Em 70 órgãos, militares ocupam 18,3% dos 14,6 mil cargos comissionados no governo Bolsonaro
Do total de 2.673 integrantes das três Forças nessas funções, 2.075 são da ativa e 598, da reserva. Dados são de março deste ano
Lucas Marchesini, do Metrópoles
Desde o início, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apostou na participação dos militares em sua gestão, e a presença de integrantes das Forças Armadas rapidamente se espalhou por quase toda a estrutura administrativa: em março deste ano, havia 2.673 militares ocupando cargos comissionados em 70 órgãos do governo federal. Esse contingente hoje é responsável por grande parte da burocracia estatal, em áreas que vão além do Ministério da Defesa e incluem de Saúde à Educação, do Meio Ambiente à Economia.
O quantitativo representa 18,3% dos 14,6 mil cargos comissionados listados no cadastro de servidores em março de 2021. Do total de militares hoje no governo, 598 são da reserva e 2.075, da ativa.
Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em julho deste ano, apontou que o número de militares no governo Bolsonaro em cargos em comissão passou de 1,9 mil em 2018, último ano do governo de Michel Temer (MDB), para 2,6 mil em 2020, um aumento de 36,8%. O índice segue estável, após ter uma leve subida em janeiro de 2021, quando chegou a 2,7 mil.PUBLICIDADE
Além dos cargos comissionados, a participação geral de integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no governo do ex-capitão chegou a quase 6 mil. O montante também se deve às contratações temporárias na área da Saúde, devido à pandemia de coronavírus, e no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na tentativa de reduzir a enorme fila de pedidos acumulados de benefícios (quase 2 mil, só nessa modalidade).
A pesquisa do TCU leva em conta o mês de março de cada ano.
O (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, cruzou a lista de militares da ativa e da reserva, com o cadastro de funcionários do governo federal – ambos disponíveis no Portal da Transparência. Os dados vão de janeiro de 2020 até março deste ano.
O material coletado abrange apenas o período a partir de 2020, porque, antes disso, não havia listagem disponível dos militares da reserva. Esse conteúdo não era divulgado pelo Ministério da Defesa até a Fiquem Sabendo, agência especializada na Lei de Acesso à Informação, recorrer ao TCU para que as informações fossem publicizadas. A entidade ganhou a causa em junho deste ano e as informações foram publicadas retroativamente até janeiro de 2020.
A agência segue atuando, em tratativas jurídicas e administrativas, para que o governo aumente a transparência e divulgue dados dos anos anteriores. Só assim será possível saber a dimensão do avanço da participação dos militares na administração pública federal.
O gráfico a seguir mostra a evolução no número de militares em cargos comissionados no período analisado.
A presença de militares é disseminada no governo federal e não se restringe às Forças Armadas e respectivas entidades vinculadas. Em todo o período analisado, 83 órgãos chegaram a ter militares da reserva em cargos comissionados. Em março deste ano, 70 unidades da administração federal registravam pelo menos um.
Os militares da ativa estão concentrados no Ministério da Defesa. Dos 2.075, 2.059 estão na pasta ou em um dos comandos das três Forças. Há 16 integrantes ativos das Forças Armadas em órgãos que não têm ligação com a carreira. Eles estão na Presidência da República e nos ministérios da Economia, da Educação, da Infraestrutura, da Saúde, do Meio Ambiente e de Minas e Energia.
Confira, a seguir, a lista com esses órgãos:
O Ministério da Saúde foi um caso emblemático da presença militar no governo federal. A pasta foi comandada, durante boa parte da pandemia de Covid-19, por um general da ativa, Eduardo Pazuello – algo inédito na história democrática brasileira.
O general ocupou o posto entre maio de 2020 e março deste ano. Em abril do ano passado, havia 11 militares nomeados para cargos na pasta federal da Saúde: sete da reserva e outros quatro da ativa – entre eles, o próprio Pazuello, que chegou primeiramente como secretário-executivo. Em maio, o número salta para 16 e, em fevereiro de 2021, chega a 29. Por conta disso, o ministério era, em março deste ano, o órgão não militar com a maior quantidade de profissionais das Forças Armadas em seu quadro.
Em relação ao total de comissionados, o auge foi atingido em outubro do ano passado, quando 11% de todos os comissionados do Ministério da Saúde eram militares da reserva. Essa relação era de 3,9% em janeiro de 2020, antes da chegada de Pazuello na pasta. O gráfico a seguir mostra a evolução desse percentual no período analisado.
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que “as nomeações para cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), de civis e de militares, são fundamentadas em análise curricular”.
O diretor do Instituto Brasil do King’s College London e professor de estudos brasileiros no departamento de estudos de guerra Vinicius de Carvalho avalia que “não é saudável” a presença de militares dentro da estrutura política civil. “Com isso, a gente passa a não entender para que servem as Forças Armadas. Precisamos desmistificar a ideia de que, em todas as vezes que preciso de esforço gerencial ou logística, as Forças Armadas podem atuar”, disse.
O movimento se intensificou na gestão de Jair Bolsonaro, prosseguiu Carvalho. “Nesse governo em particular, eles não estão sendo chamados como ator emergencial e sim como ator gerencial. Isso é complexo, porque passa a ser um ator político e a política é ambiente de negociação, não é ambiente de receber uma ordem e executá-la”, pontuou.
Fonte:
Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/em-70-orgaos-militares-ocupam-183-dos-146-mil-cargos-comissionados-no-governo-bolsonaro
CPI: 'A participação de Bolsonaro na cadeia de comando é muito clara', diz Alessandro Vieira
Dividida em sete núcleos, comissão retoma, na terça-feira, depoimentos com o mesmo potencial de desgastar diariamente Bolsonaro e o governo. Senadores também têm o desafio de concluir a análise documental que responsabilizará os atores trazidos à investigação
Suplente na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), tem a convicção de afirmar, com base nos depoimentos de que participou e dos documentos que analisou, que a atuação do presidente Jair Bolsonaro favoreceu a disseminação da epidemia causada pelo novo coronavírus. Para ele, apesar da consistência dos elementos já levantados pelo colegiado, é necessário aprofundar algumas apurações.
"A atuação do presidente da República favoreceu a disseminação de uma epidemia", diz o senador. Vieira afirma que a possibilidade de não haver provas suficientes no relatório contra autoridades do governo, e o próprio presidente, não é uma preocupação dos senadores. "A participação do presidente Bolsonaro na cadeia de comando, com tomada de decisões absolutamente equivocadas, é muito clara e não há espaço para que ele possa alegar que não tem nenhuma responsabilidade nos fatos, a não ser na sua bolha de alienados", diz.
A CPI teve 15 dias de recesso parlamentar, quando o trabalho de técnicos continuou, e retorna na próxima terça-feira (3/8) com os depoimentos e votação de requerimentos. O desafio agora é concluir as investigações para embasar o relatório final, a ser elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). A expectativa, segundo Alessandro, é que o relatório seja finalizado no final de setembro, começo de outubro, e votado até a segunda quinzena de outubro.
Confira principais trechos da entrevista:
Há uma preocupação da CPI em relação às provas? Existem pontos que precisam de melhor esclarecimento?
Todas as áreas exigem um aprofundamento na apuração. Nós já temos dados muito consistentes no sentido da omissão do governo na aquisição de vacinas e na ausência de uma estratégia de comunicação que informasse os brasileiros com relação aos riscos da pandemia. A gente tem hoje indícios também muito sérios no sentido de direcionamento ou favorecimento a determinadas contratações, isso está sendo objeto de apuração, mas é importante descer um pouco mais a fundo para que isso tudo possa ser devidamente comprovado e enquadrado tipicamente nas próximas etapas.
Haverá provas suficientes para responsabilizar as pessoas citadas, em especial o ex-ministro Pazuello, Elcio Franco e o próprio presidente Bolsonaro?
Sem dúvida vamos conseguir e não vai ser necessário o prazo até 5 de novembro. Acredito que com mais 60 dias a gente já vai tá muito perto de concluir o trabalho.
Se a CPI acabar sem conseguir provar essas culpas, será uma vitória para o presidente. É uma preocupação dos senhores?
Não é uma preocupação, não existe nenhum risco disso acontecer. A participação do presidente Bolsonaro na cadeia de comando, com tomada de decisões absolutamente equivocadas, é muito clara e não há espaço para que ele possa alegar que não tem nenhuma responsabilidade nos fatos, a não ser na sua bolha de alienados.
Mas que tipo de responsabilidade?
Nós temos crime comum, que são crimes relacionados à saúde pública. A atuação do presidente da República favoreceu a disseminação de uma epidemia, isso é crime e depende para seu processamento de denúncia por parte da PGR. Nós temos crime de responsabilidade também muito evidente - ou seja, ele deixou de cuidar da saúde pública e de adotar as condutas técnicas recomendadas. Neste caso, depende de processamento na Câmara dos Deputados. E, por fim, a gente tem a possibilidade do crime contra a humanidade que está sendo ainda apurado, em particular no tocante à atuação do governo para as comunidades indígenas, e que se configurado como hoje parece que será configurado, vai representar um encaminhamento ao tribunal penal internacional.
O senhor citou PGR e Câmara. Há um temor dos senhores que nenhuma ação seja tomada em outras instâncias com base no relatório final?
A CPI tem que se ocupar em produzir o melhor resultado possível e os outros atores vão responder por uma eventual omissão. Acho que a gente não pode colocar isso na mesa neste momento.
Mas se as outras instâncias refutarem as provas do relatório, não também será uma vitória do presidente?
Não há como controlar essas situações que estão fora da esfera da CPI. A gente tem que ter, sim, a preocupação em fazer o melhor trabalho possível, mais técnico, mais sério e depois o que vai ser feito, os outros responderão. Ninguém vai poder passar por esse processo com fatos tão graves, se omitir e achar que não vai ter algum tipo de responsabilidade, algum tipo de penalização, até mesmo por parte da sociedade. Temos que lembrar que estamos falando de uma imensa maioria de pessoas que são eleitas. A omissão vai ter um preço.
Já existe prova de corrupção no Ministério da Saúde em relação às negociações de vacinas?
É preciso lembrar sempre que para configuração da corrupção você não precisa do pagamento. Basta o pedido, basta a garantia de de um desejo de obter a vantagem ilícita. Não dá para dizer hoje que está comprovado, mas sim que nós temos indícios muito firmes nesse sentido. É preciso aprofundar algumas medidas de quebra de sigilo que já foram solicitadas e aí sim a gente vai poder definir se temos ou não corrupção, além dos outros crimes que já estão devidamente comprovados.
Então é preciso esperar ainda, por exemplo, os relatórios da Receita…
Isso, as equipes avançaram na análise das quebras de sigilo que a gente já tem e seguramente serão necessárias outras quebras para que a gente possa aprofundar mais e aí ter um resultado consistente nessa análise.
A CPI tem informações sobre negacionismo, corrupção, fake news... O que é preciso avançar na CPI de mais importante nesse próximo período?
