Maria Cristina Fernandes: Carta eleva pressão sobre Bolsonaro
Congresso se vale de documento para tentar isolar presidente na gestão da pandemia
A carta dos economistas não foi pensada com este fim, mas seu resultado mais imediato foi o de fortalecer o Congresso frente ao presidente Jair Bolsonaro não apenas para a reunião que está sendo programada para amanhã no Palácio do Planalto entre as cúpulas dos Três Poderes e uma comissão de governadores, mas frente ao próprio Ministério da Saúde.
Ao conseguir a aderência de banqueiros, investidores e empresários como Roberto Setubal (Itaú), Pedro Moreira Salles (Itaú), José Olympio da Veiga Pereira (Credit Suisse), Arminio Fraga (Gávea), Fábio Barbosa (Gávea), Luís Stuhlberger (Verde) e Horácio Lafer Piva (Klabin) a carta isolou ainda mais o presidente e dificultou a transformação do encontro de amanhã na armadilha pretendida.
A ideia de um comitê de crise, a ser discutido nesta reunião, seria não apenas melhorar a coordenação entre os entes federativos, como também tirar do presidente Jair Bolsonaro a condição de responsável-mor pela mortandade brasileira recorde. Seu comportamento na tarde de domingo, porém, desautorizou as expectativas de mudança. Ele foi para o gramado do Palácio do Alvorada comemorar seu aniversário com manifestantes que se aglomeraram no gradil. Ao discursar, disse que “estão esticando a corda” e que “só Deus” o tiraria do cargo.
Na segunda-feira pela manhã, durante a posse da Associação Comercial de São Paulo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, encarregou-se de responder ao presidente. Disse que o negacionismo tornou-se uma “brincadeira de mau gosto, macabra e medieval” (ver abaixo).
Horas antes, Pacheco havia se reunido com um grande banqueiro na capital paulista. Apesar de não ser signatário da carta, o banqueiro, que costuma falar com CEOs de grandes indústrias farmacêuticas e acompanha de perto a produção mundial, lhe disse que o documento dos economistas, revelado pelo jornalista Merval Pereira (“O Globo”), simbolizava a paciência esgotada de agentes econômicos importantes com a conduta do presidente da República e de seu governo na pandemia.
Ouviu dele que a do Congresso também está por um fio. Não se avançaram, na conversa, ações concretas decorrentes do fim da paciência geral da nação, nem mesmo uma posição definitiva sobre a CPI da pandemia no Senado. Na noite de ontem, o mesmo banqueiro e um grupo de grandes investidores e empresários tinham um jantar marcado com Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Ecos desta insatisfação, que cresce desde a nomeação de Marcelo Queiroga para a Saúde e foi estampada no documento do fim de semana, chegaram ao Palácio do Planalto no fim da manhã de ontem. A posse de Queiroga, que havia sido prevista para ontem à tarde, não aconteceu e há expectativas de que venha a ser confirmada entre hoje e quinta-feira.
Há preocupações urgentes que um Ministério da Saúde acéfalo só agrava, como a definição em relação aos estoques de vacina. No domingo, o ainda ministro Eduardo Pazuello anunciou que os estoques nacionais guardados para a segunda dose poderiam ser usados para avançar a vacinação. Segundo o comunicado da pasta, a liberação teria levado em conta a previsão de entregas dos institutos Butantan e Fiocruz, que puderam acelerar a produção com a chegada da matéria-prima (IFA) importada.
A medida, porém, está longe de ser consensual. Um governador enviou um dos médicos que compõem seu conselho consultivo para conversar com um ministro do Supremo Tribunal Federal. Ao ser questionado pelo ministro sobre seu aval à decisão, o médico disse que não conhecia o embasamento técnico da decisão e o governador foi desencorajado a ir em frente.
O Ministério da Saúde não forneceu nenhum documento demonstrando garantia de produção da segunda dose a tempo de repor os estoques no prazo previsto para quem recebeu a primeira picada. Em entrevista à CNN americana, o governador de São Paulo, João Doria, apresentou-se como porta-voz dos chefes dos executivos estaduais: “Estamos em um daqueles trágicos momentos na história em que milhões de pessoas pagam um preço alto por ter um líder despreparado e psicopata no comando de uma nação.”
Além das incertezas em relação às vacinas, os governadores que participarão do encontro de amanhã no Palácio do Planalto levarão as preocupações em relação à falta de leitos e de insumos como oxigênio e sedativos. Se a posse de Queiroga for confirmada hoje, depois da pressão de um Congresso fortalecido pela carta dos economistas, a expectativa é de que o ministro faça uma gestão compartilhada com o Centrão, ao contrário do que havia sido sinalizado na semana passada.
