Carlos Melo: Decisão de Fachin acelera o processo político

A decisão do ministro Edson Fachin traz um fato dentro do fato: foi tomada pelo maior aliado que os ex-membros da Operação Lava Jato possuem Supremo Tribunal Federal; aparentemente, aquele que guarda mais concordância com o que foi feito nos processos que condenaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foram os tradicionais críticos e desafetos dos procuradores de Curitiba e de Sérgio Moro que se impuseram. Foi Edson Fachin. E isso dá maior força à decisão, tornando-a ainda mais simbólica.

Outra dimensão diz respeito ao jogo político: a condenação de Lula, desde sempre questionada por parcela da comunidade jurídica, mais uma vez se torna elemento de disputa política. Agora, com sinal trocado. Se antes, desafetos do ex-presidente usavam a Justiça para detratá-lo; neste momento, serão seus aliados que evocarão a mesma Justiça para erguer a bandeira de sua vitimização. Isso traz saldos.

Abre-se, assim, um novo campo na cena conjuntural. À parte de erros gritantes, Bolsonaro se dava ao luxo de ainda não ter um antagonista à altura, que se impusesse política e eleitoralmente. Um adversário de carne e osso. João Doria, é verdade, tem tentado. Mas, vindo de um apoio ao presidente em 2018, estava na defensiva. O resto do chamado centro se perde repleto de nomes e sem alternativa clara. Com Lula, é diferente.

O petista reemerge para o jogo político com pelo menos duas vantagens: a primeira, a narrativa do injustiçado, como já se disse. A segunda, beneficiado pelo pior momento e pelo desgaste amplo e geral do adversário. A lista é grande: a condução do governo na pandemia é literalmente uma tragédia, a crise econômica carece de rumo, já é reconhecido o estelionato eleitoral no combate à corrupção e na conversão ao liberalismo; os problemas com os filhos, a mansão de Flávio Bolsonaro, tudo faz sangrar.

Além, é claro, o mau humor da comunidade internacional com o Brasil. O temor do mundo de que o País possa, em razão das atitudes de Bolsonaro, significar o maior risco do planeta na proliferação de novas variantes do vírus.

Num cenário visto assim tão de perto, é difícil afirmar que a liberação de Lula possa de algum modo favorecer a Jair Bolsonaro. Contudo, há que se considerar que, é verdade, o presidente passa a ter a bandeira do antipetismo para empunhar novamente. Seus argumentos serão mais frágeis e sua credibilidade muito mais abalada do que em 2018, mas não deixará de ser oportunidade de um evocação às bases. Uma ordem unida para juntar a tropa.

Evidente que, ainda sob o impacto do fato novo, não se sabe como militares, eleitores e políticos de centro, além de setores da economia, reagirão a esse chamamento. Nem como Lula se comportará nesse primeiro momento: dará vazão ao ressentimento, articulará novos pactos e alianças, ou deixará que, por enquanto, Bolsonaro sangre na soma de seus erros? O certo é que a decisão de Fachin acelerou o processo.

*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.


Felipe Frazão: Após reação sobre soltura de Lula em 2018, militares dizem que agora é melhor silenciar

Oficiais do Exército avaliam que o novo entendimento do STF pode beneficiar 'extremistas' das duas vertentes

BRASÍLIA - A anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, provenientes da 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, desagradou aos militares. Influentes generais da reserva temem que o caso alimente o extremismo e têm feito apelos por “equilíbrio” diante da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que, na prática, reabilitou politicamente Lula como pré-candidato ao Palácio do Planalto, em 2022.

Oficiais do Exército avaliam que o novo entendimento pode beneficiar “extremistas” das duas vertentes, tanto de esquerda quanto de direita, mas ponderam que, no momento, não cabem mais manifestações públicas sobre o caso por parte de comandantes da ativa, como ocorreu em abril de 2018. Na época, antes do julgamento de um habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, usou o Twitter para publicar uma mensagem que jogou pressão sobre os ministros da Corte.

"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", questionou Villas Bôas, na ocasião. O episódio foi detalhado em recente livro com depoimento do general, lançado pela Editora FGV. A obra provocou novo debate sobre o episódio, no mês passado,  após Villas Bôas dizer que aquele tuíte contou com o aval do Alto Comando do Exército.

Fachin respondeu que a pressão era “intolerável e inaceitável”. Villas Bôas, hoje assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, ironizou a demora da reação: “Três anos depois...”. O ministro do STF Gilmar Mendes retrucou o que considerou um deboche: “Ditadura nunca mais”.

Ex-ministro da Secretaria de Governo, o general de Exército Carlos Alberto dos Santos Cruz disse ao Estadão que, embora a decisão de Fachin chame a atenção, as Forças Armadas não podem se precipitar.

Santos Cruz observou que o momento é diferente daquele de 2018, quando Lula recorria ao STF na frustrada tentativa de evitar a prisão, e Villas Bôas dizia que o Exército julgava “compartilhar do repúdio à impunidade”. Bolsonaro ainda não era presidente, mas já estava em campanha.

“São tempos distintos. Lá era véspera de uma decisão, aqui já é decisão tomada”, afirmou Santos Cruz. “Até o plenário (do Supremo) se manifestar, tem um caminho a percorrer juridicamente. Tenho absoluta certeza de que o Exército não tem nada a ver com isso. Isso é loucura, não leva a nada. Tem de esperar, ainda há passos jurídicos. Ninguém tem de se precipitar. É preciso ter equilíbrio, uma posição racional.”

No Ministério da Defesa, a decisão de Fachin foi recebida com incredulidade. Um oficial da ativa das Forças Armadas  classificou a anulação das condenações como “absurda” e disse que isso sela a derrocada do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, figura tida em alta conta no meio militar.

Entre os militares mais aborrecidos circulou até um questionamento, em tom de cobrança, para que se manifestassem novamente, repudiando a anulação das condenações de Lula. Até a noite de ontem, porém, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, preferiu nada comentar, num sinal de que espera um pronunciamento do plenário do Supremo sobre o caso. Azevedo foi assessor na Corte, durante parte do período em que o ministro Dias Toffoli era presidente do tribunal. O ministro mantém interlocução com os magistrados até hoje.

