Mais importante que saber quem matou Marielle é identificar os mandantes do crime. O espetáculo de ontem deixou um cheiro de exploração política no ar
A prisão de dois acusados de matar Marielle Franco está longe de solucionar o caso. Mais importante que saber quem puxou o gatilho é identificar os mandantes do crime, que também tirou a vida do motorista Anderson Gomes. Pelo que se ouviu ontem, a Polícia Civil e o Ministério Público ainda vão demorar a apresentar respostas convincentes.
O delegado Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios, disse não ter “nem ideia” de quem ordenou a execução. “Hoje não sabemos se havia mandantes”, afirmou. Ele sugeriu que o ex-PM Ronnie Lessa, apontado como autor dos tiros, pode ter agido sozinho porque tinha “ódio a políticos de esquerda” e “resolvia diferenças ideológicas com violência”. Essa versão não combina com as características do crime nem com o perfil do acusado.
É difícil acreditar que um crime premeditado, que exigiu dias de planejamento, tenha como motivo uma mera antipatia pela vereadora. Além disso, Lessa era uma figura conhecida no submundo policial. Passou dos batalhões da PM para a guarda pessoal de um chefão do crime na Zona Oeste do Rio.
Nos últimos anos, o ex-sargento diversificou os negócios e a clientela. Ele foi preso num condomínio de alto padrão na Barra da Tijuca, onde é vizinho do presidente Jair Bolsonaro. Também tem casa em Angra dos Reis e circula em carro blindado. Até 2017, recebia pouco mais de R$ 7 mil de salário.
Depois de um ano de cobranças, é natural que os investigadores se sintam tentados a apressar a conclusão do caso. No entanto, restam inúmeras perguntas sem resposta. Uma delas foi levantada em janeiro, quando a Polícia Federal detectou uma armação para atrapalhar a identificação dos assassinos. A quem isso interessa?
O espetáculo de ontem também deixou um cheiro de exploração política no ar. O governador Wilson Witzel convocou a imprensa ao Palácio Guanabara e tentou se apresentar como chefe da investigação. As promotoras do caso foram convidadas, mas preferiram não participar do circo. Na campanha, Witzel festejou a quebra de uma placa com o nome de Marielle.