Biblioteca Salomão Malina realiza webinar sobre trovadorismo e português
Paulo Souza vai interagir com o público em evento online que terá transmissão ao vivo
Cleomar Almeida (assessoria de comunicação da FAP)
A Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), realiza nesta terça-feira (23/2), a partir das 18h30, o webinar Trovadorismo para amar o português, com palestra a ser realizada pelo escritor e produtor cultural Paulo Souza. O evento online será transmitido, ao vivo, pelo portal e pela página da entidade no Facebook.
Interessados em participar da discussão também podem acessar o portal da FAP, clicar no link do aplicativo Zoom que será divulgado nesta matéria assim que o evento começar e aguardar a permissão para entrar na sala virtual.
Confira o vídeo!
O objetivo da palestra online é ensinar aos internautas os princípios básicos da trova e da poesia livre e abordar brevemente a história do trovadorismo no Brasil e sua importância para a língua portuguesa.
Trovadorismo também é assunto cobrado no PAS Programa de Avaliação Seriada (PAS) - Etapa 1, da UnB (Universidade de Brasília). O evento online poderá ajudar quem está estudando para essa prova também.
Sobre o palestrante
Paulo Souza é escritor, produtor cultural, editor e diretor financeiro do Sindicato dos Escritores do DF. É, ainda, responsável pelo blog e canal Ponto Para Ler, que funcionou de 2013 à 2020, colaborador e idealizador do Literatura por Mulheres, Elifant (Encontro de Literatura Fantástica do Cerrado), Brasília que Escrevo.
Também mediou conversas nos projetos Arte da Palavra, Vitrine Literária, mesas na Feira do Livro de Brasília e vários encontros com leitores e lançamentos de livros. Foi mediador do clube de leitura Eneida de Moraes na Biblioteca Salomão Malina.
Monica de Bolle: Uma proposta para ressuscitar o auxílio emergencial
O mínimo de humanidade que precisamos resgatar é o senso de empatia com as dezenas de milhões de pessoas atingidas que precisam trezentos reais para ontem
De acordo com um estudo recente de pesquisadores da Universidade de São Paulo liderado pela economista Laura Carvalho, o auxílio emergencial impediu que a economia brasileira sofresse retração de dois dígitos em 2020. Muitos de nós já havíamos aventado que isso aconteceria antes mesmo de sua adoção. Segundo o estudo, os efeitos do auxílio emergencial foram canalizados de várias maneiras, em particular devido ao apoio ao consumo e à consequente sustentação da arrecadação.
Conforme escrevi ao longo de vários meses para veículos distintos, era mesmo de se esperar que o auxílio, assim como os programas de renda básica, tivesse esse efeito. Afinal, trata-se de um programa de transferência direta de renda para a população mais pobre, que, por ter menor renda, tende a consumir parcela bem mais elevada do que recebe quando comparada à população mais rica. A razão é óbvia: ricos podem poupar, enquanto os mais pobres não dispõem desse privilégio, tendo de atender às suas necessidades imediatas de subsistência. Em razão disso, o deslocamento de recursos para os mais pobres tem maior capacidade de sustentar setores diversos, evitando mergulhos recessivos mais profundos. Mas essa não é a principal defesa para a reinstituição do auxílio emergencial.
Como já escrevi nesse espaço, o Brasil atravessa o momento mais crítico da pandemia de covid-19, o que significa que estamos muito piores agora do que no início da pandemia. Os sistemas de saúde em diferentes localidades estão sobrecarregados e as pessoas já não têm qualquer tolerância às medidas sanitárias mais restritivas – na verdade, não mostram tolerância sequer com o uso de máscaras para proteger a si e aos outros. O comportamento é compreensível. Há sensação de fadiga em relação à pandemia, lideranças políticas falharam em dar às pessoas o devido senso de alarme, o Presidente da República jamais perdeu oportunidades de minimizar os riscos relacionados à doença e à disseminação do vírus, não houve campanha nacional de informação. Por mais que o comportamento de muitos nos deixe aturdidos, indignados até, muitos estão mal informados e há pessoas que simplesmente não têm alternativa que não seja a de se expor, sobretudo após o término prematuro do auxílio emergencial em dezembro do ano passado. O grande problema é que agora temos novas variantes perigosas do vírus em circulação, duas delas surgidas no Brasil.
Desde que o auxílio emergencial acabou, a pobreza aumentou e dezenas de milhões de pessoas ou não têm o que comer, ou enfrentam situação extrema de insegurança alimentar. No contexto de uma pandemia que tende a se agravar, como é o brasileiro, essa situação é insustentável. Não à toa o governo, após ter dito em diversas ocasiões que não reconsideraria a adoção do auxílio emergencial, parece se preparar para lançar alguma proposta. Como de costume, não há nada de concreto, apenas a situação de urgência. Como de costume, Paulo Guedes prefere lançar balões de ensaio para sentir os humores do mercado financeiro enquanto mais de 80 pessoas padecem de covid-19 por minuto em todo o país.
Um recente balão de ensaio foi a proposta de reerguer o auxílio emergencial por um valor menor do que os 300 reais que vigoraram ao final de 2020 e por tempo limitadíssimo: um par de meses, quiçá três, não mais. A “proposta” viria acompanhada de alguma contrapartida, pois, pela lógica do ministro da Economia e de seus assessores, não se pode aumentar despesas sem que sejam cortados outros gastos. Surgiu, portanto, a ideia contraditória de um auxílio emergencial condicionado. Ora, por definição, qualquer coisa que seja condicionada a outra perde o caráter emergencial, já que a condicionante teria de ser aprovada conjuntamente. O balão de ensaio de Guedes, ou um deles ao menos, previa que a condicionante fosse a PEC Emergencial. Vejam, Proposta de Emenda Constitucional: algo exigente do ponto de vista jurídico-formal e das negociações, ou seja, que exige tempo para que se costurem as adesões no Congresso e para que sejam feitas as análises de sua real constitucionalidade. É claro que tal proposta esvazia por completo a razão de ser de um auxílio emergencial.
O que fazer, então? Penso que o ideal, considerando as altas inflacionárias em 2020, seria retornar ao valor original do benefício, isto é, 600 reais. Mas,temo que, se os grupos da sociedade que tanto lutaram pelo auxílio no ano passado se mobilizem em torno desse valor, tenham de abrir mão do prazo de vigência do programa como contrapartida. E o prazo de vigência do auxílio é de extrema importância pela situação de calamidade que vivemos, o atraso da vacinação, as variantes perigosas disseminadas e a perspectiva de que a pandemia esteja muito longe de acabar – inclusive, já escrevi nesse espaço que transitaremos de uma pandemia aguda para outra crônica. Portanto, minha proposta é a manutenção do valor do benefício em 300 reais, alcançando o mesmo número de pessoas de 2020, isto é, pouco mais de 70 milhões, até o fim do ano. Se esse programa tivesse início em março, custaria nesse ano cerca de 220 bilhões de reais.
