Levou apenas 24 segundos. Em sua primeira participação no debate da TV Globo, Marcelo Crivella disse que Eduardo Paes será preso. Ele repetiria a ameaça outras nove vezes até o fim do programa. Foi o último confronto entre os candidatos à prefeitura do Rio.
“Paes vai ser preso. Eu digo isso com o coração partido”, provocou o atual prefeito. “Ele é que morre de medo de ser preso”, devolveu o antecessor.
Com a rejeição nas alturas, Crivella apelou ao discurso moralista para desgastar o adversário. Além da dezena de menções ao xadrez, recitou sete vezes o mandamento “Não roubarás”. Paes começou acuado, mas passou a revidar na mesma moeda. Chamou o bispo quatro vezes de “pai da mentira”. Na Bíblia, a expressão é associada ao demônio.
Os dois candidatos foram alvo de operações policiais em setembro. Paes já virou réu, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois na eleição de 2012. Crivella teve o celular apreendido em outro inquérito, que apura o funcionamento de um balcão de propina na gestão atual.
Como esperado, o debate ofereceu um espetáculo de exploração da fé. O bispo insistiu na retórica da “ideologia de gênero” e disse que o adversário terá problemas com Deus no Juízo Final. Em nova fala homofóbica, afirmou, em tom de reprovação, que Paes fez do Rio a “capital mundial do turismo gay”.
O ex-prefeito reciclou a tática de bater na Igreja Universal, de olho em eleitores evangélicos de outras denominações. Ele aproveitou para lembrar que o bispo Edir Macedo, tio de Crivella, defende a legalização do aborto. Mais um tema que nada tem a ver com a gestão municipal.
Além de trocarem insultos, os dois travaram um duelo de más companhias. Crivella associou Paes a Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos presos por corrupção. Paes ligou Crivella a Wilson Witzel, afastado do governo pelo mesmo motivo.
O presidente Jair Bolsonaro foi o grande ausente do debate. Nenhum dos candidatos quis citá-lo. Coincidência ou não, os dois também silenciaram sobre o combate às milícias.
Embora a segurança pública seja atribuição do estado, cabe à prefeitura coibir a construção ilegal e a invasão de áreas protegidas. Nas gestões de Paes e Crivella, os paramilitares ampliaram negócios e expandiram seu domínio sobre o território carioca. É preciso muito otimismo para crer que isso mudará em 2021, seja quem for o eleito.
A pancadaria de sexta à noite resumiu o tom da campanha no Rio. O eleitor foi bombardeado com muitas acusações e poucas propostas. Sobraram ofensas e faltaram ideias para tirar a cidade do buraco.
Não se falou em combate à desigualdade, geração de empregos, recuperação do centro ou despoluição de praias e lagoas. A cultura só foi lembrada num bate-boca sobre o financiamento do carnaval.
“Eles não discutiram minimamente os problemas da cidade. Espremendo muito, sai uma gotinha de limão seco”, lamenta o vereador eleito Chico Alencar, que declarou “voto crítico” em Paes.
Com ampla vantagem nas pesquisas, o ex-prefeito tende a vencer sem sustos. Como ele mesmo admite, menos por suas qualidades do que pelos defeitos do sucessor.