Geledés*
Em 2016, quando eu era professor de uma escola, fui interpelado por um pai de um aluno, durante uma reunião pedagógica, que me questionou, acintosamente, sobre uma proposta de redação que eu havia solicitado para turma. Eram alunos de ensino médio e propus a eles que refletissem e depois escrevessem sobre a importância de se discutir as questões de gênero na sociedade.
O pai do aluno argumentava que o papel da escola não era ensinar “Ideologia de gênero” e sim matemática e português, e ainda propôs: “por que o senhor não ensina Machado de Assis pra eles, professor? “. Fiquei olhando para aquele sujeito e, logo em seguida, eu respondi que “ensinar Machado” talvez fosse até mais grave para os alunos, de acordo com os critérios dele. Argumentei ainda que tais discussões também estavam de acordo com as diretrizes e propostas do ENEM, e que portanto era importante que os alunos escrevessem sobre temas como gênero, por exemplo. Foi então que este mesmo pai, já imbuído pela conduta do movimento fascista do “escola sem partido” disse, em tom ameaçador: “Professor, ouça bem o que eu vou lhe dizer: nós vamos chegar no MEC e vamos mudar toda essa bagunça esquerdista”. Naquele momento, eu percebi o sentimento fascista começava a ganhar força e os professores passaram a ser vistos como doutrinadores.
A vontade de mexer nas bases da educação e nas instituições vem desde sempre durante a administração bolsonarista. O desmonte e a destruição do ensino é, talvez, o principal projeto do governo Bolsonaro. A tentativa do último bloqueio de verbas para as universidades foi só mais um capítulo trágico da educação brasileira nos últimos anos. O recuo desse bloqueio, dias depois, se deu após reações na internet a das entidades educacionais. Na verdade, desde que o governo Bolsonaro assumiu o ministério da educação vimos uma série de ataques ao ensino, tanto no nível do discurso ideológico, quanto no corte de verbas essenciais para manutenção de itens básicos para manter uma instituição funcionando.
Quem não se lembra de Abraham Weitraub, o então ministro da educação, que prometeu cortar as verbas de universidades que promoviam “Balbúrdias”? “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”. Na época, a declaração gerou reações das entidades educacionais.
O fato é que todo esse discurso fascista sobre a educação acaba servindo, na verdade, como uma espécie de cortina de fumaça para justamente encobrir e pôr em prática este projeto de destruição. Pois enquanto se discute a “balburdias” ou “ideologias de gênero”, as verbas vão sendo reduzidas e precarizando a educação.
Nos últimos anos as universidades e institutos federais têm amargado a redução sistemática de recursos financeiros. O que só confirma que, definitivamente, educar a população brasileira não está nos horizontes do bolsonarismo, muito pelo contrário, estamos diante de um governo que sempre olhou para o setor acadêmico como um inimigo a ser combatido e aniquilado.
Para mim, o que causa mais indignação é saber que, nem com toda a contribuição das universidades públicas durante a tragédia da pandemia, seja no desenvolvimento de pesquisas de vacinas, ou em pesquisas de prevenção, o governo não se sensibilizou com importância da ciência e do conhecimento em momentos tão difíceis e traumáticos pelo que passamos.
Texto publicado originalmente no portal Geledés.