O título deste artigo é uma alusão à capa da revista britânica The Economist da última semana de abril de 2020, quando já se sabia que a doença que ganhou escala de pandemia no mundo exigiria um elevado esforço financeiro dos Tesouros mundo afora. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o esforço para fortalecer os serviços de saúde, proteger pobres e desempregados, além de salvar negócios da bancarrota somam US$12 trilhões em todo o mundo. Se considerarmos o PIB mundial de US$87.7 trilhões em 2019, o esforço fiscal empenhado em salvar as economias consiste em 13,6% do PIB Global. Isto fatalmente levará o mundo a uma nova dinâmica macroeconômica sobre a qual ainda se sabe pouco.
Olhando para a economia brasileira, o panorama é ainda mais desanimador. As medidas de expansão do gasto público e o consequente endividamento que isto causa, não foram capazes de evitar as mais de 150 mil mortes pelo COVID-19, ou ainda de evitar uma queda histórica de aproximadamente 6% no Produto Interno Bruto. Entre fevereiro e agosto de 2020, o Tesouro Nacional já gastou R$366.4 bilhões em despesas relacionadas ao Coronavírus e autorizadas em caráter excepcional pela PEC 10/2020 popularmente conhecida como “orçamento de guerra”. Isto deslocou a dívida pública do governo brasileiro de 76,1% do PIB em janeiro, para 88,8% do PIB em agosto deste ano.
Uma projeção em um dado cenário base da dívida pública, mostra que ela deve estar em 95,6% do PIB em dezembro de 2020. Para 2021 ainda não está claro para onde vai a política fiscal e, portanto, a dívida pública, isto porque ela depende de um conjunto de fatores. Primeiro, ela depende do resultado primário do governo que segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit de 2021 deve ser de aproximadamente R$265 bilhões. Segundo, a dívida pública depende da taxa de juros pela qual o Tesouro conseguirá financiar novas dívidas. A SELIC está em mínimos históricos, no entanto, é uma taxa meramente de curto prazo e o custo financiamento de títulos do Tesouro com vencimentos mais a longo prazo estão subindo. Terceiro, a relação dívida/PIB depende também do comportamento do PIB e o histórico das previsões relacionadas a este indicador não são confiáveis, ano após ano, o mercado financeiro “vende” comportamentos do produto que não se verificam.
Há ainda, outros complicadores. O governo não inspira confiança no que se refere à condução da política fiscal, o programa de renda mínima parece ter se tornado uma obsessão a ser perseguida a qualquer custo pelo executivo em Brasília. Para viabiliza-la, o governo sugere manobras que drenam a transparência da política fiscal, tais como a inclusão da renda mínima no FUNDEB e o atraso do pagamento de precatórios. O governo não demonstra firmeza também no que se refere ao futuro institucional da política fiscal, normas institucionais recentes fundamentais para a sustentabilidade da dívida pública como o teto de gastos, recebe um tratamento hostil por parte da “ala desenvolvimentista” do Planalto e não estão garantidas. Ademais, parte da equipe econômica flerta com a ideia da recriação da CPMF, o que poderia exercer um efeito positivo de curto prazo sobre o resultado primário e, consequentemente, a dívida, porém pode também exercer um efeito prejudicial ao crescimento do PIB e ter um efeito dívida/PIB negativo por vias da queda no denominador.
Prever, portanto, um cenário para a dívida pública em 2021 não é tarefa trivial, ainda assim vale a pena tentar. No melhor cenário (e pouco provável), supondo manutenção e respeito ao teto de gastos, que o governo não tenha que socorrer inesperadamente Estados e municípios, e que a taxa de financiamento dos títulos públicos seja pelo menos igual ao crescimento do PIB, a relação dívida/PIB de 2021 deverá depender exclusivamente do resultado primário, o que a levaria para algo próximo de 98% do PIB. Infelizmente o mundo não é o ideal e nada garante que novos programas assistenciais não sejam incluídos no orçamento, que socorros a Estados e municípios não sejam necessários e que o custo de financiamento do Tesouro não exceda a taxa de crescimento do PIB. Portanto, é possível haver uma relação dívida/PIB próxima dos 105% em dezembro de 2021.
Se isto acontecer, o Brasil entrará em 2022 (ano eleitoral) como entrou em 2014, precisando imprimir uma agenda de ajuste fiscal ainda mais dura e com o chefe do executivo buscando ampliar gastos públicos buscando sua reeleição. Na linguagem weberiana, 2022 deverá ser um ano de choque entre a ética da responsabilidade de realizar um ajuste mesmo que isto custe a reeleição versus a ética da convicção do Presidente em que a expansão eleitoreira de gastos é o atalho mais curto para permanecer no emprego, ainda que a conta seja paga no futuro. Não é difícil prever qual será a escolha do mandatário do Poder Executivo.
*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.