Um bom programa emergencial de transferência de renda não pode acabar de súbito: é necessária uma regra de transição
Contudo, há mais. O auxílio não pode terminar abruptamente, como ocorreu no ano passado. O fim abrupto é um choque profundo nos orçamentos familiares, na capacidade de subsistência das pessoas. Um bom programa emergencial de transferência de renda não pode acabar de súbito: é necessária uma regra de transição. Penso ser razoável uma regra de transição de seis meses a partir da data de término do programa, reduzindo gradualmente o benefício. Esse modelo de auxílio emergencial teria, assim, um custo fiscal ainda em 2022.
Como financiá-lo? Com emissão de dívida. Vou repetir: com emissão de dívida. Trata-se de um programa emergencial, que não nos permite o luxo de buscarmos recursos em reformas como a tributária, que demoraria a ser negociada, mesmo com elevações pontuais de impostos, que exigem negociações. Põe-se de pé o auxílio, emite-se dívida para financiá-lo. Mais à frente instituímos os impostos progressivos, particularmente sobre lucros e dividendos, para dar conta dos desequilíbrios fiscais. Repito: estamos falando de uma emergência, não de uma situação normal. Emergência requer pressa. E é preciso lembrar do que disse no início dessa coluna: uma parte do auxílio se autofinancia. O auxílio gera consumo, que gera arrecadação. Vimos isso em 2020, já temos a experiência.
Precisamos de condicionalidades? Tudo o que não precisamos é de condicionalidades. O auxílio emergencial é incondicional por seu caráter de urgência. O mínimo de humanidade que precisamos resgatar é o senso de empatia com as dezenas de milhões de pessoas que precisam desses trezentos reais para ontem. Insistamos para que se resgate um pouco de decência na política pública.
Monica de Bolle é economista, PhD pela London School of Economics e especializada em medicina pela Harvard Medical School. É professora da Universidade Johns Hopkins e pesquisadora-sênior do Peterson Institute for International Economics.
Afonso Benites: Ricardo Salles aposta na gestão Arthur Lira na Câmara para avançar mineração na Amazônia
Sob pressão com mudança de poder nos EUA, titular do Meio Ambiente afirma que não está preocupado com possível reforma ministerial sinalizada por Bolsonaro
Ricardo Salles tem oscilado entre altos e baixos no Governo Jair Bolsonaro. Apontado por ambientalistas como um representante de ruralistas no Ministériodo Meio Ambiente e visto por alguns diplomatas como um extremista, Salles tenta buscar uma sobrevida para sua permanência na pasta. Para isso, tenta se apoiar no novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para emplacar projetos caros ao bolsonarismo, que têm potencial para dizimar regiões florestais e que podem prejudicar a sobrevivência de populações tradicionais. Entre essas propostas estão a regularização fundiária de regiões florestais e a que autoriza a mineração em terras indígenas. Ambas têm tudo para avançar sob a gestão Lira.
A primeira sinalização que o ministro fez para a base de apoio bolsonarista foi a de reclamar que, durante a gestão Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrada no início deste mês, pautas governamentais pouco avançaram. Agora, ele diz estar confiante de que a situação será mais favorável ao Governo. “O que nós vimos ao longo desse período que acabou é que nem sequer as discussões podiam ser feitas. Você mandava um projeto de lei ou até uma medida provisória que caducaram no Congresso, e as discussões não aconteciam”, disse Salles em entrevista ao programa Poder em Foco, do SBT, da qual o EL PAÍS participou como convidado.
Sobre seu apoio ao polêmico projeto de mineração em terras indígenas, o ministro diz que gostaria que houvesse regras claras sobre o tema. “A mineração na Amazônia, seja em terra indígena ou fora da terra indígena, qual é a regra que vai ser imposta? Nós estamos desde a Constituição de 1988 aguardando a solução de uma norma que já previa uma regulamentação e esse assunto vai sendo jogado pra baixo do tapete ano após ano. Então é preciso discutir e encontrar um caminho, a solução não é não ter solução”.
Nesta montanha-russa da política, Salles esteve fortalecido com o presidente mesmo após seguidas altas dos índices de desmatamento e de queimadas na floresta amazônica e no Pantanal ao longo de 2019 e 2020. O prestígio decaiu depois que, em março do ano passado, foi filmado em reunião ministerial dizendo que o Governo deveria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” no afrouxamento de regras ambientais. Ficou um tempo fora das manchetes jornalísticas depois desse episódio. Mais recentemente, voltou a ter seu nome em destaque quando Joe Biden venceu Donald Trump na disputa presidencial dos Estados Unidos e vários analistas apostaram que ele seria demitido.
Manteve-se no cargo porque Bolsonaro estava irritado com seu vice, Hamilton Mourão, que comanda o agora esvaziado Conselho Nacional da Amazônia. O presidente queria ter alguém para se contrapor ao general. Mourão é visto por alguns bolsonaristas como uma ameaça a Bolsonaro, que já acumula mais de 60 pedidos de impeachment. Essa queda de braço tem sido vencida pelo ministro, por enquanto, já que os militares subordinados indiretamente ao conselho deixarão de atuar na fiscalização da região amazônica nos próximos dois meses.
O curioso é que o mesmo Centrão que pode dar sobrevida a Salles com o prestígio junto a Lira é o grupo que pode derrubá-lo, em busca de nacos de poder na Esplanada dos Ministério. O nome de Salles juntamente com o do chanceler Ernesto Araújo, volta a ser apontado como um dos próximos a ser demitido numa iminente reforma ministerial realizada para acomodar políticos do fisiológico Centrão. “O cargo é do presidente (...) Eu não estou preocupado se vai ter reforma, se não vai ter reforma”, disse no programa do SBT.
Primeira reunião com representante de Biden
Ao mesmo tempo em que tenta, mais uma vez, se equilibrar no cargo, Salles busca demonstrar institucionalidade e proatividade. No último dia 18, Salles e Ernesto Araújo se reuniram pela primeira vez, por videoconferência, com o secretário de Estado americano, John Kerry. Na ocasião, levaram uma proposta ao homem forte da área ambiental de Biden na qual pediam mais dinheiro para a proteção ambiental. Segundo interlocutores, o Governo americano não discordou da proposta. Apenas sinalizou que alguma compensação financeira poderia ser apresentada nos próximos meses. A proximidade entre Bolsonaro e Trump, e as declarações de apoio feitas pelo brasileiro antigo presidente americano por ora, tem criado barreiras entre a cúpula dos dois Governos.
A busca de Salles por mais recursos tem várias razões. Uma delas: em 2021, o Ministério do Meio Ambiente se deparará com um de seus menores Orçamentos das últimas décadas. O resultado prático disso será a redução de fiscalização, que está cada vez menor, e o enxugamento administrativo. Ainda assim, mesmo com menos recursos, desde que Bolsonaro chegou ao poder o país abriu mão de receber doações da Noruega e da Alemanha por meio do Fundo Amazônia. Atualmente, há 40 projetos de proteção ambiental com 1,4 bilhão de reais parados nas contas porque Bolsonaro e Salles decidiram alterar as regras de gestão desses recursos. A razão é ideológica. “Ao invés de mandar o dinheiro para projetos e ideias que não necessariamente o governo concorde, dissemos que queríamos ter maior participação nisso e os doadores, Noruega e Alemanha, não concordaram”, justificou-se o ministro.
