saúde e educação.

Ele acredita que para erradicar a pobreza é preciso “uma sociedade mais inclusiva, que troque caridade por direitos.”

Olivier de Schutter conta que, em muitos países, o apoio aos pobres assume a forma de sistemas de transferência de dinheiro, proporcionando às pessoas algum nível de suporte para evitar que caiam na pobreza extrema.

Orçamentos insuficientes

Mas são soluções temporárias, que não fornecem às pessoas direitos que possam reivindicar perante instituições independentes e são mal financiados. Segundo ele, normalmente os orçamentos disponíveis não cobrem as necessidades de toda a população.

Olivier de Schutter acrescenta que muitas pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, de fato, não têm acesso à proteção social porque enfrentam uma série de obstáculos, como não estarem cadastradas, não serem informadas sobre seus direitos ou não conseguirem preencher formulários online.

Para ele, o resultado é que essas medidas não beneficiam aos que deveriam ser amparados pela proteção social.

Estereótipos negativos

O especialista ressalta ainda que a pobreza deve ser vista como uma violação dos direitos humanos, e os pobres devem ter acesso a mecanismos de recursos se forem excluídos da moradia, da educação, do acesso a empregos ou mesmo da proteção social.

Em seu mais recente relatório, apresentado à Assembleia Geral da ONU em 28 de outubro, ele destaca formas de como proteger as pessoas em situação de pobreza desses estereótipos negativos.

De Schutter disse que, juntamente com a Organização Internacional do Trabalho, OIT, foi proposto um novo mecanismo de financiamento internacional, o Fundo Global de Proteção Social e a Conferência Internacional do Trabalho.

Mobilização de recursos

A ideia é que os países se comprometam a estabelecer pisos de proteção social, protegendo as suas populações dos riscos da existência, desde o nascimento até à morte, desde os abonos de família e maternidade até à aposentadoria, por idade, e incluindo subsídios de desemprego, de doença e assim por diante.

Para ele, com apoio internacional e a mobilização de recursos domésticos esses países devem conseguir implementar o desenvolvimento sustentável.

Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 1

Perguntado sobre se é possível erradicar a pobreza até 2030, o relator disse acreditar que, se a meta não for alcançada, será possível sim reduzir significativamente a pobreza chegando próximo a esse objetivo.

De Schutter acredita que a falta de otimismo se deve à crise alimentar e energética e a alta do custo de vida que afetam todos os países.

Ele acrescenta que como consequência da pandemia de Covid-19, a última estimativa é que o número de pessoas em extrema pobreza aumentará, talvez, 95 milhões em comparação com as previsões de 2019.

Mas a crise alimentar e energética levou governos a amparar suas populações através da proteção social.

Olivier de Schutter conclui que esta é uma oportunidade que pode ser aproveitada, se houver o financiamento certo e uma abordagem baseada em direitos para a proteção social.

*Os relatores de direitos humanos são independentes das Nações Unidas e não recebem salário pelo seu trabalho.

Texto publicado originalmente no portal ONU News.


Nas entrelinhas: A invenção do malandro e as milícias

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Entre os anos de 1852 e 1853, Manoel Antônio de Almeida publicou folhetins que se tornariam, mais tarde, a obra Memórias de um sargento de milícias, um clássico do nosso romantismo. Órfão de pai aos 11 anos, era filho de portugueses: o tenente Antônio de Almeida e Josefina Maria de Almeida. Sua infância muito carente o fez cronista da baixa classe média carioca. Jornalista e escritor, com muitas dificuldades financeiras formou-se em medicina, em 1855, mas nunca exerceu a profissão. Morreu aos 31 anos, no naufrágio do navio Hermes, em 1861. Escreveu apenas mais um livro, Dois amores, além de ensaios, contos e poesias.

Ao ignorar a classe média alta e o maniqueísmo elitista com que era retratada à época, Manoel Antônio de Almeida descreveu a vida real do povo e a figura do malandro — pobre, sem ideal, vivendo da sorte e de oportunidades que surgiam. O cenário do romance é o Rio de Janeiro da corte de Dom João VI, que permaneceu no Brasil de 1808 a 1821. O grande protagonista da história é um anti-herói, Leonardo, filho de imigrantes portugueses — Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça —, que se conheceram no navio que os trouxe ao Brasil “após uma pisadela e um beliscão”.

Flagrada pelo marido em traição, Maria das Hortaliças foge de casa; Leonardo Pataca abandona o pequeno Leonardo, que é criado pelo padrinho, um barbeiro, e sua madrinha, uma parteira que adorava missas. Transgressor, Leonardo é protegido por D. Maria, uma velha rica, tia de Luisinha, que deixa de ser sua paixão quando surge a bela mulata Vidinha, cujos primos arranjam uma forma de Leonardo ser preso pelo major Vidigal, mas ele consegue escapar.

O major jura prender Leonardo por malandragem, mas a madrinha consegue um emprego para Leonardo na ucharia-real, emprego que ele logo perderia por ter tido um flerte com uma das criadas do rei. Leonardo acaba preso por Vidigal, que fará dele, porém, um granadeiro de sua patrulha. Mesmo como soldado, Leonardo não deixa suas malandragens e acaba pregando uma peça em seu superior, o que lhe levará à nova prisão, de onde só sairá com nova intervenção de sua madrinha, Dona Maria, e de Maria Regalada, que era um antigo amor de Vidigal. Livre, por influência de ambas, Leonardo torna-se sargento da companhia de granadeiros. Como sargentos da ativa não podiam se casar, Leonardo recebe o título de sargento de milícias e casa-se com Luisinha, a sobrinha de D. Maria, que havia ficado viúva.

Manoel Antônio de Almeida descreve a invenção da malandragem. Na visão do antropólogo Roberto Da Matta, o Brasil urbano é carnavalesco (“não tem conserto”; “ninguém quer trabalhar”, “deixa tudo para amanhã”); autoritário, da regulamentação, do cartório e do arbítrio; e místico, do “outro mundo”, do “carma”, da “reencarnação”, do sobrenatural. De um lado, o Estado-nação, com território, bandeira, moeda, Constituição; de outro, a sociedade sem valores, com seus mitos e rituais.

Desarmamento

Muito do que estamos vivendo na atual conjuntura política tem raízes antropológicas. É o caso das milícias, que nunca tiveram uma relação tão promíscua com os órgãos de coerção do Estado como no governo de Jair Bolsonaro. Esse é um problema muito sério, inclusive em decorrência da politização das Forças Armadas e de uma militância política bolsonarista armada até os dentes, que já começa a se arreganhar contra o governo Lula, com caraterísticas de uma milícia fascista. Segundo os repórteres Bruna Yamaguti e Leonardo Cavalcanti, do SBTNews, o governo Bolsonaro, somente no período de janeiro de 2019 a dezembro de 2022, liberou 1.100 armas por dia para o cidadão comum.

