Liga dos párias: Bolsonaro e a extrema direita alemã

Bernardo Mello Franco / O Globo

Em entrevista ao CQC, o então deputado Jair Bolsonaro classificou Adolf Hitler como um “grande estrategista”. A gravação voltou a circular nesta segunda, depois que ele posou para fotos com uma representante da extrema direita alemã.

Beatrix von Storch é vice-líder da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista e xenófobo. Em março, a sigla passou a ser investigada sob suspeita de abrigar neonazistas e conspirar contra a democracia alemã.

A deputada é neta de Schwerin von Krosigk, ministro das Finanças de Hitler. Ele foi preso pelas tropas aliadas e condenado por crimes de guerra no Tribunal de Nuremberg.

Parentesco não é destino, mas Von Storch parece compartilhar parte do ideário do avô. Ela se elegeu com falas contra imigrantes e já foi suspensa de uma rede social por incitar o ódio contra muçulmanos.

Líderes de países democráticos evitam se encontrar com a turma da AfD. Os extremistas só costumam ser recebidos por párias como o ditador sírio Bashar al-Assad e o autocrata bielorruso Alexander Lukashenko. Agora conseguiram montar seu palanque no Palácio do Planalto.

A família Bolsonaro sonhava integrar um movimento global de extrema direita. Com as derrotas do americano Donald Trump e do italiano Matteo Salvini, sobrou a companhia de figuras periféricas como o premiê húngaro Vikor Orbán e os aloprados da AfD.

O espectro do nazismo já havia rondado o governo quando o então secretário de Cultura, Roberto Alvim, plagiou um discurso de Goebbels. Ele caiu por pressão da embaixada de Israel, mas sua plataforma de guerra cultural foi encampada pelo atual secretário Mario Frias.

Em nota contra a visita de Von Storch, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) classificou a AfD como um “partido extremista, xenófobo, cujos líderes minimizam as atrocidades nazistas e o Holocausto”.

Há três meses, o presidente da entidade, Claudio Lottenberg, participou de um jantar em que Bolsonaro foi aplaudido por empresários paulistas. Ao fim do repasto, ele elogiou o governo e disse que o capitão foi “muito simpático”. A ver se a ficha cai depois das fotos com a populista alemã.


Eric Hobsbawm: Uma história em carne e osso

Vinicius Müller / Blog Horizontes Democráticos

Já avançava por mais de 200 páginas do caudaloso livro do acadêmico inglês Richard J. Evans quando fui atropelado por um trecho: “Em junho (de 1950), Muriel admitiu que tinha um amante; mas nem assim Eric se sentiu magoado; ficou mais preocupado pelo homem não ser membro do Partido Comunista do que com o adultério da esposa”. O marido traído é Eric Hobsbawm, um dos mais influentes intelectuais do século XX e dono de uma trajetória tão fascinante que quase não cabe na biografia escrita por Evans. Eric Hobsbawm – Uma Vida na História retrata a longa jornada humana – o intelectual morreu em 2012, aos 95 anos – de uma personalidade genial envolta por grandes eventos do século passado. Uma existência também marcada, porém, por fragorosos enganos.

Eric Hobsbawm (1917-2012)

Nascido no Egito em 1917, Hobsbawm viveu com sua família judia em Viena antes de mudar-se para Berlim. Encantou-se pelo comunismo em meio à ascensão nazista. E nunca mais abandonou suas convicções marxistas, substituindo a errática identidade familiar pelo aconchego promovido pelos companheiros de partido. Também transformou algumas de suas características pessoais, reveladas pelo título de um dos capítulos (“Feio como o pecado, mas que cabeça”), em algo charmoso. Como se nos dissesse que a pobreza da infância e sua pouco apreciada aparência foram sublimadas por sua erudição comunista.

E foi nisso, um intelectual comunista, que Hobsbawm se transformou quando se instalou na Inglaterra, onde se formou em História por Cambridge, serviu ao Exército durante a II Guerra e construiu uma vasta e respeitada obra. Ainda foi fundador de duas das mais importantes revistas acadêmicas de todos os tempos, a Past & Present e a New Left Review, por onde passaram autores fundamentais da historiografia marxista britânica, como Edward Thompson e Christopher Hill.
Boa parte dessa história é conhecida.

A novidade apresentada por Evans é o modo como Hobsbawm se equilibrou entre os inúmeros galhos que formavam sua vida (aliás, Hobsbawm significa ‘árvore frutífera’). Tal qual um pêndulo, o autor do clássico A Era das Revoluções oscilou entre a singularidade e a generalização capaz de lhe oferecer algum sentido de pertencimento. Assim, o judaísmo, em princípio pouco relevante, foi fundamental para sua oposição ao nazismo. Do mesmo modo, sua fidelidade ao Partido Comunista foi relativizada quando os horrores do stalinismo foram revelados. Mas também justificou e condenou, concomitantemente, os crimes soviéticos nas invasões da então Tchecoslováquia e Hungria.

Ou seja: Hobsbwam buscava por um difícil equilíbrio entre a fidelidade às posições ditadas pelo Partido Comunista e o apego às suas idiossincrasias. Condenava os caminhos que alguns intelectuais marxistas tomavam nos anos 60, como Herbert Marcuse e sua aproximação entre Psicanálise e revolução. Buscou, por outro lado, formas originais de abordar as noções de classe e os novos agentes desta mesma utopia revolucionária. Ficou entusiasmado com o fenômeno do “banditismo social”, o que talvez explique porque gostava tanto do Brasil.

