Arte: João Rodrigues/FAP

Marcos Terena: “Povos isolados estão ameaçados de holocausto indígena”

João Rodrigues, da equipe da FAP

No início desta semana, o governo federal declarou emergência em saúde pública no território Yanomami. A região sofre com desassistência sanitária, enfrenta casos de desnutrição severa e malária. De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças yanomamis entre um e quatro anos morreram em 2022. O avanço do garimpo ilegal na região é a principal causa das mortes e da destruição das áreas yanomamis.
Com a presença do escritor e líder indígena Marcos Terena, o podcast Rádio FAP desta semana analisa a crise humanitária que atinge os yanomamis. Terena foi um dos articuladores dos direitos indígenas na formulação da Constituição de 1988 e já representou o Brasil em diversos grupos de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU).



O genocídio do governo Bolsonaro em relação a tragédia humanitária dos yanomamis, os desafios do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas e a importância da preservação dos direitos dos primeiros habitantes do país também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Jornalismo TV Cultura e TV Brasil.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Funai: déficit é de 1,5 mil servidores, diz assessor especial do min. dos Povos Indígenas

Brasil de fato*

Além da criação do Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sonia Guajajara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entregou o comando da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para Joenia Wapichana, confirmando o apoio do governo federal à causa indígena. Agora, o movimento se organiza para ocupar a administração pública, enquanto se prepara para brigar por estrutura e orçamento.

O cacique Marcos Xukuru, uma das principais lideranças indígenas do país, que será assessor especial do Ministério dos Povos Indígenas, estima que o déficit de servidores da Funai possa chegar a 1.500 cargos.

“Eu tenho conversado com a Sônia e hoje falei rapidamente, pela primeira vez, com a Joenia e ela me falava da preocupação com a paralisação de processos da Funai, a falta de recursos e a questão da reestruturação da Funai, que não atende às necessidades dos povos indígenas”, afirmou o cacique, em entrevista ao Brasil de Fato.

Em entrevista ao portal UOL, em 3 de janeiro, Joenia Wapichana, já havia comentado sobre a necessidade de ampliar os recursos do órgão, que deve ser de R$ 600 milhões em 2023. “Esse orçamento não é suficiente, mas o presidente Lula já sabe disso e, com isso, eu espero que a Funai tenha um apoio financeiro a mais por conta das necessidades do órgão que é tomar conta de 14% do território brasileiro.”

Na última segunda-feira (23), o governo federal anunciou a dispensa de 43 chefes regionais e nacionais da Funai. Marcos Xukuru afirmou que o órgão priorizará a nomeação de indígenas para os cargos.

“É preciso ter muita cautela, porque não é só ocupar o espaço por ocupar, é ocupar com critérios estabelecidos pelo próprio movimento. Faremos um processo de escuta ampliado. A intenção é que seja ocupado por nossos irmãos, os parentes indígenas, mas que não seja apenas a ocupação do espaço, mas dentro de um perfil estabelecido, para que as pessoas possam contribuir com a gestão, porque não temos o direito de errar.”

O cacique celebrou o gesto de Lula, que foi à Terra Indígena Yanomami, em Roraima, observar de perto o agravamento do estado de saúde de milhares de indígenas, que sofrem com malária e desnutrição grave.

“Nosso presidente tem uma visão de sensibilidade com a causa indígena. A ida dele lá (Roraima) mostra o tamanho da importância que ele está dando para essa pauta, é algo histórico. Hoje, não estamos à margem da vida do país. Há uma compreensão da dimensão do papel dos povos indígenas, pois podemos contribuir para esse país”, comemorou.

Xukuru

Marcos Luidson de Araújo, o Cacique Marcos Xukuru, foi eleito prefeito de Pesqueira, município de 68 mil habitantes na região agreste de Pernambuco, em 2020. Seria o primeiro indígena a comandar uma prefeitura no Nordeste. No entanto, foi barrado pela Lei da Ficha Limpa, que o impediu de tomar posse.

O cacique tem uma condenação por “crime contra o patrimônio privado”, por um incêndio que ele supostamente teria cometido contra uma residência em 2003, num contexto de conflito fundiário. Marcos negou ter participado do ato, mas acabou condenado em todas as instâncias. O Tribunal Eleitoral Superior (TSE) cassou sua chapa e impediu que ele governasse o município, que foi submetido a nova eleição em outubro de 2022.

Embora já tenha sido anunciado na função de assessor especial do Ministério dos Povos Originários e, inclusive tenha se reunido com Sônia Guajajara, Marcos Xukuru ainda aguarda a nomeação para o cargo.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Após a investigação da equipe de transição e os primeiros dias de governo, já é possível ter uma dimensão do trabalho que foi feito pela gestão anterior na Funai?

Marcos Xukuru: Evidentemente que houve um desmonte da política indigenista nesse país. Nunca houve interesse em se resolver nossos problemas. Há interesses econômicos que impactam diretamente nas pautas dos povos indígenas no país, com o agronegócio, o garimpo ilegal e os madeireiros. Por outro lado, há um grupo articulado para não permitir a resolução desses problemas. O Estado brasileiro precisa dar essa resposta, por isso eu digo que o governo tem que estar alinhado, inclusive nosso presidente, para dar uma resposta a esses grupos.

Esse é um momento muito importante. Evidentemente que assumindo esse protagonismo, assumimos também uma grande responsabilidade, pois saímos do espaço de cobrança e vamos entrar em outro contexto, que é a execução de ações que antes pautávamos. Esperamos também que nosso presidente dê as condições necessárias para que possamos desenvolver um excelente trabalho, para que nossas ações possa chegar em diversas regiões do país.

O que vocês encontraram na Funai e demais órgãos que incidem na vida dos povos indígenas?

Precisamos reestruturar esses espaços que foram sucateados, porque encontramos uma terra arrasada. Tratando-se da Funai, principalmente, que tem uma missão importante de demarcação e proteção dos territórios indígenas, é preciso que haja um olhar cuidadoso do governo, que possamos trabalhar orçamento e força de trabalho, para que essa missão possa ser cumprida. É um desafio imenso...

Exato. Eu tenho conversado com a Sônia e hoje estive rapidamente, pela primeira vez, com a Joenia e ela me falava da preocupação com a paralisação de processos da Funai, a falta de recursos e a questão da reestruturação da Funai, que não atende às necessidades dos povos indígenas. Evidentemente a presença dos militares na Funai sempre foi um problema, isso travava os processos e não deixava chegar as demandas da população na ponta. Sem falar na falta de pessoal, um déficit enorme de servidores que precisamos ter.

Não temos ainda a informação de quantos precisam. Os rumores, ouvindo outras pessoas também, é de que precisaremos de mil a 1.500 servidores para suprir toda a necessidade da Funai.

O governo federal anunciou a dispensa de 43 chefes regionais e nacionais da Funai. Como será feita essa substituição? Indígenas serão priorizados na ocupação dos cargos?