Eu acho que o aprofundamento dessas vertentes de investigação. A gente parte da primeira pergunta: o Brasil fez tudo o que poderia fazer no combate à pandemia? A resposta é não. Quais são os pontos graves de erro do Brasil? E aí você vai ter o retardo na aquisição de vacinas, a defesa prolongada e o investimento em remédios sem eficiência comprovada e a ausência de uma política de comunicação que esclarecesse para o cidadão a gravidade da situação. Essas três situações estão comprovadas e a gente tenta discutir quais são as motivações e como isso se deu no detalhe.
Quando se fala em desinformação, por exemplo, não houve uma campanha de esclarecimento e ao mesmo tempo houve uma campanha de desinformação, inclusive com a participação direta do presidente da República. Isso exige uma responsabilização e uma análise no sentido de saber se houve investimentos de verba pública nisso, como aparentemente teve. Então, a gente vai ter que fazer essa análise e aprofundar. Também é preciso avançar na questão da política adotada em relação às comunidades indígenas, uma frente que a gente não avançou nessa primeira etapa. Tem muita coisa importante para ser feita ainda.
Fake news e hospitais na mira
À medida que a CPI da Covid foi avançando, os senadores perceberam a necessidade de lidar com as inúmeras mentiras disseminadas nas redes sociais, que impactaram pesadamente o enfrentamento da pandemia e mesmo a vacinação — a ponto de ter ensejado o aparecimento do “sommelier” de vacina, pessoas que escolhem que imunizante tomar por acreditar que uns são mais eficientes que outros. Apesar de o assunto esbarrar no chamado “gabinete paralelo”, a ideia é que as fake news sejam um capítulo à parte no relatório final.
Durante o recesso, o grupo formado para se dedicar ao assunto definiu uma lista de sites bolsonaristas para ser alvo de quebra de sigilo bancário, como revelado pelo Correio na última quinta-feira. Na última sexta-feira, foi apresentado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) o pedido para analisar as movimentações financeiras de oito pessoas e empresas ligadas a esses sites que, segundo requerimento, disseminam fake news. Entre eles, o senador pediu a quebra de sigilo da rádio Jovem Pan e do blogueiro Allan dos Santos, do site Terça Livre — alvo do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF). Também foi elaborada uma lista com 21 influenciadores e 11 parlamentares federais que divulgaram informações falsas durante a pandemia.
Outra frente que avançou apenas durante o recesso, e precisa ser concluída agora, é relativa aos hospitais federais e organizações sociais (OSs) do Rio de Janeiro, que participaram da administração dos hospitais de campanha no momento mais agudo das pandemia. As suspeitas foram levantadas pelo depoimento do ex-governador Wilson Witzel. (ST)
Fonte:
Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4941033-cpi-a-participacao-de-bolsonaro-na-cadeia-de-comando-e-muito-clara-diz-alessandro-vieira.html
Sinal amarelo na Câmara dos Deputados
Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo
Ensaiei, no artigo da semana passada, tratar de um assunto - o “distritão - incluído numa proposta de Emenda Constitucional, atualmente em tramitação no Congresso como parte do que tem se chamado, grosso modo, de “reforma eleitoral”. No momento ali tramitam duas PECs e o projeto de Lei Complementar que cria o “código do processo eleitoral”. Esse último consolida disposições legais hoje dispersas, que não alteram a Carta de 88 e tem potencial mais baixo de provocar controvérsia. Por sua vez, a PEC que propõe a impressão do voto eletrônico, ao ser instrumentalizada pelo discurso golpista do Presidente da República e de generais palacianos que o cercam, já tem contra si uma coalizão de veto sustentada por autoridades do Judiciário, representações da sociedade civil, de um modo geral, pela imprensa, em particular e por relevantes partidos. Parece caminhar para o malogro legislativo, ainda que estilhaços da propaganda subversiva em seu favor ameacem a percepção pública e, assim, a legitimidade do sistema eleitoral e do resultado das urnas de 2022. Caso diferente é o dessa outra PEC, que abriga a proposta do “distritão”, entre outras alterações na estrutura do sistema eleitoral, em vigor no Brasil desde 1945, sofrendo aperfeiçoamentos, mas conservando um núcleo fundamental. Para ela, as antenas da ciência política, como as da política democrática precisam estar alertas.
Enunciei, de modo particular, no artigo passado, o tema do “distritão”. Mencionei, superficialmente, algumas das suas possíveis implicações e dei uma opinião, qualificando essa regra, que se pretende instituir, como retrocesso em nosso sistema representativo, atentado contra instituições partidárias e um haraquiri político para a elite parlamentar.
Para nivelar a informação entre leitores de variados graus de familiaridade com os aspectos formais do nosso sistema eleitoral e suas implicações sobre a política concreta, farei menção a alguns desses aspectos. Peço desculpas, por essa digressão, a quem já tem essas informações. E para não me perder em pormenores no exíguo espaço dessa coluna, sugiro a escuta do podcast https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/ 2021/07/05/o-assunto-487-um-retrocesso-chamado-distritao.ghtml, em que a jornalista Renata Lo Prete esmiúça esse e outros assuntos correlatos, com o auxílio de colegas seus e também entrevista o cientista político Jairo Nicolau sobre esses mesmos assuntos.
De longa data, como já dito, utilizamos o critério proporcional para a conversão de votos em cadeiras nas casas legislativas, exceto o Senado Federal, cujas cadeiras são preenchidas conforme o critério majoritário, isto é, ocupam-nas os candidatos mais votados, em cada Estado (o mais votado, quando, numa eleição, como se dará em 2022, está em jogo apenas uma cadeira, ou os dois mais votados, quando se disputa duas cadeiras por Estado).
O que se propõe, com o chamado distritão, é utilizar o mesmo critério majoritário ao conferir mandatos de deputado federal e estadual (e a partir de 2024, também de vereador). Estariam eleitos, em cada Estado, os candidatos mais votados, não importando a filiação partidária de cada qual. Seriam desprezados os votos de legenda e não mais se somaria os votos dos candidatos de um mesmo partido para definir o tamanho de sua bancada. Essa teria dimensão definida aleatoriamente, a depender do êxito eleitoral individual de cada filiado seu. Desapareceria a influência do fator partidário na conversão dos votos dos eleitores em cadeiras no Legislativo, reservando-se aos partidos um papel relevante apenas no momento seguinte, quando o número de cadeiras alcançado aleatoriamente poderá ser convertido em proporcionalidade, para efeito de prerrogativas no âmbito do Legislativo (participação em mesas diretoras, comissões, horários na tribuna, acesso a espaços físicos e a recursos de pessoal, etc...) do Executivo (negociação de cargos e posições de governo, a depender das regras formais e informais do sistema de governo manterem ou alterarem as do morto-vivo presidencialismo de coalizão) e do acesso institucionalmente regulado a meios de comunicação e a fundos de financiamento de propaganda partidária e eleitoral.
Em resumo, o critério da proporcionalidade seria mantido em tudo o que diz respeito ao peso institucional relativo de cada partido, exceto no que se refere à representação do eleitor, de cuja nomeação esse critério seria banido. Em bom português, interesses de minorias seriam proporcionalmente considerados no interior do sistema político, mas os interesses e os votos não majoritários dos eleitores não seriam considerados para decidir quem pode e quem não pode tomar decisões em seu nome no sistema político. Como Jairo Nicolau mostra, com exemplos, no podcast que indiquei acima, não seria a minoria, mas a maioria dos eleitores que teria seus votos para o legislativo destinados ao lixo. A exclusão dos partidos no momento da conversão de votos em cadeiras implica em converter apenas os votos de quem votou nos poucos candidatos mais votados. A maioria dos eleitores não será representada nem pelo candidato em quem votou, nem por uma bancada do partido a que ele pertence. Que outro nome isso merece senão oligarquia?
Segunda implicação negativa relevante é a reversão prévia dos efeitos benfazejos da reforma eleitoral de 2017 sobre os sistemas eleitoral e partidário, antes mesmo de sua efetividade ser verificada. Explico: em 2017 o Congresso aprovou duas regras voltadas a dar mais consistência à representação política e a corrigir sua dinâmica fragmentadora. A dispersão dos votos por candidatos de um número exorbitante de partidos era facilitada pela permissão de coligações em eleições proporcionais (de deputado e vereador). Diversas legendas inexpressivas entrincheiravam-se nas coligações para fugir da conta da proporcionalidade, camuflando-se para usufruir de quocientes de partidos maiores em troca de apoiar candidatos desses partidos, em geral governistas, a eleições majoritárias para o Senado, ou para o Poder Executivo. Vedar essas coligações foi um passo importante que já teve efeitos nas eleições municipais de 2020, mas ainda não pôde ser testado em eleições estaduais e nacionais, como está previsto que seja agora, em 2022. Se aprovado o “distritão”, toda essa estratégia perde o sentido pois aos partidos interessará, para ter representação legislativa, recrutar ainda mais, como candidatas suas, personalidades midiáticas e a essas pode passar a interessar o negócio com pequenas legendas (já que o peso da legenda não conta, pela nova regra), as quais mais facilmente manejarão, sem precisar lidar com quadros partidários relevantes e procedimentos institucionalizados.
Outra regra instituída pela reforma de 2017 foi a chamada “cláusula de barreira”, pela qual se exige de um partido, para que tenha representação parlamentar, um desempenho eleitoral mínimo de 2% dos votos, razoavelmente distribuídos pelo território nacional. Essa medida, sintonizada com a ideia de reduzir o número de partidos gradativamente, sem intervenções bruscas e de acordo com as tendências dos eleitores manifestadas pelo voto, interage positivamente com a do fim das coligações, indo, ambas, na mesma direção. O distritão tornaria ociosa também essa regra, uma vez que o acesso de qualquer legenda ao parlamento, por mais inexpressiva que ela seja, vai se decidir pela presença, entre seus quadros, de algumas daquelas personagens midiáticas. Por intermédio delas teriam acesso a recursos públicos e a centros decisórios que lhe seriam vedados por sua força própria.
Vale considerar, como uma terceira implicação possível, que a aprovação do distritão seja a consagração do candidato de si mesmo e a legitimação pretensamente vitalícia do tipo de processo de renovação/circulação de elites detonado em 2018 na contramão da política. Muitos deputados e senadores foram eleitos, naquele clima desinstitucionalizante, de salve-se-quem-puder, cavalgando (ops!) o discurso de denúncia da “velha política”. Comportaram-se como contra elite, inorgânica e arrivista e agora tentam se perpetuar nos lugares que galgaram, servindo-se de um expediente reacionário. Sim, porque a adoção do “distritão” quer fazer a representação política retroceder não apenas a antes de 1945, mas até mesmo à I República, a dos coronéis, na qual a representação era apropriada por agentes privados, dispensando mediações institucionais entre eles e suas clientelas.
