Bernardo Mello Franco: O último sobrevivente

Os golpistas já festejavam a vitória quando Waldir Pires se sentou pela última vez diante de sua Olivetti no Palácio do Planalto. Aos 37 anos, o advogado baiano era responsável pela forma jurídica de todos os atos do governo João Goulart.
Foto: Arquivo Nacional
Foto: Arquivo Nacional

Os golpistas já festejavam a vitória quando Waldir Pires se sentou pela última vez diante de sua Olivetti no Palácio do Planalto. Aos 37 anos, o advogado baiano era responsável pela forma jurídica de todos os atos do governo João Goulart. Na madrugada de 2 de abril de 1964, ele escreveu que o presidente havia voado para o Rio Grande do Sul, onde permanecia “à frente das tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais”.

O senador Auro de Moura Andrade ignorou a mensagem e declarou vaga a Presidência. Waldir tentou resistir no palácio com Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil. Às duas da manhã, ao ver os militares cercando a área, interpelou o comandante militar do Planalto, Nicolau Fico: “Mas general, o senhor traiu o presidente?”. Menos diplomático, Darcy chamou o oficial de “gorila”. Os dois se mandaram antes que fossem presos.

Nas 36 horas seguintes, Waldir e Darcy viveriam uma aventura de cinema. A primeira tentativa de sair de Brasília fracassou. A dupla quis embarcar num avião da FAB, mas foi informada de que a frota já estava sob comando dos golpistas. “Doutor Waldir, o que o senhor está fazendo aqui?”, surpreendeu-se um major. “Saia logo. Se virem o senhor, vão prendê-lo”, avisou.

No dia 3, o deputado Rubens Paiva começou a montar uma operação para levar os aliados até Porto Alegre. Na madrugada do dia 4, os dois rastejaram pela cabeceira da pista e correram até um monomotor. A torre tentou barrar a decolagem, mas Darcy obrigou o piloto a partir.

Na escala em Mato Grosso, outras más notícias. O combustível não chegou, e a aeronave teve que ser reabastecida com gasolina de caminhão. Pelo rádio, Waldir e Darcy souberam que a resistência havia fracassado. Jango estava em Montevidéu, era preciso mudar a rota para o Uruguai. Na tarde do dia 5, a poucos quilômetros do destino, os viajantes enfrentaram uma tempestade. O piloto precisou forçar o pouso no meio de um rebanho de ovelhas, conta Emiliano José no recém-lançado “Waldir Pires: A Biografia”.

Waldir era o último sobrevivente entre os dez primeiros cassados pela ditadura — a lista incluía Prestes, Jango, Jânio, Brizola, Darcy e Arraes. Mais tarde, seria governador da Bahia, deputado e ministro da Previdência, da CGU e da Defesa. Morreu na sexta-feira, aos 91 anos.

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