É uma discussão que o movimento está fazendo. É preciso ter muita cautela, porque não é só ocupar o espaço por ocupar, é ocupar com critérios estabelecidos pelo próprio movimento. Faremos um processo de escuta ampliado. A intenção é que seja ocupado por nossos irmãos, os parentes indígenas, mas que não seja apenas a ocupação do espaço, mas dentro de um perfil estabelecido, para que as pessoas possam contribuir com a gestão, porque não temos o direito de errar. É preciso tomar muito cuidado, o movimento tem pautado essa discussão em nível regional e nacional. Vamos identificar os indígenas que têm o conhecimento técnico e as especificações para os cargos.

Como foi recebido o gesto de Lula, que foi até a Terra Indígena (T.I.) Yanomami?

Nosso presidente tem uma visão de sensibilidade com a causa indígena. A ida dele lá (Roraima) mostra o tamanho da importância que ele está dando para essa pauta, é algo histórico. Hoje, não estamos à margem da vida do país. Há uma compreensão da dimensão do papel dos povos indígenas, pois podemos contribuir para esse país. A demarcação das terras dos povos indígenas, que incidem nos biomas, na Mata Atlântica e na Amazônia, é fundamental para a questão climática. A ida dele ao território do povo Yanomami mostra a importância que temos na reconstrução desse país.

Na última semana, tivemos a deflagração da crise na T.I. Yanomami e também a morte de dois indígenas na Bahia...

A responsabilidade não é só do governo federal, é preciso cobrar os governos estaduais, para que haja uma parceria no monitoramento dos conflitos fundiários. A Funai terá um papel importante, mas os governos estaduais precisam estar alinhados. Na medida que avançarmos com as demarcações, os conflitos serão amenizados. Identificando o processo de regularização dos territórios, não tenho dúvida, haverá uma redução nos conflitos.

Vocês estão otimistas sobre o crescimento no número de terras indígenas demarcadas?

Na parte administrativa, haverá as condições necessárias para que possamos avançar. Mas não podemos esquecer que há entraves jurídicos, nossos oponentes travam os processos na Justiça. Vai depender também do poder judiciário, como ele se comportará. É preciso que tudo seja feito com muito cuidado dentro do governo, na parte administrativa, para que os processos não sejam levados à Justiça.

Há um cenário favorável. Porém, o governo é formado por vários partidos e tem gente que discorda. Evidentemente, se há vontade do presidente, é um avanço. Porém, haverá pressão do outro lado. É preciso que o movimento indígena esteja coeso e que façamos muito debate e o movimento indígena terá que ir para a rua e pressionar o governo também.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Argentina, 1985 conquistou o Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro, seguindo ainda no páreo para o Oscar em março próximo | Foto: Reprodução/Best Movie Cast

Revista online | Cinema e democracia

Lilia Lustosa*, crítica de cinema, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro de 2023)

A onda de filmes sobre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais que assola os streamings ultimamente é um fator a ser considerado. O historiador francês Marc Ferro já dizia que o cinema, por ser um testemunho singular de seu tempo, traz à tona elementos que viabilizam uma análise da sociedade em que está inserido, independentemente da vontade do diretor, do roteirista ou do produtor. Para Ferro, o documento fílmico “traz sem querer uma informação que vai contra as intenções daquele que filma, ou da firma que mandou filmar”. Ou seja, mesmo que não seja a intenção, determinados aspectos da sociedade vão emergir, aparecendo na tela em forma de “lapsos”.

Como se observa diariamente nos jornais e nas redes sociais, o mundo anda bem complicado ultimamente, e a América Latina não é exceção, parecendo até ter sido selecionada como um dos cenários preferidos para extremistas e fanáticos que colocam cotidianamente a democracia em xeque.

No nosso Brasil, os acontecimentos de 8 de janeiro, em Brasília, são um exemplo triste  de que a ameaça é bem mais real do que se imaginava. Vidraças quebradas, obras de arte perfuradas e parte do nosso patrimônio dilapidado por vândalos alucinados não são obra de nenhuma ficção concorrendo ao Oscar deste ano. Infelizmente. São, na verdade, o retrato da mais pura (e feia) realidade.

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Dentro desse contexto, há vários filmes que refletem as angústias dos nossos tempos e que podem ajudar a entender que o caminho que estamos percorrendo precisa ser combatido já. 

Nada de Novo no Front (2022), longa alemão que concorre ao Oscar de Melhor filme internacional neste ano, é um bom exemplo. O filme, que é baseado no livro homônimo de Erich Maria Remarque, de 1929, além de contar a história pelo lado do perdedor – coisa rara nos livros de História – não se furta a fazer uma mea culpa sobre as ações da Alemanha na 1ª Guerra, deixando bem claro, porém, que em uma guerra ninguém sai vencedor.

Argentina, 1985 (2022), de Santiago Mitre, que concorre ao Oscar na mesma categoria,  surge, por sua vez, como uma espécie de luz no fim do túnel. Um banho de esperança, disfarçado de filme. Aliás, uma senhora aula de cinema político, tocando em pontos cruciais e doloridos da História, sem ter nem que recorrer à troca de nomes reais por fictícios. Filme sem medo!

Estrelado por Ricardo Darín no papel do promotor Júlio César Strassera, chefe do Ministério Público argentino, o longa reproduz com maestria um momento bastante tenso na história do país, logo após o fim da ditadura militar. Período em que o então presidente Raúl Alfonsín assinara um decreto que previa o julgamento dos militares implicados em crimes durante a ditadura, baseado no informe Nunca Más, documento escrito pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), que registrou a existência de mais de 340 centros clandestinos e mais de 9 mil desaparecidos no país.

O foco é então o Julgamento das Juntas Militares, ineditamente composto por um júri de civis. Para auxiliar Strassera nessa missão quase impossível, estava o jovem Luis Moreno O’Campo (Peter Lanzani), de família tradicional argentina, um dos poucos a ter coragem de se juntar ao promotor para enfrentar o rojão que viria pela frente. Com eles, havia ainda um grupo de jovens neófitos destemidos, dispostos a trabalhar noite e dia para fazer justiça.