A reação do presidente Jair Bolsonaro à decisão de Fachin foi interpretada por generais como “morna”. Isso, para eles, indica que o chefe do Executivo pode tirar proveito político do caso. O tom de Bolsonaro foi semelhante ao citado nos bastidores por oficiais da ativa.

O presidente afirmou que Fachin “sempre teve forte ligação com o PT” e disse esperar que a Corte restabeleça o que havia sido julgado. “Não pode, em hipótese alguma, um homem só ser senhor desse julgamento", afirmou Bolsonaro.

O general de Exército da reserva Sérgio Etchegoyen disse que as pessoas em geral estão “indignadas” e “chocadas” com a decisão. Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional no governo Michel Temer, Etchegoyen afirma que não faz julgamentos sobre o mérito do caso, mas questiona a necessidade de haver uma decisão coletiva dos ministros do Supremo.

“Por que essa decisão monocrática que se sobrepõe a dois tribunais colegiados não é um risco à democracia? Ou é um risco para a democracia só quando um general fala?”, afirma Etchegoyen, em referência ao tuíte do ex-comandante do Exército. “Não saberia avaliar a atitude do ministro Fachin, me surpreende somente que seja uma decisão monocrática, que se sobrepõe a dois tribunais, o TRF-4 e o STJ. Conceitualmente, a tese de que Curitiba estava virando juízo universal é antiga e é possível que esteja certa, só acho que um cidadão sozinho anular decisões... É o cara mais poderoso do mundo.”

O ex-ministro do GSI também discorda da possibilidade de novas manifestações das Forças Armadas sobre os processos de Lula. “Agora, para quê? Não faz nenhum sentido. Está encerrado o assunto. O cara foi lá e fez o que queria fazer”, opinou. Ele pondera que, em 2018, o tuíte de Villas Bôas era também um recado à tropa “para evitar que alguém da reserva dissesse alguma bobagem”.

Polarização. Santos Cruz avalia que a sociedade deve afastar de vez os extremistas de esquerda e de direita da vida política. Ele diz que um sinal prévio foi o crescimento de partidos de centro nas eleições municipais do ano passado, mas admite que a decisão de Fachin favorece nova polarização.

“O Brasil não pode mais depender, nem viver, numa guerra de extremistas. Vejo grande entusiasmo de extremistas de uma ponta e da outra. Extremista é tudo igual, o comportamento é semelhante. O fanatismo só está atrapalhando o Brasil. Tem que expurgar esses extremistas, que se dizem bolsonaristas, e os lá da ponta esquerda também. O Brasil tem que mostrar para as turmas das duas pontas que está cansado de extremismo. Está na hora da parte central da sociedade brasileira se manifestar e dizer que não aceita mais radicalismos de um lado e de outro, mostrar que a grande maioria da gente é equilibrada. A grande parcela da população não quer participar dessa novela sem fim.”

Para Santos Cruz, o País não pode aceitar uma “briga de rua” entre Lula e Bolsonaro. Ele diz que as personalidades de ambos não ajudam o País. E elogia Moro, personagem que militares avaliam sair desgastado do episódio. “Está aí Sérgio Moro, gente decente, e outros que são equilibrados e vão parar com esse show diário e não deixar que o Brasil tenha uma eleição transformada em briga de rua digital. É hora do centro. O Brasil precisa de equilíbrio, não de uma eleição de briga de rua”, diz o ex-ministro de Bolsonaro.


Ricardo Noblat: Para estancar a sangria da Lava Jato, Fachin reabilita Lula

De volta à pergunta que não cala há dois anos

Salvo se recuar do que disse na última sexta-feira ao jornal El País, logo mais, a partir das 14h, quando concederá uma entrevista coletiva à imprensa na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Lula repetirá que só será candidato à sucessão de Bolsonaro se os brasileiros quiserem, mas que está disposto a isso e que fará política até seu último dia de vida.

Em outubro de 2022, ele completará 77 anos de idade. Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, estará com 78. Considera-se em boa forma para enfrentar mais uma campanha e afirma sentir-se como se tivesse apenas 30 anos – um exagero, por suposto, mas político costuma exagerar quando a seu favor. Tomará a primeira dose de vacina contra a Covid na próxima semana.

Tão logo tome a segunda dose e seja liberado pelos médicos, começará a viajar para fazer o que mais gosta – conversar. Falar mais do que ouvir. Relembrar as realizações dos seus governos. E bater duro em Bolsonaro, que ele considera um acidente na história do Brasil, um perigo à democracia, e responsável em parte pelas mortes da pandemia que deixou correr solta.

Em telefonemas, ontem à noite, trocados com amigos, Lula, que se emociona facilmente, pareceu chorar ou ter chorado. Não esperava a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular suas condenações. Espantou-se com ela. Punha mais fé, mesmo assim duvidando, que a Segundo Turma do tribunal aceitasse o pedido de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

O ex-presidente não se cansa de dizer que não alimenta rancores, que ser refém de rancores faz mal a às pessoas, mas que abre uma exceção quando se trata de Moro. Vê-lo considerado suspeito pela mais alta corte de justiça do país lhe daria uma satisfação indescritível.  Talvez fosse a única maneira de recobrar a paz interior e de doravante limitar-se a olhar para frente.

A Segunda Turma do tribunal, presidida pelo ministro Gilmar Mendes, poderá presenteá-lo com isso. Talvez hoje mesmo ao voltar a se reunir. Se não, em breve, muito breve. Fachin pode ter reabilitado Lula com o propósito de estancar a sangria da Lava Jato que ele defende acima de tudo, Gilmar, porém, está disposto a enterrar a Lava Jato com desonra.

Dado à pandemia, 2020 foi mais um ano que não terminou. Com a decisão de Fachin, 2022 chegou mais cedo para os políticos e os que giram em torno da política. Apague tudo o que você já leu sobre a próxima eleição presidencial – possíveis candidatos, eventuais chances de cada um, como os principais partidos deverão se comportar até lá, o efeito do coronavírus…

Recomecemos. Dificilmente, até meados de 2022, haverá tempo para que o juiz federal que herdará os processos contra Lula o condene em algum deles, a instância seguinte da justiça avalize a condenação, de forma que o ex-presidente seja alçado novamente à condição de ficha suja, o que o impossibilitaria de ser candidato. Às vezes, a justiça aprende com seus próprios erros.