Revolta na Hungria em 1956 contra o domínio soviético

Hobsbawm enxergava na América Latina um local privilegiado para a ascensão de uma nova consciência de classe, antessala para a transformação social por meio da revolução. Ele esteve por aqui em muitas ocasiões e ainda exerce fascínio sobre brasileiros com alguma erudição. Era amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e uma rápida olhada na bibliografia de cursos de História, do ensino médio ao superior, comprova sua condição de ídolo pop entre nós. Mesmo em seu cabotinismo, o ex-presidente Lula, na apresentação que faz no livro, nos revela esta popularidade.
Hobsbawm se manteve ambíguo também em questões pessoais. Sentia-se cidadão britânico, assim como seu pai. Mas, ao escrever em seu diário, o fazia em alemão, língua da mãe. Até o jazz, paixão relacionada à fase de sua vida composta por breves amores regados por muito álcool, foi tema de inúmeros artigos escritos sob o pseudônimo de Francis Newton. Dessa racionalização nasceu o brilhante A História Social do Jazz, livro dos mais conhecidos de seu vasto catálogo.

Afinal, era inteligente e viveu o suficiente para perceber que suas previsões amparadas no marxismo eram derivadas muito mais de desejo que de seus estudos. Talvez como John Lennon – cujo sucesso Hobsbawm achava que seria efêmero -, em certo momento da vida virou herói da classe trabalhadora. A biografia de Hobsbawm prova que é possível ter uma obra significativa e uma vida brilhante mesmo estando quase sempre errado.

A ambiguidade revela-se, ainda, pela reação inusitada à traição da primeira esposa: sua vida amorosa subordinada à posição ideológica, ainda que tenha levado anos para superar a separação. Tempos depois, casou-se com Marlene Schwarz e teve um casal de filhos. Foi nesse período de estabilidade familiar que viveu seus dias mais produtivos e lucrativos. Trabalhou nos EUA financiado pela Fundação Rockefeller, comprou uma ampla casa em Londres e contratou um advogado para fazer seu testamento. Tudo bem burguês.

(Publicado originalmente em Veja, em 25 de junho de 2021; https://veja.abril.com.br/cultura/biografia-examina-vida-do-historiador-eric-hobsbawm-idolo-da-esquerda/; o titulo desta publicação é de Horizontes Democráticos)


Pecuarista pantaneiro ganha guia de melhores práticas de sustentabilidade

Guia identifica e analisa as boas práticas de pecuária na Planície Pantaneira e relaciona com os serviços ecossistêmicos do bioma. Iniciativa é do WWF-Brasil, Embrapa Pantanal e Wetlands International 

Por WWF-Brasil

A experiência do criador de gado pelo manejo sustentável no Pantanal acaba de ser documentada no Guia de melhores práticas pecuárias da planície pantaneira, elaborado pela Embrapa Pantanal, WWF-Brasil e Wetlands International. O objetivo do material, que pode ser baixado gratuitamente no link ao lado, é apresentar, de forma didática e descomplicada, como o pecuarista pantaneiro pode atuar em um sistema diferenciado de manejo em áreas naturais com boa convivência com a rica biodiversidade pantaneira, fazendo disso um diferencial para seu negócio e gerando acesso a mercados que exigem sustentabilidade na produção.

O guia, elaborado em uma linguagem acessível e direta, traz uma análise das boas práticas de pecuária na Planície Pantaneira que considera e respeita a vocação da paisagem do bioma. Flávia Araújo, analista de conservação do WWF-Brasil, explica que “o conteúdo foi  elaborado  por  vários  autores  que, com  suas  experiências  e  estudos,  indicam diversas  possibilidades  de  conhecer  e  melhorar  as  práticas  do  produtor  de  gado de corte na Planície Pantaneira. Esta ação é a sistematização do conhecimento produzido até agora, fruto de várias parcerias e apoios”, ressalta. O WWF-Brasil atua desde 2003 na região pantaneira, promovendo discussões sobre alternativas que aliem a atividade produtiva da pecuária e a conservação dos recursos naturais do bioma, seja apoiando produtores e associações de pecuaristas ou fazendo relacionamento com os diversos atores da cadeia produtiva local.

“Um dos focos de atuação da Embrapa Pantanal é o desenvolvimento de soluções tecnológicas voltadas para a pecuária sustentável. E esse guia vem de encontro ao cumprimento da nossa agenda de prioridades, ao disponibilizar informações e tecnologias de maneira acessível aos produtores pantaneiros e técnicos”, segundo a pesquisadora e chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento, Catia Urbanetz. “O guia vem como um forte instrumento para divulgarmos conhecimentos, boas práticas agropecuárias e tecnologias que visam auxiliar os produtores pantaneiros no aumento de sua produtividade de forma sustentável. Acreditamos que este instrumento servirá como importante ferramenta para que o produtor possa inovar em meio às tantas tecnologias e boas práticas desenvolvidas pela Embrapa Pantanal e seus parceiros, concluiu o chefe-adjunto de transferência de tecnologia, Thiago Coppola.

Para Rafaela Nicola, diretora executiva da Wetlands International Brasil, o guia vem trazer uma contribuição significativa tanto para o produtor como para o meio ambiente quanto aos recursos naturais para a manutenção da própria prática pecuária:

“A Wetlands International Brasil e a Mupan - Mulheres em Ação no Pantanal - têm como foco dentro do Programa Corredor Azul encontrar a convergência entre o desenvolvimento econômico, a conservação e a manutenção do Pantanal. Por isso, este guia de melhores práticas é uma demonstração concreta de que se pode obter transformações significativas a fim de salvaguardar e garantir os sistemas essenciais para a manutenção do bioma de maneira aliada à pecuária”, explica Rafaela.

Para o produtor, o guia será um importante aliado no entendimento de temas aparentemente complexos. O material traz, por exemplo, a visão holística das pastagens, com a explicação sobre o que é necessário fazer em caso de necessidade de limpeza da pastagem ou uso de queima prescrita. Transcorre ainda sobre os instrumentos econômicos de política ambiental existentes, mas que nem todo produtor conhece. Consumo de água, tratamento de resíduos, destinação dos resíduos sólidos são alguns dos temas de impacto ambiental que também são abordados. 

