Nos últimos “Diários da Presidência”, FH expõe visões contraditórias sobre Lula. O tucano sofreu com os ataques do petista, mas ficou satisfeito com a civilidade da transição
Vem aí o último volume dos “Diários da Presidência” de Fernando Henrique Cardoso. Os principais temas do livro são a eleição de 2002 e a transição para a posse de Lula. Foi um processo exemplar, que lembra como a política brasileira já soube ser civilizada.
No penúltimo dia de governo, os rivais históricos brindaram juntos num churrasco na Granja do Torto. Dias antes, o neto do tucano foi convidado para jogar bola com o neto do petista. “Esse é o grau de amizade”, anotou FH, satisfeito com o clima de reconciliação.
Nem sempre foi assim. No calor da disputa, o sociólogo sofreu com os ataques do operário. “O Lula é realmente um despreparado, além de ser grosseiro”, desabafou, em outubro de 2001. “Ele é um clown. Foi um líder e hoje é uma réplica de si mesmo, e de quinta categoria. É patético”, esbravejou, seis meses antes.
No início da campanha, FH levantava dúvidas sobre o favoritismo do oposicionista. “O Lula é boa pessoa, é intuitivo, mas não é preparado. Quando começar a falar, vai assustar todo mundo”, apostou, em agosto de 2001. Ele parecia convencido de que o rival não conseguiria pilotar o governo. “Eu acho, e lamento dizer isso, que o Lula não está preparado para ser presidente”, sentenciou. “Não estudou nada, não trabalhou, não se aperfeiçoou”.
Aos poucos, FH foi dando o braço a torcer. “Começo a perceber que o Lula penetrou muito. Penetrou em camadas que acham que o Lula mudou, que o PT é outro”, admitiu, em maio de 2002. A desconfiança passou a dar lugar à ironia. “O Lula fez ontem um discurso beijando a cruz”, disse, em junho, quando o petista prometeu respeitar os contratos. “Estão muito bonzinhos”, debochou.
FH assistiu ao último debate na TV do Alvorada. Achou Lula “demagógico”, mas reconheceu que sua vitória era irreversível. Depois da abertura das urnas, ele zombou do primeiro discurso do eleito. “Mais parecia eu falando. Só que eu falaria com mais ênfase e talvez com mais graça, sem um documento nas mãos para ler”.
No fim do diário, o presidente registrou seu incômodo com a festa em torno do sucessor. “Curioso, não sei se fizeram uma entronização tão sacra assim quando fui eleito. Menos ainda quando fui reeleito”, reclamou.