Farmácias sem remédios, postos de saúde sem vacinas, mercados sem comida. Ameaça de falta d’água no Rio e suspensão da coleta de lixo em São Paulo. Os profetas do apocalipse teriam dificuldade de prever o que acontece no Brasil neste fim de maio de 2018. Em apenas quatro dias, o país chegou à iminência de um colapso.
A crise de desabastecimento não foi provocada por uma mera greve de caminhoneiros. Há participação explícita de grandes empresários de transportes na paralisação. Greve apoiada por patrões não é greve, é locaute. Nem sempre se limita a buscar vantagens financeiras. Pode embutir outros fins, como desestabilizar governos e tumultuar eleições.
O movimento estimula oportunismos de todos os tipos. Donos de postos achacam motoristas em pânico. Parte da oposição festeja o caos. A direita amalucada volta a pedir “intervenção militar”, um eufemismo rasteiro para golpe.
O Congresso reagiu com a irresponsabilidade que se espera dele. Senadores sumiram de Brasília na manhã de quinta, com medo de ficarem sem voos para a folga do fim de semana. Deputados ignoraram um erro grosseiro de cálculo, superior a R$ 10 bilhões, ao aprovarem a redução de impostos sobre a gasolina.
O governo Temer, do qual não se espera nada, conseguiu aumentar sua lista de trapalhadas. Com as rodovias fechadas, o presidente viajou para participar de uma cerimônia de entrega de automóveis. No palanque, disse que o “fato mais importante do dia” era a sua presença na solenidade.
Sem força para peitar os chefes do locaute, o Planalto anunciou uma proposta de acordo no fim da noite. Dobrou-se à chantagem e aceitou torrar mais dinheiro público em forma de subsídios. Tudo em nome de uma trégua de 15 dias, que ninguém sabe se será cumprida.