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A Era da Desinformação Infinita, nas asas da Inteligência Artificial?

Por Gary Marcus* em The Atlantic | Tradução: Maurício Ayer

Novos sistemas de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, o mecanismo de pesquisa revisado do Microsoft Bing e o GPT-4, que segundo anunciado está prestes a chegar, capturaram totalmente a imaginação pública. O ChatGPT é o aplicativo on-line que cresceu mais rápido em todos os tempos, e não é de se admirar. Digite algum texto e, em vez de links da internet, você receberá respostas bem elaboradas, como em uma conversa, sobre qualquer tópico selecionado – a proposta é inegavelmente sedutora.

Mas não são apenas o público e os gigantes da tecnologia que ficaram encantados com essa tecnologia baseada em Big Data, conhecida como “modelo de linguagem grande”. Os delinquentes também tomaram conhecimento da tecnologia. No extremo, está Andrew Torba, CEO da rede social de extrema-direita Gab, que disse recentemente que sua empresa está desenvolvendo ativamente ferramentas de IA para “defender uma visão de mundo cristã” e combater “as ferramentas de censura do Regime”. Mas mesmo os usuários que não são motivados por uma ideologia sofrerão o impacto. A Clarkesworld, uma editora de contos de ficção científica, parou temporariamente de aceitar envios no mês passado, porque estava sendo alvo de spam de histórias geradas por IA – resultado de influenciadores que passaram a sugerir maneiras de usar a tecnologia para “ficar rico rapidamente”, conforme contou o editor da revista para The Guardian.

Este é um momento tremendamente perigoso: as empresas de tecnologia estão correndo para lançar novos produtos de IA, mesmo depois dos problemas com esses produtos terem sido tão bem documentados por anos a fio. Sou um cientista cognitivo e tenho como foco aplicar o que aprendo sobre a mente humana ao estudo da inteligência artificial. Também fundei algumas empresas de IA e estou pensando em fundar outra. Em 2001, escrevi um livro chamado The Algebraic Mind [A mente algébrica] no qual analiso em detalhe como as redes neurais – um tipo de tecnologia vagamente semelhante ao cérebro sobre a qual se assentam alguns produtos de IA – tendiam a generalizar demais, aplicando características de indivíduos a grupos maiores. Se eu contasse a uma IA naquela época que minha tia Esther havia ganhado na loteria, ela poderia concluir que todas as tias, ou todas as Esthers, também haviam ganhado na loteria.

A tecnologia avançou bastante desde então, mas o problema de base persiste. Na verdade, a integração da tecnologia e a escala dos dados que ela utiliza a tornaram pior em muitos sentidos. Esqueça a tia Esther: em novembro, Galactica, um modelo de linguagem grande lançado pela Meta – e rapidamente colocado offline – teria falado que Elon Musk morreu em um acidente de carro da Tesla em 2018. Mais uma vez, a IA parece ter generalizado demais um conceito que era verdadeiro em um nível individual (alguém morreu em um acidente de carro da Tesla em 2018) e o aplicou erroneamente a outro indivíduo que compartilha alguns atributos pessoais, como sexo, estado de residência na época e vínculo com a montadora.

Esse tipo de erro, que ficou conhecido como “alucinação”, ocorre desenfreadamente. Seja qual for o motivo pelo qual a IA cometeu esse erro específico, é uma demonstração clara da capacidade desses sistemas de escrever uma prosa fluente que está claramente em desacordo com a realidade. Você não precisa imaginar o que acontece quando tais associações falhas e problemáticas são desenhadas em cenários do mundo real: Meredith Broussard da NYU e Safiya Noble da UCLA estão entre os pesquisadores que têm repetidamente mostrado como diferentes tipos de IA replicam e reforçam preconceitos raciais em uma variedade de situações do mundo real, incluindo nos serviços de saúde. Modelos de linguagem grandes como o Chat GPT apresentaram vieses semelhantes em alguns casos.

No entanto, as empresas pressionam para desenvolver e lançar novos sistemas de IA sem muita transparência e, em muitos casos, sem verificação suficiente. Os pesquisadores que vasculham esses modelos mais novos descobriram todo tipo de coisas perturbadoras. Antes da Galactica ser tirada do ar, o jornalista Tristan Greene descobriu que dava para usá-la para criar minuciosos artigos em estilo científico sobre tópicos como os benefícios do antissemitismo e de comer vidro moído, inclusive com referências a estudos fabricados. Outros observaram que o programa gerou respostas racistas e imprecisas. (Yann LeCun, cientista-chefe de IA da Meta, argumentou que a Galactica não tornaria a disseminação online de desinformação mais fácil do que já é; em novembro, o porta-voz da Meta disse ao site CNET que a “Galactica não é uma fonte de verdade, é um experimento de pesquisa usando sistemas [de aprendizado de máquina] para aprender e resumir informações.”)

Mais recentemente, o professor da Wharton Ethan Mollick conseguiu que o novo Bing escrevesse cinco parágrafos detalhados e totalmente falsos sobre a “civilização avançada” dos dinossauros, cheios de fragmentos que soavam autoritários, incluindo: “Por exemplo, alguns pesquisadores afirmaram que as pirâmides do Egito, as linhas de Nazca do Peru, e as estátuas da Ilha de Páscoa do Chile foram realmente construídas por dinossauros, ou por seus descendentes ou aliados.” Apenas neste fim de semana, Dileep George, pesquisador de IA da DeepMind, disse que conseguiu fazer o Bing criar um parágrafo de texto falso afirmando que o OpenAI e um inexistente GPT-5 tiveram um papel no colapso do Silicon Valley Bank. Solicitada a comentar esses episódios, a Microsoft não respondeu imediatamente; no mês passado, um porta-voz da empresa disse que, “considerando que esta é uma prévia, [o novo Bing] às vezes pode apresentar respostas inesperadas ou imprecisas… estamos ajustando suas respostas para criar respostas coerentes, relevantes e positivas.”

Alguns observadores, como LeCun, dizem que esses exemplos isolados não são surpreendentes nem preocupantes: entre com um material ruim em uma máquina e ela produzirá um resultado ruim. Mas o exemplo do acidente de carro de Elon Musk deixa claro que esses sistemas podem criar alucinações que não aparecem em nenhum lugar nos dados de treinamento. Além disso, a potencial escala deste problema é motivo de preocupação. Podemos só começar a imaginar o que as fazendas de trolls patrocinadas pelo Estado, com grandes orçamentos e modelos de linguagem grandes personalizados podem produzir. Delinquentes poderiam facilmente usar essas ferramentas, ou outras parecidas, para gerar desinformação prejudicial, em escala gigantesca e sem precedentes. Em 2020, Renée DiResta, gerente de pesquisa do Stanford Internet Observatory, alertava que a “fornecimento de desinformação em breve será infinito”. Esse momento chegou.

Cada dia nos aproxima um pouco mais de um tipo de desastre na esfera da informação, no qual os delinquentes armam modelos de linguagem grandes, distribuindo seus ganhos ilícitos por meio de exércitos de bots cada vez mais sofisticados. O GPT-3 produz respostas mais plausíveis que o GPT-2, e o GPT-4 será mais poderoso que o GPT-3. E nenhum dos sistemas automatizados projetados para discriminar os textos gerados por humanos dos textos gerados por máquinas provou ser particularmente eficaz.

Já enfrentamos um problema assim com as câmaras de eco que polarizam nossas mentes. A produção automatizada em grande escala de desinformação ajudará na transformação dessas câmaras de eco em armas de guerra e provavelmente nos levará ainda mais longe nos extremos. O objetivo do modelo russo “Lança-chamas de falsidades” é criar uma atmosfera de desconfiança, favorecendo a entrada em cena de agentes autoritários; é nessa linha que o estrategista político Steve Bannon almejava, durante o governo Trump, “inundar a zona com merda”. É urgente descobrir como a democracia pode ser preservada em um mundo em que a desinformação pode ser criada tão rapidamente e em tal escala.