No PT não tem espaço para mais ninguém – o candidato será Lula. Não acabou, mas sofreu um duro golpe o sonho de partidos da esquerda de disputarem a eleição com outro nome, apartando-se do PT e atraindo partidos do centro. Ciro Gomes será candidato a presidente pela quarta vez – a última, caso perca. Se não viajar a Paris, apoiará quem for para o segundo turno, menos Bolsonaro.

A retroescavadeira usada por Fachin para desfigurar o que estava em construção fortaleceu a candidatura do apresentador Luciano Huck à sucessão de… Faustão, de saída da telinha da Rede Globo de Televisão. Dinheiro nunca é demais para ninguém, e a proposta que a emissora lhe fez é tentadora. Faz parte do pacote de benefícios um programa para Angélica, cobiçada pela Record.

Pela direita que se apresenta como centro para não ser confundida com o Centrão, quem se afirmará como candidato? João Doria (PSDB), governador de São Paulo, que por mais que vacine brasileiros continua sem decolar nas pesquisas de intenção de voto? Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde? Surgirá um novo nome? O tempo escasseia, o tempo urge.

A extrema direita já tem dono – Bolsonaro, que retomou os ataques a Lula e ao PT e incluiu Fachin entre seus alvos. O auxílio emergencial vem por aí para que ele reconquiste uma fatia da popularidade perdida. Bolsonaro foi visto negociando a compra de vacinas da Pfizer e despachou para Israel uma comitiva atrás de um milagroso spray nasal em fase de testes por lá.

À primeira vista, e enquanto a terra ainda treme, daqui a 19 meses poderá ganhar, enfim, uma resposta a pergunta que teima em não calar: Lula, que preso liderava todas as pesquisas, teria vencido ou sido derrotado por Bolsonaro em 2018? Nos seus cálculos, deixem a facada de fora, um ato insano e covarde do seu autor e de quem dele valeu-se para fugir aos debates.

Bolsonaro ofende a honra do governador do Rio Grande do Sul

Um presidente obsceno

O presidente Jair Bolsonaro descontrolou-se ao saber da decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, de anular as condenações de Lula, devolvendo-lhe as condições para que dispute as próximas eleições.

Seus auxiliares mais próximos não queriam que ele, por enquanto, comentasse a decisão. Achavam que nada teria a ganhar com isso. Ofereceram-se para plantar informações na imprensa dando conta de que a decisão o beneficiaria, e assim foi feito.

Mas Bolsonaro é Bolsonaro, fala quando quer e só dá ouvido a quem pensa como ele. Passou recibo partindo para cima do PT e de Lula, e não poupou sequer Fachin, acusando-o de ter sempre militado na esquerda, e atingindo assim, por tabela, o tribunal.

A falta de vacina tirou Bolsonaro do sério, se é que um presidente bem composto ele já foi um dia. Bolsonaro aproveitou também o embalo para fazer insinuações obscenas contra Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, em entrevista à BAND:

Onde o governador, que fala muito manso, educadamente, uma pessoa até simpática, mas é um péssimo administrador. Onde ele enfiou a grana [das vacinas]? Não vou responder pra ele, mas acho que sei onde colocou a grana toda, não colocou na saúde”.


O Globo: Impacto de Lula no cenário eleitoral de 2022 vai depender do 'figurino' que petista adotar, dizem analistas

Segundo cientistas políticos, se ex-presidente adotar discurso mais próximo ao mercado, como fez em 2002, pode angariar votos do centro

Guilherme Caetano, O Globo

SÃO PAULO — A recuperação dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, nesta segunda-feira, embaralha a disputa eleitoral de 2022. Pesquisas de opinião colocam o petista em um patamar de intenção de voto mais alto que o do presidente Jair Bolsonaro. Mas tudo vai depender do "figurino" que Lula escolher para a disputa, avaliam cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO.

Bastidores:  Petistas adotam cautela, mas expectativa é que Lula assuma candidatura

De acordo com analistas, Lula pode beneficiar Bolsonaro se adotar uma postura tida como "radical". Por outro lado, pode ganhar votos do centro se fizer acenos ao mercado, como ocorreu em 2002. Não é automático, segundo os cientistas políticos, o ganho de Bolsonaro na polarização com Lula. Diferentemente de 2018, o presidente será cobrado pelas crises causadas pela pandemia do novo coronavírus.

Professor do Insper, o cientista político Carlos Melo diz que o ressurgimento de Lula na cena política se dá no momento de maior fragilidade do governo Bolsonaro, que enfrenta múltiplas crises. Além do descontrole da pandemia que já deixou mais de 260 mil mortos, riscos de uma nova recessão técnica no primeiro semestre de 2021 e credibilidade internacional em baixa, a aprovação do presidente caiu para 28% segundo o último levantamento do Ipec

— Bolsonaro até agora tinha uma vantagem, porque não tinha ninguém no páreo. Mas tudo vai depender de como Lula vai aparecer em cena. Bolsonaro está fragilizado. Lula pode capitalizar a tensão em torno das crises agora ou esperar, estrategicamente comedido, pelo adversário sangrar mais até encontrá-lo numa situação mais crítica lá na frente — diz ele.

De acordo com a última pesquisa do Ipec, instituto criado por ex-dirigentes do Ibope, metade dos brasileiros (50%) dizem que votariam com certeza ou poderiam votar em Lula, e 44% não o escolheriam de jeito nenhum. Bolsonaro aparece 12 pontos atrás de Lula em potencial de votos (38%) e 12 pontos à frente em rejeição (56%). Outros possíveis presidenciáveis, como o governador João Doria (PSDB), aparecem em patamar mais baixo.

Eleições:  Partidos de esquerda elogiam decisão a favor de Lula, mas aliança com PT em 2022 é difícil

Para Christian Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Bolsonaro terá vantagem sobre Lula se o petista se comportar como em 2018, quando, preso pela Lava-Jato, manteve uma retórica mais beligerante para "tentar mostrar sua força". No entanto, o presidente poderá enfrentar um adversário competitivo se este souber com os setores que abandonaram o atual governo.

— A eleição ainda está longe. Do ponto de vista da ação política, a pergunta que importa é: vai ser o Lula de 1989 ou de 2002? Se for o de 1989, é bom para o Bolsonaro. Se for o de 2002 e se mover ao centro, é péssimo para Bolsonaro — declara.