Uma acomodação que não mude o rumo da vacinação é vista com desânimo por signatários da carta, como o economista Arminio Fraga, da Gávea Investimentos. Ele teme que o fracasso dos signatários em convencer os Poderes da necessidade de guiar a reação à pandemia pela ciência e pelo bom senso, não apenas revele um país impotente frente à mortandade como também jogue por terra qualquer chance de recuperação da economia em 2022.
Um outro signatário, também investidor, que participa de projetos comunitários em favelas na capital paulista, diz ter sido alertado por uma liderança influente de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, que a corda está perto de arrebentar. Sem conseguir conter o desespero e a fome na comunidade, esta liderança teme que os moradores saiam em arrastão pelas ruas do bairro vizinho do Morumbi.
Vem daí a ofensiva do Movimento Convergência Brasil por um projeto de renda básica amarrado a uma reforma administrativa e a privatizações. A ideia do movimento, que tem o apoio de empresários como Luiza Trajano e Jorge Gerdau Johannpeter, é vencer as resistências do Congresso com o compromisso de que uma parte dos recursos não seria usada para abater dívida mas para financiar o projeto de renda básica.
O momento, porém, é visto como desfavorável por economistas signatários da carta pelo precedente aberto pela PEC emergencial, que pouco cortou em troca da nova rodada do auxílio emergencial. Tanto Arminio Fraga quanto Elena Landau, ex-diretora do BNDES e uma das principais articuladoras da carta dos economistas acham que a urgência da renda básica está descolada de uma reforma administrativa e de um programa de privatizações porque, assim como a vacinação, essas iniciativas não contam com a aderência do presidente da República.
Adriana Fernandes: Governo resume carta de 500 economistas e banqueiros a 'movimento' contra Bolsonaro
Documento, que defende o uso de medidas efetivas no combate à pandemia, causou desconforto no presidente, mas não vai alterar seu discurso anti-lockdown, apoiado por vários setores empresariais
A carta aberta que juntou banqueiros e economistas em defesa de medidas efetivas de combate à pandemia foi interpretada no governo como um “movimento político” contra o governo Jair Bolsonaro nessa fase mais dura da pandemia da covid-19. Num momento de queda da popularidade, o documento, que começou a ser construído em conversas de economistas em grupos de Whatsapp, ganhou força no fim de semana com mais de 500 assinaturas e causou enorme desconforto, mas o presidente não mudou a estratégia de repetir o discurso contrário ao lockdown – que tem endosso nos setores empresariais que o apoiam.
A expectativa do governo é que esses setores também se posicionem contrários às medidas de restrição de mobilidade, apontadas por autoridades sanitárias como essenciais para que o colapso hospitalar não seja disseminado por todo o País. Não há sinais de que Bolsonaro vai abandonar esse discurso porque ele está convencido de que as medidas de isolamento são uma “armadilha” para afundar ainda mais a economia, sem chances de recuperação para garantir a sua reeleição. Bolsonaro já foi avisado do quadro extremamente ruim da economia, com impacto na arrecadação, das vendas e queda do PIB no primeiro semestre. O presidente vê nas medidas de restrições um entrave a mais.
O governo prevê que a situação da pandemia no País vai piorar muito ainda nas próximas três semanas e, até lá, o presidente terá de administrar a “fervura” política que vai aumentar no setor produtivo e no Congresso. Em 30 dias, a expectativa no governo é que o avanço da pandemia comece a ser travado e, em 60 dias, o quadro já seja outro, com a aceleração da vacinação da população pelo aumento da produção no Brasil e da chegada das novas vacinas que estão sendo compradas, entre elas 138 milhões da Pfizer e da Janssen.
Para auxiliares do presidente, aqueles que assinaram a carta são mais “dos mesmos críticos de sempre” para desgastar o governo e reforçar o discurso de uma saída de centro no quadro de polarização política entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula, com a pandemia da covid-19 por trás.
Na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que recebeu uma versão da carta, a ordem é ficar em silêncio. Auxiliares do ministro avaliam, porém, como “injustas” as críticas de que não houve ação com medidas de combate à pandemia. Citam, por exemplo, o auxílio emergencial. Eles lembram que o pedido na carta dos economistas de vacinação em massa e cuidados é defendido por Guedes.