No total, 1,6 milhão de armas foram autorizadas pelo Exército e pela Polícia Federal. O aumento, se comparado aos quatro anos anteriores — das gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer — foi de 88% (847 mil). O Exército, por meio do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), liberou 904.854 armas em quatro anos. Já a Polícia Federal permitiu o registro e o porte de mais de 700 mil na gestão Bolsonaro, que operou uma estratégia para armar a população.

No governo Bolsonaro, mais de 40 decretos, portarias, instruções normativas e resoluções da Câmara de Comércio Exterior flexibilizaram o Estatuto do Desarmamento, de 2003. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que reduz o acesso a armas e munições e suspende o registro de novas armas de uso restrito de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Também suspendeu as autorizações de novos clubes de tiro até a divulgação de uma nova regulamentação. Entretanto, a pasta está fora do tubo.

Entre as restrições estabelecidas estão a proibição do transporte de arma municiada, a prática de tiro desportivo por menores de 18 anos e a redução de seis para três a quantidade de armas a que cada cidadão comum tem direito. O novo governo também condiciona a autorização de porte de arma à comprovação da necessidade. Além disso, todas as armas compradas desde maio de 2019 devem ser recadastradas pelos proprietários em até 60 dias. Para reverter esse quadro, será preciso mexer no Estatuto do Desarmamento e reafirmar o monopólio do Estado sobre o uso da força, o que pressupõe apartar as Forças Armadas da política e restabelecer a plenitude da hierarquia e da disciplina.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-invencao-do-malandro-e-as-milicias/

Livro Longa Jornada até a Democracia, de Carlos Marchi | Foto: Cleomar Almeida/FAP

Carlos Marchi lança livro Longa Jornada até a Democracia, no Rio

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

Escrito pelo jornalista e escritos Carlos Marchi, o livro Longa Jornada até a Democracia (476 páginas), primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), será lançado nesta quinta-feira (26/01), a partir das 19 horas, durante evento presencial no Bar e Restaurante R. Farme de Amoedo, 51 - Ipanema, Rio de Janeiro. Os leitores poderão terão seus exemplares autografados no local pelo autor da obra, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

O livro teve seu segundo lançamento presencial em Brasília (20/12). O primeiro foi realizado em São Paulo, no último dia 12 de dezembro, também com a presença do autor e de dezenas de convidados. Interessados em adquirir seu exemplar podem enviar solicitação diretamente para o e-mail da FAP (fundacaoastrojildo@gmail.com) ou ligar para 61 3011-9300.

A obra registra o legado do partido, que, com erros e acertos registrados em livros de história, ainda permanece como um dos principais atores da luta pela democracia brasileira. O autor começa em 1922 e se detém ao período que segue até a década de 1960, a qual define a característica mais própria e delineada com que o Partidão entrou na memória coletiva.

Veja o vídeo do lançamento no Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2023.



O livro relata a história do partido que se revelou dono de uma visão estratégica que intuía, ainda que muitas vezes no quadro conceitual do “marxismo-leninismo”, a natureza “ocidental” da formação social brasileira. Por isso, rejeitava com muita consistência o caminho das revoluções do século XIX.

Este tipo de revolução, replicado em 1917 e mesmo depois em países periféricos, também não deixou de arregimentar muita gente idealista, mas, é forçoso admitir, tratou em geral de ideais redentores de pouca ou nenhuma viabilidade prática. É o que observa o prefaciador da obra, o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques.

Confira, a seguir, galeria de fotos do lançamento em São Paulo:

Escritor Carlos Marchi autografando obra para leitor
A obra Longa Jornada até a Democracia foi editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Sessão de autógrafos em São Paulo
Evento foi presencial, no São Cristóvão Bar e Restaurante, na Vila Madalena
A obra relata a história do Partido Comunista Brasileiro
Livro foi lançado segunda - feira (12/12)
 Longa Jornada até a Democracia é o primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Sessão de autógrafos permitiu que muitos leitores conhecessem o grande escritor e jornalista Carlos Marchi
Escritor Carlos Marchi autografando obra para leitor
A obra Longa Jornada até a Democracia foi editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Sessão de autógrafos em São Paulo
Evento foi presencial, no São Cristóvão Bar e Restaurante, na Vila Madalena
A obra relata a história do Partido Comunista Brasileiro
Livro foi lançado segunda - feira (12/12)
Longa Jornada até a Democracia é o primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Sessão de autógrafos permitiu que muitos leitores conhecessem o grande escritor e jornalista Carlos Marchi
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Escritor Carlos Marchi autografando obra para leitor
A obra Longa Jornada até a Democracia foi editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Sessão de autógrafos em São Paulo
Evento foi presencial, no São Cristóvão Bar e Restaurante, na Vila Madalena
A obra relata a história do Partido Comunista Brasileiro
Livro foi lançado segunda - feira (12/12)
 Longa Jornada até a Democracia é o primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Sessão de autógrafos permitiu que muitos leitores conhecessem o grande escritor e jornalista Carlos Marchi
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Ligado à revolução desde o seu nascimento, o PCB respondia ao mesmo tempo às necessidades da própria modernização capitalista, como expressão da entrada de uma nova subjetividade de classe na arena política, que se reformulava com a corrosão irreversível da República Velha e a ampla rearrumação promovida com a Revolução de 1930. Um ator moderno, com forte motivação endógena.

Clique aqui e confira todas as obras publicadas pela FAP

Com o passar dos anos, o Partidão passou a ser o portador explícito de uma determinada visão de mundo, baseada na centralidade da classe operária e num marxismo, a bem dizer, precariamente assimilado, assim como de um nexo entre nacional e internacional, que, explorações propagandísticas à parte, caracteriza todo moderno grupo político.

 “Fazer como na Rússia”, portanto, não significava obedecer às ordens de Moscou, ou de lá receber o “ouro” para promover a subversão, mas reivindicar pela primeira vez, de modo coerente, o protagonismo de um decisivo agrupamento subalterno nas lutas políticas e sociais do país. E de um agrupamento que não estava sozinho no mundo, mas, sim, inserido numa rede típica da modernidade do século XX.

A centralidade da classe operária seria igualmente a fonte de um novo paradoxo, que salta logo à vista entre as diferentes vicissitudes descritas no livro. Antes de mais nada, a classe operária de que falavam os pais fundadores do PCB – em primeiro lugar, os dois dirigentes mais marcantes, Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, este último não presente no ato niteroiense de fundação – vinha à luz num contexto de capitalismo autoritário e numa economia cuja industrialização.

A rigor, se faria “por cima”, pelas mãos do Estado, sem contemplar a democratização da propriedade rural e a plena liberdade de organização de sindicatos urbanos e partidos de esquerda.