Uma sugestão, que vale a pena explorar, mesmo que provavelmente seja insuficiente, é colocar uma “marca d’água” ou rastrear o conteúdo produzido por modelos de linguagem grandes. O OpenAI pode, por exemplo, marcar qualquer coisa gerada pelo GPT-4, a próxima geração da tecnologia que alimenta o ChatGPT; o problema é que os delinquentes podem simplesmente usar outros modelos de linguagem grandes e criar o que quiserem, sem marcas d’água.

Uma segunda abordagem é penalizar a desinformação quando ela é produzida em larga escala. Atualmente, a maioria das pessoas é livre para mentir a maior parte do tempo sem consequências, a menos que estejam, por exemplo, falando sob juramento. Os fundadores dos EUA simplesmente não imaginaram um mundo em que alguém pudesse criar uma fazenda de trolls e divulgar um bilhão de inverdades em um único dia, disseminadas por um exército de bots pela Internet. Podemos precisar de novas leis para lidar com esse tipo de cenário.

Uma terceira abordagem seria construir uma nova forma de IA que pudesse detectar desinformação, em vez de simplesmente gerá-la. Modelos de linguagem grandes não são por si sós adequados para isso; eles não controlam bem as fontes de informação que usam e carecem de meios de validar diretamente o que dizem. Mesmo em um sistema como o do Bing, onde as informações são obtidas na internet, podem surgir inverdades quando os dados são alimentados pela máquina. Validar a saída de modelos de linguagem grandes exigirá o desenvolvimento de novas abordagens para a IA que centralizem o raciocínio e o conhecimento, ideias que já foram mais valorizadas, mas atualmente estão fora de moda.

A partir de agora, será uma corrida armamentista contínua de movimentos e contra-ataques. Assim como os spammers mudam suas táticas quando os anti-spammers mudam as suas, podemos esperar uma batalha constante entre os delinquentes que se esforçam para usar modelos de linguagem grandes para produzir grandes quantidades de desinformação e os governos e corporações privadas tentando contra-atacar. Se não começarmos a lutar agora, a democracia pode ser dominada pela desinformação e consequente polarização – e isso pode acontecer muito em breve. As eleições de 2024 podem ser diferentes de tudo o que já vimos.

*Gary Marcus é um cientista, escritor e empresário. Seu livro mais recente é Rebooting AI. Este texto foi publicado em português no portal Outras Palavras.


Nas entrelinhas: Volta de Ibaneis sinaliza esgotamento das medidas de exceção

Luiz Carlos Azedo/Entrelinhas/Correio Braziliense

Depois de 66 dias de afastamento, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), Ibaneis Rocha (MDB) reassumiu ontem o cargo de governador do Distrito Federal, do qual havia sido afastado na tarde de 8 de janeiro, pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do processo que apura a tentativa de golpe de Estado. O motivo do afastamento foi a suspeita de que se omitiu em relação à ação das forças de segurança sob seu comando.

“Foram dias muito difíceis, mas esse afastamento que tivemos ao longo desse período foi necessário. A invasão dos prédios do Congresso, do STF e do Palácio do Planalto foram significativos para a história deste país”, admitiu Ibaneis, ao reassumir o cargo. Classificou como um “apagão” o comportamento das forças policiais sob seu comando, num cenário de inoperância generalizada. “Houve um relaxamento geral. A Força Nacional também não atuou”, disse.

Ibaneis defendeu seu ex-secretário de Segurança Anderson Torres, que está preso por envolvimento nas articulações do ex-presidente Jair Bolsonaro contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em sua casa, foi encontrada a minuta do decreto de intervenção no TSE e afastamento de Moraes. “Acredito que o 8 de janeiro tem que ser lembrado, mas não foi culpa só do Anderson e tenho certeza de que a investigação vai apurar isso”, afirmou Ibaneis.

O inquérito das fake news, do qual Moraes é relator, não tem prazo para ser concluído e é muito criticado nos meios jurídicos, porque confere ao ministro do STF o poder de investigar, denunciar e julgar os envolvidos em atos antidemocráticos. Conduzido em sigilo por decisão da própria Corte, foi aberto em março de 2019 pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sem provocação de outro órgão. Toffoli designou Moraes para conduzir o inquérito sem sorteio entre todos os ministros.

A primeira grande reação ao inquérito ocorreu quando 29 mandados de busca e apreensão foram expedidos por Moraes, tendo como alvo pessoas suspeitas de envolvimento na rede de fake news bolsonarista. Foram cumpridos em cinco estados — Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina — e no Distrito Federal.

Bolsonaristas raiz eram os visados, como o empresário Luciano Hang, fundador da Havan, o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), a militante Sara Winter, o empresário Edgard Corona, presidente da rede de academias Smart Fit, os blogueiros Winston Lima e Allan dos Santos e o presidente nacional do PTB, o ex-deputado federal Roberto Jefferson.

Legítima defesa

O inquérito excluiu a participação do Ministério Público nas investigações e se tornou alvo de críticas de procuradores, membros do Executivo e do Legislativo, que temiam uma concentração excessiva de poder nas mãos do Supremo. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tentou impedir a continuidade dessa apuração, por considerá-la ilegal, mas seu argumento foi descartado por Moraes.

Seu sucessor na chefia da PGR, Augusto Aras, aliado de Bolsonaro, também esperneou, mas Moraes sustentou que só o STF tem prerrogativa para arquivar a investigação, já que ela é conduzida pelo próprio tribunal, não por promotores. A decisão de Toffoli fora premonitória diante da escalada golpista. O tempo corroborou sua decisão. Graças ao inquérito, os núcleos golpistas de extrema direita foram identificados, e os políticos que desafiaram o Supremo frontalmente, como os ex-deputados Roberto Jeferson e Daniel Silveira, ambos do Rio de Janeiro, acabaram presos.

O inquérito das fake news também blindou o TSE durante o processo eleitoral, inclusive no dia da votação do segundo turno, quando houve ostensiva atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para dificultar a movimentação de eleitores nas estradas, principalmente no Nordeste.

O Artigo 42 do regimento do Supremo estribou a existência do inquérito: “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.

Segundo Toffoli, apesar de os crimes não terem sido praticados dentro do prédio do Supremo, os ministros “são o tribunal”. Sua tese se confirmou quando os vândalos invadiram e depredaram o plenário da Corte: fora do prédio ocupado pelos vândalos, os ministros usaram a espada da Justiça contra os golpistas. O ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto definiu as ações adotadas como um “ato de legítima defesa”.

“A democracia também tem o direito à legítima defesa. Se a sua vida, a minha vida, as nossas vidas são o bem jurídico maior, individualmente, o bem jurídico maior da coletividade, de personalidade coletiva, por definição é a democracia”, explicou. “Então, a democracia tem mesmo o poder de abater, por meios que ela prevê, de abater quem se arma para abatê-la”, concluiu Britto.


Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Isaac Fontana/Shutterstock

Revista online | Governabilidade do governo Lula no Congresso

Antônio Augusto de Queiroz*, mestre em Políticas Públicas e Governo, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A governabilidade, entendida como a existência de condições políticas para implementar um programa de governo, é um fenômeno multifacetado, que depende de vários fatores. Dentre esses fatores, o apoio no Poder Legislativo – lócus onde se forma a vontade normativa do Estado e foro legítimo e apropriado para a solução das demandas da sociedade – é crucial para qualquer governo.

Historicamente, são duas as formas de construção da base de apoio aos governantes: a) uma no processo eleitoral, por meio das alianças ou coligações eleitorais, e b) a outra após a eleição, mediante a coalizão. No Brasil, raramente os governantes elegem uma base de apoio suficiente para garantir a governabilidade, havendo a necessidade de formação de coalizão para assegurar votos suficientes para aprovar sua agenda legislativa ou seu programa de governo.