Como alternativa para suprir esses recursos, Salles disse que o Brasil busca convencer os países ricos a doarem mais para a proteção ambiental. A contrapartida brasileira seria antecipar de 2060 para 2050 o prazo em que se zeraria as emissões de gás carbônico no país. A conta sairia cara para os países ricos, entre eles, os Estados Unidos: 10 bilhões de dólares por ano (algo em torno 53 bilhões de reais). “Pedimos cem Fundos Amazônia por ano”, afirmou na entrevista, gravada no último dia 10.
Andrea Jubé: “Ele não vai botar o pijama, não!”
General é a aposta para as crises do diesel e da energia
O presidente Jair Bolsonaro tem se notabilizado por jogar com as cartas abertas sobre a mesa. Após a intervenção na Petrobras, já anunciou que promoverá novas trocas no governo: “Mudança comigo não é de bagrinho, é de tubarão”. Pescador profissional, ele contou para os peixes que lançou a tarrafa.
Indicado para a presidência da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna nunca foi uma carta na manga. Ele foi apresentado como um dos homens da máxima confiança do presidente no segundo dia de governo.
Pelas idiossincrasias da política, declarações do presidente na posse do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, no dia 2 de janeiro de 2019, ainda repercutem, e estão relacionadas às principais crises da última semana.
Naquela solenidade, Bolsonaro trouxe à luz a estreita amizade com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. “Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, afirmou, em uma inconfidência que gera desassossego até hoje.
Villas Bôas não expôs no controvertido “Conversa com o comandante”, da editora FGV, o conteúdo dessas conversas. Mas a revelação dos bastidores dos tuítes que pressionaram o Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do “habeas corpus” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva produziu a folia mais agitada da atual gestão, desde o “golden shower”, culminando na prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).
Na mesma cerimônia, Bolsonaro tornou público seu apreço ao ex-ministro da Defesa do governo Michel Temer, anunciando que Silva e Luna, “um excelente homem”, integraria sua equipe. “Ele não vai botar o pijama, não!”
Menos de dois meses depois, em 21 de fevereiro de 2019, Silva e Luna seria nomeado diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional.
Representante da ala militar não palaciana, avesso aos holofotes de Brasília, o ex-ministro de Temer projetou-se como um dos quadros mais prestigiados pelo presidente.
Nestes dois anos, Bolsonaro compareceu a oito eventos da binacional no Paraná. Nesta quinta-feira, o presidente estará novamente no palanque ao lado do general em uma solenidade da hidrelétrica.
Esse é o pano de fundo da relação entre Bolsonaro e o ex-ministro, que culminou na conturbada intervenção na Petrobras, e no derretimento do valor da companhia.
Desse episódio, Silva e Luna emerge como o homem de confiança de Bolsonaro em meio a nova crise com os caminhoneiros, e, simultaneamente, para iluminar caminhos para a redução da tarifa de energia.
Bolsonaro avisou apoiadores que também vai “meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema”. O presidente ouviu de Silva e Luna que Itaipu é uma das soluções.
Após dois anos na direção-geral brasileira da hidrelétrica, Silva e Luna tem expectativa de que, no ano que vem - ano eleitoral -, a tarifa de energia tenha queda substancial devido à amortização relevante de parcela da dívida da binacional, que deve ser integralmente quitada em 2023. “Será a energia mais barata do país”, tem dito Silva e Luna.
Sobre a Petrobras, o general nega que Bolsonaro lhe tenha encomendado mudanças na política de preços dos combustíveis.
Nos bastidores, entretanto, sabe-se que Bolsonaro se irritou com o desdém de Castello Branco em relação às queixas dos caminhoneiros, seu eleitorado cativo. Por isso, o presidente espera que o general tenha sensibilidade com esse público, com quem dialogou quando era ministro na greve de 2018.
Silva e Luna afirma que todo general tem uma missão imposta, e outra que é deduzida. A dedução do mercado é que Bolsonaro lhe incumbiu de resolver a crise dos combustíveis.
Mas o general deu sinais de querer trabalhar em sintonia com a diretoria-executiva e o conselho de administração. “Isso aí [alta dos preços] são considerações que têm que ser analisadas junto com o conselho, junto com a equipe”, disse ao Valor.
O economista- chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal, observa que o mercado ainda não analisou as credenciais do general Silva e Luna para assumir o comando da Petrobras porque o ambiente de desconfiança gerado pela intervenção na companhia impede avançar uma casa num tabuleiro onde explodiram uma mina.
“A sinalização de que o controlador pode tomar decisões “ad hoc”, sem grandes explicações que não sejam ligadas ao valor da companhia vai pairar como um espectro por muito tempo. Reputação é difícil para uma empresa conquistar, mas é fácil de se perder”, diz Rosal.
O economista afirma que superar essa desconfiança vai ser missão hercúlea para o general. “Ele vai ter esse peso para carregar, essa desconfiança não se dissolve da noite para o dia”.
Rosal reconhece, entretanto, que a crise do preço dos combustíveis também é um espectro que volta e meia assombra os governos. Pedro Parente, a quem se atribui o primeiro movimento significativo de recuperação da empresa após a Lava-Jato, deixou o cargo na esteira da crise provocada pela greve dos caminhoneiros de 2018.
Por isso, Rosal sugere que o governo busque uma solução, citando o exemplo do Chile, que instituiu por um período longo um mecanismo, com gatilhos acionados sob critérios específicos para gerir a oscilação dos preços.
“Talvez o pais não esteja preparado para conviver com um mercado onde o preço dos combustíveis siga os preços internacionais, dada essa sensibilidade política. Mas o governo precisa pensar num mecanismo para o mercado de combustíveis, e não optar pela ingerência na Petrobras”, diz o economista. A alternativa seria encontrar uma política de preços final para o consumidor capaz de suavizar os ciclos internacionais sem comprometer a saúde fiscal do país”.
Rubens Barbosa: Prévias partidárias
Essa ideia foi levantada pelo presidente do PSDB para escolha do candidato a presidente
A expectativa era de que somente a partir do segundo semestre deste ano as articulações sobre as eleições presidenciais de 2022 estivessem a dominar a cena política. Na realidade, essas discussões cada vez mais deverão ocupar as atenções do meio político e da mídia, distraídos em meio aos rompantes populistas bolsonaristas. A crise da saúde causada pela pandemia e o atraso do governo na compra das vacinas ocupam o noticiário, junto com as repercussões da aprovação do auxílio emergencial, da intervenção na Petrobrás e da venda de armas.
Os partidos políticos e personalidades com perspectiva de se apresentarem como candidatos começam a se movimentar e a buscar os holofotes a fim de influir, de alguma maneira, no processo inicial das discussões.
