Bolsonaro chamou Paulo Freire de “energúmeno”. O educador recebeu 34 títulos de doutor honoris causa. Quando morreu, seu detrator ainda vagava no baixo clero
Depois de atacar uma garota de 16 anos, o presidente resolveu difamar um educador morto. Na semana passada, Jair Bolsonaro chamou a estudante Greta Thunberg de “pirralha”. Ontem ele se referiu a Paulo Freire como “energúmeno”.
A jovem sueca não teve tempo para se abalar. No dia seguinte ao insulto, foi escolhida a Pessoa do Ano pela “Time”. A revista americana reconheceu sua militância em defesa do meio ambiente. Enquanto ela inspirava estudantes de todo o mundo, Bolsonaro despontava como vilão ambiental.
A comparação com Freire também é desfavorável ao presidente. O professor foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz e recebeu 34 títulos de doutor honoris causa no Brasil e no exterior. Morreu em 1997, quando seu detrator ainda vagava no baixo clero da Câmara.
Autor de “O Educador: Um Perfil de Paulo Freire” (Todavia, 256 págs.), Sérgio Haddad explica que seu biografado tinha pouco a ver com a caricatura feita pelo bolsonarismo. “Freire nunca foi comunista. Era um cristão humanista, preocupado com a igualdade e com a justiça social”, afirma.
O professor foi um dos primeiros alvos da ditadura. Treze dias depois do golpe de 1964, os militares extinguiram seu Plano Nacional de Alfabetização. Ele foi preso duas vezes, acusado de ser “um criptocomunista encapuçado sob a forma de alfabetizador”.
“Freire nunca defendeu uma educação partidária. Defendia que os alunos pudessem discutir seus problemas na escola, o que assustava as elites conservadoras da época”, esclarece Haddad. “Agora que estamos vivendo outro momento de intolerância, ele passou a ser usado como bode expiatório para nossos fracassos no setor. Isso faz parte do universo das fake news”.
O dicionário “Houaiss” define “energúmeno” como “pessoa que age com violência, de forma irracional, brutal; desequilibrado, desatinado; indivíduo ignorante, boçal, imbecil”. A palavra não se aplica a quem dedicou a vida à causa da alfabetização. Comnbina melhor com políticos que desprezam a educação, a cultura e o conhecimento.