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Entretanto, a forma mais eficaz de identificar a correlação de forças no parlamento é classificando os partidos em três categorias: apoio consistente, apoio condicionado, ou independentes, e oposição.  De acordo com essa classificação: o apoio consistente reúne 139 deputados, sendo 81 da Frente Brasil (PT-68, PCdoB-7 e PV-6), 17 do PDT, 14 do PSB, 7 do Avante, 4 do Solidariedade, 2 do Pros e 14 da Federação PSol-Rede (PSol-13 e Rede-1); o apoio condicionado ou independentes, 223 deputados (Parcela do PP e até do PL pode migrar para esse grupo), sendo 59 do União, 42 do PSD, 42 do MDB, 42 do Republicanos, 18 da Federação (PSDB-14  e  Cidadania-4) 12 do PODE, 4 do  PSC, e 4 do Patriota;  e oposição 151 (PSDB – 14 deputados – pode migrar para esse grupo), sendo 99 do PL, 49 do PP e 3 do Novo. 

No Senado, por sua vez, estão 16 senadores no apoio consistente, sendo PT (8), PSB (4), PDT (3) e Rede (1); 35 no apoio condicionado/independente, sendo PSD (16), MDB (10), e União (9); e 30 na oposição, sendo PL (12), PP (6), Republicanos (4), Podemos (4), PSDB (3), e Novo (1). 

Um parâmetro para medir a base do atual governo é o resultado da eleição das mesas diretoras das Casas do Congresso. Na Câmara, a melhor referência é a votação dada à deputada Maria do Rosário (PT/RS) para o cargo de segundo secretário da mesa, e no Senado, a votação dada a Rodrigo Pacheco (PSD/MG).

A deputada Maria do Rosário, que integrava uma chapa com os três grupos (situação, independentes e oposição), expressa e representa o PT e o governo Lula. Ela recebeu 371 votos a favor e 134 votos em branco. Os votos a favor sinalizam o potencial de apoio ao governo na Casa e os votos brancos, a oposição radical ao governo ou o bolsonarismo.

Já a votação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que teve 49 votos, fica aquém do potencial da base de apoio do governo no Senado. Pelo menos dez dos 32 votos dados a Rogério Marinho (PL/RN) não foram de oposição ao governo, mas de rejeição à postura de Pacheco, contrário à investigação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A coligação Brasil da Esperança, formada pelas federações PT/PV/PCdoB, PSol/Rede e pelos partidos PSB, PROS, Solidariedade, Avante e Agir elegeu apenas 120 deputados federais e 12 senadores, mas com a coalizão a base poderá chegar até 346 deputados e 56 senadores, como decorrência: a) do modo como o governo se relaciona com o Congresso, b) do conteúdo das políticas públicas, e c) da vocação governista da atual oposição.

Nesse cenário, o desafio do presidente Lula na relação com o Congresso – classificado como liberal, do ponto de vista econômico; fiscalista, do ponto de vista de gestão; conservador, em relação aos valores; e à direita, do ponto de vista político – será assegurar governabilidade e puxar o pêndulo da atual legislatura para o centro. Para tanto, é preciso ter calibragem nas propostas e compromisso com a defesa da democracia, da justiça e da inclusão social. 

Saiba mais sobre o autor

*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV, sócio-diretor da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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Fernando Haddad

Nas entrelinhas: Haddad gera expectativas positivas sobre economia

Luiz Carlos Azedo/Entrelinhas/Correio Braziliense

Por enquanto é um segredo de Estado, mas o simples fato de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter entregue a proposta de âncora fiscal ao vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e à ministra do Planejamento, Simone Tebet, para a devida apreciação, gerou expectativas positivas dos agentes econômicos. Haddad pretende ouvir os dois colegas antes de apresentar o projeto formalmente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com isso, quer unificar toda a equipe econômica do governo e neutralizar o “fogo amigo” dos petistas.

O anúncio foi feito ontem, com o claro objetivo de acalmar o mercado, ao oferecer uma alternativa ao teto de gastos, que morreu de morte morrida, ao ser ultrapassado sucessivas vezes durante o governo Bolsonaro, após a pandemia de covid-19. A última vez foi entre a eleição e a posse de Lula, para atender necessidades emergenciais do governo que se encerrava. O ambiente econômico não é favorável ao governo. O Boletim Focus, elaborado com base nas análises do mercado financeiro, aumenta a projeção da inflação de 5,90% para 5,96% em 2023, bem acima do teto da meta, de 4,75%. Essa elevação corrobora os argumentos do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, para manter a taxa de juros astronômica de 13,75%.

A proposta de âncora fiscal seria uma sinalização para o Copom, que fixa a taxa Selic e deve se reunir nos próximos dias 21 e 22, de que o governo está realmente preocupado com a crise fiscal, mas precisa da redução da taxa de juros para injetar otimismo nos agentes econômicos e evitar uma recessão. Até agora, todas as medidas anunciadas pelo governo implicam em mais gastos públicos. Algumas foram indispensáveis para atender promessas de campanha eleitoral e manter a base social do governo, formada por estreita maioria, como o novo Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e o reajuste dos servidores públicos federais de 9%, depois de sete anos sem aumento. São medidas justas, porém a inflação e a estagnação econômica continuam sendo uma ameaça.

Ontem, em reunião com seus ministros da área social, Lula criticou, sem citar nomes, o fato de medidas governamentais estarem sendo anunciadas sem sua prévia aprovação. Foi um freio de arrumação na equipe, que anda batendo cabeça e fugindo ao controle da Casa Civil, comandada por Rui Costa. Com ironia, Lula disse que todas as propostas devem ser encaminhadas ao Palácio do Planalto, antes de a “genialidade” ser anunciada. Foi um recado para o ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, que havia anunciado um programa para oferecer passagens aéreas a R$ 200 para estudantes, idosos e funcionários públicos utilizando a capacidade ociosa das aeronaves. Lula foi pego de surpresa, bem como as companhias aéreas.

Reforma tributária

Haddad também aposta na reforma tributária para melhorar o ambiente econômico, com a substituição de cinco tributos por um imposto sobre valor agregado (IVA). Seriam substituídos o ICMS (estadual), o ISS (municipal), o PIS, o Cofins e o IPI (federais). Ontem, no encontro de prefeitos, ficou evidente a preocupação em relação ao impacto da extinção do ISS na economia dos municípios. A maioria arrecada pouco com esse imposto municipal, mas as cidades com mais dinamismo econômico e administração eficiente têm no ISS uma grande fonte de receita. Haddad tentou tranquilizar os prefeitos.

Todas as tentativas de aprovação de uma reforma tributária fracassaram, por falta de acordo com estados e municípios. Aprovado pela Constituinte de 1988, o atual sistema tributário resultou de um amplo acordo negociado pelo seu relator, o então deputado José Serra (PSDB-SP). Na ocasião, como todo o arcabouço constitucional estava sendo elaborado, havia moedas de troca para acomodar interesses contrariados, inclusive de caráter corporativo. Hoje, não, o novo sistema tributário está sendo debatido isoladamente.

Algumas dessas moedas deixaram de existir. Um exemplo: o Fundap era um incentivo financeiro para apoio a empresas com sede no Espírito Santo que realizavam operações de comércio exterior tributadas com ICMS; foi extinto no governo Dilma Rousseff. Outro: o ICMS é arrecadado pelos estados produtores das mercadorias, mas será substituído pelo IVA, que passará a ser recolhido no destino, como hoje acontece com os combustíveis.

Como ficará a situação da Zona Franca de Manaus, “uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário”? A reestruturação das cadeias globais de valor, em decorrência da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China, abre uma nova janela de oportunidades para a Zona Franca, mas ela corre o risco de ser extinta.


Mulheres pretas na ciência e na política é tema de live da FAP

Comunicação FAP

No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará, na terça-feira (14/3), das 18h às 19h, uma live para discutir a importância das mulheres pretas na ciência e na política. O evento terá transmissão em tempo real no site e nas mídias digitais da entidade.

https://www.youtube.com/watch?v=u2FdKwr4qAA

Diretora executiva da FAP, a professora Jane Monteiro Neves, que também é ativista da Rede Amazônia Antirracista, será responsável pela mediação do evento. O público poderá enviar perguntas por meio do canal da FAP no Youtube e da página da entidade no Facebook.

Clique aqui e veja lista de eventos da FAP

Também participará da live a pesquisadora Creusa dos Santos Trindade, que atua no Grupo de Pesquisa, Saberes e Práticas Educativas de Populações Quilombolas (Eduq) da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Ela também é ativista da Rede Amazônia Antirracista.