É lugar-comum ressaltar a fragmentação do sistema partidário brasileiro, a falta de programas que sejam defendidos coerentemente por todas as legendas e o controle da máquina partidária por lideranças personalistas e, em muitos casos, autoritárias. Ninguém ignora que uma reforma política, necessária para pôr um mínimo de ordem no quadro partidário, dificilmente será levada adiante, sobretudo, por falta de interesse da classe política.
No marco atual da cena brasileira surgem nomes que certamente poderão estar presentes na eleição de 2022, por sua influência pessoal, e não por força de seus partidos. Essa situação provoca enormes distorções e faz a indicação de candidaturas depender mais dos chefes dos partidos que de um processo democrático que envolva militantes e afiliados. Não há unidade partidária porque os interesses pessoais e políticos determinam o comportamento dos seus membros, o que, na prática, torna os partidos verdadeiras frentes com diversas alas e grupos. Essa é uma das razões do grande número de partidos políticos no Brasil, mais de 30 com representação no Congresso Nacional.
Essa situação não existe só no Brasil. O mesmo se verifica no sistema partidário nos Estados Unidos, embora, por paradoxal que pareça, haja apenas dois partidos que realmente importam no cenário político norte-americano. O Partido Democrata e o Republicano são frentes, com múltiplas alas e interesses divergentes, tanto locais quanto nacionais, como ficou demonstrado nas últimas eleições presidenciais.
À diferença do que existe no Brasil, nos Estados Unidos há um processo democrático decisório efetivo dentro dos partidos. A escolha de candidatos em todos os níveis, locais e nacionais, até para os governos estaduais, para o Congresso e para presidente, é feita mediante prévias partidárias que permitem que cada grupo se manifeste e busque conquistar espaços políticos. O vencedor das prévias se torna candidato e todos os que participaram da disputa cerram fileiras e o apoiam.
Caso viessem a prosperar no Brasil, as prévias poderiam ser o início de uma minirreforma política, pois poderiam abrir caminho para a fusão de partidos com afinidades ideológicas e políticas, de forma que os interesses de todos possam ser respeitados e decididos democraticamente. Seria ingênuo pensar que essa medida pudesse, no momento, ser aceita por todos, visto que as fortes lideranças partidárias, “donas” de alguns partidos, dificilmente aceitariam essa mudança transformacional.
A ideia, contudo, acaba de ser mencionada pelo presidente do PSDB, ao comentar o processo de escolha do partido para a eleição presidencial de 2022. Diz Bruno Araújo que o futuro candidato do partido deverá ser escolhido por prévia em outubro. Caso essa decisão se confirme, o PSDB estaria reforçando o processo democrático que prevaleceu em São Paulo em várias eleições para a Prefeitura e para o governo do Estado. O partido estaria fortalecendo o debate democrático e o respeito aos seus princípios programáticos. A unidade seria mantida, visto que aqueles que se dispusessem a concorrer estariam implicitamente manifestando sua disposição de apoiar quem ganhasse a maioria.
Do ponto de vista do partido, o melhor talvez fosse antecipar o processo e realizar a prévia em agosto ou setembro, para criar um fato político diferenciado e dar mais tempo ao candidato escolhido para viajar pelo País e tornar conhecidas suas propostas para um futuro governo. Essa decisão poderia igualmente facilitar as articulações regionais para a escolha de candidatos próprios ou para eventuais apoios a outros candidatos. O partido estaria voltando às suas origens, daria exemplo de democracia, sairia fortalecido não só pela união interna, mas também pela vantagem de sair na frente, enquanto outros partidos iniciarão o processo de escolha apenas em 2022.
A eleição presidencial terá como pano de fundo os desdobramentos da pandemia, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos. Pesarão na hora do voto o custo social e humano, pela forma como as decisões na área da saúde foram tomadas, pelo número de mortos e pelos efeitos negativos sobre o crescimento da economia e do emprego, além do aumento da desigualdade. Os futuros candidatos terão de ajustar seu discurso às novas circunstâncias políticas. Quanto mais cedo os candidatos começarem a expor suas ideias e a debater suas propostas para o Brasil, mais chances terão de focar nos interesses concretos dos eleitores.
*Presidente do IRICE
Vinicius Torres Freire: Novo auxílio será 'fura teto' e não exigirá corte de gasto social
Não haverá cortes obrigatórios de despesas a fim de compensar o novo auxílio emergencial que o Congresso deve aprovar em breve. É um dos artigos centrais do texto quase pronto da emenda constitucional que trata de gastos na epidemia, calamidades e de controles de gastos públicos.
Não haverá redução de salários de servidores, nem agora nem depois, tampouco corte de outros benefícios sociais. De grande impacto, propõe-se a extinção do gasto mínimo em saúde e educação, o que pode implicar o fim da eficácia prática do Fundeb (a transferência de recursos federais para a educação básica em estados e municípios). No Congresso já se ouve queixa geral sobre o fim do gasto mínimo em saúde e educação —difícil que passe.
Muito barulho por não muito, enfim. Venceu Jair Bolsonaro (sem partido), que desde o ano passado vetava quase qualquer sugestão de corte.
Não será preciso decretar calamidade para que se aprove o auxílio emergencial. Mas, no caso de o Congresso decretar calamidade nacional, nos dois anos seguintes ao fim dessa situação excepcional os governos deverão adotar medidas que contenham o aumento de gastos obrigatórios e com pessoal.
O novo auxílio emergencial que o Congresso deve aprovar em breve será um “fura teto”. Isto é, essa despesa: 1) não estará sujeita ao limite constitucional de gastos deste ano; 2) não será contada no cálculo da meta fiscal (a diferença entre o que o governo gasta e arrecada, estipulada em lei anual); 3) não estará sujeita à regra de ouro (grosso modo, o governo não pode se endividar para pagar despesas além daquelas de investimento em obras, equipamentos etc.)
O que há de “compensação” em termos de controle futuro de gastos?
A versão “quase final” da proposta de emenda constitucional 186 (PEC 186) especifica medidas a fim de evitar o estouro do teto de gastos —as regras até aqui eram confusas ou contraditórias. Se na aprovação da lei do Orçamento se verificar que a despesa obrigatória do governo supera 94% da despesa sujeita ao teto, estará suspensa qualquer medida que eleve o gasto com pessoal (reajuste, benefício, contratação, promoção etc. com exceções menores), durante o ano de vigência do Orçamento. A novidade aqui é o “gatilho” dos 94%. A despesa obrigatória já supera tal limite de 94% e assim deve ser em 2022.
Em outro artigo, governadores e prefeitos ficam autorizados a adotar medidas de contenção de gasto caso a despesa corrente, calculada em um período de 12 meses, supere em 95% a receita corrente —a contenção pode durar enquanto durar o estouro deste limite.