Mas, o guia vai além, abordando plano de manejo (para o rebanho), plano de gestão (para a propriedade como um todo) e até sucessão familiar (considerando que boa parte dos pecuaristas pantaneiros são empreendedores familiares).

O documento sugere que o produtor desenvolva uma abordagem integral sobre seu  sistema de  produção,  abordando  medidas  de  conservação  e  restauração  das  pastagens nativas,  implementação de indicadores e práticas que permitam que o valor nutritivo  disponibilizado  para  seu  rebanho permaneça  alto, assim  como  a  produtividade  animal. 

O guia contou ainda com o apoio de instituições parceiras: Centro de Pesquisa do Pantanal; Fundação Panthera Brasil; Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola; Instituto  de  Meio  Ambiente  de  Mato Grosso do Sul; Instituto Homem Pantaneiro; Mupan - Mulheres em Ação no Pantanal; Instituto Nacional de Ciência Tecnologia em Áreas Úmidas; Secretaria  de  Estado  de  Meio Ambiente de Mato Grosso e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento  Econômico,  Produção  e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul.

Webinar e palestras:

Na terça-feira, 27/07, às 16h (horário do MS/MT, 17h no horário de Brasília), será realizado um evento virtual de lançamento do guia, aberto ao público geral, que pode ser acompanhado neste link. Após o lançamento será realizado um webinar de práticas sustentáveis na pecuária pantaneira, que seguirá nos dias 29/07, 03/08 e 05/08, sempre às 16h (MS/MT). Veja a programação dos webinars abaixo, com o horário do MS/MT:

27/07 - Lançamento do Guia de melhores práticas da pecuária pantaneira (16h-16h30)
Cátia Urbanetz, chefe-adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Pantanal
Rafaela Danielli Nicola, diretora executiva da Wetlands International Brasil
Lilian Ferreira dos Santos, secretária adjunta de licenciamento ambiental e recursos hídricos na Secretaria de Estado de Mato Grosso
Rogério Thomitão Beretta, superintendente de ciência e tecnologia, produção e agricultura familiar na Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar/MS
Cristina Carvalho, representante da Delegação da União Europeia no Brasil
Flávia Accetturi Szukala Araujo, analista de conservação no WWF-Brasil

27/07 – Planejamento da paisagem (16h30 - 18h)

A perspectiva da paisagem rural para a sustentabilidade no Pantanal
Dr. Walfrido Moraes Tomas, pesquisador da Embrapa Pantanal

O uso do conceito de macrohabitats para agregar valor à gestão sustentável no Pantanal
Dra. Cátia Nunes, pesquisadora associada ao Centro de Pesquisa do Pantanal

Uso da ferramenta FPS na gestão sustentável das propriedades
Dra. Sandra Aparecida Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal

29/07 - Manejo da pastagem e do rebanho (16h - 17:30)

Manejo sustentável e adaptativo das pastagens do Pantanal
Dra. Sandra Aparecida Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal

Dessedentação animal no Pantanal
Dra. Márcia Divina de Oliveira, pesquisadora da Embrapa Pantanal

03/08 - Manejo do rebanho (16h - 18h)

Saúde, bem-estar e criatividade
Dra. Raquel Soares Juliano, pesquisadora da Embrapa Pantanal

O valor do cavalo pantaneiro na região do Pantanal
Dra. Sandra Aparecida Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal

Estratégias de manejo na convivência com as onças
Rafael Hoogesteij, diretor da Panthera Brasil e Diego Viana, médico veterinário do Instituto Homem Pantaneiro

05/08 – Planejamento da propriedade (16h - 18h)

Legislação ambiental e atividades agropecuárias no Pantanal
Pedro Puttini Mendes, advogado e professor em Direito Agrário e Desenvolvimento

Plano de negócio na propriedade pantaneira
Ana Trevellin, sócia proprietária da Bionúcleo Gestão e Desenvolvimento

Uso de energias renováveis no campo
Alessandra Mathyas, analista de Conservação no WWF-Brasil.

Boas práticas de gestão ambiental na propriedade rural
Máyra Golin, diretora da Arater Consultoria Ambiental.


Bolsonaro diz que está entregando a ‘alma do governo’ a líder do Centrão

Presidente criticou ainda atuação do ministro Ramos, dizendo que o militar não dominou o ‘linguajar do Parlamento’

Evandro Éboli e Jussara Soares, O Globo

BRASÍLIA -  Horas após sacramentar o senador Ciro Nogueira (PP-PI) como novo ministro-chefe da Casa Civil, Jair Bolsonaro disse, em entrevista a uma rádio, que está entregando ao líder do Centrão a “alma do governo”. O presidente contou ainda que entendeu como um “sinal de Deus” um problema na turbina do avião no qual Nogueira viajava do México ao Brasil, após ter recebido o convite para ser ministro. 

Leia mais: Ciro Nogueira aceita convite para Casa Civil com a missão de aparar arestas para eleições de 2022

Quando questionado sobre críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à entrada de Nogueira, ex-aliado do PT,  no governo Bolsonaro, o presidente voltou a defender o senador, dizendo que as “pessoas mudam”. Bolsonaro disse ainda que a interlocução com o Congresso será feita de “forma salutar e não de forma comprada como ocorria no passado.”

Leia mais: Lula diz que Bolsonaro está refém do centrão, que fez parte da base aliada de seu governo

— O Ciro está feliz. Ele falou para mim que o sonho da vida dele era ocupar um ministério como esse. E dizer ao senhor presidente Lula não é o ministério das Minas e Energia, onde o orçamento é milionário. Não é o Transporte, não é o Desenvolvimento Regional. É a chefia da Casa Civil, é a alma de um governo. É realmente a nossa interlocução aumentando com o parlamento de forma salutar e não de forma comprada como acontecia  no passado — disse.