Outro nome confirmado é o da Maria Darlene Trindade Corrêa, que também é pesquisadora da Uepa. A primeira mulher negra eleita deputada estadual do Pará, Cristina Almeida, ex-vereadora, também participará da live.

Política

No início deste mês, a União Inter-Parlamentar (UIP), organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos, divulgou novo informe anual. O documento mostra que, no Brasil, a participação de mulheres nos processos eleitorais no Brasil aumentou em 2022.

No entanto, o país continua abaixo da média mundial e da média da presença de mulheres nos poderes legislativos latino-americanos. De acordo com a organização, o resultado da eleição brasileira de 2022 colocou um número recorde de mulheres no Legislativo, mas a taxa continua insuficiente até mesmo para equiparar o país à realidade de seus vizinhos.

Por outro lado, o estudo mostra que houve um número recorde de mulheres negras que se apresentaram para as eleições de 2022: 4,8 mil entre 26 mil candidatas, seguindo tendência identificada também nos Estados Unidos, Colômbia e França.

Segundo a organização, o Brasil continua bem abaixo da média mundial. De acordo com o levantamento, a participação de mulheres na Câmara de Deputados é de 17,7%, contra apenas 16% no Senado. A taxa brasileira é ainda próxima aos índices que existiam na Europa há quase 30 anos.

De 43 eleições avaliadas em 2022, o Brasil ocupou apenas a 30ª posição, abaixo da Somália, Guiné Equatorial, Bahrein ou Quênia. Dos 513 assentos na Câmara, apenas 91 estão ocupados por mulheres.

Nos 19 processos eleitorais em 2022 para senadores pelo mundo, o Brasil ficou apenas na 16ª posição, com apenas 13 senadoras entre 81 assentos. Chungong espera que a nova fase da política brasileira, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, abra a possibilidade para que avanços possam ocorrer na representatividade de mulheres no poder.


Inteligência artificial Getty Images

Revista online | Inteligência artificial: o difícil desafio de enfrentar as ambiguidades

Dora Kaufman*, professora da PUC-SP, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição) 

O hype do ChatGPT despertou a sociedade para o poder da inteligência artificial (IA), tecnologia que está no cerne dos modelos de negócio das plataformas e aplicativos tecnológicos que acessamos cotidianamente, na otimização de processos, nas decisões automatizadas como seleção e contratação de RH e concessão de crédito, além de diversas outras implementações. A adoção generalizada desses sistemas gera externalidades positivas com benefícios extraordinários em distintos setores, e externalidades negativas com potenciais danos ao usuário afetado, às instituições e à sociedade. Para enfrentar essas ambiguidades, é crítico regulamentar o desenvolvimento e uso da IA, pelo poder público, e estabelecer diretrizes de governança de IA, pelo setor privado e público.

Primeiramente, por que precisamos regulamentar a inteligência artificial, ou seja, conferir tratamento distinto das demais tecnologias digitais? A resposta está na natureza de propósito geral da IA, que como tal está reconfigurando a lógica de funcionamento da economia e da sociedade do século XXI. Estamos migrando de um mundo de máquinas programadas para um mundo de máquinas probabilísticas, expandindo a automação programada com a automação “inteligente” com impactos sobre o trabalho, sobre a percepção de controle e gestão de riscos; gradativamente, a IA torna-se protagonista em processos decisórios pela capacidade de gerar previsões com taxas relativamente altas de acurácia. O desafio, portanto, é garantir que a sociedade como um todo usufrua de seus benefícios e, simultaneamente, mitigar os malefícios particularmente às aplicações em domínios sensíveis (saúde, educação, segurança, justiça).

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O contra-argumento de que a regulação pode inibir o desenvolvimento da inteligência artificial é falacioso. Setores muito regulamentados, por exemplo, o farmacêutico e o bancário, preservam a inovação incremental e a inovação disruptiva. Ambiente de negócio com regras claras, ao gerar mais confiança, incentiva o próprio uso da tecnologia; ademais, a não observância de uma "IA ética" compromete um ativo estratégico: a reputação da organização. Estar em "compliance" com a lei implicará em custos extras, sem dúvida, mas esses custos representam percentuais relativamente pequenos dos ganhos de eficiência em adotar a IA para otimizar processos, produtos e serviços.

Regulamentar a inteligência artificial não é trivial, começando pela definição do que seja um sistema de IA, o que explica o fato de que não temos um marco regulatório em lugar algum do mundo, apenas propostas em debate como a da Comissão Europeia e o substitutivo da Comissão de Juristas do Senado. Nos EUA, intensifica-se a pressão por parte de parlamentares sobre as autoridade federais para empreenderem ações concretas para garantir sistemas de IA mais seguros e éticos, em paralelo à iniciativas positivas de Washington como a divulgação, em janeiro último, do relatório final da Força-Tarefa Nacional de Recursos de Pesquisa em IA (The National AI Research Resource -NAIRR), comitê consultivo federal estabelecido pela Lei de Iniciativa Nacional de IA de 2020, composto por membros do governo, da academia e de organizações privadas.

No Brasil, a expectativa é que o Relatório da Comissão de Juristas trâmite no Senado ao longo de 2023 e seja submetido à ampla consulta pública, permitindo aperfeiçoar seus 48 artigos e estabelecer um marco regulatório de referência mundial. O que temos no momento como alternativa é o projeto de lei aprovado no plenário da Câmara dos Deputados em 29 de setembro de 2021 (PL 21/2020) basicamente principiológico: generalista, inócuo como instrumento de proteção à sociedade, particularmente da pessoa afetada pelas decisões automatizadas com IA, além de não prever direitos aos afetados nem punições.

Saiba mais sobre a autora

*Dora Kaufman é professora do programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD)  da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), pelo qual também é pós-doutora.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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Revista online | Editorial: O grande ausente

Confira opinião da revista Política Democrática online (52ª edição)

Após um início tormentoso de governo, a agenda política tende a retornar a um curso de relativa normalidade. Forma-se, aos poucos, um calendário de batalhas legislativas, nas quais o governo deverá jogar suas forças e recursos no propósito da aprovação das proposições, a efetivação concreta de sua agenda programática.

Por enquanto, o ponto culminante desse calendário em construção é a reforma tributária, em suas diversas etapas, que alguns pretendem, numa visão otimista, ver equacionada até o final do ano. Há motivos fortes para essa prioridade. As duas vertentes da proposta de reforma, a simplificação e transparência, de um lado, e a progressividade, de outro, são os atalhos para avançar, de forma rápida e eficiente, no coração das promessas de campanha do governo: prosperidade, inclusão e equidade. Afinal, o voto da maioria dos brasileiros pobres, nos dois turnos de 2022, veio carregado dessas expectativas.

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No caminho, contudo, estão os obstáculos de sempre. Partidos divididos, nomeações que não resultam em votos de deputados e senadores, tentativas de barganhas que beiram, às vezes podem mesmo exceder, os limites da razoabilidade e da moralidade pública.

Não é difícil antever o tamanho dos problemas políticos que podem se avolumar numa situação como essa. A sociedade permanece marcada pelas denúncias de corrupção que emergiram nos escândalos sucessivos conhecidos como mensalão e petrolão. Esse poderá vir a ser, portanto, o flanco vulnerável do governo e o caminho preferencial a ser seguido pela oposição bolsonarista, se encontrar condições para tanto.

Nas condições presentes, há dois caminhos para lidar com os problemas postos pela construção e manutenção de coalizões majoritárias governistas no Legislativo. O primeiro deles aposta nas qualidades de liderança e negociação do presidente da República e de seus operadores políticos. Esse caminho, a aposta na experiência, na sensibilidade política e na capacidade de diálogo, foi aquele anunciado pelo candidato Lula na campanha e seguido até agora.

No entanto, esse caminho é complexo, custoso, de resultados incertos. A qualquer momento, portanto, o segundo caminho poderá fazer novamente sua entrada no debate político, do qual é, até agora, o grande ausente. Trata-se de avançar na reforma política, ir além das medidas, exitosas até agora, tomadas para reduzir o número de partidos políticos com representação no Congresso Nacional.