Serviço

Lançamento do livro Longa Jornada até a Democracia

Data: 26/01 (próxima quinta-feira)

Horário: a partir das 19h

Onde: Bar e Restaurante R. Farme de Amoedo, 51 - Ipanema, Rio de Janeiro

Realização: FAP e Carlos Marchi


Foto: Carl de Souza

WikiFavelas: um caminho para reconstruir o Brasil

Outras Palavras*

Encerramos a coluna do Dicionário de Favelas Marielle Franco no Outras Palavras em 2022 com esperança. O nosso texto falava sobre as dificuldades de aquilombar a política no Brasil, num cenário de sub-representação de pessoas negras, pobres e faveladas nos espaços da política institucional. Mas, apesar de enormes dificuldades, o primeiro domingo do ano nos abriu oportunidades: o povo brasileiro subiu a rampa do Palácio do Planalto em toda a sua diversidade. Teremos indígenas, mulheres negras, faveladas, pessoas com deficiência, trabalhadores e trabalhadoras, sem-teto, sem-terra e tantos outros setores estratégicos na refundação do Brasil.

Os ares que sopram nos abrem caminhos para uma discussão profunda, aliada aos importantes movimentos sociais insurgentes, sobre democracia e direitos humanos no Brasil. Silvio Almeida, nomeado ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, ao tomar posse reforça o reconhecimento e a dignidade que deverá ser a principal ação do atual governo para a garantia de direitos de tantos corpos marcados pela discriminação e pela exclusão na sociedade brasileira. Por mais que muitos e muitas tentem vilipendiar o sentido dos direitos humanos e limitar o acesso à dignidade, a cada dia fica comprovado que sem um sistema de garantia de direitos fundamentais para todas as pessoas, não conseguiremos avançar como sociedade. Num período histórico de intensa polarização, que, como vimos, não se esgotou com o fim das eleições presidenciais de 2022, tem-se disputado também o sentido dos direitos humanos. E precisamos utilizar desse espaço para posicionar os setores progressistas e de esquerda na consolidação dos direitos. Sem anistia! – é o clamor da sociedade!

O segundo domingo do ano nos deu muitos recados. Diante de ameaças (falidas) de golpe de Estado, uma malta fascista tomou a Praça dos Três Poderes, em Brasília, para destruí-la. Flávio Dino, Ministro de Justiça e Segurança Pública, buscou nas forças de segurança formas de conter os terroristas, porém as polícias, sob o comando do governador do Distrito Federal, cooperaram na invasão e se mantiveram dispostas a servir de base para o que há de pior no Brasil: o racismo e as violações de direitos humanos. Em seu histórico de violências em todo território nacional, percebemos que o Estado é forte quando impõe seu braço armado contra populações pobres e negras, por exemplo, na promoção constante e institucionalizada de chacinas policiais em favelas e periferias do Rio de Janeiro. A identificação de “bandido”, portanto, não reconhece homens brancos de meia idade vestidos com o uniforme da CBF quebrando vidraças e destruindo obras de arte. Caso o comando seja identificar criminosos que atentem contra a democracia, os policiais não sabem para quem olhar, já que terão que olhar também para si mesmos.

Como discute Luiz Eduardo Soares em artigo recente neste mesmo site, a infiltração contagiosa do fascismo nas polícias não é novidade, tem história e sua erradicação passará por mudanças institucionais e culturais, eliminando focos e estruturas que permitem a reprodução das práticas que perpetuam a repressão seletiva como forma de dominação. Por outro lado, é urgente que se aprimore em toda a sociedade a crítica como uma oportunidade de inflexão política. Pesquisadores(as), lideranças e moradores(as) de favelas e periferias já vêm denunciando as estratégias do militarismo e os riscos para a democracia brasileira. A discussão sobre a desmilitarização das polícias, no entanto, encontra o crescimento exponencial das milícias, como no caso do Rio de Janeiro, e aprofunda problemas estruturais. Desde a redemocratização, o papel constitucional das polícias não problematiza as forças de segurança como forças que reproduzem contra suas próprias populações uma “guerra” de inimigos internos. A “guerra” como metáfora se ancora, justamente, na excepcionalidade de uma situação de risco que exige medidas também excepcionais e estranhas à normalidade institucional e democrática para atender aos anseios da ordem e da sociabilidade, daqueles que são tidos como cidadãos de direito. Tentativas de repressão e controle a título de “pacificação” já demonstraram que a democracia no asfalto não pode coexistir com o estado de exceção nas periferias e favelas. Um dia o aparato repressivo fora do controle da sociedade, em promiscuidade com as milícias e a militarização das políticas públicas se tornaram o modo dominante de exercício do poder.

Após a prisão de centenas de pessoas em Brasília em função dos atos terroristas na sede dos três poderes, o general Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República, foi às redes pedir que os direitos humanos das pessoas custodiadas fossem respeitados. O peso simbólico deste ato, onde um dos expoentes da ultradireita no país – que esteve à frente de um dos governos que mais atacou as políticas de direitos humanos (especialmente de pessoas pobres, negras, LGBTIA+, mulheres, povos originários…) – pede clemência para que seus eleitores, acusados de uma série de crimes envolvendo depredação de patrimônio público, terrorismo, golpe de Estado e afins, usufruam do conjunto de direitos contra os quais ele mesmo se encarregou de lutar, é também parte do que precisamos colocar sobre a mesa.

O mesmo pedido de clemência se estende aos pobres e desassistidos que sofrem com a ausência de políticas públicas na saúde, na educação, no trabalho e na moradia? Ou apenas aos empresários que estão destruindo a Amazônia com desmatamento ilegal? Ou isenta o governador do Rio de Janeiro, atual recordista em operações policiais letais em favelas e periferias? Ou inclui os milhares de jovens negros encarcerados por uma (também falida) guerra às drogas?

Silvio Almeida convoca a ação em seu discurso de posse quando pede que “nós não nos rendemos. Pois nós somos o povo que, mais de um século antes do pastor Martin Luther King, dizíamos, com Luiz Gama, ter um sonho: ver ‘o Brasil americano e as terras do Cruzeiro, sem reis e sem escravos!’”.

Logo após os atos terroristas reprimidos por meio de uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, em um palácio destroçado, esperançamos mais uma vez ao acompanhar a posse de Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, potências que inscrevem em seus corpos e, agora, oficialmente, no governo federal: a luta das mulheres indígenas, negras, quilombolas e tantas outras Marias, Mahins, Marielles e malês. É tempo, portanto, de reparação, verdade e justiça! E de tomar a pauta dos direitos humanos por seus próprios defensores e defensoras.