O presidente admitiu que o ainda ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, teve dificuldade de articulação com o parlamento. General da reserva, Ramos chegou em junho de 2019 para assumir a Secretaria de Governo, cuja principal missão é interagir com o Congresso. Em março deste ano, assumiu a Casa Civil, mas seguiu com atribuição de dialogar com deputados e senadores.

—  Coloquei o Ciro porque preciso melhorar a interlocução com o Congresso. O general Ramos é uma excepcional pessoa, é meu irmão. Agora, com o  linguajar do parlamento, ele tinha dificuldade. É a mesma coisa que pegar o Ciro Nogueira e botar ele para conversar com generais do Exército. O Ciro não saberá falar com eles por melhor boa vontade que tenha — afirmou Bolsonaro.

As declarações foram dadas em entrevista à Rede Nordeste de Rádio, com transmissão para  400 emissoras nos nove estados da região e Tocantins, no Norte. Como informou o GLOBO, o presidente, em busca de popularidade, está concedendo entrevistas diárias para emissoras de todo o país. 

Sonar: Nomeado ministro de Bolsonaro, Ciro Nogueira apoiou Lula em 2018: ‘Eu fico com Lula até o fim’

Na entrevista, o presidente contou ainda que Nogueira relatou que o avião em que voltava ao Brasil, após ter recebido o convite para ser ministro quando estava de férias no México, teve uma turbina explodida. Bolsonaro disse que entendeu isso como um “sinal de Deus.” Bolsonaro contou que Nogueira “viu a morte ao seu lado” e o comparou com a facada recebida por ele mesmo durante ato de campanha em 2018.

— É o momento em que você procura se encontrar. Da onde vim, para onde vou. Como é que está minha vida. Eu serei bem recebido nesse destino que cabe a todos nós? O Ciro relatou isso pra mim. Foi um sinal de Deus, no dia seguinte do convite que fiz a ele, esse problema com seu avião. Graças a Deus deu tudo certo — declarou.


Brasil ensaia resistência na rua a Bolsonaro com o desafio de novos os protestos

Atos começaram cedo em capitais como Rio de Janeiro e Goiânia. Manifestação em São Paulo acontece esta tarde e mede a articulação para ampliar o protesto contra o presidente e seu Governo, que amplia a pressão com militares pelo voto impresso em 2022

Carla Jiménez, El País

Os brasileiros vão testar por quarta vez a força das manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado, 24. O dia começou com atos no Rio de Janeiro, Salvador, e outras capitais nordestinas, convocados por centrais sindicais e partidos de esquerda. São Paulo deve ser o fiel da balança para avaliar se as ruas têm poder de perturbar a classe política e o Governo diante de uma escalada na tensão institucional que agora envolve também militares, enquanto o presidente Jair Bolsonaro se amarra ainda mais com o Centrão. Se a primeira manifestação em maio teve o efeito surpresa para o Governo com uma presença massiva de pessoas em São Paulo, as duas últimas repetiram a mesma proporção mas não a ponto de desconcertar o governo.

No Rio houve milhares de pessoas no centro da cidade com bandeiras contra o presidente, pedindo impeachment, e protestando contra os militares. Desde que as manifestações voltaram às ruas, num momento em que a vacinação avançou, Bolsonaro intensificou sua campanha pró-voto impresso para o pleito de 2022, insistindo sem provas na falta de confiabilidade das urnas eletrônicas. O presidente ganhou o endosso do ministro da Defesa Braga Netto, o que deixou o quadro ainda mais tenso, com os militares expondo posições em áreas que não lhe correspondem. Ao mesmo tempo, o presidente fechou o convite ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) para assumir o ministério da Casa Civil, uma das mais importantes e poderosas pastas do Governo.

Além do repúdio à trágica gestão da pandemia, as ruas querem levar agora um grito contra a sabotagem à democracia. Em nota conjunta assinada por centrais sindicais, movimentos políticos como Agora e Acredito, e os partidos PV, PSDB, Cidadania, PCdoB, PDT, PSB, Rede e Solidariedade anunciam união para ir às ruas neste sábado. “Ao mesmo tempo em que sabota os esforços para vencer o coronavírus, Bolsonaro ataca diariamente o regime democrático, e busca inequivocamente as condições para a imposição de um regime autoritário que destrua as instituições republicanas contra as liberdades democráticas”, diz a nota do grupo.

O PT também convoca para as ruas com a expectativa de alcançar atos em 300 cidades. Impeachment, emprego e auxílio emergencial unem a todos os partidos que convocam para os protestos neste sábado. O grande desafio, porém, é engrossar as fileiras de resistência depois do último ato no início deste mês. Integrantes do PSDB foram agredidos por grupos radicais do PCO no ato da Avenida Paulista, o que levou a um repúdio dos demais partidos contra a legenda de extrema esquerda. Os protestos ajudaram a desgastar a imagem do presidente, que reagiu com mais coação, e perseguição a seus críticos. O comportamento tem se esparramado em detenções promovidas pela polícia em diversos Estados.

As ameaças às eleições, bem como o endosso do ministro da Defesa, têm gerado reações em cadeia em outros Poderes. “No Brasil de hoje, não é de se espantar que um líder populista se recuse a obedecer as regras vigentes, que queira suas próprias regras para disputar as eleições e que se recusre a ter seu legado escrutinado”, disse o ministro do Supremo, Edson Fachin, durante um evento esta semana. O anseio pelo impeachment é uma constante, mas uma incógnita, à medida que o Centrão se compromete ainda mais com o Governo Bolsonaro. Mas, como disse o ex-presidente Michel Temer em entrevista à Folha, “quem derruba presidente não é o Congresso, é o povo nas ruas.”