Nesse caso, seria necessário debater o próprio sistema eleitoral, as desigualdades de representação dos brasileiros de diferentes estados, a responsabilidade dos representantes perante partidos e eleitores, toda uma pauta, enfim, que retorna, periodicamente, desde 1988, ao centro da agenda política do país.

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Elisa Castelo Branco

Anos de Chumbo: Elisa Branco, Uma Vida em Vermelho

João Teixeira (Colunista), em texto publicado originalmente no Jornal Contratempo

A formação da classe operária rural, os trabalhadores da agricultura dos anos 50, está na origem deste livro instigante, Elisa Branco, Uma Vida em Vermelho (Civilização Brasileira www.record.com.br), de autoria de Jorge Ferreira, doutor em História Social pela USP, da Universidade Federal Fluminense e de Juiz de Fora.

Ninguém melhor que Elisa Branco, “heroína da paz” e defensora dos direitos femininos, merecem nossas homenagens neste Dia Internacional da Mulher, em 8 de março.

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A comunista Elisa Branco, Uma costureira de Barretos nascida em 1912, filha de uma família imigrante portuguesa comerciante, de classe média, entrou para a História de forma original:

Durante um desfile militar no dia 7 de Setembro de 1950, no Vale do Anhangabaú, a militante do PCB foi presa por abrir uma faixa – diante do presidente Eurico Gaspar Dutra e autoridades militares – contra o envio de soldados brasileiros à Guerra da Coreia (1950/53).

A campanha por sua libertação correu o mundo, Elisa Branco foi cantada em prosa e verso por Jorge Amado e Pablo Neruda, fazendo -a símbolo da resistência contra a opressão política.

“Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coreia”.

A militante do PCB virou celebridade mundial entre os comunistas, ganhou o Prêmio Internacional Stálin (depois, Lênin) da Paz na União Soviética, e somente agora tem aspectos de sua vida revelados na magnífica obra de Jorge Ferreira.

A biografia de Elisa Branco confunde -se com a centenária história do Partido Comunista Brasileiro – Elisa foi prestista até o fim – e a formação da incipiente classe de trabalhadores rurais dos anos 50.

O marido de Elisa Branco, Norberto, trabalhava no Frigorífico Anglo, inglês, de Barretos.

A vida social e econômica da cidade girava em torno do agronegócio.

A operária militante da base comunista ingressou no Departamento Feminino do PCB, em 1946, na ditadura de Getúlio Vargas, chefiou a célula Leocádia Prestes, com o PCB atuando na legalidade.

O prestígio da União Soviética era reconhecido mundialmente pelo esforço do Exército Vermelho na derrocada do Exército alemão na Segunda Guerra Mundial (1939/45).

“Em Barretos, naquela época, só havia escola primária. O que eu sei devo grande parte ao meu Partido. Porque ser comunista é ter o saber. O Partido nos ensina e nos dá o saber porque não é uma doutrina vazia”.

Elisa Branco, mesmo sem ser dirigente sindical ou do Partido, desde sempre viveu sob a vigilância da polícia política.

“Nesta Região Policial, após a promulgação da Constituição, observou -se forte empenho nas atividades do Partido Comunista Brasileiro. Antes da promulgação da Constituição, o Partido Comunista estava proibido de fazer comícios e reunióes, pelo que as suas atividades reduziam-se a reuniões nas sedes de seus comitês. Após, porém, a promulgação da Constituição sendo -lhe concedida, intensificaram sua propaganda…”

“… obtiveram assim, grande impulso no seu quadro eleitoral. Assim é que em toda Região foram feitos 8 comícios, sendo 5 nesta cidade de Barretos”.

O relatório reservado da Delegacia Regional da Polícia de Barretos, de 8 de fevereiro de 1947, registrava, preocupado, o crescimento e a influência comunista no interior paúlista.

“Como em Barretos não tinha nada para a mulher trabalhar, na época ela só podia ser dona de casa” – relembrava Elisa Branco, destacada ativista da Federação das Mulheres, nos tempos em que colhia assinaturas na campanha pela paz, sentada numa banca montada na Praça do Patriarca.

“As campanhas pela paz não foram inventadas pela URSS, mas, sim, foram aproveitadas por ela já que traduziam o anseio de milhões de pessoas em todo o mundo” – o historiador Jaime Ribeiro ensina.

O protesto original da costureira comunista lhe valeu quatro anos de prisão e a glória internacional como defensora da paz e dos direitos das mulheres.

Vale a pena conhecer a vida da libertária Elisa Branco.

Palavras-chave: anos de chumbo; uma vida em vermelho.

*João Teixeira, jornalista e escritor, integra o Conselho Editorial do Jornal Contratempo.


Economia: moeda Real, dinheiro e calculadora | Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Revista online | Muito além da Selic

Henrique Mendes Dau*, economista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A recente animosidade entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, despertou um velho e mal resolvido debate na sociedade brasileira: o papel da taxa de juros. As principais instituições de excelência e os mais renomados economistas entendem que a política monetária tem efeito neutro sobre a economia no longo prazo. Ainda assim, há um ruidoso debate sobre o assunto. O objetivo deste artigo não é fazer uma defesa de qualquer uma das duas posições defendidas, nem mesmo opinar sobre as decisões de política monetária que observamos no Brasil de hoje. O intuito é chamar atenção para o fato de que esta discussão sobre política monetária é desnecessariamente barulhenta e estamos negligenciando discussões muito mais urgentes.

Essencialmente, a riqueza de um país é a soma da produtividade de cada indivíduo. A produtividade é uma função de muitas variáveis, como regras tributárias, qualificação da mão de obra e investimentos. A discussão sobre a taxa de juros é ambígua, pois juros menores estimulam investimentos, mas tendem a desvalorizar o câmbio e prejudicar a importação de bens intermediários, fundamentais para o desenvolvimento das atividades econômicas domésticas. Nos países desenvolvidos, observamos juros baixíssimos. Seria esse um argumento contra a elevação da Selic? Não, pois o fato de que os países ricos tendem a ter juros baixos não implica que sejam ricos por esse motivo. O Brasil tem inflação alta, e a elevação da Selic é o principal instrumento de contenção das pressões inflacionárias, que, dentre outros males, agrava a desigualdade e gera estagnação econômica. Entretanto, a apreciação cambial subsequente pode reduzir a competitividade das exportações nacionais.

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Fica evidente que todos os caminhos possíveis apresentam pesos e contrapesos, explicitando a complexidade do assunto. É claro que os bancos centrais utilizam sofisticados modelos econômicos para estimar os efeitos da política monetária e tomar decisões ótimas. Ainda assim, não é um exercício trivial e está sujeito a muitas imprecisões, além de envolver preferências subjetivas que podem gerar conflitos políticos. Diante das ambiguidades inerentes à política monetária, devemos nos concentrar em soluções estruturais para elevar a produtividade e combater a inflação. Como dito antes, a produtividade depende de fatores que vão além da taxa de juros. Precisamos lembrar que a economia é formada por indivíduos, os quais dedicam tempo para trabalhar. Se pagar impostos for uma tarefa árdua, tempo e energia que poderiam ser ocupados com atividades produtivas são desperdiçados com tarefas que não geram riqueza. Da mesma maneira, se a educação vai mal, os indivíduos produzem menos e assim por diante. Além disso, se a elevação da taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, devemos buscar entender os motivos para que o país padeça desse mal e como resolvê-lo.

Os problemas econômicos do Brasil são de natureza estrutural e exigem reformas profundas em diversas áreas. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos países com maior complexidade tributária do mundo, o que além de desperdiçar tempo e recursos, leva à distorção dos preços relativos. Tornou-se corriqueiro para o Estado conceder benefícios tributários a grupos de interesse sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento de um determinado setor. Nesse processo, cria-se a sensação de que a atividade desonerada é mais atraente do que de fato é, induzindo os agentes a empreenderem de forma ineficiente e tornando o país mais pobre no longo prazo. 