Isto é, governadores e prefeitos podem proibir mais gasto com pessoal ou outra despesa obrigatória, o reajuste de despesa obrigatória além da inflação, novos financiamentos, novos perdões de dívida ou não podem conceder ou ampliar benefícios tributários (redução específica de imposto para determinado setor ou grupo de cidadãos). As mesmas medidas podem ser adotadas caso a despesa ultrapasse o limite de 85%, desde que com autorização do Poder Legislativo.
Caso o governo federal, o Executivo, note que as receitas são insuficientes para cumprir metas fiscais do ano, precisa “contingenciar” (adiar até segunda ordem) parte da despesa prevista no Orçamento. Pela PEC, os demais Poderes, o Ministério Público e a Defensoria Pública terão de adotar cortes provisórios na mesma medida definida pelo Executivo (vale também para estados, Distrito Federal e municípios).
Caberá ao Congresso decretar estado de calamidade nacional. Nesse caso, ficam suspensas várias normas de contratação de despesa pública e o cumprimento da “regra de ouro”. Dois anos depois da calamidade, União, estados, Distrito Federal e municípios teriam de adotar medidas de controle de despesa previstas naquele caso em que gastos superam receitas em 95% (contenção de gastos obrigatórios e com servidores).
A PEC estipula que o presidente da República terá de mandar ao Congresso uma lei de redução paulatina de benefícios tributários, em até seis meses depois da promulgação da emenda. Isto é, o valor das reduções especiais de impostos deverá baixar de pouco mais de 4% do PIB para 2% no prazo de oito anos.
Há exceções, como benefícios da Zona Franca de Manaus, de micro e pequena empresa, para produtos da cesta básica, para entidades filantrópicas de saúde, educação e assistência social, para partidos, sindicatos, e no caso de benefícios concedidos no âmbito de fundos constitucionais do Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Ou seja, nota-se que a PEC foi redigida a dedo e que vai ser, pois, difícil reduzir benefícios tributários.
A Constituição já prevê que uma lei complementar trate da dívida pública. Na PEC, estipulam-se várias providências novas em relação a essa exigência: limite do valor da dívida, compatibilidade entre metas fiscais e crescimento da dívida, métodos de ajuste, planejamento de privatizações a fim de abater dívida etc.
Enfim, de principal, a PEC também tenta evitar uma esperteza de municípios e/ou estados: não incluíam na despesa com pessoal os gastos com inativos ou pensionistas. Agora, estaria previsto na Constituição o veto a essa manobra para gastar mais do que permitem os limites de despesa com pessoal.
O Estado de S. Paulo: Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros defende nepotismo no setor público
Ricardo Barros afirma ser favorável à contratação de parentes de políticos para cargos na administração pública; Centrão quer mudar lei que pune a prática
Breno Pires, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – No momento em que o presidente Jair Bolsonaro faz mudanças no primeiro escalão, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), ressuscitou um tema polêmico e defendeu a contratação de parentes de políticos para cargos públicos. Proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por violar o princípio constitucional da impessoalidade na administração, o nepotismo vem sendo questionado em várias frentes. Mas, com a vitória de Arthur Lira (Progressistas-AL) para presidir a Câmara, o Centrão ganhou musculatura para pregar mudanças na lei que hoje pune a prática.
“O poder público poderia estar mais bem servido, eventualmente, com um parente qualificado do que com um não parente desqualificado”, afirmou Barros ao Estadão. “Só porque a pessoa é parente, então, é pior do que outro? O cara não pode ser onerado por ser parente. Se a pessoa está no cargo para o qual tem qualificação profissional, é formada e pode desempenhar bem, qual é o problema?”, completou o líder do governo, que também integra o Centrão, grupo de partidos aliados ao presidente Jair Bolsonaro.
Em 2008, o Supremo firmou posição contra o nepotismo e suas ramificações. Estendeu a proibição ao “nepotismo cruzado”, que é quando dois agentes públicos empregam parentes um do outro. A Súmula 13 da Corte diz que “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau (...), para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada (...), mediante designações recíprocas, viola a Constituição”.
Quando era deputado, Bolsonaro nomeou 13 parentes em gabinetes da família. Além disso, o clã Bolsonaro empregou 102 pessoas com laços familiares, segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, ao longo dos 28 anos em que o atual presidente foi parlamentar.
No primeiro ano à frente do governo, em 2019, Bolsonaro chamou de “hipocrisia” as críticas de que seria “nepotismo” a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho “03”, para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. O presidente chegou a criticar a decisão do Supremo que proibiu contratações de parentes na administração pública.
“Acho que quem tem de decidir sobre essas coisas é o Legislativo. Teve um parlamentar contra o nepotismo que foi pego na Lava Jato. E tem ministro, com toda certeza, que tem parente empregado, com DAS (função comissionada). E daí?”, questionou ele, na ocasião. “Que mania (vocês têm de dizer) que tudo que é parente de político não presta.”
O Supremo não deixou claro, no entanto, se a restrição para contratar parentes deve valer também para cargos de natureza política, como os de ministros e secretários de Estado, ou apenas para funções administrativas. Nos julgamentos do plenário tem prevalecido o parecer de que essas nomeações são permitidas, exceto se houver algum tipo de fraude. Em 2017, porém, decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello barrou a indicação de um filho do então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, como secretário municipal.
Um ano depois, em 2018, a então vice-governadora do Paraná, Cida Borghetti – mulher de Ricardo Barros –, chamou o cunhado para a equipe ao assumir o governo estadual, diante da renúncia do então governador Beto Richa. À época, Cida nomeou Silvio Barros, irmão de seu marido, como secretário de Desenvolvimento Urbano.
Improbidade
Como a prática da nomeação de parentes por políticos não configura crime no Brasil, o caminho para punir agentes públicos por nepotismo é enquadrá-los no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, de 1992. É com base neste artigo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem chancelado condenações em casos de contratação de parentes. O dispositivo define como improbidade atos que violem os “deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.
A Câmara, porém, discute o afrouxamento da Lei de Improbidade Administrativa, que pode excluir justamente esse artigo 11, também utilizado para punir outras práticas, como furar fila no serviço público. A proposta consta do texto substitutivo de autoria do relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), e é apoiada por Barros.
“Se querem que nepotismo seja crime, que façam uma lei e aprovem. É inadequado um arcabouço jurídico onde o que você quiser encaixa lá. Ah, estão preocupados com nepotismo? Então, vamos encerrar o artigo 11 e fazer uma lei de nepotismo aqui. Isso pode, isso não pode. Não é para cada promotor interpretar (a lei) do jeito que quer”, disse o líder do governo.
Para o advogado Sebastião Tojal, especializado em ações de improbidade, o que Barros diz não se sustenta. “Existe um princípio constitucional, segundo o qual a impessoalidade deve orientar a administração pública, inclusive no processo de investidura em cargos. Não se pode chegar ao ponto de discutir se fulano, sicrano ou beltrano de fato é competente ou não”, destacou Tojal. “Nepotismo tem de ser compreendido como nomeação para cargos administrativos e políticos.”