10 ditados populares que mudaram no mundo digital

Evandro Milet

A sabedoria expressa em ditados populares já não vale mais no mundo atual das startups e da transformação digital. Vejamos alguns deles:

1 - Em time que está ganhando não se mexe
O pessoal do futebol sabe que se fizer sempre as mesmas jogadas elas serão logo marcadas. Portanto, em time que está ganhando também se mexe para poder continuar a ganhar. O clássico O Dilema do Inovador de Clayton Christensen mostrou a dificuldade das empresas em mudar os seus produtos vencedores e acabam atropelados por novos entrantes no mercado. Devemos canibalizar nossos próprios produtos antes que os concorrentes o façam.

2 - Devagar é que se vai longe
No mundo das startups o lançamento de produtos é feito antes que estejam prontos. A validação se dá nos clientes. Se você não tiver vergonha do seu produto no lançamento, você o lançou tarde demais, é um dos mantras do Vale do Silício. Quem trabalhar devagar nesse ambiente não chegará a lugar nenhum.

3 - Quem espera sempre alcança
Só os paranoicos sobrevivem, disse o presidente da Intel. Você pode viver do passado, tentar antecipar o futuro ou se preparar para qualquer futuro que vier, mas a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo, como disse Alan Kay, cientista do Laboratório PARC da Xerox, criador da interface gráfica como a conhecemos hoje. Se você quiser esperar para ver o que vai acontecer, alguém chegará no seu lugar. A época é de arriscar, experimentar, ousar. Pode ter certeza que, se você tiver alguma ideia boa, alguém no mundo estará tendo a mesma ideia. Se esperar para levar adiante, já era.

4 - Os últimos serão os primeiros
Os vencedores levam tudo é o novo ditado. Startups rodam em alta velocidade para adquirir clientes, sem dar lucro por anos a fio para criar uma barreira de entrada intransponível. A Amazon ficou sete anos sem distribuir lucros enquanto vendia a ideia para os investidores que estava criando a maior loja do mundo. Quem consegue disputar com eles no e-commerce, ou com o Google em buscas, ou com o AirBnB em hospedagem? Antes bastava fazer melhor e mais barato. Depois, o importante era fazer diferente. Agora, o fundamental é fazer primeiro. Os últimos serão os últimos mesmo.

5 - A pressa é inimiga da perfeição
Antes feito que perfeito é o novo ditado. A perfeição acontece com o tempo e a validação do cliente. O MVP, Menor Produto Viável, substitui meses de planejamento para lançar um produto. Ciclos longos de planejamento estratégico não conseguem mais sustentar uma concorrência.

6 - Cada macaco no seu galho
Descrição estreita de funções não cabem mais. Procuram-se profissionais T-shaped. Com uma especialidade profunda, porém com outras competências que facilitem o trabalho em equipe. Para participar dos onipresentes squads, os grupos multidisciplinares, é interessante ir além da sua especialidade, pulando em outros galhos de vez em quando. O Google prefere generalistas a especialistas em contratações.

7 - Manda quem pode, obedece quem tem juízo
As estrelas podem ser dissidentes, um pouco radicais, um pouco rebeldes”, diz Jeff Bezos. Beto Sicupira da Ambev aceita pessoas diferentes porque “é mais fácil segurar um louco que empurrar um burro”. Jony Ive, gênio do design da Apple: “queremos um designer que nos impressione a ponto de nos intimidar”. Steve Jobs: “Não faz sentido contratar pessoas inteligentes e dizer a elas o que elas devem fazer; nós contratamos pessoas inteligentes para que elas possam nos dizer o que fazer”. Você acha que pessoas com essas características vão obedecer alguém cegamente em uma empresa? Tchau.

8 - Porrete não é santo, mas faz milagres
Tirar o medo da organização, ensinava o velho Deming nos seus princípios da qualidade. Liderança autoritária inibe a criatividade e pode dar até acusação de assédio moral. A inovação tem que estar difundida em toda a empresa e não só na cabeça da liderança. Pessoas importantes para a organização hoje devem arriscar, tentar coisas novas, ultrapassar barreiras, questionar verdades estabelecidas e explodir velhos paradigmas. Ninguém faz isso com medo.

9 - Faça o que eu digo, não faça o que eu faço
Uma organização não segue a boca dos seus dirigentes, segue as suas pernas. Se a inovação é prioridade, isso tem que estar explícito não só na fala, mas principalmente nas atitudes e nas ações da liderança.

10 - Errar é humano
Em um tempo onde a experimentação constante é fundamental, o erro faz parte. Como diz Elon Musk, um ícone dos novos tempos: “O fracasso é uma opção aqui. Se as coisas não estão falhando, você não está inovando o suficiente”. Nessa velocidade é melhor pedir perdão do que pedir licença. No mundo das startups, erro é sinal de aprendizagem.


Bolsonaro quer recuperar popularidade com pacotão de emprego e passar fatura ao Sistema S

Confederações não aceitam pagar a conta do Bônus de Inclusão Produtiva, que tem viés eleitoreiro e funcionaria como porta de saída do auxílio emergencial

Adriana Fernandes, O Estado de S. Paulo

Sistema S é peça-chave nos planos do governo Bolsonaro de lançar um programa de estímulo à qualificação profissional e contratação de jovens e trabalhadores informais de baixa renda.

É um “pacotão” de emprego com dois programas dentro dele e dois tipos de benefícios (BIP e BIQ), que podem garantir pagamento direto de uma bolsa de R$ 550 para incentivar a contratação de jovens que não conseguem emprego e pessoas que estavam no Bolsa Família.

O BIP (Bônus de Inclusão Produtiva), de R$ 275, financiado com recursos do Sistema S, e o BIQ (Bônus de Incentivo à Qualificação), também de R$ 275, pela empresa.