Deve ser o primeiro ponto de pauta a discussão sobre direitos humanos em favelas e periferias, pois é um movimento essencial se quisermos retomar os rumos democráticos do Brasil. Não há como discutir democracia sem pensar nas milhares de execuções de negros e negras que acontecem diariamente em favelas, periferias e na manutenção de presos sem julgamento, humilhados e mortos nas prisões, assim como não há como pensar em democracia sem acesso a saneamento, habitação, saúde, educação e alimentação. Democracia não é uma abstração ou algo utópico, tampouco uma ação isolada. Democracia é um processo, é uma caminhada, é um conjunto de posicionamentos e práticas fundamentais para a vida digna da população. No verbete “Segurança Pública e Direitos Humanos: algumas considerações para seguirmos em luta”, os psicólogos e pesquisadores Caíque Azael, Rosa Pedro e Pedro Paulo Bicalho discutem sobre a necessidade de seguir em luta “para a construção de futuros possíveis, onde práticas que perpetuam violências, desigualdades e aniquilamentos não sejam mais uma realidade, muito menos operadas pelo Estado brasileiro”. Confira o texto na íntegra no Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Faixa pode ter sido usada por golpistas como escudo de proteção - Marcelo Camargo/Agência Brasil

PF investiga se vândalos bolsonaristas receberam treinamento antes do ataque a Brasília

Brasil de Fato*

A Polícia Federal (PF) investiga se parte dos golpistas apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) que invadiram a Praça dos Três Poderes em Brasília no último dia 8 de janeiro recebeu algum tipo de treinamento para encarar as forças policiais. A informação foi publicada nesta quinta-feira (19) em reportagem do jornal Valor.

Segundo a apuração do jornal, uma série de evidências demonstraria que ao menos uma parte do grupo tinha sido preparada para o confronto. O uso de máscaras e luvas por muitos dos invasores seria um desses indícios. As armas brancas também não parecem ter sido escolhidas por acaso: vários usavam soco inglês e estilingue.

Objetos como cabos de bandeiras, pedaços de pau e pedras também foram usados. Além disso, até mesmo uma faixa verde e amarela de grande pode ter sido levada pelo grupo para servir como proteção contra balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.

A reação de parte dos bolsonaristas ao gás lacrimogêneo é um dos pontos que fizeram as suspeitas avançarem, segundo o Valor. Muitos resistiram aos efeitos do gás, que, além das lágrimas, causa tosse. Mesmo após o lançamento das bombas, integrantes do grupo seguiam determinados, o que teria chamado atenção dos policiais presentes.

Outro indício, apontou a reportagem, foi a maneira como a invasão ocorreu. Enquanto um grupo partiu para o Congresso, outras duas frentes seguiram rumo ao Palácio do Planalto e à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em movimento aparentemente coordenado.

Após ter acesso aos dados sobre a investigação, o Valor procurou a PF para confirmar as informações, mas a corporação afirmou que não comenta investigações em andamento.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Nas entrelinhas: Uma reforma militar será inevitável

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Recém-eleito, com 288 mil votos, o jovem deputado Amom Mandel (Cidadania), de 21 anos, o mais votado no Amazonas para Câmara dos Deputados, antes mesmo de tomar posse, iniciou uma campanha para acabar com o serviço militar obrigatório, um verdadeiro tabu para as Forças Armadas. “Estou preparando um projeto para propor o fim do alistamento militar obrigatório. Qual a sua opinião?” — anunciou no Twitter, a sua principal ferramenta de intervenção política. A proposta provocou 3.567 comentários e teve 1.538 compartilhamentos, o que já é suficiente para se tornar uma causa com ressonância na sociedade e posicionar seu mandato junto à opinião pública.

Se aprovada, a proposta será o ponto de partida para uma reforma militar, que pode ganhar apoio da sociedade, principalmente da juventude, em razão dos últimos acontecimentos envolvendo as Forças Armadas, principalmente a omissão quanto à invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Não é uma ideia nova, mas o ambiente político agora é mais favorável a sua aprovação. A proposta de Amom está na contramão do Projeto de Lei 557/19, já aprovado pelo Senado, para que jovens morando em instituições de acolhimento familiar ou institucional tenham prioridade no processo seletivo para o serviço militar obrigatório.

Atualmente, a seleção para as Forças Armadas tem três etapas: alistamento (no ano em que o jovem completa 18 anos), seleção e incorporação. Pela proposta, de autoria do senador bolsonarista Eduardo Girão (Podemos-CE), a preferência pelos jovens egressos de abrigos será complementar a critérios definidos previamente pelo Exército, pela Marinha ou pela Aeronáutica. O Ministério da Defesa seleciona os jovens a partir da combinação de vigor físico e capacidade analítica, medida de forma independente do nível de informações ou da formação cultural dos candidatos.

O projeto tramita em caráter conclusivo na Câmara, mas tem um longo caminho a percorrer: as comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. A proposta de Amom coloca em xeque o conceito adotado na criação do serviço militar obrigatório, cujo objetivo é fazer com que as Forças Armadas sejam a representação do “povo em armas”, com base no mito fundador do nosso Exército, a vitória na batalha de Guararapes (PE), decisiva para expulsão dos holandeses.

Ocorrida entre 1648 e 1649, houve muitos combates entre as tropas holandesas e as brasileiras, com apoio dos portugueses, na região dos Montes Guararapes, localizada próximo à cidade de Recife. Derrotados pelos militares luso-brasileiros, os holandeses fugiram para a cidade de Recife, local em que resistiram até janeiro de 1654. Muitos índios e negros lutaram ao lado das forças luso-brasileiras para expulsar os holandeses, sob comando do general português Francisco Barreto de Meneses; do paraibano André Vidal de Negreiros; do negro Henrique Dias, filho de escravos libertos; e do líder indígena potiguar Felipe Camarão, todos militares.

Profissionalismo e tecnologia

O surgimento de exércitos de massa no Ocidente está associado à formação do Estado-nação e ao uso de mosquete, que facilitou a instrução militar. A falta de precisão das armas de fogo da época obrigava a formações maciças de atiradores. Com a Revolução Francesa, o Exército de Napoleão Bonaparte, que conquistou a Europa e obrigou Dom João VI e a família real a fugirem de Portugal para o Brasil, consolidou o conceito de exército popular, com forte identidade patriótica, para se contrapor aos exércitos profissionais, muitas vezes formados por mercenários. A conscrição permitiu à França revolucionária formar o exército que Napoleão Bonaparte considerava “a nação em armas”.

Entretanto, esse conceito vem sendo contestado no Ocidente desde os protestos maciços nos Estados Unidos contra a conscrição para a Guerra do Vietnã. Com o final da Guerra Fria, a maioria dos países do Ocidente passou a dar prioridade aos soldados profissionais, ao treinamento de alta performance, à criação de forças especiais e ao uso de tecnologia de última geração. A guerra da Ucrânia, por exemplo, está servindo de terreno para um confronto entre modernos armamentos da Otan e as tropas russas equipadas com armamentos convencionais.

O projeto do jovem Amom Mandel abre um debate na sociedade sobre as Forças Armadas que queremos, num momento em que a questão militar voltou ao centro das preocupações políticas. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que pretende discutir com os comandantes militares a modernização das Forças Armadas. Recém-empossado, Lula está convencido de que no dia 8 de janeiro havia um golpe em marcha, que somente não ocorreu devido à intervenção civil na segurança pública do Distrito Federal.