Autor do projeto em discussão na Câmara sobre a Lei de Improbidade, o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) é contra a mudança da regra que hoje permite a punição por nepotismo. “Eu me sinto contrariado com o fato de que a gente possa, retirando o artigo 11, promover um retrocesso naquilo que já está consolidado”, disse Lucena. “Essa questão já é superada. Não existe espaço para retrocessos.”
Na avaliação do ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório, a Constituição não permite que parentes sejam contratados para a administração pública nem mesmo se forem competentes. “Independentemente de qualificação ou não, a proibição direcionada à contratação de parentes, refletida na Súmula 13 do STF, acarreta improbidade administrativa.”
O procurador de Justiça Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, disse que a experiência no Brasil mostra a necessidade de não ser permitida qualquer exceção. “Fazer louvor ao nepotismo é absurdo. Devido ao fortalecimento da cultura do compadrio, essa ideia (de exceção) não deve prevalecer. O Supremo editou a súmula porque o que se faz no serviço público é uma bandalheira.”
Cinco perguntas para entender o nepotismo no Brasil
A prática é proibida pela Constituição pois contraria os princípios da impessoalidade, moralidade e igualdade
O que é?
O nepotismo ocorre quando um agente público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer parentes. O termo nepotismo deriva do latim, mais especificamente das palavras nepos (sobrinho) ou nepotis (neto).
É proibido?
O nepotismo é vedado, primeiramente, pela própria Constituição, pois contraria os princípios da impessoalidade, moralidade e igualdade. A prática do nepotismo se enquadra como ato de improbidade administrativa. Algumas legislações, de forma esparsa, como a Lei nº 8.112, de 1990 também tratam do assunto, assim como a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o Decreto nº 7.203, de 4 de junho de 2010.
O que dizem essas regras?
Lei nº 8.112/1990 – Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
Súmula Vinculante nº 13/2008 – Inclui todos os órgãos e entidades que compõem a Administração Pública (direta e indireta), ou seja, se aplica às esferas federal, estadual e municipal, e a todos os Poderes da União, incluindo todos os órgãos e entidades que compõem o serviço público nacional.
Decreto nº 7.203/2010 – Trata da vedação do nepotismo direto e cruzado no âmbito da administração pública federal, ou seja, somente dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal e de forma mais detalhada que a referida Súmula Vinculante. Nepotismo direto é aquele em que a autoridade nomeia seu próprio parente. Nepotismo cruzado é aquele em que o agente público nomeia pessoa ligada a outro agente público, enquanto a segunda autoridade nomeia uma pessoa ligada por vínculos de parentescos ao primeiro agente, como troca de favores, também entendido como designações recíprocas.
Qual grau de parentesco é considerado pelas regras?
As três regras vedam a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau. Ou seja, quando falamos de consanguinidade, fica proibida a nomeação pai/mãe, avô/avó, bisavô/bisavó, trisavô/trisavó, filhos, netos, bisnetos, irmãos, tios ou sobrinhos do servidor público. Por afinidade, ficam proibidas as nomeações de sogro (a), genro/nora; madrasta/padrasto, enteado (a) do agente público, bem como avô/avó, neto/neta, bisavô/bisavó, bisneto/bisneta do cônjuge ou companheiro do agente público.
Casos de nepotismo no Brasil
Em 2016, o ex-governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz (PT) teve os direitos políticos suspensos por três anos, além de ficar obrigado a pagar multa, após condenação por improbidade administrativa. De acordo com ação do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), ele violou os princípios da administração pública ao nomear e autorizar a permanência de Lânia Maria Alves e Stefânia Alves Pinheiro, respectivamente, mãe e filha, em cargos comissionados no Poder Executivo local. Recentemente, no início do mês, o Ministério Público do Rio de Janeiro recomendou ao prefeito de Magé (RJ), Renato Cozzolino (PP), a exoneração de quatro parentes (irmã, noiva, cunhado e tio) nomeados por ele em seu secretariado. Há ainda outros três primos de Cozzolino indicados para a chefia de órgãos municipais.
O Estado de S. Paulo: Ministro do STJ prepara saída jurídica que pode beneficiar Flávio Bolsonaro
Turma do tribunal retoma análise de pedidos da defesa do senador no caso das rachadinhas; João Otávio de Noronha deve atender a recurso de Flávio e votar por nulidade de relatórios do Coaf
Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Alinhado ao Palácio do Planalto, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha preparou uma saída jurídica que pode beneficiar o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das “rachadinhas” – desvio ilegal de salários de assessores. Na tarde desta terça-feira, 23, a Quinta Turma do STJ retoma o julgamento de três recursos apresentados pela defesa do filho do presidente da República que podem afetar os rumos do inquérito que apura um esquema de peculato e lavagem de dinheiro em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Segundo o Estadão apurou, Noronha vai votar para decretar a nulidade tanto das decisões de compartilhamento de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público do Rio quanto das quebras de sigilo fiscal e bancário envolvendo o senador, apontando um suposto “direcionamento” da investigação para atingir o parlamentar. Integrantes do STJ ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato interpretaram o voto como uma implosão do caso das rachadinhas, o que obrigaria o retorno da apuração à estaca zero.
Isso porque os relatórios e as informações obtidas pela quebra do sigilo fundamentam a denúncia do Ministério Público contra o senador. O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro foi denunciado no Judiciário fluminense por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Noronha e o relator do caso, ministro Felix Fischer, já indicaram em linhas gerais como devem se posicionar, mas ainda não detalharam os votos. Relator da Lava Jato no STJ, Fischer é considerado “linha dura” e admirado pelos colegas pelas decisões bem fundamentadas – o ministro indicou que vai votar contra os recursos da defesa de Flávio Bolsonaro. Noronha, por outro lado, tem perfil garantista, mais inclinado a ficar ao lado dos direitos de réus, e já se envolveu em uma troca de farpas com o colega em novembro do ano passado, no início do julgamento sobre Flávio.
Reservadamente, integrantes da Corte avaliam que Noronha busca se cacifar para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no Ministério da Justiça, se o ministro André Mendonça for indicado para o STF. Durante o período em que presidiu o STJ, Noronha atendeu aos interesses do governo do presidente Jair Bolsonaro em 87,5% das decisões individuais tomadas, conforme levantamento do Estadão.
Em abril do ano passado, Bolsonaro chegou a dizer que “ama” Noronha. Além de Fischer e Noronha, outros três ministros integram a Quinta Turma do STJ: Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e José Ilan Paciornik. Em junho do ano passado, Paciornik esteve no Palácio do Planalto, mas não informou na sua agenda. Integrantes do STJ apontam que a transmissão ao vivo do julgamento, pelo canal do tribunal no YouTube, pode servir como instrumento de pressão sobre os magistrados e influenciar o placar final.
A defesa de Flávio Bolsonaro joga com o tempo e tem feito uma intensa ofensiva jurídica, inclusive no Supremo, para contestar decisões tomadas pelo juiz Flávio Itabaiana Nicolau – e para garantir a prerrogativa do foro privilegiado ao senador no caso. O STF já decidiu que o foro se aplica apenas para os casos cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, mas como o Estadão mostrou em setembro do ano passado, um precedente a favor da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) pode ajudar o parlamentar agora.