Num segundo programa, o BIP de R$ 275 seria concedido para jovens com dificuldade de conseguir emprego e trabalhadores com mais de 55 anos sem vínculo formal há mais de dois anos.

Duas poderosas armas políticas para 2022, quando Bolsonaro espera conseguir recuperar a sua popularidade na esteira da retomada econômica e de outras medidas que estão no forno, como o reforço do novo Bolsa Família.

O problema do pacotão do emprego é que o governo não tem como pagar essa conta e quer passar a fatura para as entidades do Sistema S, que estão embaixo do guarda-chuva das grandes e poderosas confederações empresariais, como CNICNCCNT e Sebrae.

Uma facada de 30% no orçamento do Sistema S, que vem dos encargos adicionais pagos pelas empresas sobre a folha dos seus funcionários. Um orçamento bem gordo de R$ 20 bilhões por ano do qual o governo Michel Temer também tentou, sem sucesso, abocanhar uma fatia.

As confederações não aceitam pagar essa conta, que tem um viés político-eleitoreiro, já que a bolsa funcionaria com uma porta de saída após o fim do auxílio emergencial, que começou com R$ 600 e está hoje em R$ 250.

No início, o auxílio elevou a popularidade do presidente nas camadas mais baixas, mas, depois que o valor caiu e o alcance do auxílio ficou mais restrito, o seu efeito acabou. 

Um acordo estava sendo costurado pelo ministro Paulo Guedes, mas o clima azedou depois que o governo trabalhou por debaixo dos panos para incluir o pacotão numa medida provisória que estava pronta para ir a votação. As entidades conseguiram barrar a votação numa articulação rápida, mas deixaram claro que não aceitam bancar uma bolsa em dinheiro para que o trabalhador possa usar como quiser.

Elas argumentam que já fazem treinamento profissional e que podem oferecer os cursos de graça sem a necessidade de financiamento do BIP. 

A disputa subiu de tom depois que o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, disse na sexta que o governo tinha de “passar a faca no Sistema S”, pois era inaceitável não ajudar os jovens carentes, os mais afetados pela destruição do emprego (formal e informal) durante a pandemia.

Além de amplificar a disputa, a fala do secretário mostrou que o governo pretende jogar duro. Uma das possibilidades é a edição de uma medida provisória, com efeito imediato, com ênfase no discurso para a população de que o Sistema S esbanja com gastos luxuosos para seus dirigentes e casos de desvios de recursos.

Uma outra medida na mesa do governo, que não está descartada, é propor uma desoneração dos encargos com redução da alíquota que as empresas têm de pagar para financiar as entidades do Sistema S.

O governo está forçando esse corte porque, na realidade, não tem espaço no teto de gastos (regra que limita as despesas) em 2022 para fazer tudo ao mesmo tempo agora, como ampliar o Bolsa Família e dar reajuste aos servidores.

A saída foi justamente botar o Sistema S para pagar diretamente a bolsa, com o gasto ficando fora do Orçamento. Uma burla ao teto, com recursos extraorçamentários que não passam pelo controle das regras fiscais. “Em 2014, o governo burlou metas fiscais para chegar mais forte às eleições. O governo atual faria o mesmo com essa estratégia ao utilizar recursos do Sistema S”, chama a atenção Leonardo Ribeiro, consultor do Senado. O novo ministro do emprego, Onyx Lorenzoni, já começa com esse abacaxi para descascar e sob a desconfiança de que entra no novo ministério para abrir geral o cofre para as eleições.


Os dentes e os espaços: As forças armadas e a política partidária

Alon Feuerwerker

Quando você age sobre a realidade, necessariamente a transforma. Mas aí ela também acaba transformando você. Ação e reação. Parece inevitável que a participação cada vez maior, e institucional, das Forças Armadas na política partidária termine abrindo espaço para a explicitação de debates político-partidários no interior mesmo da corporação.

Aliás o vice-presidente Hamilton Mourão já advertiu sobre isso.

Digo “explicitação”, e não “introdução”, pois seria ingenuidade, a qualquer momento, interpretar como apoliticismo a falta de manifestações explícitas de partidarismos no estamento militar.

Dois dos presidentes do período 1964-85 cuidaram com esmero de prevenir esse jogo recíproco, em que as Forças politizam e ao mesmo tempo são politizadas, ou partidarizadas: Humberto de Alencar Castelo Branco e Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro operou uma reforma militar também com esse objetivo, e o segundo decapitou a resistência à distensão.

Ações que contribuíram de maneira importante para fechar o ciclo da anarquia militar no Brasil do século 20, cujo marco inaugural havia sido a eclosão do tenentismo. Ter deixado isso para trás era apontado até outro dia como conquista da Nova República. Não parece estar sobrando muito das conquistas da Nova República.

Em parte, os militares têm sido puxados para a política nos anos recentes pelo vácuo nascido da desmoralização e do desgaste das demais instituições nacionais. Isso ganhou nova dimensão quando Jair Bolsonaro, sem um partido para chamar de seu, acabou recorrendo aos fardados, da ativa e da reserva, como estoque de quadros e de doutrinas para tocar o governo.

A realidade é implacável, e o poder não se resume às delícias dele, carrega também os riscos decorrentes das delícias. E aí o noticiário começa a trazer confusões ligando duas coisas: militares e verbas orçamentárias. E agora com números de alto impacto vindos dos recursos destinados pelo governo e pelo Congresso ao combate da Covid-19.

Na falta de eventos de ruptura, a vida segue, e nela sempre chega a hora de ter de dar alguma explicação. Na escalada da politização, as recentes manifestações do Ministério da Defesa e dos comandantes militares vêm reiterando: as Forças estão aí para defender a liberdade e a democracia. Ecoam palavras do próprio presidente da República. Falta, até o momento, dizer se ambas estão sob ameaça.