Confira, a seguir, galeria:

Primeira guerra mundial | Foto: reprodução/UOL
Segundo guerra mundial | Foto: Brasil Escola
Filme Nada de Novo no Front | Foto: reprodução/O Globo
Filme Argentina, 1985 | Foto: reprodução/Outras Palavras
Brasil em defesa da democracia |Foto: Joa Souza/Shutterstock
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
Primeira guerra mundial | Foto: reprodução/UOL
Segundo guerra mundial | Foto: Brasil Escola
Filme Nada de Novo no Front | Foto: reprodução/O Globo
Filme Argentina, 1985 | Foto: reprodução/Outras Palavras
Brasil em defesa da democracia |Foto: Joa Souza/Shutterstock
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
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Primeira guerra mundial | Foto: reprodução/UOL
Segundo guerra mundial | Foto: Brasil Escola
Filme Nada de Novo no Front | Foto: reprodução/O Globo
Filme Argentina, 1985 | Foto: reprodução/Outras Palavras
Brasil em defesa da democracia |Foto: Joa Souza/Shutterstock
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
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Como é praxe no cinema argentino, Argentina, 1985 propõe uma reflexão sobre a história do país, espécie de autoanálise que surpreende por não se contentar em ficar na categoria de filmes de tribunal, centrado em cenas de julgamento e em eloquentes discursos enfeitados. O que Mitre constrói aqui é algo bem mais complexo. Uma obra que mistura História, suspense e até humor, sem nunca se deixar cair na armadilha do dramalhão regado a lágrimas e sofrimentos. Por meio de uma reconstituição histórica de alto nível e de uma recriação sublime dos anos 1980 –  com belo design de produção e de figurino –, o diretor apresenta o passo a passo do julgamento de 1985, sem desconsiderar aspectos individuais e sentimentos dos personagens envolvidos.

Argentina, 1985 já levou alguns prêmios nesta temporada, entre eles o disputado Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro, seguindo ainda no páreo para o Oscar em março próximo. Um sinal de que, apesar do temor de que algo parecido com uma 3ª Guerra Mundial aconteça, os “lapsos” dos nossos tempos ainda indicam que a democracia é o melhor caminho.

Sobre a autora

* Lilia Lustosa é crítica de cinema, formada em publicidade, especialista em marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Nas entrelinhas: Reeleição de Lira muda o foco político de Lula

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Os 513 deputados federais eleitos em outubro do ano passado tomarão posse no próximo dia 1º, em sessão marcada para as 10h, no Plenário Ulysses Guimarães. No mesmo dia, às 16h30, começa a sessão destinada à eleição do novo presidente e da Mesa Diretora para o biênio 2023/2024. Haverá troca de posições na composição (11 cargos), mas não na Presidência, pois é praticamente certa a recondução do deputado Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara.

Ele tem o apoio de 19 partidos, que somam 489 deputados. Em 2021, numa disputa com o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), foi eleito com 302 votos contra 145. No comando da Casa, consolidou seu poder quando o presidente Jair Bolsonaro, temendo um impeachment, decidiu entregar o Orçamento da União e a Casa Civil da Presidência ao PP. A abertura do processo de impeachment é um ato monocrático do presidente da Câmara e, quando isso ocorreu, virou um trem descarrilado nos governos Collor de Mello e Dilma Rousseff, que foram depostos constitucionalmente.

À época do acordo com o Centrão, o filho do presidente da República, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), estava acossado pelas investigações do escândalo das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e pelo envolvimento de um capitão da PM-RJ que fora seu assessor parlamentar no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol). Um vizinho miliciano de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, no Rio, foi apontado como um dos executores. O governo também já estava mal das pernas, com grande perda de popularidade. Ou seja, as coisas estavam do jeito que o Centrão gosta.

Apesar de aliado de Bolsonaro, cuja reeleição apoiou, Lira prontamente reconheceu a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na primeira reunião entre ambos, o petista sinalizou que não interferiria nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado. Foi uma declaração sensata e já esperada, mas a rapidez com que a bancada do PT decidiu apoiar a reeleição de Lira surpreendeu o próprio presidente da República.

A explicação veio na hora de cobrir o rombo no Orçamento de 2022, que Bolsonaro estourou durante a campanha eleitoral. Lira demonstrou pronto apoio à chamada PEC da Transição, que autorizava o governo a gastar aproximadamente R$ 170 bilhões fora do teto de gastos.

Lula poderia ter resolvido o problema da falta de recursos para o Bolsa família por medida provisória, no primeiro dia de governo, mas foi pressionado pela bancada do PT e os próprios aliados a apoiar a PEC e embutir no projeto o jabuti do pagamento das emendas parlamentares do chamado orçamento secreto de 2022, que não haviam sido executadas.

Petistas e aliados avaliaram que esse seria o primeiro passo para uma relação amigável com Lira, fundamental para a sustentação política do novo governo no Congresso. O Centrão é o fiel da balança da governabilidade de Lula. A recondução do deputado muda completamente o eixo político do governo, hoje focado na desmilitarização do Palácio do Planalto e dos ministérios, e na despolitização das Forças Armadas. O foco agora é o Congresso.

Guerra surda

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), também articula a reeleição de Lira. O PT terá a segunda maior bancada da Câmara, com 68 deputados. Com os partidos que compõem a Federação (PCdoB e PV), chega-se a 80 parlamentares, ficando atrás do PL, com 99, o partido de Bolsonaro.

Lira começou a agregar apoios em novembro de 2022. Além do PP e do PL, reuniu ainda o União Brasil, que terá a terceira maior bancada, Republicanos, Podemos, PSC e Mais Brasil (fusão PTB e Patriota), que formam o Centrão. PSD, MDB, PDT, PSDB, Cidadania, Solidariedade, Pros também aderiram. O PSol, na federação com a Rede, que soma 14 deputados, lançará a candidatura do deputado Chico Alencar (RJ), que está de volta à Câmara.

Há uma disputa surda por lugares na Mesa e nas Comissões, que são distribuídos de acordo com o tamanho das bancadas, mas podem ser disputados de forma avulsa. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), aliado de Bolsonaro e presidente da bancada evangélica, pleiteia a primeira vice-presidência da Câmara. O PT quer a deputada Maria do Rosário (RS) na cobiçada primeira-secretaria.

Outra disputa importante é pela vaga aberta pela aposentadoria da ministra Ana Arraes, no Tribunal de Contas da União (TCU), cargo indicado pela Câmara. A escolha será em 2 de fevereiro. Lira trabalha para garantir a eleição de Jhonatan de Jesus (Republicanos—RR), de 39 anos, que vem a ser o responsável pela indicação dos últimos três diretores do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) e há uma série de denúncias do senador Telmário Mota (Pros-RR) que o envolvem.

O órgão é investigado pela Polícia Federal por fraude na compra de remédios, deixando pelo menos 10 mil crianças indígenas sem medicamentos. Uma operação da PF, realizada em novembro, cumpriu 10 mandados de busca e apreensão no órgão ligado ao Ministério da Saúde. A crise dos ianomâmis virou uma dor de cabeça para Jhonatan, que sonha com os 36 anos que poderia passar no TCU.