A senha do “distritão” é que prevalecerá quem puder arregimentar votos, não importa como. Enfraquecidas ou ausentes as balizas partidárias, desaparece da cena eleitoral o sentido de compromisso político público. Se cada um é por si, o companheiro de partido é tão adversário quanto o candidato do partido politicamente oposto. O que se pode esperar é ainda mais radical desconexão entre a atividade parlamentar e atitudes de articulação, agregação e cooperação políticas. Seria o reinado incontestado da concorrência sem freios. O império do interesse mal compreendido como “liberdade” do indivíduo eleito de se opor ao interesse público, aos direitos de quem não é seu eleitor e aos limites da própria lei.
Apresentada na legislatura anterior (2015-2018) - antes, portanto, do tsunami que cavalgou o mote demagógico da “nova política” - essa proposta não obteve, em 2017, consenso suficiente para conquistar maioria de três quintos nas duas casas do Congresso e tornar-se Emenda Constitucional. Mas obteve apoio de quase metade (caiu por 205 x 238) do plenário da Câmara de então. Agora, o ponto do “distritão” foi acolhido no parecer da relatora da PEC, Deputada Renata Abreu (Podemos), aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da atual Câmara. Em sinergia com um ambiente de desconstrução institucional, promovido pelo governo federal, uma virtual maioria numericamente qualificada de mandatários da atual legislatura, filha do páthos de 2018, parece que pode estar em vias de cometer esse gesto desconstituinte, em busca de renovar seus mandatos.
O propósito de reeleição é trivial e comum, por definição, a todo político sujeito à grande incerteza da carreira em democracias altamente competitivas como a brasileira. A reforma de 2017 mostrou que o auto interesse não colide, necessariamente, com o interesse público ou do bom funcionamento institucional do sistema político. Políticos profissionais experimentados são (ou se espera que sejam) peritos em promover, através de consensos costurados no interior da instituição e, também, com a sociedade, a compatibilização entre essas lógicas distintas. Por outro lado, se entregue a profissionais peritos apenas no próprio umbigo, arrivistas espertos, amadores açodados, e/ou neófitos cheios de apetite, a empreitada pode provocar desastres a longo prazo, capazes de engolir também os ases do curto prazo. Ao que transparece da observação de movimentos do presidente da Câmara, o auto interesse que corre solto em seu plenário é ali tão mal compreendido, por supostos beneficiários da aventura, que põe em risco o hardware (no caso, os sistemas eleitoral e partidário) pelo qual transitam os objetivos soft de cada agente individual.
O sinal amarelo precisa ser ligado inclusive por quem supõe não ter nada a ver com isso.
*Cientista político e professor da UFBa.
Fonte:
Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/08/paulo-fabio-dantas-neto-sinal-amarelo.html
Luiz Carlos Azedo: Mitos e mentiras
Um balanço da atuação do presidente Bolsonaro, em dois anos e meio, mostra uma fuga permanente da realidade, a aversão aos verdadeiros problemas da sociedade
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Psicólogos têm uma espécie de protocolo para identificar um mitômano: o sujeito não sente culpa ou medo do risco de ser descoberto; suas histórias são exageradas; inventa sem motivo aparente ou ganho; aparece sempre como herói ou vítima; repete as mentiras com versões diferentes. Tudo para fazer as pessoas acreditarem na imagem que procura construir para si próprio. Não é à toa que a mitomania também é chamada de “pseudologia fantástica” ou “mentira patológica” — um transtorno psicológico, a tendência compulsiva por mentir sem que exista, necessariamente, demência.
O mentiroso tradicional usa a imaginação para ter proveito ou vantagem em alguma situação, o que não é incomum na política. Já o mitômano mente com o objetivo de disfarçar a sua própria realidade, ou seja, para se sentir confortável, se tornar mais interessante ou agradar o grupo social do qual faz parte. Qualquer semelhança com o presidente Jair Bolsonaro, que se autodenomina de “mito”, não é mera coincidência.
Na sexta-feira passada, bateu todos os recordes de mentiras sobre as eleições no Brasil, em confronto aberto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na tentativa de criar um ambiente de tumulto e questionamento dos resultados das eleições de 2022, caso não seja eleito.
Suas mentiras desenham um projeto político reacionário, que coleciona atitudes, declarações e fatos para emular a formação de uma falange política armada no país. Somente na semana passada, tivemos a surpresa de um encontro do nosso presidente da República com uma parlamentar alemã de notórias ligações neonazistas, empenhada em articular um movimento de extrema-direita de caráter internacional.
Uma alegoria do rumo em que vamos foi o lastimável incêndio no prédio da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, por falta de recursos para sua manutenção. É uma síntese da política anticultural do governo, empenhado em destruir o que foi construído por gerações de artistas e intelectuais brasileiros, às vésperas do Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um marco da cultura nacional.
Um balanço da atuação do presidente da República nesses dois anos e meio de governo mostra uma fuga permanente da realidade e a aversão aos verdadeiros problemas da sociedade. Bolsonaro nunca fez parte da elite política do país e deixou a carreira militar por indisciplina. Era um parlamentar do “baixo clero” da Câmara, mas foi eleito com 57,7 milhões de votos para conduzir a “grande política” do país. Os rumos da nação dependem de suas decisões. É por isso que o país vai mal. Seu negativismo é responsável pelo fracasso do governo no combate à pandemia de covid-19, que já registra mais de 555 mil mortos. Agora, não consegue traduzir em ações positivas a energia que a sociedade revela na retomada de atividades econômicas.
Contágio
Segundo a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia (SPE/ME), o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve crescer 5,3% em 2021. A estimativa anterior era de alta de 3,5%. Isso não se traduz em ganhos sociais efetivos. A taxa de desemprego continua no patamar de 14,6%, com 14,8 milhões de pessoas procurando emprego, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está projetado para 5,90% em 2021. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) deve subir 6,20% este ano. A inflação pelo IPCA acumulada em 12 meses é de 8,4%. Para fechar o ano em 5,9%, é preciso um “tour de force” do governo para conter gastos, gerar empregos e transferir rendas. O que mantém a atividade econômica “por baixo” é a grande massa de brasileiros na informalidade, em torno de 34,7 milhões.
Houve um apagão de empregos formais. Entretanto, é mais fácil mudar a metodologia do que enfrentar a realidade. O ministro da Economia, Paulo Guedes, errático, perdeu “o tempo da bola”, como diria o vice Hamilton Mourão. Desperdiçou a oportunidade das reformas. Agora, contesta os números do IBGE, novamente sob ataque, como o Inpe esteve, por exemplo, no caso do desmatamento e das queimadas. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados registra a criação de 1,5 milhão de vagas com carteira assinada no primeiro semestre do ano, dos quais 300 mil somente em junho. Guedes alega que foram 2,5 milhões desde a pandemia. Segundo o ministro, estão sendo criados 1 milhão de empregos a cada três meses e meio. Só falta avisar aos desempregados. A mitomania pode ser contagiosa.
Painel debate transformações no sistema financeiro e os impactos sobre o emprego
Fernando Amorim fala das consequências das novas tecnologias e das fintechs no trabalho da categoria bancária e os desafios da organização sindicalBancos e financeiras digitais: aplicativos levam serviços bancários à palma da mão dos clientes. Por trás das facilidades há riscos para o emprego da categoria bancária e para a própria solidez do sistema financeiro
Carlos Vasconcellos, Imprensa SeebRio
O economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Fernando Amorim, apresentou um painel sobre as transformações no trabalho bancário em função das novas tecnologias e das empresas digitais do setor financeiro em aplicativos. O especialista começou falando das transformações institucionais e tecnológicas que começaram a ocorrer nos bancos e mercados de capitais nos anos 80 e das privatizações das instituições estaduais nos anos de 1990 e 2000, que extinguiram empregos e reduziram o tamanho da categoria.
As mudanças no capitalismo
Amorim lembrou que o desmonte do estado e o papel do sistema financeiro na economia passaram a ter papel central no capitalismo, citando as mudanças que acoplaram cada vez mais os países e mercados a um sistema financeiro internacional e o Consenso de Whashigton, resultando em transformações institucionais nos países. O Consenso foi uma conjunto de medidas formuladas em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que apregoava o receituário neoliberal como solução para as economias capitalistas num mundo “globalizado”.
“Ocorreu uma agenda internacional que disseminava que ‘o mercado tem uma informação perfeita’ e o Brasil manteve um sistema financeiro sólido e criou um modelo enxuto, com fusões e aquisições e privatizações de bancos estaduais. Mesmo com o risco sistêmico como ocorreu nos EUA, o sistema brasileira mostrou-se mais forte por que o Banco Central mantém uma certa rigidez do sistema. A partir dos anos 2000, com a maior formalização do mercado de trabalho, aumentou oferta de crédito para impulsionar o desenvolvimento econômico, mas este modelo resultou numa crise, gerando maior endividamento da população e muitas vezes os países não sabem como reverter estes impasses”, explicou, acrescentando que o Brasil criou um oligopólio em que cinco bancos (Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) concentram 85% das operações financeiras.
A quinta onda e os empregos
O economista falou da chamada quinta onda, com a inovação bancária e novas tecnologias, fintechs, Big Techs, Open Banking, moedas digitais (criptomoedas) e PIX,
“Novos meios de pagamento e operações financeiras estão acontecendo numa velocidade muito rápida no mundo e são muito pouco reguladas pelo Banco Central. O sistema corre mais riscos, embora a intenção do BC seja a de incluir estes novos agentes financeiros na perspectiva de que novas ofertas favoreceriam os consumidores”, destacou, lembrando que o Brasil não conseguiu superar o cartel bancário que aplica juros exorbitantes e lucros gigantescos.
As novas tecnologias impactam profundamente no trabalho bancário, reduzem unidades físicas e extinguem empregos. Mas as reformas estruturais, como a trabalhista, também precarizaram ainda mais o trabalho no país, reduziram a média dos salários do trabalhador, criando um exército maior de pessoas vulneráveis e do mercado informal, na avaliação de Amorim.
“Num país desigual, pessoas passaram a baixar aplicativos e contratar serviços e empréstimos”, disse o economista, lembrando que estas facilidades deverão endividar ainda mais as famílias brasileiras, além dos riscos de uma crise que poderá gerar um sistema financeiro sem controle. Citou que um indivíduo no Quênia, país pobre da África, pegou 28 empréstimos, adquiria um empréstimo para pagar outro.
“Com as novas tecnologias, um indivíduo pobre no Acre vai poder pegar um empréstimo com uma fintech sem análise de crédito e provavelmente vai acabar se endividando ainda mais”, destacou, mostrando os riscos dos efeitos que as facilidades de financeiras digitais poderão trazer ainda mais sobre a economia do país e a imprevisibilidade destes impactos sobre a solidez do sistema financeiro nacional.
As fintechs avançam velozmente no Brasil: em 2000 eram pouco mais de 100 empresas destas no país. Hoje são mais de 800. Em 2021 já são 1.158. “O BC não tem noção do que acontece e isto coloca em risco a segurança do sistema", disse.
Entre os impactos destas novas tecnologias que levaram ao surgimentos de bancos e financeiras digitais que se ampliam no mercado, além do fechamento de agências físicas e demissões de bancários, cresceram demanda por novas funções e profissões.