Em 2002, Lula lançou a "carta ao povo brasileiro", documento no qual acenava para a moderação. O objetivo era tranquilizar o mercado financeiro, que temia a política econômica que seria implantada com uma vitória do petista, e mostrar que o PT, se chegasse ao poder, se comprometeria a seguir os pilares econômicos implantados no Plano Real.

Lauro Jardim:  'Bolsonaro sempre insistiu que o adversário dele em 2022 seria o PT', diz ministro

O cientista político José Álvaro Moisés, da USP, diz que o jogo eleitoral dependerá da disposição de Lula para constituir uma candidatura que agregue as forças de oposição, mas avalia a decisão de Fachin como uma oportunidade para Bolsonaro radicalizar. Segundo ele, o presidente "ganhou uma possibilidade de reinterpretar a polarização".

— A grande mudança que a viabilidade de Lula coloca é um desafio extremamente difícil para o chamado centro moderado. Não vai poder lançar três, quatro, cinco candidatos. Terá de ser um, capaz de enfrentar os dois principais problemas do país: a desigualdade social e o alto desemprego. Se o centro não for capaz de definir uma candidatura em torno desses temas, vai ficar isolado — diz Moisés.

Tanto para Melo quanto para Lynch, uma eventual disputa entre Lula e Bolsonaro permitirá que duas grandes forças políticas, o antipetismo e o antibolsonarismo, meçam suas grandezas eleitoralmente.

— O antipetismo ainda existe, mas o antibolsonarismo está forte. Dependerá do movimento de Lula, porque não vejo Bolsonaro conseguindo se flexibilizar. Ele governa para 25% do eleitorado e não vai mudar — diz Lynch.

Bela Megale:  Em reservado, aliados de Bolsonaro 'comemoram' decisão de Fachin

Melo diz que Bolsonaro poderá reavivar o antipetismo em benefício próprio, mantendo sua base energizada. Na última eleição, o então candidato pelo PSL apostou na aversão ao PT durante toda a campanha, e acabou derrotando Fernando Haddad com 57,8 milhões de votos (55,13%).

Ainda não está claro, no entanto, se Lula sairá candidato. A vaga de pré-candidato do PT vinha sendo ocupada pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que já declarou em entrevistas que se Lula se livrasse da inelegibilidade, ele é que deveria disputar o Planalto em 2022. Desde a decisão de Fachin, petistas têm dito que Lula só não concorre à Presidência se não quiser.


Luiz Carlos Azedo: Lula livre para 2022

O fantasma petista assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia

Como dizia o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin surpreendeu o mundo político e até seus colegas de Corte ao anular todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa “interpretação técnica” do princípio do “juiz natural”. Tomou por base a jurisprudência do próprio Supremo, contra a qual se opusera quando a maioria dos ministros decidiu desmembrar os processos da Odebrecht, OAS e JBS do caso da Petrobras, remetendo-os para Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, decisão que esvaziou a força-tarefa de Curitiba e sua própria relatoria no escândalo da Lava-Jato.

A decisão foi cirúrgica: acabou com a inelegibilidade de Lula e frustrou as expectativas de punição do ex-ministro Sérgio Moro e dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, cuja suspeição foi arguida pela defesa de Lula. No mundo jurídicos e nos meios políticos, a aposta era de que somente a condenação de Lula no processo do triplex de Guarujá seria anulada, por suspeição de Moro, enquanto a condenação no caso do sítio de Atibaia seria mantida, no aguardado julgamento da suspeição pela Segunda Turma do Supremo. Presidente dessa Turma, desculpem-me o trocadilho, o ministro Gilmar Mendes ficou com o voto na mão.

Para o presidente Jair Bolsonaro, seus aliados e boa parte da oposição não petista, a anulação do processo do triplex de Guarujá e a suspeição dos protagonistas da Lava-Jato seriam o cenário ideal: Lula fora da eleição e Moro desmoralizado. Fachin pôs tudo de pernas para o ar, porque liberou Lula para concorrer à Presidência da República e manteve o ex-ministro Sérgio Moro no jogo de 2022, protegendo ainda os procuradores da Lava-Jato, a investigação da qual é o relator no Supremo e que estava à beira da extinção.

Outros réus poderiam pedir anulação de seus respectivos processos, pois é disso que se trata, principalmente para os advogados que atuam na Lava-Jato e sempre questionaram os métodos heterodoxos de Moro e dos procuradores de Curitiba. Na prática, a decisão de Fachin pode garantir a presença de Lula na eleição porque uma condenação em segunda instância, no Tribunal Regional Federal de Brasília, uma Corte garantista, leva em média 6 anos; além disso, como Lula tem mais de 70 anos, o caso já estará prescrito, pois os fatos ocorreram há quase dez anos e a prescrição cai de 16 para oito anos.

Tensão institucional
No plano imediato, o principal foco de tensão é dentro do Supremo, que voltará a se dividir profundamente. Em recente decisão sobre os processos criminais, a Corte estabeleceu que nenhuma decisão monocrática pode ser reformada por outro ministro ou pelas Turmas, no caso dos processos criminais, somente pelo plenário da Corte. O Ministério Público Federal (MPF) já anunciou que recorrerá da decisão, e não será surpresa se a defesa de Lula insistir na suspeição de Moro e dos procuradores, sendo acolhida pelo ministro Gilmar Mendes, na reunião de hoje da Segunda Turma.

O segundo foco é o Congresso, principalmente a Câmara, cujo presidente, Arthur Lira lidera as articulações para acabar com a Lava-Jato. O Centrão e maioria das bancadas do PT e do PSDB apostavam na suspeição de Moro. O terceiro, o Palácio do Planalto, muito mais interessado no fim da Lava-Jato e na inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A retórica de Bolsonaro sobre a decisão mira o desgaste do Supremo junto aos militares e uma parte da opinião pública. A candidatura de Lula já está precificada. No esquema binário da narrativa bolsonarista, a esquerda é o inimigo principal. O fantasma de Lula assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia e outras questões nas quais confronta os grandes consensos. Com Lula livre, o discurso golpista de Bolsonaro ganha uma dimensão eleitoral antecipada, com sua cantilena contra a urna eletrônica. Ou seja, quer ganhar no voto ou no grito.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-livre-para-2022/

Cristovam Buarque: Sequestradores sonsos e tolos

Convencionou-se dizer que “crianças abandonam a escola”, quando o certo seria dizer que elas são “arrancadas da escola”, por um conjunto de forças: pobreza da família, inospitalidade dos prédios, descontinuidade por interrupção das aulas, desmotivação familiar ou dos professores, equipamentos obsoletos, métodos ultrapassados, falta de perspectiva de futuro, merenda ruim, desincentivo ao estudo. Tudo se passa como se o Brasil conspirasse para sequestrar as crianças para fora da escola. Isto acontecia no século XIX, nos Estados Unidos, contra as crianças negras.