Também disputam a vaga Soraya Santos (PL-RJ), Hugo Leal (PSD-RJ) e Fábio Ramalho (MDB-MG). A todos Lira já prometera apoio.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-reeleicao-de-lira-muda-o-foco-politico-de-lula/

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assumiu o cargo em cerimônia no Salão Nobre no Palácio do Planalto | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Revista online | A natureza pede democracia

Habib Jorge Fraxe Neto*, consultor do Senado, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição/janeiro de 2023)

A proteção e a conservação do meio ambiente vicejam melhor onde correm as águas da democracia, e o recente discurso de posse da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, indicou o curso dessas águas. Passados quatro anos desde que se iniciou o desmonte sistemático da governança ambiental, em 2019, a natureza – nós nela incluídos – respirou aliviada, como as seculares árvores amazônicas respiraram aliviadas quando dos empates vitoriosos de Chico Mendes e outros seringueiros. Desde então, o mundo mudou muito. Se naquele tempo eles se perfilavam no interior do Acre em torno das árvores para impedir seu corte, hoje se colocam contra o desmatamento de nossas florestas atores do porte da comunidade europeia e das empresas globais de seguros. O governo anterior não entendeu essa mudança.

Nos últimos quatro anos, nosso Sistema Nacional do Meio Ambiente foi colocado à prova, e quem acompanhou a passagem da boiada sabe que a precarização da governança ambiental foi tramada entre quatro paredes e de modo a ruir suas bases, convertendo o país de líder em pária da questão ambiental. Nada mais contrário à democracia, que exige a participação da sociedade civil, da ciência e do máximo de atores dedicados à causa do meio ambiente, dada a complexidade das soluções necessárias. 

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O novo governo entendeu a gravidade do que foi executado. Estávamos indo na contramão da racionalidade científica e socioeconômica, e nossas políticas ambientais haviam sido colocadas a serviço do crime organizado, sobretudo na Amazônia Legal. As medidas até aqui anunciadas alinham-se com as mais modernas práticas em políticas públicas. E os tempos são outros, passados 20 anos desde o início do primeiro governo Lula, também com Marina na pasta ambiental. 

Hoje até os então mais céticos concordam que a mudança do clima precisa ser enfrentada. Os mercados pressionam cada vez mais nesse sentido, considerando os imensos custos arcados pelas seguradoras globais (grandes conglomerados financeiros) devido a acidentes naturais associados a eventos climáticos extremos. Em nosso caso, cerca de dois terços das emissões de gases de efeito estufa associam-se ao desmatamento da vegetação nativa e a atividades agropecuárias. Absolutamente irracional foi descartar, como fez o governo derrotado, planos efetivos de combate ao desmatamento.

Marina e sua equipe precisarão reconstruir as políticas de controle do desmate, a exemplo do que fizeram de 2004 a 2012, quando as taxas de corte raso da Floresta Amazônica diminuíram 83%. O novo governo precisa ainda viabilizar, em especial na Amazônia, modelos socioeconômicos para a geração de renda que não dependam de atividades ilegais. A operação do Fundo Amazônia (que foi retomada no primeiro dia do novo governo, após quatro longos anos de paralisação) poderá contribuir de forma significativa para isso via pagamentos, inclusive internacionais, por resultados de desmatamento evitado. 

Técnicas de agricultura de baixo carbono constituem outro pilar das políticas ambientais e, nesse campo, há imenso potencial para diminuir a vulnerabilidade dos sistemas agrícolas e, ao mesmo tempo, aumentar a renda dos produtores rurais. A transversalidade ministerial anunciada na posse da ministra Marina será fundamental para conciliar a dicotomia, equivocada em nosso entender, que classifica o setor rural como inimigo do meio ambiente. Um dos grandes gargalos é a precariedade nos incentivos, na produção de tecnologias e na assistência técnica para que o setor agrícola adote técnicas menos emissoras em carbono, que têm vantagem econômica e ambiental quando comparadas às da agricultura convencional. 

Confira, a seguir, galeria:

Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
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Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
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Os desafios são imensos, diante do papel brasileiro de ser e continuar sendo uma potência ambiental, pela sua imensa riqueza natural, pela matriz energética forte em renováveis e, em especial, pelo gradual fortalecimento das instituições e movimentos sociais dedicados à proteção da natureza que se observou até 2018. E, ainda que o governo anterior tenha se dedicado ao desmonte, a sociedade civil e os servidores públicos da área ambiental fortaleceram resistências que agora serão de grande valor. 

A reconstrução da governança ambiental é um grande desafio e exige o apoio de toda a sociedade. Além dos temas aqui apontados, há muitos outros de relevância social e econômica, como políticas de saneamento básico. Diversas pesquisas recentes apontam que, mesmo em uma sociedade ideologicamente dividida como a nossa, cerca de 80% dos brasileiros consideram a proteção ambiental uma prioridade. Poder público e setores econômicos devem nortear suas ações nesse rumo para assim fortalecer nossa democracia. A natureza agradece. 

Sobre o autor

* Habib Jorge Fraxe Neto é consultor legislativo do Senado Federal, na área de meio ambiente. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Quase 100 crianças do povo Yanomami, entre um e quatro anos, morreram devido ao avanço do garimpo ilegal na região em 2022 | Foto: Reprodução/Instagram/urihiyanomami

Revista online | Yanomami: Crise humanitária deve ser resolvida de forma definitiva

Luciano Rezende*, ex-prefeito de Vitória (ES), especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro de 2023)

A mais recente crise humanitária envolve os Yanomami, que vivem no norte da Amazônia, na fronteira Brasil-Venezuela.  Esse povo constitui um conjunto cultural e linguístico composto de, pelo menos, quatro subgrupos adjacentes que falam línguas da mesma família (Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam). A população total dos Yanomami, no Brasil e na Venezuela, era estimada em cerca de 35.000 pessoas em 2011.

As atividades do garimpo provocam conflitos violentos entre garimpeiros e os povos indígenas locais, levando a agressões e mortes.

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Além disso, as atividades do garimpo são extremamente perigosas para o meio ambiente devido ao uso de metais pesados que contaminam o solo e os rios, levando riscos graves à saúde dos povos expostos ao envenenamento do solo, da água e dos animais não só no local do garimpo, mas também longe do local da extração. É o que parece ser o motivo principal da agudização da grave crise humanitária atual com os Yanomamis.

A atividade garimpeira utiliza o mercúrio para possibilitar a amálgama com o ouro, de forma a recuperá-lo nas calhas de lavação do minério. Tanto o mercúrio metálico perdido durante o processo de amalgamação como o mercúrio vaporizado durante a queima da amálgama para a separação do ouro são altamente prejudiciais à vida.  

Alguns insetos metabolizam o mercúrio metálico em dimetilmercúrio, o qual é altamente tóxico para os seres vivos. Como esses insetos fazem parte da cadeia alimentar, o mercúrio orgânico acaba por ser ingerido pelo ser humano. 