Há uma desconfiança recíproca entre Lula e os militares, uma vez que o bolsonarismo contaminou grande parte dos efetivos militares. Ao contrário do que aconteceu na Argentina e na Espanha, como no Chile, a volta aos quartéis dos militares brasileiros foi uma retirada em ordem, embora tenham sido politicamente derrotados. A vitória de Bolsonaro em 2018 representou uma volta ao poder pelas urnas, levando à militarização da administração federal, numa proporção maior até que a do regime militar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-uma-reforma-militar-sera-inevitavel/

Cenário brasileiro | Imagem: reprodução/Outras Palavras

Os caminhos para uma reforma tributária justa

Outras Palavras*

A reforma tributária tem ocupado as atenções políticas há, pelo menos, 25 anos. Parece haver consenso quanto a sua necessidade. No entanto, sempre que o assunto ganha alguma relevância no cenário político, esse suposto consenso se desmancha, pois nem todos os que defendem a reforma comungam das mesmas motivações. Não é diferente, neste momento, com debates sobre programas para um governo de corte democrático e popular.

Para muitos, inclusive para nós, o problema central do sistema tributário é o seu caráter regressivo, cujas principais consequências relacionam-se ao aprofundamento das desigualdades de natureza econômica e social. Mas como traduzir mais precisamente essa regressividade do sistema tributário? Trata-se da sua característica de beneficiar os mais ricos pela débil tributação das altas rendas e das grandes riquezas e “transferir o fardo dos impostos”, como afirmou Chomsky, aos mais pobres. No caso brasileiro, esta transferência é mais visível na hipertrofia da carga tributária sobre o consumo.

Para outros, o único problema a ser corrigido se refere à complexidade do sistema tributário. São, estes, os conhecidos defensores de uma reforma restrita à tributação sobre o consumo, designada “simplificação tributária”, a ser supostamente resolvida pela unificação de praticamente todos os tributos indiretos, das competências municipal, estadual e federal, incluídas várias contribuições sociais, num único imposto sobre o valor agregado (IVA).

Lideram esse bloco, as grandes corporações que industrializam ou importam produtos considerados supérfluos, atualmente submetidos ao critério da seletividade e, portanto, à incidência de alíquotas mais gravosas do IPI e do ICMS, e em alguns casos, do PIS/Cofins não cumulativo, pois, certamente, seriam as maiores beneficiadas por uma reforma desse tipo. As instituições financeiras igualmente demonstram enorme disposição para tal mudança, com o objetivo de abolir a possibilidade da incidência de alíquotas maiores da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E a mesma lógica de interesses serve às empresas que, a depender da atividade econômica exercida, podem vir a ser submetidas a alíquotas maiores de qualquer uma das contribuições sociais existentes, possibilidade contemplada pelo §9º do Artigo 195 da Constituição Federal. Associam-se aos partidários da reforma restrita à tributação indireta, aqueles que defendem o esvaziamento do Estado Social e o fim das contribuições sociais, espécie de tributo cuja essência é a vinculação de sua arrecadação ao financiamento de políticas de seguridade.

O debate no campo popular

Interessa-nos, aqui, discutir as posições do primeiro bloco, formado pelos que atuam no campo popular e democrático. Entre nós, manifesta-se uma concordância fundamental sobre a necessidade de modificações estruturais no sentido de deslocar parte da tributação indireta incidente sobre as mercadorias e os serviços, para a imposição direta sobre as altas rendas e as grandes riquezas, mas, em outro sentido, uma divergência preocupante tem se destacado, sobre qual é a prioridade da reforma e, consequentemente, por onde começar.

A divergência aparece no debate em formulações sutis como, por exemplo, “Não basta simplificar, é preciso tributar mais a renda e o patrimônio”, que acabam por conferir à reforma dos tributos indiretos as qualidades de ser imprescindível e prioritária, ainda que seja ressalvada a necessidade de atribuir maior progressividade aos tributos diretos. As distintas visões também estão presentes na discussão sobre o alcance da reforma tributária no futuro próximo: ampla, abrangendo a tributação sobre o consumo e começando por aí, ou centrada na renda e patrimônio, pelo menos no primeiro momento.

Parece haver consenso, entre os que defendem uma reforma no sentido da progressividade, sobre cada componente do sistema tributário poder ser melhorado. Os tributos sobre a renda, tanto das pessoas físicas, como das pessoas jurídicas, deveriam ser modificados para adotar a capacidade contributiva, de fato, como o critério mais relevante e para elevar sua participação na arrecadação nacional total. Da mesma forma, deveria ser reforçado o papel dos tributos patrimoniais, principalmente, por meio da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, há tempos, previsto na Constituição Federal, mas, até hoje, sem a maioria política para ser implementado.

Os tributos sobre o consumo também deveriam sofrer modificações, com vistas a reduzir seu peso na arrecadação total e racionalizar sua forma de incidência, corrigindo características como o tributo por dentro da base de cálculo e sua cobrança na origem. Os tributos com natureza extrafiscal, como o IPI, os incidentes sobre o comércio exterior, o IOF e a Cide deveriam estar alinhados a um programa de desenvolvimento nacional e de sustentabilidade ambiental. Além disso, as mudanças tecnológicas e as consequentes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, assim como a atuação no plano global das grandes corporações, vêm colocando desafios importantes para a tributação, exigindo a busca de novas fontes para o financiamento da proteção social.

No entanto, sabe-se que qualquer reforma ampla tende a potencializar resistências políticas, muitas delas, justas, sob a ótica das lutas sociais. As propostas de reformas dos tributos indiretos, em particular, fazem emergir conflitos e disputas internas ao empresariado e entre os entes federativos, provocam desgaste junto à parcela importante dos prefeitos e governadores, além de resultar na legítima oposição dos movimentos populares que lutam pela preservação e alargamento das políticas de proteção social, como demonstraram as propostas de reforma tributárias tentadas desde meados da década de 1990. Tais propostas não apenas alteram a distribuição da carga tributária entre os diversos setores econômicos, repercussão que sempre merece um bom debate, mas, afetam sobremaneira a autonomia dos estados e municípios e agridem o financiamento da Seguridade Social previsto na Constituição Federal de 1988.

Em partes, para avançar

Ainda que seja possível projetar a configuração geral de um sistema tributário socialmente justo, funcional para o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental, sua implementação efetiva terá maiores chances de êxito se os projetos forem tratados separadamente, priorizando-se, inicialmente, aqueles cuja natureza afeta os problemas centrais do sistema e, ao mesmo tempo, está em sintonia com a maior parte dos setores organizados da sociedade, os aliados do financiamento progressivo das políticas públicas.

A reforma tributária silenciosa realizada no Brasil entre 1995 e 2002 iniciou-se por mudanças estruturais no Imposto de Renda. A reforma progressiva deve se iniciar também por aí, mas seguindo o sentido inverso. Está muito evidente que a criação de mecanismos como a isenção dos lucros e dividendos distribuídos e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio, promovidas pela Lei nº 9.249/95, resultaram na desidratação substancial do IR em seus aspectos arrecadatório e distributivo. Os mais ricos pagam proporcionalmente muito menos do que os mais pobres.