“A Tecnologia da Informação (TI) é o setor que mais cresceu nas contratações dentro dos bancos e estes profissionais já respondem por 4% da categoria no país e em São Paulo, matriz do centro financeiro, chega a 10% e ainda há o impacto das cooperativas e correspondentes bancários. Estas mudanças fizeram com que apenas 49% dos trabalhadores do setor financeiro sejam cobertos pela convenção de trabalho, isso com dados de 2019. Em 2006, esta cobertura alcançava 81% dos empregados do sistema financeiro”, disse.
Outro número que assusta mostrado por Amorim é que, em 2012 eram 70 mil bancários saindo do emprego formal para trabalhar por conta própria e este número chega agora a 130 mil. De 2020 a 2021 13 mil trabalhadores do setor migraram do emprego bancário formal para tornarem-se autônomos, um aumento de 129% no período.
Os dados revelam que muitos brasileiros têm sido seduzidos pela promessa fácil do discurso neoliberal para o trabalhador deixar o seu emprego de carteira assinada e tornar-se um “microempreendedor” autônomo, sob a promessa de ganhar muito dinheiro, mas a realidade na maioria esmagadora das vezes é bem diferente e está mais para resultar em um trabalho precarizado, a chamada “uberização” das atividades profissionais.
É comum ainda propagandas de enriquecimento fácil nas redes sociais através de fórmulas mágicas de investimento no mercado financeiro, mas normalmente quem acaba ganhando muito dinheiro são os “gurus” dessas aulas e dicas virtuais. E são estes riscos que levaram o movimento sindical a debater o tema nos encontros estaduais dos bancários para alertar a categoria da ‘furada’ que pode ser abandonar o emprego de carteira assinada para ser um “autônomo” do mercado financeiro.
O economista do Dieese terminou sua participação mostrando também que consultorias do setor financeiro agregaram 57 mil trabalhadores em diversas modalidades e as fintechs empregam cera de 57 mil. Os números não são transparentes pois são das próprias empresas.
"Os sindicatos têm o grande desafio de buscar meios de representar e dialogar com estes trabalhadores e de encontrar formas de incluir estas pessoas na categoria, pois eles não possuem qualquer representação sindical”, concluiu Amorim.
Fonte:
Bancários Rio
https://www.bancariosrio.org.br/index.php/noticias/item/6628-painel-debate-transformacoes-no-sistema-financeiro-e-os-impactos-sobre-o-emprego
BBC Brasil: Como análises matemáticas afastam hipótese de fraude nas urnas
A pretensa análise matemática dos resultados das eleições brasileiras se tornou a principal arma de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para sustentar que já houve fraude nas urnas eletrônicas — alegação contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Mariana Schreiber, Da BBC News Brasil
Em sua live semanal desta quinta-feira (29/7), o presidente fez uma série de acusações contra a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e anunciou que a Polícia Federal analisará um vídeo em que são apresentadas supostas provas de que a apuração dos votos de 2014 foi manipulada para garantir a vitória da então presidente Dilma Rousseff (PT) sobre Aécio Neves (PSDB) no segundo turno, quando o tucano perdeu por uma margem apertada de votos. O próprio PSDB, porém, reconhece que o resultado foi legítimo.
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Nesse vídeo de 2018, um anônimo analisa a evolução da contagem dos votos minuto a minuto, identificando o que seria um supostamente um padrão estatisticamente impossível de ocorrer naturalmente.
O vídeo foi produzido e divulgado por Naomi Yamaguchi, que tentou ser eleita deputada federal em 2018 pelo PSL e é irmã da médica Nise Yamaguchi, apoiadora de Bolsonaro conhecida por defender o uso da cloroquina no tratamento de covid-19, apesar de o remédio não ter eficácia comprovada contra a doença.
A argumentação exposta nesse vídeo, porém, é contestada pelo TSE e por especialistas em segurança de dados e estatística ouvidos pela BBC News Brasil. Análises matemáticas produzidas por acadêmicos têm identificado, inclusive, o oposto: que não há evidências de fraudes nas urnas eletrônicas.
Nessa reportagem, a BBC News Brasil destrincha os argumentos matemáticos que tentam comprovar as supostas fraudes e explica por que os cálculos são inconsistentes na avaliação de especialistas. Você vai entender, por exemplo, como o uso da Lei de Benford nessas análises tem sido aplicada de forma controversa para tentar detectar padrões fraudulentos na distribuição de votos nas urnas.
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Ao final, a reportagem mostra também como o cientista político Guilherme Russo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aplicou uma metodologia desenvolvida por acadêmicos estrangeiros para analisar a distribuição dos votos nas eleições presidenciais de 2014 e 2018 e não encontrou evidências de fraudes.
Os especialistas ouvidos enfatizam que análises estatísticas não são capazes de provar que houve ou não manipulação nas eleições. Elas servem apenas como ponto de partida para detectar se há algum indício de anormalidade que precise ser melhor investigado.
Bolsonaro tenta provar que houve fraude nas eleições para sustentar a necessidade de alterar a urna eletrônica para incluir um comprovante impresso do voto. Segundo ele, apenas isso permitiria a auditoria do resultado eletrônico.
Já o TSE afirma que a urna eletrônica permite a auditoria dos resultados por meio do Boletim de Urna que é impresso ao final da votação na seção eleitoral (o documento possibilita comparar os votos computados em cada urna no sistema eletrônico do TSE com os do respectivo boletim).
Críticos de Bolsonaro dizem que ele não está de fato preocupado com a segurança da votação e deseja lançar desconfianças sobre o sistema eletrônico para contestar o resultado do pleito de 2022 caso não consiga se reeleger.
Entenda a seguir as falhas nas análises matemáticas que vem sendo apresentadas como "provas" de fraudes por Bolsonaro e seus apoiadores e como outras aplicações da ciência estatística têm afastado essa hipótese.
Os problemas nos cálculos que tentam provar fraude em 2014
"Em 2014, a pessoa que eu vou entrevistar, usando apenas as parciais (da apuração de votos) fornecidas pelo TSE e cálculos matemáticos, descobriu as fraudes nas urnas", afirmou Naomi Yamaguchi ao iniciar o vídeo de cerca de 15 minutos em que fala com um homem anônimo que diz ter provas de uma suposta ilegalidade na apuração da eleição presidencial.
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A imagem do entrevistado não é revelada, sendo possível apenas ouvir sua voz enquanto conversa com Yamaguchi.
A análise parte de uma premissa falsa: no vídeo, o homem diz ter certeza que a eleição foi fraudada porque o candidato Aécio Neves, no início da apuração, quando um volume ainda pequeno de urnas tinha sido contabilizado, atingiu um percentual de quase 70% dos votos válidos contra cerca de 30% de Dilma.
Conforme mais votos foram sendo contabilizados, Dilma inverteu a vantagem, conquistando uma vitória por pequena margem: o placar final da eleição ficou em 51,64% para a petista contra 48,36% do tucano.
Essa inversão, porém, é explicada pela dinâmica da contagem de votos em 2014, segundo o TSE. Por causa do horário de verão que era adotado em parte do país naquele ano, zonas eleitorais de estados do Norte e Nordeste fecharam depois de zonas do restante do país.
Dessa forma, a contagem começou com urnas de regiões onde Aécio era mais forte (Sul e parte do Sudeste), dando vantagem inicial ao tucano. Quando mais urnas do Norte e Nordeste foram contabilizadas, Dilma virou.
"Isso frustrou o país todo, inclusive a mim. E naquela hora eu tive certeza de que as urnas foram fraudadas", disse o anônimo no vídeo, ao comentar a inversão da vantagem de Aécio ao longo da apuração.
O homem conta então que buscou uma forma de provar a fraude a partir de uma análise da evolução da contagem de votos minuto a minuto, divulgada pelo TSE. "Se eu analisar esses números e descobrir um padrão, eu comprovo que esses números foram frutos de uma fórmula matemática, de um algoritmo", disse.
A partir daí, ele afirmou ter analisado a variação do incremento de votos de Dilma e Aécio em cada minuto e encontrou um padrão que seria praticamente impossível estatisticamente: por 241 minutos seguidos, os dois candidatos teriam se alternando na liderança da variação do ganho de votos.
"Aqui nós temos (a alternância) Dilma, Aécio, Dilma, Aécio, Dilma, Aécio, Dilma, Aécio, Dilma, Aécio. Quantas vezes, Naomi? 241 vezes Dilma, Aécio (se alternando)", sustentou o entrevistado de Yamaguchi.
"Aqui eu encontrei o padrão que eu procurava. E isso aqui não é o resultado de uma eleição natural, aonde se abrem urnas de vários pontos do país e você tem minuto a minuto uma variação imprevisível. Aqui, é totalmente previsível. E eu concluo com isso que somente uma fórmula poderia produzir este minuto a minuto que a gente enxergou em 2014", disse ainda o homem.
Ao analisar os dados brutos da apuração minuto a minuto, a BBC News Brasil não encontrou um padrão de alternância entre os incrementos de votos de Dilma e Aécio em 2014 durante os 333 minutos que duraram a contagem.
Os números oficiais do TSE indicam, na verdade, que Aécio liderou sozinho o ganho de votos nos minutos iniciais. Depois, Dilma apresentou maior incremento de votos na maior parte do tempo, com o tucano recebendo mais votos em alguns momentos pontuais.
O especialista em segurança de dados Conrado Gouvêa, doutor em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também analisou a apuração minuto a minuto e não encontrou um padrão de alternância entre os ganhos de votos de Dilma e Aécio. Sua análise está detalhada em seu site pessoal.
Gouvêa reproduziu as tabelas divulgadas no vídeo de Yamaguchi para tentar entender a análise sugerida pelo entrevistado e identificou que foi feito um cálculo errado que tem o resultado prático de necessariamente levar a alternância de Dilma e Aécio como o vencedor da apuração minuto.
Isso porque, em vez de analisar quem ganhou o maior incremento de votos a cada minuto, o homem anônimo elaborou uma metodologia em que analisou alternadamente o desempenho de cada candidato nos minutos ímpares e pares da apuração.
Ele passou a somar a cada minuto par os votos obtidos em todos os minutos pares anteriores de cada candidato. E fez o mesmo para os minutos ímpares. Depois calculou a evolução da proporção de votos ímpares e pares de cada candidato minuto a minuto.
O problema, afirma Gouvêa, é que com o avançar da apuração a proporção de "votos pares" e "votos ímpares" de cada candidato tende a se estabilizar de uma forma que necessariamente um dos candidatos sempre aparece como "vencedor" nas linhas pares e o outro sempre como "vencedor" das ímpares.
Isso explica porque nos 241 minutos finais de apuração, Dilma e Aécio aparecem alternados na análise feita pelo homem anônimo.
"Eu fiz um teste usando o mesmo cálculo aplicado no vídeo, em que gerei votos aleatórios para Dilma e Aécio, e o resultado alcançado foi o mesmo: dava uma alternância entre os dois. Se a mesma metodologia for usada nos resultados do resultado da eleição de 2018, fatalmente haverá uma alternância por muitos minutos entre Bolsonaro e Haddad (candidato do PT derrotado). Isso não é indício de qualquer fraude", disse Gouvêa à BBC News Brasil.