O mercúrio vaporizado ao ser inalado também é altamente tóxico. O mercúrio atinge todo o sistema nervoso, podendo levar à perda da coordenação motora, e, se ingerido ou inalado por grávidas, haverá a possibilidade de geração de fetos deformados, sem cérebro, etc.[1]

Confira, a seguir, galeria:

Foto: Reprodução/Ministério da Saúde
Foto: Reprodução/Urihi - Associação Yanomami
Foto: Condisi-YY/Divulgação
Foto: Reprodução/Urihi - Associação Yanomami
Foto: Sumaum/Divulgação
Foto: Reprodução/Jornalistas Livres
Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto
Foto: Reprodução/Ministério da Saúde
Foto: Reprodução/Urihi - Associação Yanomami
Foto: Condisi-YY/Divulgação
Foto: Reprodução/Urihi - Associação Yanomami
Foto: Sumaum/Divulgação
Foto: Reprodução/Jornalistas Livres
Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto
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Foto: Reprodução/Ministério da Saúde
Foto: Reprodução/Urihi - Associação Yanomami
Foto: Condisi-YY/Divulgação
Foto: Reprodução/Urihi - Associação Yanomami
Foto: Sumaum/Divulgação
Foto: Reprodução/Jornalistas Livres
Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto
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É necessária uma ação imediata e permanente para restabelecer o equilíbrio nessas regiões. Legislação adequada, fiscalização, punição de criminosos e gestão cuidadosa dessa gravíssima crise é urgente.

Resolver a crise causada pelo garimpo ilegal é, na verdade, ir muito além da preservação do solo, dos rios, dos animais e do ser humano. É, também, cuidar da nossa rica diversidade étnica, além de respeitar e ser justo com os nossos povos originários, uma extraordinária riqueza que forjou a nossa própria identidade como povo e nação.

Sobre o autor

* Luciano Rezende é professor, médico, ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos (2013-2020) e presidente Conselho Curador FAP/Cidadania.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Em discurso de abertura, Alberto Fernández mencionou os bloqueios à Cuba e Venezuela, tema que levou à Cúpula das Américas no ano passado. - Reprodução

Líderes aplaudem a volta do Brasil à Celac, na abertura da cúpula da América Latina e Caribe

Brasil de Fato*

A abertura da 7ª Cúpula da Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe (Celac), em Buenos Aires nesta terça-feira (24), contou com um discurso do mandatário argentino Alberto Fernández, atual presidente temporário do bloco.

Além de elogiar a volta do Brasil à comunidade - abandonada pelo governo Bolsonaro -, ele criticou o avanço da ultra-direita contra as instituições democráticas em toda a região, os bloqueios contra Cuba e Venezuela e os efeitos econômicos e sanitários do mundo globalizado sobre os países latino-americanos e caribenhos.

Fernández adiantou que a presidência da Argentina será concluída hoje. O novo país nomeado para o comando temporário da Celac será conhecido após a plenária, que acontece de forma privada entre os chefes e representantes de Estados e, portanto, não será transmitida.

Ao iniciar sua fala, Fernández pediu um aplauso pelo retorno do Brasil. "Uma Celac sem o Brasil é uma Celac muito mais vazia. Por isso, sua presença hoje nos completa", comemorou o presidente argentino, e logo destacou alguns dos problemas do ano que coincidiu com sua presidência do bloco. "Passamos pela pandemia, pela guerra e com nossas economias em crise."

No primeiro ponto de sua fala, o presidente argentino destacou os efeitos desiguais sobre os países caribenhos em tempos de emergência climática. "Vivemos no continente mais desigual do mundo e devemos, de uma vez por todas, encarar um processo que nos leve à igualdade e à justiça social", disse Fernández. Nesse sentido, mencionou o Fundo de Assistência para o Caribe destinado ao enfrentamento das consequências das mudanças climáticas, que afetam especialmente essa região.

Em seguida, destacou o bloqueio econômico contra Cuba e Venezuela empregado pelos Estados Unidos, um tema que levou como presidente da Celac à Cúpula das Américas, em Los Angeles, no ano passado. "Os bloqueios são métodos muito perversos de sanção não aos governos, mas aos povos. Não podemos continuar permitindo isto", disse.

Neste sentido, ressaltou a necessidade de trabalhar regionalmente para garantir a institucionalidade dos países. "A democracia está definitivamente em risco. Depois da pandemia, vimos como setores da ultra-direita se colocaram de pé e estão ameaçando cada um de nossos povos. Não podemos permitir que essa direita recalcitrante e fascista coloque a institucionalidade dos nossos povos em risco", enfatizou.

Como exemplo, Fernández mencionou ainda os ataques bolsonaristas em Brasília, no último dia 8, a tentativa de assassinato da vice-presidenta argentina Cristina Kirchner e o golpe na Bolívia em 2019. Comemorou a vitória do retorno da democracia ao país e se dirigiu ao atual presidente, Luis Arce – a quem se referiu carinhosamente como "Lucho" Arce –, um dos mais de 15 mandatários presentes em Buenos Aires. 

Além de Arce, participam pessoalmente da cúpula o presidente colombiano Gustavo Petro; Gabriel Boric, presidente do Chile; Xiomara Castro, presidenta de Honduras; Mario Abdo Benítez, presidente do Paraguai; Mia Mottley, de Barbados, Miguel Díaz-Canel, presidente de Cuba; e Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai, próximo destino do presidente Lula, quem também está presente na Celac em Buenos Aires.

Alberto Fernández defendeu o trabalho em união entre os países, para fazer efetiva essa integração tão mencionada durante a cúpula. "Vejo que se abre uma nova oportunidade. A Celac voltou, agora completa com o Brasil, e com uma oportunidade na região. O mundo mudou, e a pandemia evidenciou as carências do sistema econômico. Dez pessoas no mundo tem o patrimônio de 40% da humanidade. Na pandemia, 90% das vacinas eram destinadas centralmente a 10 países, que representa 10% da humanidade. Temos a oportunidade de desenvolvermos unidos. O que temos que fazer é aprofundar nosso diálogo e respeitar nossas diferenças", disse o mandatário.

Mencionou os acordos assinados com Lula no dia anterior como um exemplo do que deve acontecer nos próximos anos na região. "Avançamos na nossa relação bilateral entre Argentina e Brasil, e devemos avançar deste modo em todo o continente", disse. "Temos que transformar todas essas palavras em fatos, e fazer com que a integração seja uma realidade."

Logo, concluiu sua fala com o que pode ser interpretado como um recado para Lacalle Pou, que tem interesse em fechar acordos diretamente com a China, por fora do bloco do Mercosul. "Sozinhos, valemos pouco. Unidos, podemos ser muito fortes. Chegou o momento que o Caribe e a América Latina sejam uma só região que defenda os mesmos interesses para o progresso dos nossos povos."

Posteriormente, o chanceler argentino Santiago Cafiero enumerou os cinco eixos temáticos de ação que foram desenvolvidos entre os países da região durante a presidência pro tempore da Argentina em 2022. Os eixos destacados foram: a recuperação social econômica e produtiva pós-pandemia, com a implementação de um plano de autossuficiência sanitária de países da região; a ciência e tecnologia e a inovação para o desenvolvimento e a inclusão; a cooperação ambiental e a gestão de risco e desastres em um contexto de mudança climática; a cultura e a educação para os povos; e o empoderamento das mulheres e as ações em questões de gênero.