Quanto à tributação corporativa, o fato de a maior parte das pessoas jurídicas não tributarem o lucro, mas sim frações da receita bruta, faz com que também o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) acabem onerando muito mais o consumo do que o resultado obtido pela atividade econômica. Em 2019, por exemplo, somente 3,05% das pessoas jurídicas registradas no país eram tributadas pela modalidade do Lucro Real. As demais são todas tributadas pelo Lucro Presumido (16,68%) ou pelo Simples (80,26%)1. Mesmo para as pessoas jurídicas tributadas pelo regime de Lucro Real, há um enorme conjunto de possíveis ajustes que reduzem substancialmente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL em relação ao lucro líquido da atividade – o resultado efetivo no período –, tornando a alíquota efetiva bem inferior à alíquota nominal. Estas PJ, embora submetidas a uma alíquota maior da CSLL, que, somada ao IRPJ, totalizaria uma alíquota nominal de 45%, na realidade estiveram sujeitas a uma alíquota efetiva de apenas 14,3% entre 2010 e 20192. É absolutamente falsa, portanto, a afirmação sobre as pessoas jurídicas serem excessivamente tributadas no Brasil, como os economistas liberais querem nos fazer crer.

Evidentemente, não se afasta a necessidade de aperfeiçoamento da tributação da renda das empresas, mas o caminho segue em outra direção. É importante reduzir as possibilidades de tributação de um lucro fictício, como ocorre atualmente, por meio da sistemática de lucro presumido e de outras formas de diminuição da base de cálculo do IR e da CSLL. Um bom objetivo é aproximar, o máximo possível, a base de cálculo desses tributos do lucro líquido efetivamente obtido pela atividade empresarial no período considerado.

Outro fator relevante da regressividade é a ausência injustificável da cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição de 1988 e até hoje não implementado, mesmo diante do quadro dramático que vivemos no país, de profunda desigualdade social e de uma brutal concentração de renda e riquezas.

A solução para imprimir progressividade efetiva ao IR e instituir o IGF independe de modificações constitucionais e pode ser encaminhada pela aprovação de Leis ordinárias e complementares. Sem corrigir as distorções no Imposto de Renda e sem implementar o IGF, fica muito difícil, senão, impossível, avançar no sentido da justiça fiscal e pavimentar o caminho para o desenvolvimento nacional, inclusivo, com redistribuição de renda e riqueza.

Prioridade das mudanças na esfera de competência da União

Quase 70% de toda a arrecadação tributária se refere a tributos de competência da União, os quais abrangem todas as bases de incidência (renda, patrimônio e consumo). Tanto a redução da regressividade, quanto o alinhamento do sistema tributário às políticas de desenvolvimento, de redistribuição e voltadas à sustentabilidade ambiental podem ser implementadas por meio de medidas no âmbito das competências tributárias federais. As propostas de eliminação das distorções na legislação do IR e de implementação do IGF apresentam grande capacidade de aumento da arrecadação e, em contrapartida, permitirão viabilizar a gradativa redução da carga impositiva sobre as rendas mais baixas e sobre o consumo de mercadorias e serviços, por meio da correção da tabela de incidência do IRPF e da diminuição das alíquotas da Cofins e do PIS, aliviando o peso dos tributos sobre boa parte dos assalariados e dos consumidores de baixa e média renda.

Primeiro: reafirmar os fundamentos tributários da Constituição Cidadã!

Boa parte dos problemas identificados podem ser caracterizados como desvios dos marcos do sistema tributário previsto na Constituição Federal de 1988. A isenção dos lucros e dividendos distribuídos pelas empresas e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio são os mecanismos mais graves e evidentes da ruptura entre o Imposto de Renda e os princípios e critérios constitucionais que o deveriam guiar. A isonomia de tratamento entre os contribuintes foi violada e o princípio da capacidade contributiva, desrespeitado. Além disso, ao isentar também o lucro remetido ao exterior, a legislação infraconstitucional promoveu um benefício indevido ao destinatário dos lucros, como também aos países onde estes residem, na medida em que a quase totalidade destes tributam os lucros recebidos pelos sócios e acionistas das empresas estrangeiras. O que deixamos de cobrar aqui, os países de residência cobrarão por lá.

Segundo: impulsionar o avanço da progressividade

É preciso atuar, ainda, na redução dos tributos que incidem sobre o consumo, e que, portanto, afetam mais a renda da população pobres. A tributação das empresas deve incidir preferencialmente sobre o resultado líquido e menos sobre o faturamento ou sobre a receita bruta. Para tanto, parte das contribuições sociais pode migrar para bases de incidência direta. O PIS e a Cofins, por incidirem sobre o faturamento, podem ter suas alíquotas reduzidas, o que reduziria o peso da tributação sobre o consumo e ao mesmo tempo diminuiria os custos de produção.

A compensação da redução na arrecadação das contribuições de natureza regressiva pode ser obtida pela criação de uma Contribuição Social sobre as Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR), com incidência progressiva, uma vez que incidiria apenas sobre parcelas de rendimentos excedentes a R$ 60 mil mensais. Essa medida exige uma alteração constitucional.

Terceiro: alinhar a tributação à política de desenvolvimento econômico 

A progressividade na tributação em geral é, por si só, um fator favorável à atividade econômica, na medida em que os mais pobres, sendo menos tributados, teriam aumentada sua capacidade de consumo, o que amplia a demanda agregada. A elevação da tributação sobre as altas rendas e sobre as grandes riquezas amplia a capacidade do Estado para a promoção de políticas públicas, comprovadamente, um forte fator de estímulo à atividade econômica. Afinal, o gasto público se transforma imediatamente em receita privada.

Para o bom alinhamento da tributação à política econômica pretendida, no entanto, cabe acrescentar a maior utilização dos instrumentos extrafiscais da tributação. O Imposto de Exportação pode ser aplicado sobre as exportações de commodities em períodos de sobrevalorização no mercado internacional, como forma de o Estado reter parcela do resultado da atividade num Fundo de Desenvolvimento industrial voltado à criação de cadeias produtivas e ampliação das já existentes.

A orientação na alocação dos recursos privados pode ser obtida pelo uso do princípio da seletividade do IPI ou pela criação de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Assim, é possível estabelecer uma política de sustentabilidade ambiental, utilizando esses instrumentos.  A interferência do Estado na política monetária pode ser obtida pela definição das alíquotas do IOF.

Tão importante quanto a definição de um modelo de sistema tributário ideal para o país, considerando o estágio de desenvolvimento em que se encontra e ao qual se pretende chegar, é a definição da estratégia de como avançar na construção deste modelo. Assim, neste artigo, procuramos apontar uma proposta de caminho para implementação das propostas de modificações da legislação tributária com maior capacidade de alteração estrutural progressiva do sistema tributário, com baixo nível de dificuldade técnica legislativa, com enorme potencial de adesão popular e com menor volume de resistências.