Míriam Leitão: Carta mostra o erro econômico
O Ministério da Economia também errou na condução do combate à pandemia. Durante muito tempo, o ministro Paulo Guedes reforçou o equívoco do presidente de que havia uma dicotomia entre economia e saúde, em nenhum momento o Ministério conseguiu passar para o resto do governo qual deveria ser a estratégia econômica de combate ao vírus. E aceitou que o Brasil chegasse tarde ao mercado de vacinas. A carta dos economistas mostra que houve erro econômico, de avaliação, de decisão, de análise de custo-benefício.
Economistas que trabalharam em governos diferentes, que estiveram no Banco Central em diversos momentos e até com pensamentos divergentes assinaram a carta sobre a qual o colunista Merval Pereira falou na coluna dele no domingo. “Vacinas são relativamente baratas face ao custo que a pandemia impõe à sociedade”, diz o texto. Agora Paulo Guedes fala em vacinação em massa como a melhor política fiscal e econômica, mas como se fosse um expectador e não pudesse ter influenciado na correção de rotas meses atrás. Com argumentos econômicos, os signatários criticam o caminho escolhido pelo governo Bolsonaro, o dos “falsos dilemas”, dos “debates estéreis” e do insistente negacionismo.
Os casos dos Estados Unidos e do Reino Unido ensinam que políticas rigorosas de distanciamento social e uma liderança firme derrubam os números de infecção e mortes. Os Estados Unidos chegaram a 4.000 mortes, o Reino Unido, a 1.800. No fim de semana, eles reduziram aos patamares de 400 e 40 mortes por dia, respectivamente. Nos dois países houve correção de rotas do governo, num caso pela troca de presidente e, no outro, pela mudança radical de atitude do primeiro-ministro. O caso de Israel indica que, mesmo depois de vacinar metade da população — agora já quase 70% estão vacinados por lá — é preciso esperar umas seis semanas para controlar a pandemia. Mesmo quando se avança na vacinação dos mais velhos as mutações atingem os jovens e continuam contaminando. A luta é árdua.
O centro da carta dos economistas é a de que, numa crise deste tamanho, não ter uma liderança forte faz muita falta. No nosso caso é pior porque o governo atua do lado errado, está remando contra. O governo agrava todas as crises, inclusive a econômica. Bolsonaro não mudou, tanto que está com ação do Supremo contra governadores e, no domingo, comemorou seu aniversário fazendo mais ameaças ao país com o uso da imagem das Forças Armadas. O documento surgiu espontaneamente, segundo contam os signatários, e só foi possível ter tantas adesões porque tocou num nervo exposto. O Brasil virou o epicentro da crise sanitária global. “Na campanha contra a Covid-19, se estivéssemos vacinando tão rápido quanto a Turquia, teríamos alcançado uma proporção de população duas vezes maior, e se tanto quanto o Chile, dez vezes maior”, escreveram no documento. “Impressiona a negligência com as aquisições das vacinas”, diz.
Guedes ecoou algumas vezes o presidente, como quando acompanhou um grupo de empresários em procissão até o STF, defendendo a abertura imediata da economia, ou no preconceito em relação à China, como demonstrou naquela reunião ministerial de abril de 2020. Outras vezes, ele não se envolveu, mas deveria. Se percebia que o Ministério da Saúde estava à deriva, numa questão que era central na equação econômica, deveria ter agido. Isso tinha que ter acontecido em meados do ano passado, quando países e fornecedores de vacina estavam ofertando o produto.
“A relação custo-benefício da vacina é da ordem de seis vezes para cada real gasto na aquisição e aplicação. A insuficiente oferta de vacinas no país não se deve ao seu elevado custo, nem à falta de recursos orçamentários, mas à falta absoluta de prioridade atribuída à vacinação”, diz a carta dos economistas.
A tentativa do setor de comunicação do Planalto de apagar a história recente e dizer que o presidente sempre defendeu a vacina só daria certo se houvesse uma amnésia coletiva. O país viu as inúmeras vezes em que Bolsonaro combateu a vacina, alimentou mentiras sobre efeitos colaterais, tratou o imunizante como produto do “inimigo”, seja a China, seja o governador de São Paulo. Os economistas, na carta, mostram que faltou também inteligência econômica no combate à pandemia.
