Ao banalizar ameaça de um “novo AI-5”, Paulo Guedes voltou a mostrar desapreço pela democracia. Antes de virar ministro de Bolsonaro, ele trabalhou para a ditadura de Pinochet
O ministro Paulo Guedes pode ser acusado de muitas coisas, menos de esconder o que pensa. Na segunda-feira, ele voltou a mostrar desapreço pela democracia. Banalizou a ameaça de um novo AI-5, feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro.
Em Washington, Guedes falou em medidas de exceção em caso de protestos violentos contra o governo. “Não se assustem se alguém então pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, disse.
Questionado por uma repórter sobre a gravidade da declaração, ele adotou tom de deboche: “Mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força o Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI -5. Isso é inconcebível, não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?”.
Guedes se referiu à ameaça do Zero Três como uma resposta a discursos do ex-presidente Lula. Foi um argumento falso, porque o deputado lançou acartado AI-5 dez dias antes de o petista voltar ao palanque.
Ele também apelou ao traçar um cenário de insurreição nas ruas brasileiras. Até aqui, o levante só existe nos discursos do governo, que parece buscar um pretexto para testar medidas arbitrárias.
Guedes já havia flertado com o autoritarismo quando defendeu uma “prensa” no Congresso para acelerar a reforma da Previdência. O texto foi aprovado, mas o ministro ainda parece ver a democracia como um entrave à sua agenda ultraliberal.
Ele não é o primeiro ocupante do cargo a raciocinar assim. Na reunião que selou a edição do AI-5 original, em 1968, Delfim Netto disse que a ditadura precisava de superpoderes para “realizar certas mudanças constitucionais” e desenvolver o país “com maior rapidez”.
Ao naturalizar as ameaças do clã Bolsonaro, Guedes sugere que não se incomodaria com a volta dos anos de chumbo. Não chega a ser uma surpresa. Ele se mudou para o Chile durante o regime de Pinochet, a convite de uma universidade sob intervenção militar.
No ano passado, a revista “Piauí” questionou o ministro sobre o período. Ele respondeu o seguinte: “Eu sabia que tinha uma ditadura, mas pra mim isso era irrelevante do ponto de vista intelectual”.