Em síntese, entendemos que a reforma politicamente viável e socialmente desejável deva se iniciar pelos tributos da União, primeiramente com correções da tributação sobre a renda (IRPF, IRPJ e CSLL), incluindo a instituição do IGF, seguida por ajustes na tributação sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI e Cide) de forma a reduzir a regressividade do sistema. E somente a partir dessa nova configuração da tributação federal é que se partiria para uma reforma dos tributos dos entes subnacionais, com uma ampla discussão do pacto federativo.

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Nas entrelinhas: Zema, Leite e Tarcísio já disputam a liderança da direita

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

O ex-presidente Jair Bolsonaro não morreu, mas a possibilidade de que venha a se tornar inelegível, em razão de seu envolvimento na tentativa de golpe contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, precipitou uma corrida entre os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); e de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Cada um, ao seu estilo, busca liderança das forças conservadoras do país para a formação de uma nova direita, mais moderada e comprometida com a democracia.

Essas são as peças que estão se movendo no tabuleiro, no lusco-fusco do isolamento da extrema direita, num ambiente político em que a polarização Bolsonaro versus Lula se mantém na base do “hay gobierno, soy contra”. A expressão criada pelos anarquistas espanhóis é a tradução popular de uma filosofia que vê todas as formas de autoridade governamental como desnecessárias e indesejáveis. Uma utopia irrealizável, o anarquismo defende uma sociedade baseada em cooperação voluntária e livre associação de indivíduos e grupos. No Brasil, o bolsonarismo incorporou a violência anárquica como forma de luta.

O bolsonarismo cresceu no bojo do sentimento antigovernista das manifestações de junho de 2013, contra o governo Dilma Rousseff, que desaguaram no impeachment da presidente da República e, depois, em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro. Existe na classe média, principalmente entre profissionais liberais e empreendedores, um sentimento do tipo “hay gobierno, soy contra”, por causa dos impostos, da má qualidade dos serviços públicos e da ojeriza à política e aos políticos por causa da corrupção. De certa forma, Bolsonaro conseguiu capturar esse sentimento, somando esses setores a uma base eleitoral reacionária, até então formada por corporações que integram o “partido da ordem”, e conservadora, alicerçada nos evangélicos e na defesa da família unicelular patriarcal.

Como Jair Bolsonaro, Romeu Zema foi catapultado ao governo de Minas pelo tsunami eleitoral de 2018. Reeleito no primeiro turno, apoiou Bolsonaro no segundo turno e, agora, está assumindo o protagonismo na oposição ao governo Lula e ao Supremo Tribunal Federal (STF), com ataques ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que responsabiliza pelo vandalismo na Praça dos Três Poderes, acusando-o de omissão, e ao ministro Alexandre de Moraes, pelo afastamento do governador de Brasília, Ibaneis Rocha, que considera arbitrário e inconstitucional. Minas Gerais é um estado decisivo nas eleições presidenciais; no segundo mandato, é natural que Zema tenha pretensões de se tornar presidente da República. Saiu na frente na disputa pela liderança da oposição conservadora.

Polarização e terceira via

De certa forma, Lula aceitou a polarização com Zema. O ministro da Justiça, Flávio Dino, que é senador eleito e ex-governador do Maranhão, não rebateria o governador mineiro com a dureza que o fez sem autorização do presidente da República. “Me espanta que o governador Zema tente vestir a roupa do Bolsonaro. Não cabe nele… É preciso que ele tenha algum amigo sincero que diga a ele… Primeiro, porque Minas Gerais é a terra de Tiradentes, de Tancredo Neves, é a terra da democracia… Então, não é possível que um governador, de modo vil, se alinhe à extrema direita para proteger terrorista. Fica feio…”

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, também reeleito, é outro que já está se lançando ao pleito de 2026. É uma novidade na política brasileira. Defende uma agenda econômica neoliberal, mas esse conservadorismo não se traduz em pauta dos costumes, quando nada porque Leite é gay assumido, num estado de grande tradição machista. A estratégia de Leite é a formação de um grande partido de direita moderada, a partir da ampliação da federação do PSDB com o Cidadania, somando-se ao Podemos, que acaba de incorporar o PSC, na esperança de viabilizar uma nova “terceira via”.

Supostamente, isso possibilitaria tomar a bandeira da ética de Bolsonaro, para disputar a liderança moral da sociedade. Leite tem dois problemas: somente venceu as eleições com apoio do PT, que negociou sua neutralidade; e não terá amplo respaldo dos bolsonaristas. Além disso, só há um precedente de presidente gaúcho eleito pelo voto direto, Getúlio Vargas, em 1950, mesmo assim depois de ter governado o Brasil por 15 anos como ditador. Entretanto, precisa de apoio federal para fazer um bom segundo mandato.

A maior vitória de Bolsonaro em 2022 foi a eleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, seu ex-ministro da Infraestrutura, quebrando a longeva hegemonia tucana. O Palácio dos Bandeirantes tradicionalmente é o ponto de decolagem de candidatos a presidente da República, por ser o estado mais rico e mais populoso, com quase um terço do eleitorado. Sua candidatura atropelou o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que contava com amplo apoio político para se reeleger e operou fortemente para remover a candidatura presidencial de seu antecessor, João Doria (PSDB), e assim não confrontar o eleitorado bolsonarista.

Tarcísio é um player das eleições de 2026, mas somente será candidato à Presidência se Bolsonaro ficar inelegível e lhe apoiar, o que não é o mais provável. De todos os pretendentes, é o que mais representa os interesses do empresariado paulista, mas isso também não garante a eleição de ninguém, haja vista o fracasso eleitoral dos ex-governadores Orestes Quércia (MDB), José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (então no PSDB) em disputas presidenciais. Tarcísio é o que tem a maior sombra de futuro: pode concorrer à reeleição e somente disputar a Presidência em 2030.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-zema-leite-e-tarcisio-ja-disputam-a-lideranca-da-direita/

Foto: Jacqueline Lisboa/WWF-Brasil

Revista online | O protagonismo indígena e o Ministério dos Povos Indígenas 

Marcos Terena*, escritor indígena, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O chamado protagonismo indígena não pode ser tratado como ação de um partido político, de um governo ou de uma organização indígena apenas.

Ao longo do tempo, a grande caminhada indígena para afirmar sua soberania e dignidade começou, talvez, naquele dia em que Caramuru, o português Borba Gato, chegou com um litro de aguardente e ameaçou queimar as águas dos rios, caso não lhe fosse mostrado onde encontrar as pedras preciosas.  

Não se deve desconsiderar as formas de vida, a inteligência, a economia sustentável e os mistérios espirituais indígenas e suas relações com a Mãe Terra em cada bioma.