Por quase um século, aquele país foi dividido entre estados escravocratas no Sul e abolicionistas no Norte, com permanente fuga de escravos em busca da liberdade do outro lado da fronteira. Havia rede de apoio aos fugitivos, da mesma forma que havia redes de políticos, advogados, policiais, que agiam no sentido contrário, sequestrando afro-americanos no Norte para levá-los de volta ao Sul. O “Clube do Sequestro”, como ficou chamado o mecanismo que fazia este processo, tinha agentes que retiravam crianças negras das escolas, e as levavam para juízes que autorizavam o envio para seus senhores, no Sul.

Ao conhecer a maldade destes sequestradores organizados, percebe-se que isto é feito no século XXI com nossas crianças que abandonam a escola e caem na escravidão que aprisiona e devora os sem educação. No Brasil não é necessário “Clube de Sequestro”, porque as condições sociais e educacionais forçam as crianças a abandonar a escola. Agimos como o “Clube do Sequestro” norte-americano, levando estas crianças à escravidão do desemprego, baixos salários, despreparo para enfrentar e usufruir do mundo moderno.

Os sequestradores americanos eram movidos por ganhos pessoais, a recuperação do patrimônio do proprietário e os honorários aos membros do “clube”. No Brasil, somos sequestradores sonos, com a hipocrisia de ignorar o analfabetismo como uma algema mental e a falta de educação como escravidão; não tiramos a criança da escola com nossos braços, apenas assistimos que ela fuja da escola sem qualidade. Fecham-se os olhos, deixam-se que elas se condenem, escondendo que se tira proveito disto.

A parcela que concentra a renda e a educação usufrui do trabalho com baixos salários dos que não estudaram: pedreiros que fazem suas mansões, vendedores nas praias, cuidadores de carro, empregados domésticos. O abandono das crianças e das escolas se explica porque a má educação é uma trincheira da escravidão ainda não plenamente abolida.

Para que os ex-escravos não se libertem plenamente, não se assegura boas escolas para eles nem para seus filhos. Aqui não fogem para Estados abolicionistas no Norte, mergulham no mar da deseducação e continuam escravas, servindo aos seus sequestradores sonsos. Esta é a lógica da perversa desigualdade escolar, que condena nossas crianças a abandonarem a escola, como fazia o “Clube do Sequestro” nos Estados Unidos, no século XIX. No lugar de trazer de volta para antes de 1888, simplesmente fechamos os olhos à fuga das crianças em direção à escravidão moderna.

Mas além da perversidade sonsa, somos tolos, porque não medimos o custo do sequestro para todos os brasileiros. Cada criança que abandona a escola provoca uma perda para o país e, portanto, para cada brasileiro.

Comparando com países que cuidaram da educação de suas crianças, como a Coreia do Sul, pode-se estimar que o PIB brasileiro seria o dobro do atual se na infância nossos trabalhadores não tivessem sido sequestrados para fora da escola. Fazendo o Brasil mais pobre do que seu potencial permite, tanto quanto a escravidão nos amarrava no século XIX. Além desta perda, a falta de educação exige gastos gigantes com assistência social, porque os sequestrados na infância não são capazes de se manter na vida adulta. Sequestramos crianças negando-lhes futuro, e todos perdem o que elas poderiam oferecer ao Brasil se tivessem recebido boa educação.

Somos sequestradores sonsos individualmente, ao explorarmos as crianças sequestradas quando adultas, e tolos socialmente, ao impedi-las de se prepararem para construir um país moderno que beneficiaria a todos.

*Cristovam Buarque, Professor Emérito da Universidade de Brasília


Marco Aurélio Nogueira: Virando a página para trás

Lula, de novo elegível, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho

É difícil avaliar a repercussão e os desdobramentos da decisão de Edson Fachin que, de uma só vez, monocraticamente, considerou sem validade todas as condenações de Lula. O ministro considerou que a Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para julgar os processos do ex-presidente, remetendo-os à justiça do Distrito Federal.

É mais fácil pensar no que a motivou. Fachin sabia que seria derrotado na Segunda Turma, antecipou-se a ela e deve ter tentado esvaziar a provável suspeição de Sergio Moro, artífice das condenações. Se terá êxito nisso não se sabe. Depois que se decidiu liberar os áudios da Vaza-Jato a Lula, era só questão de tempo soltar as amarras do ex-presidente, fazendo com que os processos voltassem à estaca zero.

Tudo isso tem um preço: como fica a imagem do STF, órgão supremo que precisou de cinco anos para descobrir que tudo que havia sido endossado pelos tribunais inferiores não passava de erro, de farsa, de injustiça? Há um quê de desmoralização que não passa despercebido. Pior para a vida institucional do País, que fica sem retaguarda.

Também é fácil vislumbrar a espuma de ódio que esguichará da boca dos bolsonaristas. Não por medo ou raiva, mas sim porque verão no fato um instrumento de campanha eleitoral, que agora está definitivamente aberta. Sentir-se-ão turbinados, revitalizados. Vira-se uma página para trás, de volta a 2018, ao antipetismo e ao antilulismo que tanta força deu à eleição do capitão.

É uma boa notícia para Bolsonaro, pois agora, quando o governo se mostra mais perdido e atarantado do que nunca, com nuvens carregadas pela pandemia, pelas mortes, pelo desemprego, pelas dificuldades fiscais, foi jogada na mesa uma carta que pode justificar as seguidas omissões presidenciais: ele agora dirá que o velho “inimigo” de antes voltou ao ringue e precisa ser combatido. O mesmo trololó de antes, de sempre, com direito a um pouco mais de fúria contra o STF.