ICMS o que é como funciona e o que muda com a nova regra | Foto: QuoteInspector
Gráfico da ibovespa | Foto: QuoteInspector
Faixada do Ministério da Economia | Foto: reprodução
Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil
Como a queda da bolsa de valores afeta o Brasil | Foto: Reprodução
Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Gráfico: Economia/g1 Fonte: IBGE
Macroeconomia | Imagem: TarikVision/Shutterstock
Reg. 050-21 Dinheiro. Moedas de Real. 2021/10/86 Foto: Marcos Sa
ICMS o que é como funciona e o que muda com a nova regra
Gráfico da ibovespa
Faixada do Ministério da Economia
Cartão bolsa família
Como a queda da bolsa de valores afeta o Brasil
Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
Gráfico: Economia/g1 Fonte: IBGE
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Gráfico: Economia/g1  Fonte: IBGE
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A complexidade tributária também é responsável pelo oceano de contencioso tributário e infindáveis disputas judiciais entre empresas e governo sobre a interpretação dos valores devidos, algo que afeta substancialmente a segurança jurídica brasileira. Com relação à educação, o Brasil não vai nada bem. Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o país ocupa a 63ª posição em leitura, a 66ª em matemática e a 59ª em ciências, em um ranking com 77 países. Como consequência desse cenário, enquanto um trabalhador americano produz 74 dólares por hora trabalhada e um francês, 66 dólares, em 2020, a produtividade brasileira foi de 28 dólares. A irresponsabilidade fiscal agrava esse cenário. Gastos excessivos e medidas inconsequentes, como a PEC dos Precatórios, contribuem tanto para a elevação artificial da demanda, como para a desvalorização cambial, ambos causadores de inflação. Até mesmo políticas sociais mal calibradas podem prejudicar justamente os mais pobres, como é o caso do Auxílio Emergencial, cujo elevado valor levou a aumentos de preços nos locais onde havia maior concentração de beneficiários. 

A explicação para que os países desenvolvidos gozem de baixas taxas de juros está relacionada à instituições fortes, que não cedem a pressões de grupos de interesse, e à qualificação da mão de obra. Isso proporciona um ambiente fértil para a alocação eficiente de recursos em atividades econômicas altamente produtivas, exercidas por indivíduos qualificados. Além disso, o controle fiscal garante que não haja inflação, evitando a necessidade de taxas de juros que atrapalhem o surgimento de novos investimentos no país. O Brasil precisa de reformas em questões como a tributária, a fiscal e a educacional. Essas são as discussões que deveriam tomar as capas dos jornais e o debate público, em vez do excessivo debate sobre política monetária, que embora seja importante, certamente não é a solução para os nossos desafios.

Saiba mais sobre o autor

*Henrique Mendes Dau é economista pelo Insper, diretor executivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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Carnaval na Sapucaí, Rio de Janeiro | Foto: divulgação Riotur

Revista online | Carnaval da democracia

Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

No longínquo ano de 1919, ocorreu no Brasil o primeiro Carnaval após a pandemia da Gripe Espanhola, que, no ano anterior, havia vitimado milhares de pessoas. Pela euforia dominante nas ruas e salões do Rio de Janeiro da época, o Carnaval daquele ano foi considerado o “maior da história”.

Agora, 104 anos depois, em pleno 2023, após dois anos sem folia por conta de outra pandemia, a da covid-19, as ruas voltaram a ser de novo tomadas pelos foliões, ávidos por retomar seu lugar na festa popular. Desta vez, a comemoração foi dupla: além de tirar o atraso carnavalesco causado pelo confinamento, comemorou-se a virada de página política do país, com a derrota do capitão e de seu projeto protofascista. A musiquinha “tá na hora do Jair já ir embora” era cantada por grupos de foliões nas esquinas do Rio de Janeiro.

O Carnaval sempre foi uma manifestação de desafogo para os infortúnios da vida. Contra o cotidiano opressivo, a brincadeira, o escracho e o delírio se transformam em válvula de escape das cruezas do mundo. Nos quatro dias de folia, as ruas receberam o afeto que se encerra no peito juvenil da rapaziada: são abraços, beijos e risos que traduzem o encontro coletivo carregado de alegria.

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A Riotur, empresa que organiza o Carnaval carioca, estima que mais de 400 blocos, bandas e cordões fizeram a festa da galera em todas as regiões da cidade. Essa estimativa é somente para as agremiações oficiais – aquelas que receberam autorização do poder público para pôr o cortejo na rua.  Tem ainda um sem-número de blocos que saíram por conta própria, sem carro de som e trajeto definido.

Como amante do Carnaval, todos os anos saio às ruas, não apenas no Simpatia É Quase Amor, bloco do qual sou fundador. Por gosto e diversão, vou a vários desfiles e bailes populares nos quatro dias de folia.  Em todos os encontros de que participei este ano, oficiais ou não, pude constatar a felicidade estampada no rosto das pessoas. Um misto de alívio e ânimo novo para a vida recarregou as baterias dos foliões.  As fantasias criativas voltaram a ocupar com força as praças e ruas. A purpurina saiu do armário para cintilar nos corpos, o confete e a serpentina deram o ar de sua graça, os transportes públicos ficaram lotados de foliões.

O clima foi de descontração e convivência harmoniosa e até o assédio de playboys, que em outros carnavais incomodava as meninas, em particular, e a todos, em geral – por seu caráter violento, machista e muitas vezes misógino –, foi bem menor, o que ajudou a tornar a festa mais colorida e diversificada. Sem exageros, é possível dizer que a diversidade da comissão que subiu a rampa do Palácio do Planalto na posse de Lula, emocionando o Brasil, pareceu estar representada nas ruas em uma comunhão de alegria e vibração contagiante.

E não foi só o Carnaval de rua que brilhou. Os desfiles na Sapucaí foram excelentes, com uma boa safra de sambas e, principalmente, enredos com temáticas criativas e cada vez menos chapa branca, que buscaram histórias ligadas as raízes das suas comunidades, as temáticas da cultura popular ou até mesmo leituras críticas de datas oficiais, como foi o caso da Beija-Flor, que mostrou na avenida uma versão “ao avesso” do Bicentenário da Independência. A campeã Imperatriz Leopoldinense, com seu belo desfile em homenagem a Lampião, representou bem essa tendência. Aliás, basta olhar para as histórias contadas pelas escolas que voltaram ao Sambódromo no desfile das campeãs para constatar a variedade dos temas apresentados.

Não há dúvida de que o fato de termos nos livrado de um período de trevas, carregado de tristeza e de intolerância, fez a diferença neste Carnaval.  Não à toa, em muitos blocos, a folia deste ano foi chamada de “Carnaval da democracia”.

E que continue assim. O Carnaval, a maior manifestação cultural do país, combina com alegria, senso crítico, diversidade e afeto. Coisas que, nos últimos anos, estava em falta no Brasil.

Carnaval e democracia são sinônimos de uma festa onde o povo impera e dá as ordens.

Saia mais sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista e fundador do bloco Simpatia É Quase Amor

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Caio Gomez/CB/D.A Press

Nas entrelinhas: fusões partidárias fortalecerão ainda mais o Centrão

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Temos atualmente 28 partidos. Formalmente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com um deputado, requer a fusão com o Patriota (quatro deputados) para formar o partido Mais Brasil. Solidariedade (quatro deputados) pede a incorporação do Partido Republicano da Ordem Social, o PROS (três deputados). O Podemos (12 deputados) solicita a incorporação do Partido Social Cristão, o PSC (seis deputados). Mas a movimentação mais importante é a federação ou fusão do PP (47 deputados) e do União Brasil (59 deputados), que resultará na formação da maior bancada da Câmara, com 106 deputados.

Dos 28 partidos e federações que concorreram nas eleições passadas, apenas 13 receberão recursos do Fundo Partidário em 2023, 15 não elegeram deputados federais, nem obtiveram votos suficientes para alcançar a chamada cláusula de desempenho. Os partidos que sobreviveram estão canibalizando os demais. As maiores bancadas na Câmara são do PL, de Jair Bolsonaro, com 99 deputados, e da federação PT-PV-PCdoB, com 81 deputados, que protagonizam a polarização entre o governo Lula e a oposição.