Em termos de agenda extrarregional, o chanceler destacou o vínculo regional com a China, a relação da Celac com a União Africana, com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), a retomada da relação da Celac com a Índia e a confirmação de uma cúpula do bloco com a União Europeia. "Após 4 anos de silêncio, pudemos ativar o mecanismo Celac-UE, com uma agenda de trabalho consensuada durante o ano passado e que se concretizará com um encontro em meados do ano."

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Nas entrelinhas: Não dá para não falar da Americanas

Luiz Carlos azedo/Correio Braziliense*

O que não falta é assunto sobre a política, principalmente para a oposição ao governo Lula, da extrema direita à chamada terceira via. Na Argentina, no encontro com o presidente Alberto Fernandes, seu aliado das horas mais difíceis, Lula anunciou a criação de uma moeda virtual do Mercosul e que retomará os empréstimos do BNDES aos países vizinhos. Logo circulou uma fake news de que seria criada uma moeda única entre os dois países. Na verdade, o que se discute é uma “moeda de reserva”, virtual, que facilite as relações comerciais entre os países do Mercosul, sem a necessidade de dólares. Mais ou menos como está em discussão entre os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ou seja, não é verdade que o real será extinto.

Mas Lula saiu da frigideira para mergulhar na panela fervente da oposição ao anunciar que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) retomará os financiamentos aos países vizinhos, um prato cheio, uma vez que boa parte dos financiamentos anteriores aos  hermanos foi destinada à infraestrutura, em troca de contratos para empresas brasileiras de construção, principalmente a Odebrecht. Nas investigações da Lava-Jato, a delação premiada de Marcelo Odebrecht atingiu nove ex-presidentes, entre os quais, seis peruanos, cuja crise política perdura até hoje.

No Brasil, a CPI do BNDES da Câmara pediu o indiciamento de mais de 50 pessoas, entre elas, os ex-ministros Guido Mantega e Antônio Palocci, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, diversos ex-diretores da instituição e empresários beneficiados com recursos do banco estatal, porém, nada foi provado contra o presidente Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff. A integração da infraestrutura da América do Sul é necessária: o eixo do comércio mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O comércio exterior do Brasil só tem a ganhar, principalmente a exportação de manufaturados, se houver uma infraestrutura logística continental, integrada e moderna.

Este foi o recado de Lula ao destacar a importância da relação bilateral Brasil-Argentina, o nosso maior parceiro comercial na América Latina e o terceiro no mundo. “Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, só perde para a China e para os Estados Unidos, isso tem que ser valorizado, isso só pode ser valorizado, não por conta dos presidentes, mas por conta dos empresários, são vocês que sabem fazer negócio, são vocês que sabem negociar”, disse.

Outro assunto importante foram as denúncias da Procuradoria-Geral da República contra os envolvidos nos atos de vandalismo de 8 de janeiro, com três novos inquéritos. A turma do deixa disso, com certa razão, está preocupada com o clima de ajuste de contas existente em Brasília, que mira os que invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, sobretudo os organizadores, os financiadores e as autoridades que se omitiram durante a crise, inclusive militares. O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso, por hora afasta a possibilidade de uma delação premiada. Não tem a menor chance de se safar só no gogó. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes já avisou que não vai refrescar ninguém com culpa comprovada. Mais de mil pessoas continuam presas.

Risco financeiro

Tem ainda a questão militar. Lula afastou a ameaça de golpe e rechaçou a tutela fardada, ao demitir o comandante do Exército, no sábado. Indicou para o cargo o comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, defensor do respeito à democracia e ao resultado das eleições. O estresse militar agora se restringe à necessária punição dos oficiais que efetivamente se omitiram ou eventualmente colaboraram com a invasão e depredação do Palácio do Planalto, a começar pelo comandante da Guarda Presidencial.

O general Arruda ocupava o cargo interinamente desde 30 de dezembro do ano passado, após um acordo entre a equipe de transição e o antigo governo. Ele estava à frente do Exército durante os ataques às sedes dos três Poderes na capital federal e teria impedido, pessoalmente, a prisão dos extremistas que voltaram ao acampamento em frente ao QG do Exército após os ataques.

E a Americanas? É o assunto econômico deste começo de 2023 e não tem nada a ver com os planos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para a economia. A dívida da Americanas chega a R$ 43 bilhões, bem maior que os R$ 20 bilhões anunciados inicialmente. A empresa deve a 16 mil credores, entre empresas, bancos e pessoas físicas. Três acionistas, com 30% das ações, estão em maus lençóis: Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, que estão entre os homens mais ricos do mundo, segundo a Forbes. Eram símbolos de modernidade e competência; agora, estão enrascados numa “contabilidade criativa”.

A empresa já está em processo de recuperação judicial, após a Justiça acatar o pedido, na última quinta-feira. As lojas continuam abertas. Os três empresários ofereceram R$ 6 bilhões para reforçar a empresa, mas os bancos queriam pelo menos R$ 10 bilhões para começar a conversar. No total, 140 mil investidores estão no sal. O Black Rock, o maior fundo de pensão do mundo, é o mais atingido. Puket, Natural da Terra e Hortifruti, além de metade das lojas de conveniência do BR Mania, pertencem à Americanas. O mercado resolve isso, mas logo logo vão querer uma mãozinha do governo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-nao-da-para-nao-falar-da-americanas/

Bolsonaro e Damares podem responder por suspeita de crime de genocídio contra os povos Yanomami - Reprodução/PR

PT aciona MPF contra Bolsonaro e Damares por suspeita de genocídio contra povo Yanomami

Brasil de Fato*

Neste domingo (22), deputados federais do PT protocolaram uma representação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, na Procuradoria-Geral da República (PGR) por suspeita de crime de genocídio contra os povos Yanomami.

Para os parlamentares, houve "ação" ou "omissão dolosa" do ex-presidente, da ex-ministra e dos ex-presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) – aos quais a representação também se estendeu – diante da destruição das áreas dos indígenas a partir de garimpo ilegal (leia aqui a íntegra do documento).

"Essa política de extermínio dos povos Yanomami e de outras comunidades indígenas, conduzida com galhardia e prazer pelo ex-presidente da República, já vinha sendo denunciada no país e no exterior, tendo sido inclusive, recentemente, objeto de documentário produzido por pesquisadores estrangeiros", diz um trecho da representação.

O Ministério da Saúde fala em aproximadamente 570 crianças mortas por contaminação de mercúrio, um dos rejeitos produzidos pelo garimpo, desnutrição e fome.

Na sexta-feira (20), o Ministério da Saúde decretou estado de emergência para "planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas" a fim de reverter o quadro de desassistência instalado na TI Yanomami.