Itabaiana atua na primeira instância fluminense. Foi dele que partiram as decisões mais importantes do caso, desde a primeira quebra de sigilo até a prisão preventiva do ex-assessor Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar. Para a defesa de Flávio, a decisão do juiz, que autorizou a quebra de sigilo de Flávio e outras 94 pessoas e empresas em 2019, teria sido mal fundamentada.
O advogado Rodrigo Roca, um dos defensores de Flávio Bolsonaro no caso, disse que confia no embasamento técnico das teses levantadas nos recursos apresentados a favor do senador. “Estamos convencidos de que todas as decisões proferidas pela 27.ª Vara Criminal (onde atua o juiz Flávio Itabaiana) são nulas e portanto, configuram prova ilícita.”
Procurado pela reportagem, Noronha não se manifestou.
Depoimento
O Supremo tem marcado para amanhã o julgamento sobre a controvérsia envolvendo o depoimento de Jair Bolsonaro no inquérito a respeito da interferência política do chefe do Executivo na Polícia Federal. Integrantes do STF, no entanto, avaliam que, diante do ambiente político, com a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), o mais prudente seria deixar a análise do caso para depois.
Hélio Schwartsman: As tentações do imediatismo
Abraçado ao centrão, Bolsonaro dá rédeas soltas ao imediatismo econômico
Jair Bolsonaro descobriu o caminho das pedras. Ele até que tentou seguir as bandeiras de sua campanha eleitoral, na qual rejeitou o "establishment" político, notadamente o centrão, e afirmou que governaria com o apoio de frentes parlamentares, em especial o das bancadas BBB (bíblia, boi e bala).
É óbvio que não deu certo. Ironicamente, foi uma derrota sua no Congresso, o generoso auxílio emergencial de R$ 600, que o fez experimentar as delícias do populismo. Com a ajuda de emergência, até grupos demográficos que pareciam bastiões inexpugnáveis do PT passaram a aprovar a gestão do capitão reformado.
Bolsonaro gostou e agora, abraçado ao centrão, dá rédeas soltas ao imediatismo econômico. Acaba de intervir na Petrobras e ameaça fazer o mesmo no setor elétrico, para assegurar preços baixos aos consumidores/eleitores.
O imediatismo é um dos muitos problemas que assombram as democracias. Pela lógica imposta por mandatos de quatro anos, sempre vale a pena para o governante sacrificar o futuro para se dar bem no presente. Como o auxílio emergencial mostrou, é fácil arrancar aplausos distribuindo benesses.
Os termos da equação seriam alterados se os mandatos durassem 20 ou 50 anos. Nesse cenário, responsabilidade fiscal e uma estratégia política baseada em ganhos incrementais mas constantes ganhariam importância eleitoral. Não recomendo, porém, o esticamento dos mandatos. Aí perderíamos uma das principais virtudes da democracia, que é a relativa facilidade com que ela despacha os maus políticos para casa.
O sistema só funciona bem quando o "establishment" se convence da necessidade de preservar o médio e o longo prazos e veta os arroubos populistas mais escandalosos dos dirigentes de turno. Até pareceu que o Brasil havia chegado a esse ponto de amadurecimento institucional nos anos FHC, Lula 1 e a primeira metade de Lula 2, mas, como vimos, era só uma ilusão.
Cristina Serra: Onde estaremos daqui a um ano?
O Brasil, hoje, nos sufoca de indignação e vergonha
A pergunta do titulo foi feita pelo jornal El País em recente entrevista com o bilionário norte-americano Bill Gates, que há tempos investe parte de sua fortuna em pesquisa científica. Em 2015, ele alertou que a próxima guerra travada pela humanidade seria contra um inimigo invisível, um vírus muito infeccioso, que se propagaria pelo ar e mataria milhões de pessoas. Por isso, era urgente que os países se preparassem para o combate.
Obviamente, constatamos da pior forma possível que isso não aconteceu. Em pouco mais de um ano, a pandemia já matou dois milhões e meio de pessoas no mundo. Apesar da perda colossal, Gates estima que no começo de 2022 os efeitos mais dramáticos do contágio estarão superados e os países terão de volta algum nível de normalidade, desde que 70% das populações sejam vacinadas.
Ao ler a entrevista, me fiz a mesma pergunta pensando no Brasil. O ritmo atual da vacinação não nos autoriza uma perspectiva positiva para o futuro próximo. O neurocientista Miguel Nicolelis, sempre objetivo nas suas análises, disse que "começa a ser real" a possibilidade de não ter Carnaval em 2022. Chegaríamos, portanto, a dois anos de pandemia, com mais mortes e a população pobre tocando a vida aos trancos e barrancos.
Como já alertaram importantes cientistas brasileiros, Bill Gates também adverte que o tempo está se esgotando para que a humanidade conjugue esforços no enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas, "muito piores" que os da pandemia. É um desafio para gigantes, que só pode ser vencido com a confluência de interesses de governos e mercados e com muito investimento em ciência.
Décadas de reconstrução democrática prepararam o Brasil para ser uma voz respeitada globalmente em saúde e meio ambiente, temas intimamente relacionados. Sob um governo de gente orgulhosa de sua ignorância, o Brasil, hoje, nos sufoca de indignação e vergonha. Amá-lo tornou-se um martírio doloroso e inútil.
Pedro Fernando Nery: De cada real do Orçamento, somente dois centavos vão para o Bolsa Família
Seja via o benefício ou por novo programa social, a população infantil deve ser prioridade do governo
De cada real do Orçamento, somente dois centavos vão para o Bolsa Família. Embora efetivo em combater a extrema pobreza, o programa só recebe 2% das despesas primárias do governo federal. Para ser expandido, diante da grave restrição fiscal, precisa ocupar espaço de outras políticas mais caras e menos voltadas aos mais pobres – sejam elas pagas pelo Estado diretamente (gasto) ou indiretamente (renúncia de tributos). Poderá a pressão por mais recursos pelos órfãos do auxílio emergencial mobilizar as reformas que permitam a expansão do Bolsa?
Cerca de 50 milhões dos beneficiários do auxílio emergencial não eram beneficiários do Bolsa Família. Como possuem dificuldade de acessar o mercado de trabalho formal – afinal um pré-requisito do auxílio é não ter emprego com carteira –, não são tão alcançados pelo gasto com benefícios previdenciários ou trabalhistas. Eles pressionarão pelo aumento da cobertura da assistência social. Já os beneficiários do Bolsa Família receberam pagamentos bem maiores com o auxílio emergencial. Eles pressionarão pelo aumento do tíquete médio (de R$ 190 por família, mas com piso de meros R$ 41 mensais).