A fusão ou formação de uma federação do PP, liderado pelo ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), com o União Brasil, sob comando do deputado Luciano Bivar (PE) e o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, consolida a hegemonia do Centrão no Congresso, alicerçado no controle sobre a distribuição de emendas do relator no Orçamento da União.

Essa hegemonia no Congresso cria condições mais favoráveis para o Centrão arrancar concessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja na ocupação de cargos do governo, seja na aprovação de seus projetos, que geralmente caminham lado a lado. Além disso, o controle sobre as emendas, ao lado das mordomias e privilégios dos detentores de mandatos, além dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, desequilibrarão a disputa nas eleições municipais.

Outras fusões e incorporações também deverão ocorrer e compor um espectro partidário mais reduzido e de perfil político mais claro. Considerando o perfil das legendas, a direita mais ideológica será representada pela aliança do PL com o Republicanos, sob forte influência do ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja capacidade de transferência de votos nas eleições ficou provada em 2018, 2020 e 2022.

MDB e PSD, com 42 deputados cada, são as forças mais importantes de centro e centro-direita, respectivamente, o que deixa muito pouco espaço para o surgimento de um partido social-liberal, ao centro. PSB, PDT e a Federação Rede-PSol ocupam o espaço da centro-esquerda, ao fazer aliança com Lula. A federação PSDB-Cidadania, com 18 deputados, saiu muito enfraquecida da eleição e vive uma indefinição em relação ao rumo a tomar, uma vez que a opção de ampliação da federação com o Podemos não se consolidou e o projeto da “terceira via” subiu no telhado, com a participação de Simone Tebet no governo Lula. Além disso, suas bancadas se deslocaram da centro-esquerda para a centro-direita.

Crescer ou crescer

Quando Lula se refere à “cooperativa de partidos”, está passando recibo de que essa movimentação pode se tornar uma dor de cabeça nesse começo de mandato. A grande maioria do Congresso se move por interesses, velhas práticas como o patrimonialismo, o fisiologismo e o clientelismo estão vivíssimas. Tudo converge para as emendas de relator, nas quais os verdadeiros autores não são conhecidos. Mesmo nos partidos mais programáticos, o transformismo se impôs durante a gestão de Lira, reconduzido ao cargo com amplíssima maioria. Não existe mais “baixo clero” porque, agora, quem manda são suas principais lideranças, muitas das quais desconhecidas do grande público.

Nesse contexto, Lula navega em meio à calmaria que antecede a borrasca. Haverá uma queda de braço entre o governo e a oposição, na qual o Centrão será o fiel da balança. A mão pesada do governo sempre influencia as votações, ainda mais com um presidente recém-eleito, mas isso depende da preservação da popularidade de Lula, que venceu por estreita margem e enfrenta uma oposição radical nas redes sociais, que já demonstrou ser capaz de ganhar as ruas.

A maior ameaça à governabilidade é a situação da economia, principalmente o baixo crescimento, que inviabiliza as promessas de campanha de Lula. As medidas tomadas pelo governo até agora, tanto na área econômica — como a cobrança de impostos sobre combustíveis — quanto na área social — caso do novo Bolsa Família —, não têm sustentabilidade enquanto a taxa de juros estiver em 13,75%.

Com um crescimento do PIB de 2,9% em 2022, o mercado começa a projetar uma inflação da ordem de 4,9% para este ano, bem abaixo do último Boletim Focus, que era de 5,9%. Se isso ocorrer, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, estará na berlinda novamente, porque a taxa de juros se tornará uma ameaça ainda maior ao governo Lula. Não por acaso, a artilharia petista novamente se voltou contra ele, porém, sua blindagem é o Centrão.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-fusoes-partidarias-fortalecerao-ainda-mais-o-centrao/

Astrojildo Pereira | Foto: reprodução/HH Magazine

Quem foi Astrojildo Pereira, crítico que viu marxismo em Machado de Assis

Alcir Pécora, professor titular de teoria literária da Unicamp, em texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo

[RESUMO] O escritor Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil, tem sua obra relançada com esmero pela Boitempo. Nos dois volumes de crítica literária, ele expressa sua relação visceral e apologética com Machado de Assis, em quem via um símbolo da sociedade brasileira do Segundo Reinado e um "dialético espontâneo" que, embora nunca tenha se referido a Marx, a seu ver operava intuitivamente um método de materialismo dialético em seus romances.

A reedição das obras completas do escritor e líder comunista Astrojildo Pereira (1890-1965) é uma surpresa, dado o esquecimento em que parecia mergulhado o autor, mas coerente com o catálogo de uma editora de esquerda como a Boitempo.

Coleção Astrojildo Pereira lançamento em Brasília | Foto: Cleomar Almeida/FAP
Coleção Astrojildo Pereira lançamento em Brasília | Foto: Cleomar Almeida/FAP

De minha parte, li com gosto os dois volumes mais ligados à literatura, "Machado de Assis: Ensaios e Apontamentos Avulsos" (1959) e "Crítica Impura" (1963), pois evidenciam outro fato quase esquecido: a vida intensa do pensamento marxista no Brasil, muito antes dos anos 1960 ou dos seminários universitários.

Confira debate sobre Astrojildo Pereira no 7º Salão do Livro Político

Veja vídeo de lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília

Começo pelo livro sobre Machado, autor com quem Astrojildo manteve sempre uma relação visceral, precocemente assinalada por Euclides da Cunha em famosa crônica, ao vê-lo, ainda rapaz, beijar reverencialmente a mão do escritor moribundo em 1908, gesto que pareceu transfigurar o ambiente da vigília, até então desalentado pela indiferença dos meios culturais.

São sete ensaios e 16 artigos, aos quais Astrojildo se refere como escritos de circunstância, sem "plano prévio de conjunto", publicados em diferentes épocas, situações e veículos da imprensa.

O mais conhecido deles vem logo na abertura: "Machado de Assis, romancista do Segundo Reinado", cuja hipótese é a de que o autor, na vida como na obra, foi uma "conjunção de contrastes": solitário e pessimista, mas vivendo em "sociedade e cenáculos literários"; "tipo sensual", mas "modelo de bons costumes"; "analista rigoroso e frio" e, ao mesmo tempo, "criador empolgante".

Para o crítico, há uma consonância íntima entre a literatura machadiana e a evolução histórica do Segundo Reinado, em cuja base estavam os negros escravizados e a monocultura dos latifúndios, surgindo, depois, uma nova classe dirigente burguesa.

Tal transição explicaria o fato de Machado eleger como núcleo das intrigas a base familiar da vida em sociedade, na qual quase tudo se passava em torno de um "coração contrariado", vencido pela conveniência.

Analogamente, Astrojildo propunha que o romancista dava cunho sentimental à narrativa, submetendo-a então a um "laboratório de análise" que reunia virtuosismo, vigor e crueldade, movido por um "espírito de vingança", explicado basicamente por sua origem de classe, a gerar "sutil devastação" no ambiente em transformação das elites.

No ensaio seguinte, a propósito do célebre "instinto de nacionalidade" machadiano, Astrojildo reitera que o Brasil e o escritor crescem juntos, dado que a década de 1870 apresenta grandes mudanças no país, sintetizadas no movimento abolicionista, e muita agitação no exterior, com várias guerras em curso na Europa e o surgimento de novas correntes do pensamento, como o positivismo, o darwinismo, o naturalismo etc.

Machado, para ele, produzia a sua literatura em momento de transição dialética do que era ainda instinto para o que viria a ser uma real "consciência da nacionalidade", enquanto projeto de unidade e de soberania do país.

O "problema da nacionalidade" seria, para Astrojildo, o mais constante motivo de Machado e aquilo que o faria, em termos literários, um crítico severo da "imitação dos modelos franceses" e, em relação à língua, alguém tão preocupado em estudar os clássicos como em filtrar o "linguajar do povo brasileiro" a fim de incorporá-lo à "nossa língua literária", com base no critério decisivo da sua espontaneidade.

Astrojildo também rebate o lugar-comum a respeito do suposto absenteísmo de Machado em matéria política, cuja acusação mais dura, como a de Mário de Andrade, era de indiferença face à escravidão.