Do lado de lá, não dá para cravar que a notícia fará com que Lula se proclame imediatamente candidato. O ex-presidente poderá voltar a ser penalizado no médio prazo, a depender da velocidade com que trabalharem a Justiça do Distrito Federal e o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1).

De certo mesmo é que a decisão de Fachin espirrará em outras eventuais candidaturas potenciais, tipo Ciro Gomes e Flávio Dino, que ficarão paralisados, na expectativa dos próximos lances.

Lula, porém, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho. Volta ao jogo com a bandeira do “injustiçado” tremulando mais alto, o que é um trunfo importante. Mas sabe que não vencerá a eleição sem um vínculo com o centro, com o mercado, os bancos. Poderá subir o tom contra Bolsonaro, lançar feromônios para seduzir o povo que o adora, mas também precisará suavizar o discurso para atrair os moderados e oferecer a eles alguma perspectiva de poder.

Até mesmo algo diferente poderá acontecer: uma coalizão de centro-esquerda que faça direito as contas, avalie politicamente a correlação de forças e convença o ex-presidente a aderir a um tertius e a um programa que salve o País. Tudo está, afinal, para ser jogado e no tabuleiro não há peças irremovíveis, nem vitoriosos por antecipação.

*Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp


Alon Feuerwerker: Lula ficha limpa, por enquanto

Sobre a decisão do ministro Edson Fachin de anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva (tríplex e sítio) em Curitiba, o argumento dos advogados era de que as acusações nada tinham a ver com a Petrobras. E por que decidir só agora? Segundo Fachin, porque os advogados só apresentaram esse argumento em novembro.

Questões juridicas à parte, é preciso fixar que a decisão representa uma vitória política para Lula e o PT. É claro que Lula pode ainda ser condenado pela Justiça Federal do DF, e se a condenação for confirmada em segunda instância voltará a ficar inelegível. Mas a partir de agora o cenário é outro.

Fachin não anulou os atos instrutórios de ambos os processos. O juiz em Brasília poderá, se desejar, simplesmente decidir em cima de tudo o que foi preliminarmente produzido sob a supervisão de Sergio Moro em Curitiba. Mas é possível que os advogados de Lula argumentem que Moro tampouco deveria ser o juiz encarregado de tocar a instrução.

Por que Fachin fez o que fez? Uma hipótese é tentar evitar que a Lava Jato descesse pelo ralo junto com os processos de Lula se a Segunda Turma declarasse a suspeição de Moro. Mas a esta altura é menos relevante para o quadro político. O fato é que Lula está de volta ao palco. E isso tem efeitos imediatos, como mostrou hoje a queda da Bolsa.

Quem ganha e quem perde? Ganham Lula e o PT. Mas também em algum grau Jair Bolsonaro, que vem sob fogo cerrado dos segmentos políticos “ao centro”. Com Lula no cenário, certamente será revivido o argumento de que o atual presidente seria uma espécie de mal menor para esse grupo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Igor Gielow: Fachin recoloca espantalho de Lula no campo, e Bolsonaro agradece

Acossado, presidente contava com a previsível volta do petista ao páreo; até Moro sai ganhando

O espantalho predileto do eleitorado conservador do Brasil, ao menos aquele que levou Jair Bolsonaro à Presidência em 2018, está de volta ao campo da política: Luiz Inácio Lula da Silva.

A decisão que devolveu ao líder petista seus direitos políticos, salvo alguma decisão adversa, era esperada por aliados de Bolsonaro desde que o desmonte da Operação Lava Jato foi consumado ao longo de seus dois anos de mandato.

A desmoralização da operação, primeiro a partir de revelações constrangedoras de conversas entre seus integrantes e segundo, pela ação institucional da ala garantista do Supremo Tribunal Federal em conjunto com a Procuradoria-Geral da República e o Palácio do Planalto, fez tornar a volta de Lula ao páreo óbvia.

Não se trata de análise de mérito jurídico, e sim de lógica política. O petista na urna eletrônica do ano que vem é o sonho de consumo de um Bolsonaro que acumula más notícias devido a seu manejo da pandemia da Covid-19.

Acossado sob acusações que chegam a de promover um genocídio, enfrentando um levante de governadores com apoio ainda ensaiado no Congresso, o presidente irá se fiar no velho e bom antipetismo que o ajudou ao chegar ao Planalto.

Há uma lenda política segundo a qual Lula seria imbatível em 2018, e que a Lava Jato trabalhou para retirá-lo da eleição. Se a segunda parte pode ser verdade, a primeira é absolutamente discutível.

Toda a análise de intenção de voto estratificada daquele ano mostra que o apoio a Bolsonaro estava bastante espraiado, e se misturava em parte com o espírito antipolítico ensejado pelos anos de revelações de corrupção por parte da Lava Jato.

E não parece ser o caso de esquecer que a política a ser rejeitada naquele momento tinha identificação imediata com quem ocupara o poder federal por longos 13 anos, até o impeachment de 2016.

Mesmo o governo Temer, à exceção do expurgo de petistas, contava com a mesma base de apoio de Lula e Dilma Rousseff.

O pleito municipal de 2020, ainda que não seja um farol objetivo para 2022, sinalizou um movimento importante: o refluxo da antipolítica, mas não do antipetismo. Os resultados pífios do partido de Lula e de outras siglas de esquerda falam por si.

Isso não tira, claro, o potencial de Lula, o mais popular presidente da história recente do Brasil e ator inescapável de qualquer avaliação séria sobre a realidade política. Mas seu peso, especialmente após deixar a condição de mártir do Lula Livre na cadeia, decaiu bastante em termos relativos.

Não se viu dele nenhum movimento efetivo que não fosse o de guardar a cadeira de candidato da esquerda em 2022, contando, para ficar na máxima de Romero Jucá, "com o Supremo, com tudo". Inclusive Bolsonaro.

Se o cálculo do presidente está certo, é algo que pouco mais de um ano e meio até a eleição vai dizer. Mas ele faz todo sentido: Lula coloca Bolsonaro numa posição confortável de polo oposto. O mercado, que andou aborrecido com as cores verdadeiras mostradas pelo presidente após apoiá-lo, já tremeu de novo.

Choro e ranger de dentes sobram para a centro-direita, que busca ser chamada de centro enquanto não encontra um candidato natural para 2022. Ele seria o governador paulista, João Doria (PSDB), que tem o trunfo da Coronavac e do combate à pandemia para apresentar.