Também foi instalado o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami "para dar conta do problema de desnutrição, fome, saúde, muito grave nessa região", segundo o ministro Wellington Dias. O comitê terá duração de 90 dias e suporte das Forças Armadas e da Funai.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


'O genocídio também pode ocorrer por omissão', afirmou Nísia Trindade

Morte de yanomami: garimpo é principal causa da crise e governo Bolsonaro foi omisso, diz ministra da Saúde

BBC News Brasil*

"Houve omissão em relação aos yanomami e outros povos", disse a ministra durante breve entrevista à BBC News Brasil, em Buenos Aires, capital da Argentina. Trindade acompanha a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está no país para uma visita ao presidente argentino, Alberto Fernández, e para participar de VII Cúpula dos Chefes de Estado da Comunidade Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac).

Na entrevista, Trindade disse que os yanomamis estão em situação de desassistência e que o garimpo ilegal de ouro na região é a principal causa da crise de saúde que afeta a etnia que, no Brasil, vive entre os estados do Amazonas e de Roraima.

No sábado (21/1), Lula e sua equipe foram a Roraima após fotos de indígenas visivelmente subnutridos viralizarem na internet.

Assim como Lula, Nísia Trindade também classificou a situação dos yanomami como um tipo de genocídio. O termo foi usado por Lula ao se referir ao caso no final de semana.

"Eu vejo o abandono como uma forma de genocídio e essa população estava desassistida. O genocídio também pode ocorrer por omissão", afirmou.

Na entrevista, Nísia Trindade também afirmou que o debate para flexibilizar as regras para o aborto legalizado não será política do atual governo.

"Esse debate só pode acontecer no âmbito da sociedade. Não será uma política do Ministério da Saúde", disse a ministra.

Atualmente, o aborto só é permitido no Brasil em três circunstâncias: em caso de estupro; quando a gestação oferece risco à saúde da mulher; e nos casos de fetos anencefálicos.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - O governo decretou situação de emergência em saúde por conta da situação dos indígenas yanomami. Que medidas concretas serão tomadas a partir de agora?

Nísia Trindade - Essas medidas de emergência sanitária são adotadas em situação de calamidade por questões de saúde, seja uma epidemia ou por uma situação de um desastre natural . Neste caso, nós caracterizamos esse episódio como uma situação de desassistência. Isso significa que essa população está sem o devido cuidado por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e isso acontece por várias questões. Grande parte da razão por tudo isso está na desorganização social provocada pela atividade do garimpo ilegal. Essa atividade gera contaminação dos rios e cria escavações que geram depósitos de água em que há proliferação de mosquitos. Com isso, há um aumento muito grande nos casos de malária.

BBC News Brasil - A situação dos yanomami já vinha crítica. Como ela virou uma crise para o governo?

Trindade - Pelo menos desde a transição de governo, eu já vinha acompanhando esses sinais. Nós tivemos uma reunião com lideranças yanomami e com lideranças políticas. Nos foi colocada, também, uma questão sobre a possibilidade de desvio de medicamentos. Mas o grande detonador foi verificar a morte das crianças. Tive vários apelos, antes mesmo de assumir o ministério, para tentar ver a situação do transporte aéreo [para remover pacientes a áreas com melhor infraestrutura de saúde]. Havia crianças que estavam em condições de muita fragilidade e que não conseguiam atendimento apropriado.

BBC News Brasil - Para o governo é claro que a causa dessa crise é o garimpo?

Trindade - Eu posso afirmar que sim, como em todo processo de causalidade, este é um fenômeno multicausal. Então nós precisamos dar mais assistência. Assumi há 21 dias e encontrei o funcionamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) muito pouco voltada para essas ações. Um exemplo é a casa que dá acolhimento aos indígenas em Boa Vista. Ficou evidente que ela está em más condições. O garimpo causa essa desorganização social e gerou problemas de segurança, dificultando o acesso das nossas equipes de saúde às regiões em que há doentes.

BBC News Brasil - O ex-presidente Jair Bolsonaro rebateu as críticas que vinha recebendo sobre a saúde dos yanomami e classificou o caso como uma "farsa da esquerda". Como a senhora responde a essa alegação?

Trindade - A crise é evidente. É uma crise sobre a qual estamos fazendo um diagnóstico profundo, mas ela se revela em números, 500 crianças mortas. Por isso falamos de desassistência. Isso não é farsa. Isso são fatos.

BBC News Brasil - Na sua avaliação, houve omissão do governo passado em relação aos yanomami?

Trindade - Houve omissão em relação aos yanomami e a outros povos indígenas. Tanto é assim que, ainda como presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), eu pude acompanhar uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que apontou muitas falhas na proteção dos indígenas. Isso aconteceu não só com os yanomami, mas em outros povos e em relação à covid-19.

BBC News Brasil - O presidente Lula descreveu a situação de saúde dos yanomami como um "genocídio". A senhora acha que é caso de um genocídio?

Trindade - Eu vejo o abandono como uma forma de genocídio e essa população estava desassistida. O genocídio também pode ocorrer por omissão.

BBC News Brasil - Mudando de assunto, a senhora revogou uma portaria que alterou regra sobre os procedimentos para obtenção da interrupção de gravidez. Esse é um ponto muito sensível para a bancada evangélica. O governo teme retaliação por conta desse tipo de medida?

Trindade - Não há motivo para termos retaliação. Acho que uma retaliação em relação ao que eu fiz no Ministério da Saúde e ao que o governo do presidente Lula fez só ocorreria por uma falta de compreensão ou por uma visão distorcida dos fatos. O que nós fizemos foi respeitar o que a lei brasileira já define. Não há nenhuma flexibilização da legislação sobre o aborto. O que nós fizemos? Nós só alteramos a portaria que estava em vigor e que determinava que o médico teria que comunicar à autoridade policial a existência de uma busca pelo aborto por parte de uma mulher vítima de violência no Brasil.

BBC News Brasil - Parte do segmento evangélico afirma que, de alguma forma, a retirada dessa obrigação facilitaria o acesso ao aborto.

Trindade - Esse argumento é uma forma de não ver uma questão que é essencial: muitas vezes, as mulheres não fazem a denúncia porque é uma questão muito complexa para todas as pessoas, independentemente da religião. Muitas vezes, essa violência (sexual) é cometida no núcleo familiar. Isso cria uma dificuldade maior para essa mulher ou para essa menina e seus familiares. O que nós estamos fazendo é proteger a mulher, a menina e o próprio profissional de saúde.

BBC News Brasil - O atual governo foi e é apoiado por diversos movimentos que defendem uma ampliação das regras para o aborto. Nesta gestão, o Brasil vai caminhar para a flexibilização das condições em que o aborto é permitido?

Trindade - Esse debate só pode acontecer no âmbito da sociedade. Ele não será uma política do Ministério da Saúde. É um debate da sociedade, o Poder Legislativo. Não está definido no programa de governo do presidente Lula e os ministérios seguem esse programa.