O crítico admite a falta de vocação de Machado para a militância, mas discorda que isso signifique alienação ou desprezo pela política, pois está nítido em seus escritos o empenho com que acompanhava a situação do país, aspecto que fazia da crítica o núcleo do seu engenho.

O seu humorismo tampouco seria apenas divertimento, mas "método de crítica social", o que justificaria chamá-lo de "escritor realista", sem ser da "escola realista". A conclusão de Astrojildo, contrária à suposta alienação de Machado, o propõe como o mais nacional dos escritores brasileiros, porque era o que mais pensava a realidade nacional.

Na mesma linha apologética, dedicada a retirar das costas de Machado as acusações mais pesadas que lhe faziam alguns contemporâneos, Astrojildo nega que ele seja um autor abstratizante, incapaz de paisagem, o que é desmentido, por exemplo, pela poesia de "O Almada", que celebra, com grande cuidado documental, um episódio do Rio seiscentista.

Em outro ensaio, Astrojildo considera as muitas metáforas dos olhos na obra de Machado e defende que elas demonstram o seu viés materialista, com "olhos tocando, apalpando, pegando coisas que viam". O processo seria similar ao pensamento dos "dialéticos gregos", como Heráclito, cujas noções-chave eram discórdia e contradição, que se ajustavam ao seu temperamento "inspirado, isolado e melancólico".

Sobre a questão —e, por vezes, acusação— de Machado nunca haver referido Marx, Astrojildo contrapõe a percepção de que era um "dialético do tipo espontâneo" e mesmo "um materialista a contragosto". É o que o faria anotar que "a contradição é deste mundo" e muitas vezes criar tanto a "transformação gradativa de um sentimento no seu contrário", como a relatividade da opinião segundo a posição social ocupada pelas personagens.

Machado seria a encarnação inata do "homem dialético" e, se não chegou a sê-lo plenamente, a causa estava nas circunstâncias e nas condições do país em que viveu.

Outra larga questão machadiana revista por Astrojildo é a "mudança de qualidade" da sua obra com "Memórias Póstumas". Não a entendia como "ruptura pura e simples", mas sim como "soluções de contradições" que vinham do passado e que representavam um longo enterro do "idealismo romântico", necessário para que Brás Cubas ressuscitasse materialista e galhofeiro, ainda que temperado de melancolia.

Por fim, Astrojildo examina a questão um pouco absurda, mas debatida à época, de saber se Machado era mesmo um homem mau, como alguns o julgavam. Na sua visão, havia uma dualidade demoníaca e angélica em Machado, típica da sua personalidade e do seu pensamento dialético.

Na sua obra, manifestava-se como "demônio da inteligência" e "dissecador de almas e caracteres", interpretado erroneamente como insensível e anticristão. Se no humorismo e na ironia os críticos colhiam provas de sua crueldade, para Astrojildo tratava-se mais de um "latejar de dor", repleto de "simpatia humana".

Do conjunto, ressaltam dois aspectos: primeiro, Astrojildo defende Machado em todas as frentes em que o via ser questionado; segundo, esforça-se para insinuar nele um germe de marxismo, dentro da consciência possível do seu tempo, como se o escritor operasse intuitivamente um método de materialismo dialético na análise da história e no desenrolar de suas intrigas.

Nesses termos, não deixa de ser dissonante a insistência no nacionalismo de Machado, assim como a sua aplicação abundante do pronome "nosso" a tudo que fosse do país, cujo resultado gera um híbrido estranho de marxismo patriótico. Parece acertar Carpeaux, quando o chama de "tradicionalista e revolucionário ao mesmo tempo", no qual convivem interpretação social e significação moral.

O segundo livro, "Crítica Impura", de 1963, testemunha o gosto de Astrojildo pela miscelânea, de que confesso participar inteiramente. Reúne um conjunto de "ensaios, artigos, notas de leitura, quase tudo publicado antes em revistas e jornais", sem maior preocupação de unidade, a não ser a do "fio ideológico". As suas três partes —ensaios e resenhas, testemunhos da China revolucionária, notas sobre cultura e sociedade— são todas boas de ler, tanto pela variedade dos assuntos quanto pela linguagem nítida e a crítica direta.

Nos ensaios, nos quais vou me deter aqui, há constantes fáceis de identificar, como a valorização do gênero da crônica, usualmente considerado menor, graças à propriedade de captar a atmosfera dos eventos —o que não se estende à apreciação de cronistas como Rubem Braga ou Fernando Sabino, detonados por ele ("ficam borboleteando na superfície das coisas"; "ajudando a mistificar", manipulando "bobas ironias").

Destaca, porém, as crônicas de Eça de Queirós, cujas "Cartas de Inglaterra" julga rivalizar com os seus romances, e, acima de tudo, as de Lima Barreto, que considerava o "maior cronista de sua geração", seja pelo "agudo poder de observação", seja por sua militância em temas sociais, como a defesa da classe operária, da reforma agrária, dos negros e, enfim, da "força invencível do povo".

Dos escritores estrangeiros destacados, pode-se dizer que Astrojildo tem geralmente olhos benignos para os comunistas, como Howard Fast e Louis Aragon, sem que pretenda negar o "caráter específico da arte" ou o fato de que "a ideia por si só não salva a obra de arte". Para ele, sem "transposição estética do conteúdo ideológico socialista" —isto é, sem "vibração emocional", "conexões com a própria vida" e, enfim, "talento"—, a obra não poderia ser bem-sucedida.

Astrojildo valoriza igualmente os artigos de opinião na imprensa, como os reunidos por José Veríssimo, em "Homens e Coisas Estrangeiras"; as biografias, como a de Monteiro Lobato, por Edgard Cavalheiro, e a de Mario Penaforte, por Onestaldo de Pennafort; os discursos acadêmicos, como o de Álvaro Lins na recepção de Roquete Pinto na ABL; os panfletos políticos, como os do padre Lopes Gama, de Gondin da Fonseca, de Lourival Fontes; as memórias, sobretudo as que valem como depoimento de época e da cidade, como as de Oliveira Lima, Vivaldo Coaracy e Luís Edmundo; os guias, como "No Termo de Cuiabá", de M. Cavalcanti Proença —gêneros pouco prestigiados literariamente, mas que Astrojildo lê gostosamente, elogiando a "comunicabilidade coloquial", o "conhecimento direto, exato e enxuto da realidade vivida" ou o "cheiro muito brasileiro", desde que produzido com "visão realista, sem embelezamentos".

Monografias também o interessam, como "Mutirão", de Clóvis Caldeira, que trata da "variedade das formas que o mutirão assume nas diversas regiões do Brasil"; "O Movimento Sindical no Brasil", de Jover Telles, com uma importante história das greves; "Brasil Século XX", de seu companheiro de partido Rui Facó; assim como relatos de experiência direta como "Minha Experiência em Brasília", de Oscar Niemeyer; enfim, ensaios filosóficos como "Furacão sobre Cuba", de Sartre, que reconhece ser "escritor poderoso", de "extrema sensibilidade", apesar das discordâncias teóricas e políticas.

Pensei até em economizar caracteres nessa multidão de nomes e títulos, mas depois percebi que era a última coisa que deveria fazer. Pois não há nada melhor nos escritos de Astrojildo que essa proliferação de livros e coisas que é, primeiro, o que há de mais próprio em uma miscelânea e, segundo, o que mostra de mais duradouro em sua crítica: não o fio da ideologia, mas a rede distendida de curiosidade e de leitura, o nítido desejo de dar notícias de todas as coisas, o que empresta graça e sociabilidade à erudição.

Não é difícil ver que algumas das questões de Astrojildo permanecem relevantes no cenário brasileiro. A forma de militância que repudiava as desigualdades, como os sectarismos, é uma delas. Outra é o fervor da vida literária, para lembrar o termo de Brito Broca. A paixão revolucionária funde-se com o afã dos livros, a responsabilidade histórica com a bibliomania.

Ainda quando falte fineza teórica ou consistência metodológica em suas análises críticas, tal como apontadas por José Paulo Netto e Leandro Konder, nunca deixa de haver a mais genuína vibração pelo debate cultural.