E falta também, nesse caso, a explicação mais importante: quem ameaça.

Enquanto tal detalhe não fica claro, ao menos segue o baile. No terreno por eles pouco conhecido da política, até agora os militares estão levando uma certa canseira dos políticos. Os lprimeiros andam ocupados em mostrar os dentes, estes últimos preferem concentrar-se em tomar espaços de poder daqueles.

E nem Jair Bolsonaro pode ajudar muito, já que depende dos políticos para se manter na cadeira, inclusive depois de 2022, se se reeleger. O que pelo jeito vai ser decidido mesmo na urna eletrônica, apesar das dúvidas e arranca-rabos. Se bem que neste ponto é sempre adequado contar com novas emoções. 

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


'Pesquisadores vivem ameaças como na ditadura'

Radicada na Bélgica, professora da USP que estuda papel nocivo dos agrotóxicos na produção de alimentos diz que ficou impossível permanecer no Brasil em meio a "terrorismo psicológico"

Edison Veigas, DW Brasil

Foram dois anos em que a geógrafa brasileira Larissa Mies Bombardi, professora da Universidade de São Paulo (USP), não conseguia dormir em paz. O pesadelo começou com o lançamento, na Europa, da versão em inglês do seu atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia.

Ao levar para fora do país o cenário dos agrotóxicos na produção de alimentos no Brasil, ela contribuiu para aumentar a pressão internacional sobre o setor. "A maior rede de orgânicos da Escandinávia passou a boicotar produtos brasileiros por conta do meu trabalho", relata.

A geógrafa passou a viver uma rotina de ameaças e enfrentou uma série de posicionamentos contrários de instituições ligadas ao setor agropecuário.

"Teve um e-mail de uma pessoa que se identificou como piloto de avião. Era uma mensagem muito ambígua, falava que 'se a professora diz que pulverização aérea não é uma coisa segura, então eu convido a professora a dar uma voltinha no avião pra ver como tem segurança'", conta.

No ano passado, sua casa foi assaltada. Bombardi tomou a decisão de sair do país. Transferiu-se para a Bélgica e segue sua carreira acadêmica na Universidade Livre de Bruxelas. Em entrevista à DW Brasil, ela dá detalhes sobre as ameças sofridas.

DW Brasil: Ameaças e um assalto… Quando você percebeu que era hora de deixar o Brasil?
Larissa Mies Bombardi: Depois que eu lancei em inglês o atlas [Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia], em 2019, foi a primeira vez que perdi o sono. Entendi que havia um risco e começaram as intimidações, umas mais veladas, outras menos. Precisava me proteger, proteger meus filhos e ficar fora do Brasil.

Pode descrever alguma ameaça que recebeu?
Foram várias coisas, mas teve um e-mail de uma pessoa que se identificou como piloto de avião. Era uma mensagem muito ambígua, falava que "se a professora diz que pulverização aérea não é uma coisa segura, então eu convido a professora a dar uma voltinha no avião pra ver como tem segurança". […] Então a maior rede de orgânicos da Escandinávia [a Paradiset, da Suécia] passou a boicotar produtos brasileiros por conta do meu trabalho. Um professor da USP, Wagner Ribeiro, falou que eu não podia lidar com isso sozinha.

Como a USP se posicionou?
Esse professor contatou a diretora da faculdade [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a FFLCH], que nos recebeu e pediu um dossiê. Na manhã seguinte, ela contatou o reitor, que concordou que eu precisava deixar o país, seguir por um período meu percurso acadêmico fora. A reitoria se mostrou sensível e ofereceu a guarda universitária para me proteger. Não quis, achei que emocionalmente seria muito pesado lidar com isso. Recebi orientações de lideranças de movimentos sociais para evitar as mesmas rotinas, os mesmos caminhos.

No fim do ano [de 2019], fui convidada a falar no Parlamento Europeu, numa conferência sobre o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Ali me falaram que lidar com esses temas no Brasil era muito perigoso. Eu respondi que nunca tinha sido efetivamente ameaçada. "Mas não precisa, as coisas não acontecem com aviso sempre", ouvi de volta.

Fiquei gelada, mas ainda falei: "Sou professora universitária, branca, tenho esse viés de classe e, infelizmente, do racismo estrutural que existe no Brasil." Ouvi então que "Zuzu Angel [(1921-1976), estilista, vítima da ditadura brasileira] também era branca". O plano passou a ser me mudar [para a Europa] em março [de 2020]. Mas aí veio a pandemia, precisamos adiar.

Em agosto do ano passado, sua casa foi assaltada… Acredita que uma coisa tenha relação com a outra?
Nunca vou saber se foi relacionado ao meu trabalho ou não. Mas levaram pouquíssimas coisas, o laptop que eu usava, que era velho. Não tinha sentido, estava defasado. Mas vasculharam minha casa por três horas, mantendo minha mãe e me mantendo sob tortura psicológica. Foi horrível. Vasculharam a casa inteira. Foi muito pesado, mas não sei se tem a ver com uma tentativa de intimidação ou com uma busca de dados.

Você está na Bélgica neste ano de 2021. Segue vinculada à USP?
Aprovei um projeto de pós-doutorado na Universidade Livre de Bruxelas, é um projeto sobre green criminology na Amazônia, um trabalho sobre conflitos ambientais. A reitoria [da USP] autorizou meu afastamento e estou trabalhando neste tema. Em maio lancei um novo atlas no Parlamento Europeu sobre as relações comerciais entre Mercosul e União Europeia. Chama-se Geografia das assimetrias, colonialismo molecular e círculo de envenenamento.

