O inferno ecológico do Brasil não se limita às queimadas na Amazônia e no Pantanal. Ontem o Conselho Nacional do Meio Ambiente revogou regras que protegiam manguezais, restingas e reservatórios de água. “Foi um descalabro”, resume a procuradora Fátima Borghi, que representou o Ministério Público Federal na reunião.
O Conama é presidido por Ricardo Salles, o ministro que prometeu aproveitar a pandemia para “ir passando a boiada” sobre a legislação ambiental. Sob o comando dele, o conselho derrubou quatro resoluções que vigoravam desde o governo Fernando Henrique Cardoso.
Salles não teve dificuldades para tocar o gado. No ano passado, um decreto de Jair Bolsonaro alterou a composição do Conama. O órgão tinha 96 integrantes e passou a ter apenas 23. O objetivo da mudança foi reduzir a participação da sociedade civil e ampliar a maioria do governo nas votações.
Mutilado, o conselho se tornou um carimbador das vontades do Planalto. Ontem suas decisões beneficiaram o setor hoteleiro e a especulação imobiliária, que pressionavam para construir condomínios e resorts em áreas protegidas.
“As regras do Conama não podem ser revogadas ao bel-prazer do governo, sem estudos prévios. Os conselheiros votaram sem levar em consideração as inconstitucionalidades que apontei. Estão acabando com tudo”, lamenta a procuradora Borghi.
Esta não é a primeira boiada que o antiministro consegue passar na pandemia. Em abril, ele anistiou desmatadores da Mata Atlântica e demitiu um diretor do Ibama que combatia a mineração ilegal. Em agosto, organizou um voo de garimpeiros em jatinho da FAB.
A Justiça poderia freá-lo, mas tem se recusado a fechar a porteira. Uma ação contra as mudanças no Conama repousa há mais de um ano no gabinete da ministra Rosa Weber. Em outro processo, o Ministério Público pediu ontem que Salles seja afastado do cargo. Os procuradores afirmam que sua permanência pode produzir danos irreversíveis à Amazônica. Pelo que se viu até aqui, não parece exagero.