Mas nem o tucanato, nem seus aliados, têm mostrado disposição de entregar o bastão ao paulista neste momento. Alimentam-se assim nomes alternativos sem densidade, como Eduardo Leite (PSDB-RS) e o sempre presidenciável apresentador Luciano Huck (sem partido).

Ciro Gomes (PDT) continua em sua marcha de terceira via que nunca passa do terceiro lugar, e Marina Silva (Rede) evaporou, como costuma ocorrer entre os pleitos presidenciais desde 2010.

Todo esse pelotão terá um trabalho hercúleo para se posicionar caso Lula de fato esteja na disputa com Bolsonaro. O benefício da dúvida é para um nome que vinha sendo considerado fora do jogo, o do ex-ministro Sergio Moro.

LEIA MAIS SOBRE A DECISÃO DE FACHIN E AS ACUSAÇÕES CONTRA LULA

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  2. Entenda a decisão de Fachin e seus impactos sobre condenações e candidatura de Lula
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Símbolo da Lava Jato, o ex-juiz foi poupado de um vexame previsível, o de ver ser considerado suspeito em suas condenações de Lula. A decisão de Fachin, lava-jatista na origem, acabou com o objeto do julgamento para o qual Gilmar Mendes preparava um auto-de-fé de Moro.

Assim, talvez com algum tempo, possa lustrar sua imagem. Se for candidato, roubaria votos de Bolsonaro, gerando a curiosa situação na qual poderia ajudar Lula na eleição.

Contra todas essas especulações, o óbvio: no Brasil, realidades políticas mudam tanto quanto jurisprudências.

Será interessante ver a reação da cúpula militar, escaldada pelo detalhamento do episódio em que o então comandante do Exércio Eduardo Villas Bôas pressionou o Supremo a não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Lula, em 2018.

Se há dois anos Bolsonaro estaria a esbravejar contra Fachin, hoje terá algo a celebrar com a vitória de seu opositor preferido.


Correio Braziliense: PGR vai recorrer após Fachin anular condenações de Lula

Assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral informou que o recurso será preparado pela subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo, braço-direito do procurador-geral Augusto Aras e responsável pelos processos da Lava Jato no STF

A Procuradoria-Geral da República (PGR) informou nesta segunda-feira (8/3) que vai recorrer da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Relator da Lava-Jato na Corte, o ministro atendeu a um pedido da defesa do petista e retirou os casos da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, onde atuava o ex-juiz Sérgio Moro. No entendimento de Fachin, os processos não deveriam tramitar no Paraná.

Além das decisões de Moro, que condenou Lula no caso do triplex do Guarujá, Fachin também anulou os atos proferidos pela juíza Gabriela Hardt, responsável pela sentença no caso do sítio de Atibaia. O despacho do ministro, porém, deixa margem para que, em Brasília, o novo juiz titular do caso valide todos os atos praticados pela 13ª Vara.

A assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral informou que o recurso será preparado pela subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo, braço-direito do procurador-geral Augusto Aras e responsável pelos processos da Lava Jato no STF.O órgão não deu detalhes sobre quais pontos da decisão serão contestados. Já a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal do Paraná, que apresentou as denúncias, não se manifestou.

O atual coordenador da Operação Lava Jato no Paraná, Alessandro Oliveira, disse que não irá comentar a decisão de Fachin. Questionado sobre o impacto da decisão, Oliveira disse avaliar como "grande", mas que ainda seria preciso estudar a decisão. Procurado por telefone, o ex-coordenador da Força-Tarefa, Deltan Dallagnol, não se manifestou até o momento.

Além da Justiça Federal no Paraná, as sentenças foram confirmadas na segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A ação penal do triplex foi também validada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em janeiro de 2018.

Em abril daquele ano, Lula foi preso, graças ao entendimento de então do STF que permitia o início da pena logo após condenações em segunda instância. Foi solto em novembro de 2019, quando o Supremo reviu a jurisprudência sobre o tema.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro diz que brasileiro não quer Lula em 2022 e que Fachin tem 'ligação' com o PT

O presidente defendeu ainda que o plenário do STF reverta a decisão de anular as condenações do petista

Ricardo Della Coletta, Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta segunda-feira (8) que "não estranha" a decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque o magistrado "sempre teve uma forte ligação com o PT".

"O ministro Fachin sempre teve uma forte ligação com o PT, então não nos estranha uma decisão nesse sentido. Obviamente é uma decisão monocrática, mas vai ter quer passar pela turma, não sei, ou plenário para que tenha a devida eficácia", disse Bolsonaro na chegada do Palácio da Alvorada.

As declarações foram transmitidas pela rede CNN Brasil.

Nesta segunda, Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro processos que envolvem Lula —o do triplex, o do sítio de Atibaia, o de compra de um terreno para o Instituto Lula e o de doações para o mesmo instituto.O ex-presidente está, portanto, com os direitos políticos recuperados e pode se candidatar a presidente em 2022.

Fachin foi indicado para o Supremo pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Na mesma entrevista improvisada, Bolsonaro disse acreditar que o povo brasileiro não quer Lula candidato no ano que vem.

"As bandalheiras que esse governo [do PT] fez estão claras perante toda a sociedade. Você pode até supor a questão do sítio em Atibaia, do apartamento, mas tem coisa dentro do BNDES que o desvio chegou na casa de meio trilhão de reais, com obras fora do Brasil", afirmou.

"Os roubos, desvios na Petrobras foram enormes, na ordem de R$ 2 bilhões que o pessoal na delação premiada devolveu. Então foi uma administração realmente catastrófica do PT no governo".

"Eu acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 2022, muito menos pensar numa possível eleição dele", disse.

Ele também destacou que a Bolsa caiu com a notícia e o dólar registrou alta.

"Todos nós sofremos com uma decisão como essa daí", declarou. Bolsonaro defendeu que o plenário do tribunal reverta a decisão de Fachin.


O Globo: Em oito pontos, entenda o conteúdo e impactos da decisão de Fachin que anulou condenações de Lula

Em resposta a recurso da defesa do ex-presidente, que questionava competência de Moro para julgar casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, ministro do STF declarou nulidade em processos

Bernardo Mello, O Globo

RIO - Após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, que anulou condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Lava-Jato, nesta segunda-feira, O GLOBO preparou oito perguntas (e respostas) para esclarecer os fundamentos e os impactos deste novo desdobramento jurídico envolvendo o petista. Com a decisão de Fachin, temas como a elegibilidade de Lula e a validade de outras decisões proferidas pelo então juiz Sergio Moro tendem a ser reanalisadas.