O que significam esses conceitos?
Mostro esse lugar de colônia que o Mercosul ocupa dentro da economia mundial, em especial na relação com a União Europeia. Colonialismo molecular, porque, se antes havia esse saque das riquezas naturais da América Latina, agora ele continua mas não é só um impacto físico, é um impacto químico, por causa dos agrotóxicos. Colonialismo molecular porque essas substâncias atingem nossas moléculas, causam um dano sem precedentes, de uma crueldade que a gente nunca tinha visto.

Essa suposta modernidade da agricultura, ela traz um ônus que nos oblitera, que potencialmente altera nossos corpos por conta de substâncias que não são autorizadas na União Europeia mas são vendidas por empresas da União Europeia, sem pudor em vender [para países como o Brasil] substâncias que são proibidas em seus próprios países por conta dos danos à saúde e ao meio ambiente.

Como foi a pressão sofrida quando você publicou uma pesquisa relacionando a covid-19 à suinocultura?
Publicamos no ano passado dois artigos sobre as possíveis correlações entre suinocultura e covid-19. Vimos uma certa correspondência espacial em Santa Catarina, ou seja, áreas com maior densidade de criação de porcos também eram áreas com maior número de casos, proporcionalmente, de covid. Ficou um trabalho interessante, mas apenas levantamos a hipótese de que os vírus não teriam sido trazidos pelos morcegos, mas pelos porcos, via morcegos, já que há muitas similaridades [dos humanos] com os porcos. E os porcos vivem praticamente imunodeprimidos, com todos os animais criados de maneira intensiva. Eles não têm como exercer seus hábitos mais básicos e então — vou falar com cuidado, entre aspas — eles "podem ser" laboratórios de vírus. São animais que defecam e comem no mesmo local […].

Associação Brasileira de Proteína Animal escreveu uma carta para a USP [desqualificando o trabalho da professora], a Embrapa também produziu uma nota técnica… Mas a gente estava trabalhando com uma hipótese, em momento algum afirmando ser algo definitivo. Encerramos o texto dizendo que é preciso mais pesquisas. Não tem outro jeito de caminhar na ciência se não for buscando hipóteses, né? É assim que a gente caminha. Estou há quase 15 anos na USP e nunca vi isso de perto, como estou vendo. Essa atmosfera invasiva das entidades se acharem no direito de contestar pesquisa, de fazer ameaça… Isso é ameaça à minha carreira.

Você se considera exilada?
Sim, de alguma forma me considero exilada porque [faz uma longa pausa] simplesmente ficou impossível permanecer no Brasil lidando com essa temática. É um terrorismo psicológico gigante, e eu precisava proteger a mim e aos meus filhos. Foi um alívio gigante sair do Brasil, e isso ilustra a condição de exílio.

Está muito desesperador e eu sei que não sou só eu, há outros pesquisadores que passam por coisas parecidas, de ameaças institucionais a ameaças externas. Isso ficou muito claro a partir do governo [do atual presidente Jair] Bolsonaro, ficou nítido. É uma indecência, a gente não tem tranquilidade para fazer pesquisa. A última vez que a gente viu isso foi quando? Na ditadura. A única diferença é que agora aparentemente vivemos num regime democrático. Mas, no fundo, estamos vivendo um período de exceção.

Planeja um dia voltar ao Brasil?
Não. Pelo menos não até o fim deste governo.


Acervo Capixaba exibe obra de Orlando Bomfim Netto

Entre as possibilidades de trabalho curricular a partir dos filmes podem ser exploradas a cultura popular, pesquisa etnográfica, patrimônio histórico, educação ambiental

O projeto “Acervo Capixaba – Orlando Bomfim Netto”, coordenado por Marcos Valério Guimarães, restaurou, digitalizou e difunde parte da obra de um dos mais importantes documentaristas brasileiros. Orlando Bomfim Netto foi o primeiro cineasta a registrar sistematicamente, a partir da década de 1970, aspectos da cultura do Espírito Santo em documentários que se tornaram peças importantes do patrimônio histórico e da cinematografia capixabas.

O projeto Acervo Capixaba digitalizou e restaurou as cópias de sete filmes, em 35mm e 16mm, produzindo novas cópias de exibição em formato digital, novas cópias de preservação do material escaneado em 4K e a reunidos diversos materiais relativos aos filmes, como fotografias, cartazes, críticas e reportagens publicadas à época.

Integram o projeto os filmes “Itaúnas, Desastre Ecológico” (1979, cor, 8′); “Tutti, Tutti, Buona Gente, propriamente buona” (1975, cor, 26′); “Mestre Pedro de Aurora, prá ficar menos custoso” (1978, cor, 10′); “Ticumbi – Canto para a liberdade” (1978, cor, 20′); “Augusto Ruschi Guainunbi” (1979, cor, 10′); “Dos Reis Magos aos Tupiniquim” (1985, cor, 10′), produzidos no Espírito Santo, e também a produção carioca “O Bondinho de Santa Tereza” (1977, cor, 28′).

O projeto “Acervo Capixaba – Orlando Bomfim, netto” foi patrocinado pelo Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura). Acervo Capixaba é um selo da Pique-Bandeira Filmes para o relançamento de obras cinematográficas capixabas digitalizadas.

Produtora:
Pique-Bandeira Filmes
Idealização e Coordenação do Projeto:
Marcos Valério Guimarães
Produção Executiva:
Vitor Graize
Produção:
Igor Pontini, Vitor Graize
Digitalização e Remasterização:
Afinal Filmes
Fotos Divulgação:
Bianca Sperandio

Como contrapartida social da Lei Aldir Blanc, os filmes estão disponibilizados por meio de link gratuitamente

Acervo no link (playlist): https://www.youtube.com/playlist?list=PLPRi2drgWDaebzPTslRcWusrtC_qeqJnJ


VÍDEOS – ACERVO CAPIXABA ORLANDO BOMFIM NETTO