Durante todo o processo colonizador, em que mais de mil povos ancestrais desapareceram, a aplicação da meia verdade tornou-se uma moeda corrente, inclusive para justificar a instituição do paternalismo, da dominação e da falsa ideia do enriquecimento fácil, como o arrendamento territorial. 

Veja todos os artigos da edição 50 da revista Política Democrática online

No final dos anos 1970, os chefes indígenas de vários povos e regiões passaram a conhecer os caminhos do poder de Brasília e a observar como eram e ainda são invisíveis aos olhos do poder público, do Judiciário, do Legislativo e do próprio Executivo.

É preciso recordar que as questões indígenas eram tratadas como casos de segurança nacional e, recentemente, como casos de polícia. 

No entanto, o protagonismo indígena nunca parou de avançar. Aquele protagonismo tribal ou comunitário da dignidade, da inteligência e da coragem que mostra os chefes Mario Juruna e Celestino Xavante sempre renasce e está vivo na nova geração a partir do conceito “posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”.

São sementes históricas marcantes das quais não se deve esquecer, especialmente pelos jovens indígenas que acessaram a universidade por sistemas de cotas articuladas e negociadas pelo mesmo protagonismo indígena.

No ano de 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, os povos indígenas se uniram para mostrar que “caminhamos em direção ao futuro, nos rastros de nossos antepassados”. Dessa forma, o fogo sagrado do bem viver foi aceso para recordar o valor ancestral do vínculo com a Mãe Terra e os compromissos com todos.

O movimento indígena, nos últimos anos, vem criando as condições possíveis para construir uma política indigenista dentro do sistema governamental. Afinal, as regras de afirmação já estão postas na Constituição Federal ou no cenário internacional, como na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou na Declaração da ONU sobre os direitos indígenas. 

Depois, surgiram jovens indígenas que passaram a dominar a linguagem dos grandes debates internacionais após a RIO 92 e a COP 8, eventos realizados no Brasil sobre meio ambiente e diversidade biológica. Seguiram essas agendas os debates na COP 27, no Egito, e na COP 15, em Ottawa, agora sob a roupagem de mudanças climáticas e proteção à biodiversidade e conhecimentos indígenas.

A realidade brasileira indígena, devido a essa gama de articulações, de certa forma, encurralou o sistema governamental ao mostrar essas credenciais, como ocorreu no encontro com o presidente Lula e a primeira dama Janja, no Egito, apresentando a fatura por programas e compromissos factíveis com a realidade dos mais de 300 povos e 240 línguas, por exemplo. Além do Ministério dos Povos Indígenas, também houve proposta para criação de uma Universidade Intercultural e até de um centro de pesquisa e proteção à saúde indígena, com a novidade de ser coordenada pelo próprio protagonismo indígena.

O Ministério dos Povos Indígenas chegou, e Lula, em ação inédita, assinou o ato que o torna parte da história, ao nomear a primeira ministra indígena, a deputada Sonia Guajajara, eleita por São Paulo.

Veja, abaixo, galeria:

Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto: Daiara Tukano/Instagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
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Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
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Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
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Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto Daiara TukanoInstagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
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Mesmo com a assinatura desse ato, não podemos pensar que isso signifique a solução de todos os problemas dos mais de 500 anos de invasão e as demandas da modernidade, mas, sim, a responsabilidade do presidente do Brasil no cenário nacional e internacional de contribuir com a pavimentação desse caminho que não é indígena. Isto porque os inimigos dos indígenas existem e se organizam sob o manto da democracia parlamentar. 

Mais uma vez, os povos indígenas, com direito a quase 15% do território nacional onde está a resposta para o bem viver mundial, contribuem novamente para o resgate da afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da credibilidade internacional. O país é megadiverso.  

O protagonismo indígena independente do governo. Deve estar organizado para o bom combate, como a demarcação territorial e a gestão das terras indígenas, e ter como estímulo a mensagem do chefe Sepeti Arajú: “Esta terra tem dono!”

Sobre o autor

*Marcos Terena é escritor indígena, fundador do primeiro movimento indígena, da tradição Xumono e articulador dos direitos indígenas.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Desabafo de Bolsonaro com o ex- presidente dos Estados Unidos Donald Trump | Imagem: JCaesar

Revista online | Confira charge de JCaesar sobre prisão

Sobre o autor

JCaesar

* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Foto: Divulgação do acervo da Organização Cultural Remanescentes de Tia Ciata | Arte: Ana Schuller

O Legado da Tia Ciata

Luiz Carlos Prestes Filho*

A Matriarca do Samba de Sambar e do Carnaval do Brasil, Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata, estava em seu terreiro, na Praça Onze, quando modernistas, em São Paulo, realizavam a Semana de Arte Moderna de 1922. Claro, os organizadores do evento modernista não imaginavam que a obra daquela mulher negra um dia seria tão importante como as obras de um Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia, Vicente do Rego Monteiro, Guiomar Novaes, entre outros.

Por outro lado, naquele mesmo ano, reunidos em Niterói para fundar o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Manuel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrogildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres, José Elias da Silva, Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro, também não tinham noção da poderosa força social que estava sendo germinada no terreiro da Tia Ciata.

Os 18 heróis do Forte de Copacabana, que liderados pelo tenente Antônio Siqueira Campos, caminharam com coragem frente ao inimigo de peito aberto, possivelmente nunca tinha ouvido dos compositores Pixinguinha, Sinhô e Donga que, reunidos no terreiro da Tia Ciata, em 1922, estavam dando voz a voz do povo brasileiro.

Entendo que sem a obra da Tia Ciata não podemos entender em sua totalidade o ano de 1922. Em especial, nas artes. Durante 100 anos acadêmicos universitários nos impõem a Semana de Arte Moderna como o único evento fundador do modernismo no Brasil. Desconsiderando simultaneidades. Como se a cidade de São Paulo tivesse sido a única fonte de renovação das artes no Brasil.

Certa vez, quando perguntaram ao Tom Jobim sobre a origem da bossa-nova, ele prontamente respondeu: “Nasceu no terreiro da Tia Ciata!”

Essa resposta do compositor me levou para a autocrítica realizada pelo Mário de Andrade, um dos nomes centrais do modernismo, de que a semana de 1922 esteve distante do sentimento de revolta que tomava o Brasil naquele ano. Inclusive, na diversidade de representação. O evento paulista contemplou a elite e foi financiado pela elite.

Neste sentido, a Tia Ciata tinha muito mais representação. Ela desenvolveu sua arte juntamente com letrados e não letrados, ricos e pobres, poderosos e excluídos. Reconhecer que o terreiro da Tia Ciata tem a mesma importância que a Semana de Arte Moderna, que os 18 do Forte de Copacabana e a fundação do PCB, é fundamental para a História do Brasil. Sem o Samba de Sambar e sem o Carnaval não seríamos modernos.

*Luiz Carlos Prestes Filho é diretor de cinema formado pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética (URSS), escritor, jornalista e compositor.