1 - O que foi decidido?

Em resposta a um recurso da defesa de Lula, que questionava a competência da Justiça Federal de Curitiba para avaliar casos envolvendo o ex-presidente, Fachin acatou o argumento de que não houve conexão direta entre desvios na Petrobras e o pagamento de supostas vantagens indevidas a Lula por parte da OAS nos processos referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia.

Em outras palavras, Fachin firmou entendimento de que decisões proferidas por Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia devem perder a validade, por não se tratar do foro adequado.

"Na estrutura delituosa delimitada pelo Ministério Público Federal, ao paciente são atribuídas condutas condizentes com a figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles, conforme já demonstrado em excerto colacionado da exordial acusatória", escreveu Fachin.

Em julho 2017, ao negar um recurso da defesa de Lula, o então juiz Sergio Moro já havia escrito que "este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".

Embora não tenha sido citado na decisão de Fachin, o trecho escrito por Moro se refere à mesma tese conexão direta avaliada pelo ministro do STF.

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2 - Qual foi o argumento usado pela defesa de Lula?

Os advogados do ex-presidente Lula citaram, em sua petição, um entendimento construído inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em questão de ordem de setembro de 2015, “segundo o qual a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância, em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional previstas no ordenamento jurídica”, conforme relatou Fachin em sua decisão.PUBLICIDADE

No documento, Fachin cita outros casos que passaram pela Segunda Turma do STF, da qual o ministro faz parte, como uma ação que julgava pagamento de propina pela Odebrecht na obra da Refinaria Abreu e Lima, analisada em abril de 2018, e a investigação referente a vantagens indevidas envolvendo a Transpetro durante a presidência de Sergio Machado, analisada em setembro do ano passado.

Nesses casos, os ministros do STF adotaram o entendimento firmado em 2015 e redistribuíram casos originalmente a cargo da 13ª Vara Federal de Curitiba, por avaliarem que o pagamento das vantagens ilícitas não tinham conexão direta com desvios na Petrobras.

3 - Por que só agora Fachin decidiu?

Porque o pedido de habeas corpus foi feito pela defesa de Lula em novembro de 2020, segundo informa Fachin logo no início de sua decisão. O ministro também explica que esta impetração foi “pela vez primeira assim apresentada” pelos advogados do ex-presidente. Fachin ainda faz a ressalva que o pedido se refere a situações similares julgadas pelo STF em período recente, nos quais ele mesmo “restou vencido”.

O ministro também afirmou, na decisão, que usou o recesso judiciário de dezembro de 2020 a janeiro deste ano para analisar o pedido da defesa de Lula, “cotejando a linha evolutiva de seus contornos nesses últimos anos”.PUBLICIDADE

Antes do recesso, Fachin havia chegado a remeter o habeas corpus para análise pelo plenário do STF. Os advogados, no entanto, contra-argumentaram nos embargos de declaração que havia uma “tese jurídica já uniformizada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal” -- isto é, a necessidade de ser comprovada a conexão direta entre desvios na Petrobras e supostos pagamentos de propina através de empreiteiras --, “razão pela qual a resolução da questão demandaria tão somente a verificação da sua incidência ao caso concreto”, sem caber nova análise por parte da Corte.

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4 - Em que pé ficam os processos contra Lula?

Fachin determinou a nulidade “apenas dos atos decisórios” tomados nos processos envolvendo Lula, isto é, o recebimento das denúncias e o julgamento propriamente dito. Em sua decisão, o ministro do STF escreve que “o juízo competente (deve) decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios” -- isto é, a Justiça Federal do Distrito Federal, novo foro competente para os casos, terá que decidir se confirmará a validade de outros atos no processo, incluindo os depoimentos tomados por Moro em Curitiba.

Segundo juristas, é possível que o inquérito seja convalidado até sua etapa final, com a manutenção de todos os procedimentos de obtenção de provas, apenas deixando a necessidade, por exemplo, de que os interrogatórios sejam refeitos. Para cada ato processual que o novo juiz do caso decida não convalidar, é necessário apresentar uma justificativa.PUBLICIDADE

5 - Lula volta a ser ficha limpa?

Sim. Como os processos em que Lula havia sido condenado em segunda instância foram anulados, o ex-presidente volta a ter sua elegibilidade permitida pela Lei da Ficha Limpa, que impede a participação eleitoral apenas de condenados por órgão colegiado (com mais de um juiz).

No entanto, caso uma nova denúncia seja apresentada contra o ex-presidente e julgada em primeira instância, e depois confirmada em segunda instância, antes do período de registro de candidaturas das eleições de 2022, Lula pode ficar inelegível novamente.

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6 - O que acontece com a acusação de parcialidade do Moro?

Em sua decisão, Fachin determinou a “perda de objeto” dos recursos que buscavam a anulação de casos julgados pelo ex-juiz Sergio Moro com base em acusações de parcialidade, suscitadas principalmente após a divulgação de diálogos no Telegram atribuídos a Moro e a procuradores da Lava-Jato no Paraná.

Portanto, o processo de suspeição de Moro movido pela defesa de Lula -- que começou a ser julgado em 2018 e poderia retornar à análise da Segunda Turma do STF ainda neste ano - deixa de existir.

7 - Cabe recurso à decisão de Fachin?

A Procuradoria-Geral da República já afirmou que vai recorrer da decisão. Esse recurso pode pedir ao próprio Fachin que modifique seu entendimento ou solicitar que o tema seja levado para julgamento dos demais ministros, seja na Segunda Turma do STF ou no plenário.PUBLICIDADE

8 - A decisão afeta outros casos da Lava-Jato?

É possível que sim. Na semana passada, Fachin já havia decidido em outra ação, com base em razões semelhantes às levantadas pela defesa de Lula, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para analisar ilícitos envolvendo a Transpetro.

A tendência é que outros casos com teor semelhante investigados pela Lava-Jato de Curitiba, que não envolvem diretamente desvios da Petrobras, sejam levados à Corte.