Ele afirma que é difícil saber se o erro de cálculo no vídeo apresentado por Yamaguchi foi por desconhecimento do entrevistado ou algo intencional para gerar uma falsa prova de fraude.
"Tem duas hipóteses: ou a pessoa realmente achou que estava fazendo uma análise certa e não estava, ou realmente foi má fé. É difícil diferenciar uma coisa da outra, mas a consequência é a mesma: levanta essa acusação (de fraude nas urnas) que não faz sentido, coloca em dúvida todo o processo eleitoral e muitas pessoas caem", lamentou.
Uma conversa de Bolsonaro no início de julho com apoiadores na porta do Palácio do Alvorada evidencia que o presidente é um dos que deu crédito a essa análise. "A fraude está no TSE, para não ter dúvida. Isso foi feito em 2014", disse na ocasião.
"O minuto a minuto, por 271 vezes consecutivas, dá para imaginar? Dá quatro horas e pouco. Momentos antes de as curvas se tocarem, dava: Dilma ganhou, Aécio ganhou, Dilma ganhou, Aécio ganhou, por 271 vezes. É vocês jogarem uma moeda 271 vezes para cima e dar cara, coroa, cara, coroa. Isso deve ser a quantidade de átomos aqui na terra", acrescentou, reproduzindo a tese divulgada no vídeo de Yamaguchi.
A BBC News Brasil procurou Naomi Yamaguchi por meio de sua irmã Nise Yamaguchi. Foram enviadas perguntas por email na segunda-feira (26/7) questionado se ela gostaria de responder às críticas ao seu vídeo, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
O uso controverso da Lei de Benford
Outra análise matemática que tem sido usada para questionar a integridade da urna eletrônica é a aplicação da Lei de Benford, que é citada na segunda parte do vídeo de Naomi Yamaguchi como mais uma evidência de que a eleição de 2014 foi fraudada.
Além disso, é usada por Hugo Cesar Hoeschl, ex-procurador da Fazenda Nacional, para sustentar em um vídeo de 2018 que "a probabilidade de fraude na última eleição presidencial brasileira (2014) foi de 73,14%".
Sua tese é exposta em um texto de 11 páginas, com explicação superficial da metodologia empregada, e ganhou projeção por meio do veículo conservador Brasil Paralelo, que mantém em sua página do YouTube vídeos em que Hoeschl expõe suas conclusões.
A Lei de Benford, que leva o nome do físico Frank Benford, estabelece que em alguns conjuntos de números, como tamanhos de rio ou da população de cidades, o dígito inicial mais comum é o 1 (com 30,1% de frequência), seguido do 2 (17,6%). A frequência dos demais algoritmos como dígito inicial vai caindo sucessivamente também do 3 até o 9, quando é de apenas 4,6%.
Ou seja, ao analisar a população de todas as cidades do Brasil, por exemplo, há bem mais chances de o número começar com o dígito 1 (por exemplo, 100.148 habitantes, ou 13.400 habitantes, etc), do que começar com 8 ou 9.
Essa regra se mostra consistente na análise de vários conjuntos numéricos e é aplicada inclusive para detectar possíveis fraudes financeiras. Porém, segundo estatísticos consultados pela BBC News Brasil, não serve para prever a distribuição do dígito inicial de todo e qualquer conjunto de números.
Por exemplo, se formos analisar a distribuição da altura de todos os brasileiros adultos, encontraremos uma frequência inicial do dígito 1 muito maior que 30,1% como sugere a Lei de Benford, porque o mais comum é que adultos meçam mais de um metro e menos de dois.
A Lei de Benford, portanto, tende a funcionar quando se está analisando um conjunto abrangente de números que não tenham uniformidade.
No caso do vídeo da Naomi Yamaguchi, o entrevistado diz que aplicou a Lei de Benford para analisar a distribuição do primeiro dígito "nas parciais minuto a minuto fornecidas pelo TSE" da soma de votos de Dilma e Aécio.
O resultado que ele encontra porém destoa totalmente do previsto na lei porque dá uma baixa frequência para os dígitos iniciais 1, 2, 3 e 4 e mostra como algoritmo mais frequente no primeiro dígito o 5, tanto para os votos de Dilma como os de Aécio. E do 6 em diante a frequência é próxima de zero.
A questão é que ele usou na análise a evolução do acumulado dos votos de cada candidato minuto a minuto e, para ambos, a soma dos votos foi subindo gradualmente até atingir o patamar de mais de 50 milhões de votos, se estabilizando pouco acima disso.
O resultado final ficou em 54,5 milhões de votos para Dilma e 51 milhões para o Aécio, sendo impossível, portanto, que os dígitos de 6 a 9 aparecerem com frequência relevante.
"O dígito 5 é o mais frequente por um simples motivo: foram 105 milhões de votos válidos, resultando cerca de 50 milhões de votos para candidato. E a apuração foi ficando mais lenta conforme foi avançando (o que é normal), fazendo com que exista um grande número de parciais na casa dos 50 milhões (primeiro dígito 5), e um número razoável na casa dos 40, 30, 20 e 10 milhões (primeiros dígitos 4, 3, 2, 1). Isso é exatamente o que está ilustrado no gráfico do vídeo (Naomi Yamaguchi)", explica em seu site o especialista em segurança de dados Conrado Gouvêa.
Essa análise, porém, é tratada no vídeo como grande evidência de fraude.
"Nós não temos a Lei de Benford nas parciais minuto a minuto fornecidas pelo TSE. Isso aqui também tem um embasamento muito forte na Matemática de que praticamente é impossível você ter um universo natural de números aonde a maior parte dos números começam com 5. Isso vai totalmente contra a lógica matemática", diz o entrevistado anônimo.
"O Brasil Paralelo fez um estudo esse ano que falou que em 2014 houve 74% de chances das urnas serem fraudadas. Você está nos dando a prova de que foi 100% de chances de elas terem sido fraudadas", responde Naomi Yamaguchi, em referência às teses de Hugo Hoeschl.
A pedido da BBC News brasil, o professor do departamento de Estatística da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Rafael Stern analisou o texto de 11 páginas que Hoeschl assina com mais três pessoas (Tania Cristina D'Agostini Bueno, Gilson da Silva Paula e Claudio Tonelli).
Esse artigo diz em sua conclusão que "a eleição brasileira de 2014, sob a ótica da Lei de Newcomb Benford, encontra-se reprovada na análise de conformidade, com grau de certeza de 73,149%".
Para Stern, "faltou rigor científico" ao texto, já que ele não explica detalhadamente a metodologia utilizada e os cálculos feitos. Isso impede que cientistas reproduzam a análise para testar sua validade.
"Parece que é um texto científico, mas não mostra muito bem algumas premissas por trás da análise dele. Eu não saberia replicar exatamente o que ele fez ali. Ele não explica como esse valor de 73% foi calculado. Para um texto rigoroso científico, está faltando muito", disse o professor.
"A Lei de Benford é complicada de um ponto de vista estatístico. Tem muitos artigos escritos sobre as condições em que essa lei é satisfeita, mas se o cenário eleitoral com o processamento que ele fez estaria dentro ou não da lei eu não sei te dizer porque ele não explica bem como foi aplicada", disse ainda.
O estatístico Carlos Cinelli, doutorando na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, usou a Lei de Benford para analisar os resultados da eleição de 2014 e identificou limitações da sua aplicação.
Em seu blog pessoal, ele mostrou que a distribuição da frequência do primeiro dígito na quantidade de votos obtidos por Dilma em cada município apresentou boa correlação com a lei quando aplicada para analisar essa distribuição nacionalmente (ou seja, em todos os municípios do país).
Já quando a análise dos municípios era feita por Estado, foram encontradas discrepâncias grandes com os resultados previstos na lei em locais como Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Sul.
Segundo ele, isso não serve como indicativo de fraude, porque a variação do primeiro dígito no número de habitantes das cidades desses Estados também não segue a Lei de Benford.
Como o número de eleitores (votos) está relacionado ao número de habitantes, logo a lei não seria aplicável nesses casos, ele ressalta em seu site: "Deste modo, para o caso em questão, as grandes discrepâncias entre a Lei de Benford e o número de votos em alguns Estados parecem decorrer, em grande medida, do próprio desvio já presente nas distribuições da população e do eleitorado".
À BBC News Brasil, Cinelli explicou que isso provavelmente ocorreu porque o tamanho da população nas cidades desses Estados deve ser mais homogêneo. E a Lei de Benford funciona melhor quando há uma abrangência grande de números variados.
"Isso (a falta de correlação em alguns Estados) diminui a utilidade da Lei de Benford para identificar indícios de possíveis manipulações", afirma.
Ele ressalta que, mesmo nos casos em que a Lei de Benford se aplica, ela não serve como prova de que houve ou não alguma fraude, mas sim como um indicativo de possíveis focos que devem ser melhor investigados.
Ao analisar o texto de Hoeschl a pedido da BBC News Brasil, Cinelli também identificou problemas, já que ele diz ter aplicado a Lei de Benford nos resultados das zonas eleitorais (em vez de municípios) de cada Estado.
"Não teria porque esperar que a distribuição de votos dentro de cada Estado seguisse a Lei de Benford (para os primeiros dígitos), dado que a própria população não segue. A situação piora ainda mais se olharmos por zona eleitoral. Quanto menor o âmbito da análise, menos a gente espera que a Lei de Benford se aplique para os primeiros dígitos", disse Cinelli.
Procurado pela BBC News Brasil, Hoeschl respondeu aos questionamentos após a publicação da reportagem. Ele discordou da crítica de Cinelli e insistiu que sua análise por zona eleitoral e Estado é adequada.
"Via de regra, os estados possuem mais zonas eleitorais do que municípios, o que significa um universo maior de dados para serem comparados com as proporções de Benford, o que torna a análise mais rica e mais distribuída", disse.
No entanto, o portal do TSE mostra que praticamente todos os Estados têm mais municípios que zonas eleitorais (apenas no Rio de Janeiro ocorre o inverso). O país tem no total 5,5 mil municípios e 2,6 mil zonas eleitorais.
Hoeschl também refutou que falte rigor científico à sua publicação. Questionado se poderia detalhar como chegou ao resultado de 73% de probabilidade de fraude na eleição de 2014, disse que isso já estava claro em seu texto.
"A forma como o método está descrito no texto está bastante simples, clara e objetiva, e se deve discordar da negativa de reprodutibilidade do procedimento ali descrito - ou do seu teor conclusivo - sem que tal negativa esteja escorada em dados concretos, registros de tentativas, logs reconstrutivos, ou resultados diversos dos encontrados até então", afirmou.
A reportagem também questionou o Brasil Paralelo sobre as críticas ao conteúdo de Hoeschl divulgado em seu canal do YouTube. Identificando-se como chefe de relações institucionais do veículo, Renato Dias respondeu por email que Hoeschl foi um dos entrevistados para o mini-documentário Dossiê Urnas Eletrônicas, motivado pelo "grande movimento de pessoas que estavam desconfiadas sobre a auditabilidade das urnas eletrônicas" em 2018.
