As democracias não morrem mais sob a mira de tanques. Hoje os líderes autoritários tentam chegar ao poder pelas urnas. Pode acontecer no Brasil
Foi-se o tempo em que as democracias só tombavam sob a mira de tanques e baionetas. No século passado, golpes clássicos derrubaram governos eleitos em quase toda a América Latina. Agora a ameaça não depende mais do uso da força. “O retrocesso democrático hoje começa nas urnas”, afirmam os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em “Como as democracias morrem”.
Os professores de Harvard mostram como líderes eleitos podem conduzir seus países ao autoritarismo. O livro foi escrito sob o impacto da vitória de Donald Trump nos EUA. No entanto, é impossível atravessá-lo sem pensar na encruzilhada do Brasil em 2018.
“Demagogos extremistas surgem de tempos em tempos em todas as sociedades, mesmo em democracias saudáveis”, escrevem os autores. O desafio, dizem, é evitar que eles explorem os sentimentos de ódio e ressentimento para chegar ao poder.
A decisão não é só do eleitor. Para ascender, os outsiders buscam se aliar ao establishment. Foi assim que Alberto Fujimori e Hugo Chávez abriram caminho para subverter as instituições no Peru e na Venezuela. “Em cada caso, as elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos. Contudo, seus planos saíram pela culatra”, afirma o livro, traduzido pela Zahar.
Num recuo na história, os autores lembram que Hitler e Mussolini também chegaram ao poder sem apelar à força. Na Alemanha dos anos 30, líderes experientes pensaram que poderiam domar o chefe do Partido Nazista, um populista de discurso radical. Num ambiente de revolta contra a política tradicional, ele encantava multidões com um penteado exótico e a promessa de restaurar a ordem e combater o comunismo. Qualquer semelhança…
Levitsky e Ziblatt listam quatro sinais de alerta para identificar um aspirante a ditador: “Devemos nos preocupar quando políticos: 1) rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo; 2) negam a legitimidade de oponentes; 3) toleram e encorajam a violência; 4) dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia”.
O líder das pesquisas no Brasil gabarita o teste, mas há quem pense que ele não oferece risco à democracia. Segundo esta visão, Congresso e Judiciário seriam capazes de conter um presidente autoritário, mesmo que ele demonstre desprezo pela Constituição e pelos adversários políticos.
“Isso é um erro histórico semelhante ao cometido pelos conservadores alemães em 1932”, escreveu Levitsky, em artigo na “Folha de S.Paulo”. “Para justificar seu apoio a um autoritário, muita gente diz que Bolsonaro talvez não seja tão ruim”, observou. Segundo o professor, este argumento se baseia em três ideias enganosas: “Ele não fará o que diz”, “Ele é incompetente demais para ameaçar a democracia” e “Somos capazes de controlá-lo”.
“Apoiar um candidato autoritário é um jogo perigoso que raramente termina bem”, avisou Levitsky. O texto foi publicado na sexta-feira. No mesmo dia, o capitão ressurgiu na TV com uma ameaça: “Não aceito um resultado eleitoral diferente da minha eleição”.