BBC News Brasil - A senhora acha que a sociedade tem que debater este assunto?

Trindade - Eu acho que é um assunto que já está em debate. O que precisamos: dar espaço para as vozes em relação a esse tema; esclarecer; olhar pelo ângulo da saúde pública e; a sociedade tem que tomar suas definições. Sempre temos dito que a questão dos direitos reprodutivos e sexuais vai muito além da questão do aborto. Significa olhar para a saúde integral da mulher, protegê-la contra as violências, favorecê-la com projetos educacionais, etc.

Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.


Foto: Gabriela Bila/Folhapress

Revista online | No ataque à democracia, cultura também é alvo da fúria bolsonarista

Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O dia 8 de janeiro se prenunciava um domingo tranquilo, o primeiro depois da emocionante, e carregada de simbolismo, posse de Lula. No entanto, pouco antes das 15 horas, uma horda de militantes de extrema direita, que havia saído do acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília, invadiu a Praça do Três Poderes e promoveu a mais perigosa e explícita tentativa de tomada do poder fora do marco constitucional estabelecido pela Constituição de 1988

As palavras de ordens proferidas, a não aceitação do resultado da eleição, o pedido de estabelecimento de um governo militar-fascista, deixavam claras as intenções dos mais de 4.000 golpistas que se dirigiam ao coração da República, dispostos a vandalizar e quebrar tudo ao seu alcance. 

Estava óbvio, conforme as imagens de TV eram transmitidas para o mundo inteiro, que o objetivo era criar o caos e gerar o terror. Não era, nunca foi, uma manifestação com intenções políticas pacíficas, como algumas lideranças da direita tentaram caracterizar o quebra-quebra instaurado nos prédios – e em seu entorno – que foram alvos dos ataques que os vandalizaram. 

As invasões e depredações tinham alvos muito bem definidos. Não à toa, os prédios visados abrigam as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa separação entre os poderes, cada qual com suas atribuições, é a base da doutrina constitucional liberal na qual se assentam, hoje em dia, as nações do mundo Ocidental, inspirada na obra o Espírito das Leis (1748), de Montesquieu (1689-1755) e adotada pela primeira vez na Revolução Francesa (1789-99), que marcou o fim do Absolutismo na França.

As cenas registradas pelas emissoras de TV, pelas câmeras dos profissionais de imprensa (muitos foram agredidos e tiveram os equipamentos roubados), nos circuitos internos de segurança dos prédios invadidos e até pelos próprios manifestantes são lamentáveis.

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Chamou a atenção, no rescaldo dos escombros, a depredação de obras de arte expostas nesses palácios. Quase nenhuma passou incólume pela cólera dos invasores. A cena de um bárbaro jogando ao chão um relógio de Balthazar Martino, do Século XVII, trazido ao Brasil em 1808 por Dom João VI, é estarrecedora. 

Outro invasor, em fúria, fez sete rasgos na tela As Mulatas (1962), de Di Cavalcanti (1897-1976), principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto. A tela retrata bem a produção de Di Cavalcanti e traz em sua composição tema recorrente do grande pintor e desenhista, que tem a obra marcada por retratar personagens e figuras icônicas do povo brasileiro.

A escultura de Frans Krajcberg (1921-2017) Galhos e sombras também foi quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira oriundos de queimadas, colhidos na Mata Atlântica, no Sul da Bahia. Outra escultura, O Flautista, de Bruno Giorgi (1905-1993), foi destruída.

Na Câmara dos Deputados, o alvo foi a linda estátua de Victor Brecheret (1894-1955), A Bailarina, produzida nos anos de 1920, que foi arrancada de seu pedestal.

No STF, vandalizaram o famoso monumento de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), localizado em frente ao prédio do Poder Judiciário e que, ao longo do tempo, se transformou em um dos emblemas mais conhecidos de Brasília, por representar a imparcialidade da Justiça.

Não chega a ser surpresa a destruição de símbolos da cultura brasileira pela manada bolsonarista. Durante os quatro anos de seu nefasto reinado, o que imperou na área da cultura foi a tentativa de aniquilamento total do setor. A começar pelo chefe supremo da tropa, que acabou com o Ministério da Cultura (MinC), transformando-o em um apêndice inútil do Ministério do Turismo. 

O secretário de Cultura de Bolsonaro no início de 2020, Roberto Alvim, personificou o modo de agir da extrema direita. Em vídeo nas redes sociais, imitou Goebbles, o ministro da Propaganda de Hitler, a quem é atribuída a célebre frase: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu revólver”. Acabou demitido, por pressão da opinião pública. 

Confira, a seguir, galeria:

Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército |  Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal  | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência BrasilManifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasi
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército | Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendeiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
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Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasi
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército |  Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal  | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendeiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
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Modernismo e nazismo jamais se bicaram. Basta se lembrar da exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst), promovida pelo regime nazista, em 1937. A exposição reuniu obras modernistas dos acervos de museus alemães e marcou o ápice da campanha do regime nazista contra a arte moderna, considerada artisticamente indesejável e moralmente prejudicial. 

Não é mera coincidência, portanto, que a maioria das obras avariadas no putsch da extrema direita seja de artistas que participaram do modernismo brasileiro, em todas as suas formas de expressão, presentes nos prédios dos Três Poderes, a começar pela arquitetura, imortalizada no traço de Oscar Niemeyer, que sempre chamou artistas contemporâneos para compartilhar os espaços públicos com obras de suas lavras. Athos Bulcão, parceiro constante de Niemeyer, foi outro que teve obras vandalizadas. Esse atentado é também uma agressão à cultura brasileira.  Tudo presente naqueles prédios públicos pertence ao povo brasileiro. 

Que todos os envolvidos, no rigor da lei, sejam punidos, sem exceções. Os bagrinhos, os financiadores, os incentivadores e ideólogos da invasão. Civis, ricos ou pobres. Militares, de alta ou baixa patente. 

A democracia sairá fortalecida. É o que espera o povo brasileiro.

Sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Arte: João Rodrigues/FAP

José de Alencar: “Bolsonaro tem as digitais nos atos de 8 de janeiro”

João Rodrigues, da equipe da FAP

Após 12 dias dos ataques aos Três Poderes, os atos golpistas em Brasília seguem entre os principais assuntos da imprensa no Brasil e no exterior. Mais de 1.300 manifestantes seguem presos no Distrito Federal e as investigações avançam na direção do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O prejuízo com o vandalismo pode chegar a R$ 20 milhões.
Para analisar os desdobramentos jurídicos dos atos de 8 de janeiro, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desta semana recebe o jurista José de Alencar. Desembargador do Trabalho aposentado do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8ª Região, ele é integrante da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.



A participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no 8 de janeiro, as diferenças entre os crimes de Golpe de Estado e Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e as tentativas de golpe no Brasil ao longo do século XX também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Jornal da Record e CNN Brasil.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

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