"Reforçamos que em nenhum momento a Brasil Paralelo afirmou que alguma eleição já foi fraudada. O objeto de pesquisa sempre foi a confiança do eleitor na urna eletrônica", afirmou ainda.
Outras análises matemáticas contradizem hipótese de fraudes
O cientista político Guilherme Russo, pesquisador da FGV, aplicou outra análise matemática da distribuição dos votos entre os candidatos nas eleições presidenciais de 2014 e 2018 e obteve resultados que afastam a suspeita de fraudes nas duas disputas.
A metodologia empregada por ele é detalhada em um artigo de 2012 dos cientistas políticos Bernd Beber e Alexandra Scacco, então professores da New York University, nos Estados Unidos. Hoje ambos são pesquisadores do WZB Berlin Social Science Center, na Alemanha.
A metodologia consiste em analisar como se distribuem os últimos algarismos do número de votos dos candidatos em cada urna.
O último algarismo pode variar de 0 a 9 e, numa eleição não manipulada, a incidência de cada um desses dez algarismos tende a estar próxima de 10%.
Por exemplo, o site do TSE permite ver que, no primeiro turno de 2018, na 6ª seção da 4ª zona eleitoral São Paulo, localizada na zona leste da cidade, Bolsonaro recebeu 85 votos contra 34 de Fernando Haddad (PT) e 31 de Ciro Gomes (PDT).
O que é levado em conta nessa análise é o último dígito do número de votos. Ou seja, 5 no caso de Bolsonaro, 4 no caso de Haddad e 1 no de Ciro Gomes, considerando essa sessão específica de São Paulo.
Segundo a metodologia aplicada, ao se analisar todas as urnas do país, a quantidade de vezes que o número de votos de Bolsonaro, Haddad ou Ciro acaba em 5, por exemplo, deve ser cerca de 10% para cada um deles. E a mesma coisa para o número de vezes que acaba em qualquer um dos outros dígitos entre 0 e 9.
Já quando há manipulação nas eleições, essa distribuição de frequência dos dígitos finais não tende a ser uniforme, argumentam Beber e Scacco.
No artigo de 2012, publicado pela revista científica Political Analysis, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, eles usam pesquisas da área de psicologia para mostrar como eventuais fraudes nas urnas tendem a deixar rastros detectáveis por análises matemáticas.
Isso porque os seres humanos são pouco habilidosos para gerar números aleatórios. Dessa forma, ao fraudar os números de votos, tendem a alterar o resultado das urnas sem respeitar a aleatoriedade que uma votação sem manipulação produz.
Ao testar sua metodologia em eleições da Suécia, Nigéria e Senegal, os dois encontraram evidências de manipulação no pleito nigeriano de 2003 e no senegalense de 2007.
Ao aplicar essa metodologia para os resultados do primeiro turno de 2018 no Brasil, Russo identificou que a distribuição do último dígito da quantidade de votos em cada urna do país entre os três candidatos presidenciais mais votados naquele pleito — Jair Bolsonaro (então no PSL), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) — se deu de maneira bastante uniforme entre os três, sempre em torno de 10%.
Outra maneira de tentar identificar a interferência humana no resultado das eleições proposta por Beber e Scacco é olhar para os dois dígitos finais do número de votos.
"Humanos tendem a subestimar a repetição de um mesmo algarismo (por exemplo, 1-1 e 4-4). Também utilizamos pares de algarismos sequenciais mais do que o acaso criaria (por exemplo, 2-3 e 7-8)", explica Russo.
A aplicação dessa análise à última eleição presidencial também não apontou sinais de manipulação. "Em 2018, a frequência de algarismos repetidos nos dois últimos dígitos é 10,025% nos votos de Bolsonaro no 1º turno, 9,674% para Haddad e 10,139% para Ciro Gomes. Ou seja, são muito próximos da expectativa de 10%", nota ele.
"Já a existência de algarismos consecutivos deve acontecer 20% das vezes em um sorteio, pois há duas entre dez possibilidades de que o segundo algarismo seja vizinho do primeiro (considerando 9 e 0 como vizinhos). Os números obtidos são: 19,159% (Bolsonaro), 19,922% (Haddad) e 20,129% (Ciro)", acrescenta.
As mesmas análises foram aplicadas por Russo para votos do primeiro turno presidencial de 2014 recebidos por Dilma, Aécio e Marina Silva (Rede), com resultados semelhantes. Na sua visão, esses dados "contradizem a irresponsável alegação de fraude".
Análises matemáticas não servem para cravar se houve ou não fraude
A pedido da BBC News Brasil, o professor de Estatística da UFSCar Rafael Stern também avaliou a metodologia usada por Russo e a considerou "bem consistente" para a análise dos resultados das eleições. Ele ressaltou, porém, que essa análise estatística também não permite cravar se houve ou não fraude.
"Não dá pra concluir categoricamente que não houve fraude. O que essa análise mostra é que não houve um tipo de fraude que resultaria nessa quebra de padrão (de frequência dos últimos dígitos da quantidade de votos por urna). Você pode imaginar que um fraudador suficientemente sagaz tentaria manter esses padrões", nota o professor.
Isso poderia ser alcançado, exemplifica Stern, se o fraudador subtraísse um número de votos de um determinado candidato e transferisse para outro de forma idêntica em uma quantidade suficientemente grande de urnas que não alterasse essa distribuição aleatória do dígito final.
Uma série de mecanismos de segurança adotados pelo TSE, porém, dificultam as invasões das urnas eletrônicas.
"Não é um processo trivial, é necessário encontrar alguma vulnerabilidade que permita fazer isso sem ser detectado", nota Paulo Matias, professor do Departamento de Computação da UFSCar que participou de testes de vulnerabilidade nas urnas eletrônicas em 2017.
"Não existem evidências de fraudes desse tipo em eleições passadas, nem de risco iminente de fraude nas eleições do ano que vem", disse ainda.
Apesar disso, Matias é um dos estudiosos da segurança das urnas eletrônicas que defendem a adoção do voto impresso associado à urna eletrônica, como forma de aperfeiçoar os mecanismos de segurança no futuro, com mais um instrumento de auditagem. O modelo é usado em alguns locais, como Índia e distritos dos Estados Unidos.
"É extremamente irresponsável tentar implementar o voto impresso em apenas um ano (para a eleição de 2022), pois uma implementação descuidada trará mais riscos ao processo eleitoral que benefícios", diz.
"Por outro lado, justamente por ser um mecanismo que demanda implementação cuidadosa, devemos começar a pensar em implementá-lo desde já, em vez de deixar para começar só quando ele se mostrar necessário. Não sabemos se o panorama vai continuar o mesmo daqui a dez anos", argumentou ainda.
Fonte:
BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58007138
Cristovam Buarque: O golpe da fraude
Bolsonaro está agindo em todas direções, enquanto os democratas ficam indignados, reclamam e se dividem
Blog do Noblat / Metrópoles
O presidente Bolsonaro está alertando o Brasil para a fraude que ele provocará nas eleições de 2022. Ao dizer que o sistema eletrônico sob a direção do TSE é corruptível, está preparando a grande fraude da recusa do resultado. Cria desconfiança em parte da população. Está construindo a conivência das Forças Armadas, Policias Militares, Milicias e Seguidores Armados. Este comportamento é prova de que ele sabe que perderá nas urnas e terá apoio das armas.
Com esta certeza, está agindo cuidadosamente para preparar o cenário para a grande fraude da anulação dos votos. Insinua sem provas a possibilidade de um suposto risco de fraude; acusa irresponsavelmente que servidores e direção do TSE de terem condições e já terem praticado corrupção eleitoral; cria dúvida na opinião pública; arma seus seguidores, coopta as Forças Armadas e as Polícias e mantém relações com milicianos; além disto, articula apoio da rede internacional direitista para agirem, quando a fraude pré-anunciada for alegada. A deputada neonazista recebida na semana passada no Palácio do Planalto deve ter voltado para a Alemanha avisada do risco de fraude e deve ter avisado que apoiará na Europa o golpe da anulação das eleições, Trump nos EUA dará total apoio, lamentando que ele não teve o suporte de seus militares, quando tentou a mesma fraude em 2020.
Bolsonaro está agindo em todas direções, enquanto os democratas ficam indignados, reclamam e se dividem, disputando entre eles qual vai para o segundo turno, em uma eleição que o presidente, quando derrotado, vai anular, com seus apoiadores armados nas ruas, com apoios de direitistas no Exterior, com os tribunais cercados. No final, a história vai dizer que Bolsonaro avisou e os opositores, mais uma vez brigando entre eles, nao ouviram os avisos. Não souberam como agir e cometeram mais disputas entre eles do que se prepararam para impedir o golpe da fraude para anular as eleições de 2022, que Bolsonaro demonstra saber que vai perder, mas não vai reconhecer, porque só Deus, não eleitores, tira ele da cadeira presidencial.
Os lideres democratas deveriam levar a sério os repetidos avisos golpistas, deveriam convocar uma “CPI da Fraude e do Estelionato em 2018”. Além de especialistas no sistema de voto eletrônico, convidar Bolsonaro para depor sobre fraude em 2018 e em outras eleições e explique o estelionato ao usar a facada e ao prometer acabar com corrupção. Os democratas precisam entender que não basta acusar Bolsonaro do que todos sabem, ser mentiroso e estar preparando o golpe, precisam convencer a população, de que as urnas são seguras e as armas são corruptíveis.
Sobretudo, os democratas brasileiros precisam se unir deste o primeiro turno com um candidato de todos, produzindo um resultado expressivo em uma eleição plebiscitária entre a retomada da verdade, da unidade, da seriedade, do espírito público ou a continuidade da mentira, negacionismo, genocídio, incompetência e falta de patriotismo. Bolsonaro faz o papel dele, de perdedor golpista, seus opositores não estamos fazendo o nosso, além de reclamarmos dele, mas brigando entre nós.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Fonte:
Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-golpe-da-fraude-por-cristovam-buarque
Bolsonaro é chamado de moleque no STF. TSE não ficará mais só no 'palavrório', dizem ministros
Respostas a mentiras que o presidente divulgou em live sobre sistema eleitoral devem avançar para atuação concreta e punitiva, acreditam ministros
Monica Bergamo / Folha de S. Paulo
A reação às falas de Jair Bolsonaro na live em que atacou, sem provas, o sistema eleitoral tem sido a pior possível, tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) como no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O presidente foi chamado de "moleque" por um dos magistrados do STF, e teve o apoio e a concordância de outros colegas – que têm usado adjetivos igualmente contundentes quando se referem ao mandatário.
No TSE, que é integrado por três ministros do STF (Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes), o clima é o mesmo.
Um dos integrantes da corte eleitoral afirma que as respostas institucionais e as iniciativas de comunicação do tribunal têm sido boas, mas não são suficientes para barrar as investidas de Bolsonaro contra as eleições.
