Bernardo Mello Franco: A perseguição que afastou João Cabral do Itamaraty

O obscurantismo chegou ao Itamaraty antes de Ernesto Araújo. Na época da Guerra Fria, outro surto ideológico levou à perseguição de diplomatas. Seu alvo mais ilustre foi o poeta João Cabral de Melo Neto.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O obscurantismo chegou ao Itamaraty antes de Ernesto Araújo. Na época da Guerra Fria, outro surto ideológico levou à perseguição de diplomatas. Seu alvo mais ilustre foi o poeta João Cabral de Melo Neto.

A caça às bruxas foi iniciada por Carlos Lacerda, adversário feroz do governo Getúlio Vargas. Em junho de 1952, ele bradou na “Tribuna da Imprensa” contra a existência de uma “célula comunista” no serviço diplomático. Sem provas, denunciou um complô para “colocar segredos os militares brasileiros nas mãos de Moscou”.

O autor de “Morte e Vida Severina” servia como segundo secretário na embaixada de Londres. De lá, segundo Lacerda, comandaria um “plano diabólico” contra o próprio país. Ele ainda teria montado uma tipografia para imprimir panfletos subversivos.

“Existe um grão de verdade nesse pedaço da história”, conta a professora Heloisa Starling, em artigo na nova edição do “Suplemento Pernambuco”. João Cabral tinha uma prensa mecânica, que usava para imprimir versos de outros poetas. “Não se conhece nenhum panfleto soviético dessa prensa”, escreve a historiadora da UFMG.

Apesar da fragilidade das acusações, Getúlio cedeu à campanha. Em março de 1953, puniu o escritor com o afastamento não remunerado. João Cabral teve que voltar ao Brasil. “Ele ficou muito abatido com a perseguição. Sem o salário de diplomata, passou a fazer traduções para sobreviver”, conta o professor da USP Ivan Marques, que prepara uma biografia do poeta.

Em setembro de 1954, oito dias após o suicídio do presidente, o Supremo Tribunal Federal julgou o caso de João Cabral. “Nenhum ato praticou o impetrante suscetível de iniciar a execução do crime que se lhe atribui”, constatou o ministro Luiz Gallotti. Por unanimidade, a Corte considerou que a punição foi ilegal e determinou a reintegração do diplomata.

A ordem só seria cumprida no ano seguinte. De volta ao Itamaraty, João Cabral foi enviado para Sevilha, onde se dedicou a pesquisas no Arquivo Geral das Índias. As praças da cidade espanhola viraram cenário constante de sua obra literária, como o sertão de Pernambuco. Ontem o poeta teria completado 100 anos.

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