Na pesquisa do Poder360, a rejeição do presidente caiu a 30% no auge dos pagamentos do auxílio. Ele foi reduzido e depois encerrado. Agora, semanas após o encerramento, a rejeição já subiu ao patamar de 50%. Essa trajetória acompanha a montanha russa na renda dos beneficiários, que em alguns casos subiu muito em 2020 e agora cai ao menor nível em anos.
Assim, um desdobramento do auxílio emergencial poderia ser uma mudança no gasto público no Brasil. Esse legado se soma a outros – o mais comentado é o aumento expressivo da dívida pública com os pagamentos. Há ainda um legado positivo, decorrente da elevação temporária da renda dos mais pobres. Como a variação não resultou apenas em aumento na compra de alimentos, pelo menos parte do auxílio de 2020 tem efeitos mais duradouros. É o caso da aquisição de remédios ou do desenvolvimento da infraestrutura do domicílio (gastos com eletrodomésticos e construção que podem melhorar na habitação condições de saúde, de desenvolvimento infantil e de inclusão digital).
Ugo Gentilini, líder global para assistência social do Banco Mundial, analisa o legado que os benefícios temporários da pandemia podem deixar para a rede de proteção social permanente dos países que os implementaram. Condizente com as curvas de popularidade no Brasil e a pressão de um ano pré-eleitoral, Gentilini especula: “O fato de a covid-19 ter alcançado pessoas anteriormente sem cobertura – incluindo grandes parcelas de trabalhadores do setor informal – pode gerar um novo eleitorado exigindo proteção social, possivelmente aumentando a sustentabilidade política de programas de grande escala”.
O economista avalia ainda que a pandemia testou preconceitos associados a transferências de renda, o que pode ter desmistificado os benefícios para segmentos da sociedade. Afinal, a academia e a tecnocracia já sabem há tempos que não procede que os pagamentos sejam mal utilizados e que sejam relevantes para desincentivar o trabalho ou estimular o aumento de famílias.
Para o Bolsa Família, é especialmente importante o reajuste dos valores do benefício variável e da linha de pobreza que dá acesso a ele. Este é o benefício voltado para ajudar crianças. Seja via Bolsa Família ou por novo programa baseado nele, a população infantil deve ser prioridade. Há um notório elevado retorno para a sociedade de garantir o desenvolvimento destes futuros trabalhadores – e o Brasil gasta muito menos de seu PIB do que países ricos com benefícios a famílias com crianças.
Os Estados Unidos, uma exceção, agora discutem seriamente um benefício universal infantil, com apoio inclusive de republicanos estrelados.
Nenhum outro benefício se mostrou no Brasil tão capaz de chegar aos mais pobres, nem de perto, o que dá azo à revisão de outras políticas para que uma transferência de renda como o Bolsa ocupe mais espaço. Não apenas os gastos diretos deveriam ceder recursos, como também os indiretos: as políticas públicas baseadas em corte de tributos para segmentos específicos tidos como “estratégicos”. Como provocou recentemente Carlos Góes, estratégicos são os pobres.
Poderia o auxílio emergencial ser um catalisador dessas reformas, antes associadas apenas à pauta de ajuste fiscal? Gentilini reflete que os avanços na proteção social historicamente aconteceram diante de inesperadas janelas de oportunidade – mas elas se fechariam rapidamente. O debate atual não deve se limitar apenas à renovação temporária do auxílio, mas a mudanças profundas no Orçamento que permitam a expansão da proteção social com responsabilidade fiscal. Quem sabe os mais pobres ganhem mais um ou outro centavo.
*Doutor em economia
Joel Pinheiro da Fonseca: Bolsonaro é incapaz da verdade
Como o presidente corrói a liberdade de imprensa no Brasil
A ONG Repórteres Sem Fronteiras, que milita pela liberdade de imprensa em todo o mundo, lançou uma campanha publicitária crítica a Jair Bolsonaro, representado sem roupa. Nela, a ONG mostra a "verdade nua" dos mortos da Covid, tema que o governo busca esconder.
A campanha é bem-vinda. Mesmo antes e independente da pandemia, Bolsonaro já era hostil à imprensa livre. Xingou e caluniou jornalistas e usou —ou ao menos se gaba de usar— verbas do governo como arma para premiar veículos aliados e punir adversários.
Um subproduto dos ataques verbais diretos são agressões verbais e físicas contra jornalistas. Uma sociedade em que parte da população, por uma adesão servil ao presidente, sai de seu caminho para hostilizar ou infernizar jornalistas vistos como "inimigos" do regime não é uma nação com liberdade de imprensa plena.
Durante a pandemia, Bolsonaro também fez por merecer. No início, acusava a imprensa de aumentar a ameaça da pandemia. "No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo", disse em março.
Quando ficou claro que a crise era grande e o Brasil estava despreparado, tentou bagunçar o debate divulgando, não o número de mortos, mas o de curados. Assim é fácil! Os homicídios estão em alta? Basta celebrar todas as pessoas que não foram assassinadas. Depois de problemas na divulgação dos dados oficiais, coube à "malvada" imprensa tomar para si a responsabilidade de publicar os números diários de mortes e contaminações com transparência e agilidade.
Para Bolsonaro, não existem problemas reais; apenas de comunicação. Reduzir o contágio, adquirir uma vacina eficaz para o coronavirus não são medidas importantes. O importante é persuadir o eleitorado de que tudo vai bem. Falar dos vivos, promover a cloroquina. E quem cobra prova de eficácia é tratado como inimigo. O governo segue empurrando seu "tratamento precoce" (um coquetel de cloroquina e outros remédios) goela abaixo do Brasil, enquanto permanecemos acima das mil mortes diárias. O crime tem sido devidamente registrado pela imprensa.
Perseguição direta e indireta é uma maneira de prejudicar a liberdade de imprensa. Desinformar o público e melar o debate com tanta fake news que já não se sabe mais o que é verdade e o que é mentira, também. Estamos ainda longe do nível de repressão à imprensa de uma Cuba ou Venezuela, mas a deterioração é preocupante.
Os riscos para a imprensa num país como o nosso são dois: o primeiro é o de se aliar ao poder da vez, ceder às pressões do dinheiro e da proximidade com os poderosos. O segundo é o de, reagindo aos ataques do governo, tornar-se militante contra ele, retorcendo cada notícia para que desabone o presidente. Embora o primeiro seja claramente o pior, ambos se desviam da missão maior do jornalismo: a busca da objetividade, de modo a municiar o debate público com informações relevantes e verdadeiras.
Nesse contexto, é um privilégio fazer parte da Folha de S. Paulo, que completou 100 anos no dia 19. Em sua primeira encarnação, como Folha da Noite, chegou a ser tirada de circulação pelo presidente Arthur Bernardes. Eleita como uma das maiores inimigas de Bolsonaro, e com jornalistas seus ativamente perseguidos por gângsteres da milícia federal, continua fazendo jus à sua vocação de espinho na carne do poder. Bolsonaro é moralmente incapaz da verdade. Todos já sabem disso; o rei está nu. Cabe à imprensa nem tapar suas deformidades nem aumentá-las; basta mostrar a verdade nua e crua.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.