Durante a live do presidente, o TSE foi rápido e rebateu em série 18 alegações feitas por ele.
Além de usar o Twitter para desmentir Bolsonaro em tempo real, a Secretaria de Comunicação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) compilou uma série de links que refutam várias de suas declarações. Bolsonaro divulgou uma profusão de mentiras e de suspeitas que já foram seguidamente desmentidas por investigações feitas pela Polícia Federal ou pela própria corte.
Presidente Jair Bolsonaro
Na opinião de magistrados do tribunal eleitoral, no entanto, seria necessário atuar de maneira mais firme, com medidas concretas que resultem em punição, inclusive no âmbito eleitoral, para que Bolsonaro cesse as tentativas de desacreditar as urnas eletrônicas e, em consequência, o próprio resultado das eleições.
É preciso atuar agora, afirma um dos ministros, para que o país possa realizar as eleições de 2022 dentro da normalidade.
É possível investigar o próprio presidente e assessores que participaram da divulgação de fake news sobre as eleições na live também no âmbito criminal. O STF já instaurou inquéritos para apurar a disseminação de mentiras.
Os magistrados acreditam que tentativas de diálogo com Bolsonaro, como ainda defende o presidente do STF, Luiz Fux, são inúteis e que ele, na verdade, tenta criar um ambiente para tumultuar o processo eleitoral em 2022 caso chegue em desvantagem na disputa para se reeleger.
Protestos contra Bolsonaro
As pesquisas eleitorais mostram que, se a eleição fosse hoje, Lula venceria Bolsonaro no segundo turno por ampla margem. De acordo com o Datafolha, o petista teria 58% dos votos, contra 31% de Bolsonaro.
Na live, Bolsonaro apresentou um homem, que chamou apenas de "Eduardo, analista de inteligência", para que ele apresentasse supostas vulnerabilidades das urnas eleitorais.
"Eduardo", que depois foi identificado em reportagens como Eduardo Gomes, assessor especial da Casa Civil, apresentou também vídeos e gráficos de apurações de eleições passadas para questionar a contabilidade dos votos.
Bolsonaro convidou até mesmo uma pessoa que se apresentou como "Jefferson", que seria "programador", para fazer uma demonstração fictícia de como alterar um código da urna eletrônica que desviaria votos de um candidato a outro. A exposição era simplória e, como o próprio presidente admite, não provava nada.
Bolsonaro usou também um vídeo de um astrólogo que faz acupuntura em árvores .
O presidente repetiu não ter prova alguma do que estava dizendo, e afirmou seguidas vezes que apresentava apenas "indícios" de que as urnas não seriam invioláveis.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/07/bolsonaro-e-chamado-de-moleque-no-supremo-e-ministros-dizem-que-tse-nao-ficara-mais-so-no-palavrorio.shtml
Sérgio Besserman: Narrativa do comunismo caiu com o Muro de Berlim
Economista vai mediar debate em pré-celebração ao centenário do PCB, no dia 29 de julho, a partir das 19h
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
O economista Sérgio Besserman Vianna afirma que a narrativa do comunismo do século 20 desabou com o Muro de Berlim, em 1989, e pertence ao passado da história da humanidade. “Essa narrativa, estruturalmente, morreu de morte morrida, foi enterrada com estaca de madeira”, afirma ele, neto de judeus comunistas, ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília
Confira o vídeo:
Besserman vai mediar debate virtual sobre judeus comunistas na história brasileira, na quinta-feira (29/7), a partir das 19 horas, como parte da série de eventos on-line da FAP em pré-celebração do centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O evento terá transmissão em tempo real no portal da FAP, na página da entidade no Facebook e no canal dela no Youtube.
“Judeus que vieram para o Brasil antes da ascensão de Hitler ao nazismo, como meu avô e minha avó, tiveram uma experiência no leste europeu que assistiram a episódios revolucionários”, afirma. Ele é presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O economista lembra que alguns judeus anteciparam a vinda para o Brasil por perceberem que “o clima era muito desfavorável, com controle horroroso, perseguição, muitas mortes na Rússia do final do século 19, e nas primeiras décadas do século 20”.
“Alguns decidiram imigrar. Meu avô, por exemplo, antevendo os acontecimentos. Meu avô era polonês, numa parte que atualmente é Rússia, e minha avó era alemã, da parte que atualmente é Polônia”, relata o economista. No Brasil, segundo estimativas do IBGE, cerca de 120 mil pessoas se identificam como judeus.
Além dos partidos comunistas daquela região, havia também partido de judeus de esquerda, mas que não aderiam ao leninismo propriamente e não tinha diálogo com o sionismo. “Esses judeus, quando aqui chegam por São Paulo e Rio de Janeiro, vários deles trouxeram um lançamento dessa tradição de esquerda e aqui se organizaram”, lembra.
Webinários – 100 anos do PCB
“Mais ganancioso”
Besserman também observou que havia narrativa de um sistema estatal, “voltado para maximizar a acumulação da mesma forma do mais ganancioso dos capitalismos, mas com a única peculiaridade de ser estatal”.
“Ela também morreu, ficou moribunda, porque todas as experiências, sem nenhuma exceção, daquele socialismo real deram origem a ditaduras horrorosas e totalitarismos que, às vezes, foram responsáveis pela morte de dezenas de milhões de pessoas”, ressalta o economista.
O chamado socialismo real, segundo Besserman, foi incapaz de competir com o sistema de mercado, ao longo das décadas de 1970 e 1980, “terminando por desaparecer completamente como narrativa não apenas sobre a história da humanidade, mas como narrativa sequer de esquerda, porque não se pode, no século 21, chamar regimes antidemocráticos e pouco progressistas, do ponto de vista da cultura, de esquerda”. “Não era esquerda, era engano”.
Judeus e Marxismo
O estudo Judeus e Marxismo no Brasil: 1922 – 1960, do professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Sydenham Lourenço Neto, mostra que, após a primeira guerra, sob o impacto da revolução russa, formaram-se no Brasil distintos grupos comunistas, reunindo principalmente militantes sindicais e intelectuais.
“Em 1921, na cidade do Rio de Janeiro, foi formado um grupo político, visando constituir um partido comunista de acordo com as 21 condições de adesão à III Internacional. No ano seguinte, este grupo fundou o PCB, em um congresso clandestino realizado na cidade de Niterói-RJ. Entre os fundadores destacavam-se Astrojildo Pereira e Otávio Brandão. Dois intelectuais de origem pequeno-burguesa”, escreveu Lourenço.
O pesquisador conta que, ainda nos primórdios da história do PCB, ingressaram no partido, alcançando rapidamente posto na direção do mesmo, indivíduos de origem judaica como Leôncio Basbaum, Mário Schenberg, Mauricio Grabois, José Gutman e um pouco mais tarde Jacob Gorender, Salomão Malina e Moises Vinhas.
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“Especialmente durante o episódio que ficou conhecido como a intentona comunista, a presença de judeus foi bastante expressiva. Estiveram envolvidos na preparação da rebelião, Olga Benário, Nute e Liuba Goifam, Guralski e Arthur Ernst Ewert, militantes que foram destacados pelo movimento comunista internacional para apoiar a ação liderada por Luis Carlos Prestes”, observou o pesquisador.
De acordo com a pesquisa, a prisão de alguns desses militantes ajudou a fomentar o mito do complô judaico bolchevique. O estudo atesta ser bastante complexo obter o número exato de militantes do PCB que tinham origem judaica para as duas primeiras décadas de vida desse partido.
“Em primeiro lugar, porque na maior parte desse período o PCB esteve na clandestinidade e evitava guardar registros precisos e centralizados com a identidade de seus militantes, em segundo lugar porque esses registros, quando existem, raramente fazem uma menção explicita a condição de judeu”, diz a pesquisa.
Para o período posterior este dado é mais facilmente encontrável e já existe pelo menos um estudo completo sobre a presença de judeus em uma seção estadual do PCB.
“Nesse estudo, verificamos que entre os dirigentes do PCB do Paraná, entre os anos de 1945 e 1964, os judeus declarados somavam dez por cento do total. O dado é ainda mais revelador se lembrarmos que a maioria (70%) se declarava ateus, e os judeus formavam o maior grupo religioso, bem superior aos que se declaravam católicos”, diz a pesquisa.
Webinar da série sobre pré-celebração do centenário do PCB
Os judeus comunistas na história brasileira
Data: 29/7/2021
Transmissão: a partir das 19 horas, no portal da Fundação Astrojildo Pereira, página da entidade no Facebook e canal no Youtube
Realização: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Bolsonaro terceira via é cálculo político frio, brutal e cínico, mas arriscadíssimo
O Centrão tem a chave do cofre, do palácio e do destino de um candidato
William Waack / O Estado de S. Paulo
A terceira via está aí: é Bolsonaro como candidato do Centrão. Os caciques dessa massa amorfa fisiológica, oportunista e que vive (desde sempre) mamando nas tetas do Estado jamais tiveram tanto poder. Possuíam a chave do cofre desde as emendas do relator. Agora obtiveram também a chave do palácio e um nome no qual parte importante dos caciques partidários confia para manter o atual continuísmo.
Bolsonaro vai continuar vociferando impropriedades, estupidezes e bravatas para manter seu núcleo duro de apoio (que diminuiu consideravelmente nos últimos dois anos). É da natureza dele e fútil esperar qualquer alteração – no máximo uma moderação de estilo dependendo do momento de maior ou menor desequilíbrio pessoal. Trata-se de um irrecuperável personagem político.
Para o Centrão não é Lula que surge como peso “contrário” a ser oferecido contra Bolsonaro. Mas, sim, um Bolsonaro domado, controlado e dedicado a atender as plateias do clientelismo por meio do qual sobrevive o Centrão (entendido como as forças políticas sempre próximas aos cofres e máquinas públicas). Em outras palavras, a alternativa entre o Bolsonaro que se conhece e o Lula que se conhece é o Bolsonaro do Centrão.
As principais agendas de Bolsonaro – se é que existiram de forma articulada – foram diluídas em pontos de interesse do Centrão. Uma das mais destacadas, a política econômica de Guedes, que os mercados já não ouvem (foi substituído pelo presidente do Banco Central), tem como eixo central hoje montar programas assistenciais e emergenciais que atendem ,obviamente, a necessidades humanitárias – mas de natureza claramente eleitoreira.
Com o Centrão agora dono do palácio via Casa Civil, completou-se a eliminação das três âncoras de Bolsonaro do começo do mandato – anticorrupção, agenda econômica “liberal” e eficiência administrativa e sentido estratégico através de oficiais-generais das Forças Armadas. É importante notar que Bolsonaro contribuiu ele mesmo para derrotar, dissolver e desmoralizar o que teriam sido “núcleos” de direção, e o Centrão está aí para demonstrar, mais uma vez, que não existem vácuos de poder em política.
