Na semana em que removeu a proteção a manguezais e restingas, o ministro Ricardo Salles avançou mais uma casa no desmonte dos órgãos ambientais. Na sexta-feira, ele criou um grupo de trabalho para estudar a fusão do Ibama com o Instituto Chico Mendes. O objetivo é extinguir o último, conhecido pela sigla ICMBio.
A comissão terá sete integrantes. Cinco deles são PMs nomeados no lugar de técnicos. Em portaria publicada no “Diário Oficial”, Salles disse que a mudança poderá trazer “potenciais sinergias e ganhos de eficiência administrativa”. Quem atua nos dois órgãos enxergou outra coisa. “É para não haver a aplicação da legislação ambiental”, resumiu a Ascema, associação nacional dos servidores do meio ambiente.
O ICMBio cuida de 334 unidades protegidas. Elas ocupam quase 10% do território nacional, da Amazônia ao Pampa. A criação do órgão liberou o Ibama para se concentrar nas tarefas de fiscalização e licenciamento.
Ao defender a separação das atividades, em 2007, a então ministra Marina Silva enfrentou protestos e greve. “Daqui a alguns anos, os servidores vão estar tão apegados ao Instituto Chico Mendes quanto são hoje ao Ibama”, ela previu. As reações à ofensiva do governo mostram que o tempo lhe deu razão.
O discurso tecnocrático de Salles esconde o verdadeiro problema: a asfixia deliberada dos órgãos ambientais. Sem concurso há oito anos, o Ibama sofre uma redução acelerada em seus quadros. Só no ano passado, um quarto dos funcionários se aposentou. O órgão terminará 2020 com mais cargos vagos do que ocupados.
A penúria tem consequências. Em 2019, o governo aplicou o menor número de multas ambientais em 16 anos, de acordo com levantamento do Observatório do Clima.
A destruição da governança ambiental é parte do projeto de Jair Bolsonaro. Na quinta-feira, ele anunciou, em tom de comemoração: “O Ibama não atrapalha mais”. “Antigamente o Ibama servia, com todo o respeito, para multar os caras, mais nada”, prosseguiu. Os “caras” no discurso do capitão são grileiros, madeireiros e ruralistas que o apoiam.
A tentativa de extinguir o ICMBio parece embutir outro desejo: eliminar o nome de Chico Mendes da estrutura do governo. Ao completar um mês no cargo, Salles chamou o seringueiro, símbolo da luta ambiental no país, de “irrelevante”. “Que diferença faz o Chico Mendes neste momento?”, desdenhou.
A comparação de biografias não favorece o ministro. Ele já foi condenado por improbidade administrativa, acusado de fraude para favorecer uma mineradora. Em abril, anunciou o plano de aproveitar a pandemia para “passar a boiada” na legislação ambiental.
Chico Mendes era um herói da floresta, reconhecido pela ONU como líder global na defesa do meio ambiente. Foi assassinado em 1988, a mando de um fazendeiro. Ao propor o fim do instituto batizado com seu nome, Salles ameaça matá-lo pela segunda vez.