A bem-sucedida operação do Centrão em tomar espaço dos militares é relevante também por evidenciar o blefe bolsonarista ao flertar com golpe contra o STF e o TSE, assumindo que o “mito” teria apoio de instâncias como o Alto Comando do Exército. Em conversas entre si, mas também com interlocutores de fora da instituição, oficiais em posições de comando referem-se a Bolsonaro com desprezo intelectual, repulsa pessoal e não enxergam qualquer espaço para um golpe – embora também reiterem fortíssimas críticas aos integrantes do STF e ao desequilíbrio entre os poderes, deformação atribuída por eles ao Judiciário.
Há entre os principais comandantes uma noção difusa, mas que está ganhando corpo, no sentido de reconhecer que o envolvimento em política teria começado de forma meramente “pontual” (como bloquear ações do STF em favor de Lula em 2018), mas, sob Bolsonaro, chegou ao ponto do intolerável. Eles também (os comandantes) se ressentem da ausência de “lideranças” entre seus quadros, uma qualidade que não reconhecem na figura do general Braga Netto, o ministro da Defesa e seu “chefe” direto.
No episódio da bravata de Braga Netto sobre impedir eleições, “note que ele falou sozinho e, embora acompanhado dos três comandantes militares, eles nada disseram”, ressalta um oficial que detém comando relevante. Seja como for, outro “sentimento” (ainda difuso) entre o generalato é o de que está chegando a hora de “lavar as mãos”, e considera-se vantajosa nesse sentido a oportunidade oferecida pelo Centrão ao apadrinhar Bolsonaro. “É ridículo general distribuindo verba para deputado fisiológico”, arrematou a mesma fonte.
Até aqui Bolsonaro desmentiu todos os cálculos políticos que apontavam para o que seria “racionalmente” mais vantajoso para ele – nem governou, nem juntou os elementos decisivos para qualquer tipo de golpe. Ou seja, é o maior inimigo de si mesmo. Deve-se reconhecer que os profissionais da política no Centrão são mestres em sobrevivência e a aposta em Bolsonaro terceira via resulta de cálculo político frio, brutal e cínico. Mas é arriscadíssima.
Papa Francisco sacode a cúpula da FAO: 'A fome é um escândalo'
IHU Online
Antecipação da cúpula marcada para o próximo mês de setembro em Nova York, ontem teve início em Roma a pré-cúpula sobre sistemas alimentares. Três dias de discussões sob a orientação do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, com a participação, além do Primeiro-Ministro Mario Draghi, de chefes de estado e de governo. Os palestrantes são pesquisadores, pequenos agricultores, populações indígenas, representantes do setor privado e ministros da agricultura.
A reportagem é de Matteo Marcelli, publicada por Avvenire, 27-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O objetivo é avaliar paradigmas de produção capazes de atender às crescentes necessidades mundiais de alimentos, mas também a necessária transição para modelos baseados na sustentabilidade e no respeito ao meio ambiente, de acordo com as metas da agenda 2030 da ONU. Um momento de diálogo que poderia favorecer o início daquela ecologia integral invocada pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si' e pôr um fim à cultura do descarte que encontra uma de suas manifestações mais evidentes justamente no acesso ao alimento.
O Pontífice enviou à cúpula uma mensagem inequívoca: “Produzimos alimentos suficientes para todos, mas muitos ficam sem o pão de cada dia. Isso constitui um verdadeiro escândalo, um crime que viola os direitos humanos básicos. Portanto, é dever de todos erradicar essa injustiça por meio de ações concretas e boas práticas, e por meio de audaciosas políticas locais e internacionais”. E ainda: “Temos a responsabilidade de realizar o sonho de um mundo em que pão, água, remédios e trabalho estejam disponíveis em abundância e cheguem primeiro aos mais necessitados. É necessária uma nova mentalidade e uma nova abordagem holística. São necessários sistemas alimentares que protejam a Terra e mantenham a dignidade da pessoa humana ao centro - insistiu Francisco - que garantam alimentos suficientes em nível global e promovam trabalho digno em nível local, que alimentem o mundo hoje, sem comprometer o futuro". O Papa dirigiu a seguir uma advertência direta às instituições presentes: “Estamos conscientes de que interesses econômicos individuais, fechados e conflitantes nos impedem de projetar um sistema alimentar que responda aos valores do bem comum, da solidariedade e da cultura do encontro. Se queremos manter um multilateralismo frutuoso e um sistema alimentar baseado na responsabilidade, a justiça, a paz e a unidade da família humana são fundamentais”.
Em 2020, 800 milhões de pessoas sofreram fome, 130 milhões a mais do que em 2019, segundo os dados apresentados por Guterres. Um aspecto que a pandemia Covid-19 certamente agravou, mas que a propagação do vírus por si só não explica. Os responsáveis são, principalmente, “pobreza, desigualdades, os altos preços dos alimentos, os efeitos das mudanças climáticas e os conflitos - como destacou o secretário-geral da ONU. No entanto, ainda há esperança. Devemos responder a esses desafios com ideias, energia e parcerias”.
“A crise sanitária gerou uma crise alimentar. Assumimos compromissos para garantir que as vacinas estejam disponíveis para os mais pobres do mundo. Devemos agir com a mesma determinação para melhorar o acesso a uma quantidade adequada de alimentos - destacou Draghi -. Devemos promover hábitos alimentares saudáveis, preservando as culturas alimentares tradicionais construídas ao longo dos séculos. Esta pré-cúpula é uma oportunidade para transformar a forma como pensamos, produzimos e consumimos o alimento”. Meta difícil de alcançar se não começarmos a lidar com os desequilíbrios: “Queremos chegar a desperdício zero e depois chegar à fome zero” é a meta lembrada pelo diretor-geral da FAO Qu Dongyu.
Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU
No dia 29/07, quinta-feira, o Prof. Dr. Sérgio Amadeu, da UFABC, ministrará a palestra Tecnologia e fome. A uberização do alimento e as big techs na digitalização do agronegócio. O evento será transmitido ao vivo pela página inicial do IHU, YouTube, Facebook e Twitter. Mais informações podem ser consultadas aqui.
Tecnologia e fome. A uberização do alimento e as big techs na digitalização do agronegócio
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‘O Jardim dos Finzi-Contini’
A História mostra que o sonambulismo adesista das elites aos governos acaba em tragédia...
Luiz Felipe D’Avila / O Estado de S. Paulo
Parte da elite empresarial brasileira navega entre o cinismo, o oportunismo e o egoísmo. O cinismo nas suas conversas de salão permeia os sussurros de que a eleição de 2022 já está definida: será o embate entre Lula e Bolsonaro. Um grupo já começa a fazer hedge com Lula, quer ajudá-lo a ressuscitar o presidente da era Palocci e Henrique Meirelles, que governava o País em sintonia com o mercado e com a agenda social. O outro grupo faz hedge com Bolsonaro. Entende que a volta do PT é inaceitável e não resta alternativa senão manter-se próximo do presidente e tentar domar o seu destempero com conselhos de mercado para fazer a economia voltar a crescer.
Essa visão irresponsável de parcela da elite colabora para perpetuar o atraso do Brasil. O oportunismo do corporativismo empresarial retarda a abertura comercial, compromete a produtividade e a competitividade do País nos mercados globais, sabota a aprovação da agenda modernizadora do Estado e destrói a igualdade de oportunidades. Sempre disposta a cortejar o poder para garantir o êxito nos negócios, ela não se envergonha de abandonar o discurso liberal proferido na imprensa por conversas reservadas ao pé de ouvido dos políticos para manter benefícios tributários, subsídios setoriais e reserva de mercado. Assim, essa parcela oportunista da elite colabora para manter a Nação num estado permanente de pobreza, desigualdade e volatilidade política.
A simbiose entre o populismo e o corporativismo é nociva para o Brasil. Não se cria igualdade de oportunidades numa nação em que o Estado é refém de feudos de privilégios. Não se prospera numa nação carcomida pela corrupção e pela atroz desigualdade social. Não se cultiva a fleuma da esperança num país onde o poder público nutre eterna desconfiança da competição de mercado e arquiteta inúmeras leis e regras para inibir o empreendedorismo, a inovação e a produção de conhecimento.
A História mostra que esse sonambulismo adesista de parte da elite empresarial aos governos acaba em tragédia, principalmente quando a democracia está em risco. Aqueles que acham que há um certo exagero nessa afirmação deveriam rever o filme de Vittorio de Sica O Jardim dos Finzi-Contini. Trata-se do drama de uma família aristocrática judia na Itália fascista. Enclausurada nos muros de sua linda mansão, os Finzi-Contini continuavam a desfrutar a companhia de amigos, festas e torneios de tênis. Entendiam que Mussolini era a melhor alternativa ao caos e ao comunismo, apesar das evidências de que o governo fascista minava a democracia e edificava um Estado autoritário.
Ao ignorarem as evidências, os Finzi-Contini perderam a noção do perigo para o país e a família. Apesar de a perseguição aos judeus aumentar, os Finzi- Contini entendiam que o governo de Mussolini seria breve e a situação política voltaria rapidamente ao velho normal. Mas, ao dobrar a aposta na esperança de dias melhores e ignorar os fatos, os Finzi Contini tiveram um fim trágico nos campos de concentração da Alemanha nazista. O totalitarismo acabou com a família, com os negócios e com o país.
Como disse a filósofa Hannah Arendt, “aqueles que escolhem o mal menor esquecem rapidamente de que escolheram o mal”. Assim, esquecem rapidamente que Lula é a gênese do mensalão, do maior esquema de corrupção da História do País, da polarização política do “nós e eles”, da defesa das tiranias cubana e venezuelana e o principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff, a presidente petista responsável pela estagnação econômica, por 13 milhões de desempregados e pelo descrédito da política, que semeou o caminho da vitória de Bolsonaro em 2018. Já os que apoiam Bolsonaro desconsideram o fato de que o presidente traiu os seus eleitores. A agenda liberal da economia não saiu do papel, o combate à corrupção não progrediu (como mostra a CPI da Covid) e a defesa dos valores cristãos revelou-se uma farsa quando o presidente é incapaz de mostrar a principal virtude cristã, a compaixão. Seu comportamento revelou um líder irresponsável e insensível ao sofrimento de milhares de pessoas que perderam familiares e amigos durante a pandemia.
Para evitar o destino trágico dos Finzi-Contini, resta pouco tempo para a elite oportunista mudar de atitude e unir esforços com as lideranças empresariais, sociais, políticas e intelectuais que se estão mobilizando para criar uma candidatura presidencial de centro e salvar a democracia das garras do populismo. Esse grupo tem plena consciência de que a perpetuação do populismo representa uma grave ameaça à democracia e à retomada do crescimento sustentável.
A missão desse grupo é clara: evitar a fragmentação das candidaturas do centro democrático e criar uma chapa presidenciável competitiva até o fim do ano. A eleição de 2022 oferece uma chance ímpar para unirmos o Brasil dos empreendedores e dos trabalhadores, dos liberais e conservadores em torno de uma candidatura capaz de vencer o regresso ao passado tenebroso e a preservação do presente desastroso.
*Cientista Político, é autor do livro ‘10 Mandamentos – do Brasil que somos para o país de queremos’