Monica de Bolle: Economia e saúde jamais foram separáveis
O país inteiro asfixia não apenas por ter ignorado aquele que seria o seu destino ante o descaso, mas porque continua preso na armadilha de que a economia importa mais do que as vidas que a sustentam
A frase que intitula esse artigo está sendo dita e repetida por mim e muitas outras pessoas há mais de um ano. A insistência nunca foi por pura teimosia, menos ainda por pessimismo exagerado como muitos acreditaram no início da pandemia. A insistência, ao contrário, sempre veio do entendimento de que caso tratássemos a economia como soberana ao vírus entraríamos em colapso. Já não tenho noção de quantas vezes disse e escrevi que o colapso do sistema de saúde levaria, inevitavelmente, ao colapso econômico. Afinal, quando o sistema de saúde colapsa no país inteiro não são apenas os pacientes de covid-19 que morrem desnecessariamente ou que sofrem e agonizam. São também todos aqueles que precisam de atendimento hospitalar: do enfarte a uma perna quebrada, de uma crise de asma a um tornozelo torcido. Pensei na apendicite.
A apendicite é uma inflamação no apêndice, órgão que perdeu a funcionalidade no nosso intestino mas que lá reside. A apendicite acomete qualquer pessoa, em qualquer idade, com qualquer condição de saúde. Seja um adolescente saudável ou uma senhora de 80 anos com doença pulmonar obstrutiva, a apendicite pode, de uma hora para a outra, levá-los à emergência. Esse quadro inflamatório agudo, caso não mereça atenção imediata, pode supurar, levando as bactérias responsáveis pela inflamação à circulação. Quando isso ocorre, a pessoa acometida tem sepse e pode acabar morrendo. Hoje, uma pessoa com apendicite em qualquer canto do país tem de contar com muita sorte para ser atendida, ou mesmo contar terrivelmente com a morte de outra para que possa ter um leito de hospital. Hoje no Brasil, ter apendicite é uma quase sentença de morte. É isso que significa o colapso dos sistemas de saúde público e suplementar em todos os Estados. Para que fique claro, a saúde complementar é o sistema hospitalar privado. Portanto, não adianta ter dinheiro caso você tenha apendicite pois já não há hospital para atendê-lo.
Como chegamos a esse ponto? Alguns dizem que foram as festas de fim de ano, outros apontam o Carnaval e outros ainda culpam as pessoas que não usam máscaras e não respeitam as regras de distanciamento social. É claro que todos esses fatores contribuíram de alguma forma para o colapso, mas na realidade ele já estava contratado. Ele foi contratado no momento em que aceitamos a falsa dicotomia entre saúde e economia e jamais tratamos de abandoná-la.
Algo semelhante ocorreu aqui nos EUA, onde moro. Por muito tempo —tempo pandêmico, logo denso— a necessidade de limitar a circulação de pessoas para frear as cadeias de transmissão do vírus foi negada. O uso de máscaras se tornou objeto de embates políticos, as medidas de distanciamento social foram rechaçadas por uma parte da população, incitada pelo então presidente Donald Trump. Houve descontrole da pandemia e mais de meio milhão de pessoas morreram. Muitas das que sobreviveram e se “recuperaram” hoje vivem o calvário da covid-19 crônica, isto é, da convivência com sintomas debilitantes que jamais desapareceram ainda que tenham se livrado do vírus. Apesar dos números pavorosos da epidemia nos Estados Unidos durante a Administração Trump, planos de vacinação foram preparados, financiamentos para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos foram concedidos pelo governo. Além disso, os Estados Unidos jamais enfrentaram a situação que vive hoje o Brasil. Estados colapsaram, sim. Contudo, havia recursos em outros Estados que podiam ser deslocados para os mais necessitados. Profissionais de saúde viajaram de uma parte do país a outra, ventiladores mecânicos foram emprestados, equipamentos hospitalares em geral foram compartilhados. Dessa forma, cenas como as de Manaus, de pessoas morrendo por falta de oxigênio, de pessoas intubadas sem sedativos nos corredores dos hospitais, foram evitadas.
Entendam: hoje não há recursos hospitalares em qualquer parte do país que possam ser compartilhados. Quando todos os Estados colapsam simultaneamente, foi-se a capacidade de uns ajudarem os outros. O país inteiro asfixia não apenas por ter ignorado aquele que seria o seu destino ante o descaso, ou mesmo a política intencional de deixar morrer do Governo Bolsonaro, mas porque continua preso na armadilha de que a economia importa mais do que as vidas que a sustentam. Não fosse assim, teríamos medidas de lockdown —não as medidas disfarçadas de lockdown que fizemos em 2020, mas as de verdade— no país inteiro. Essas medidas estariam sendo defendidas por todos: governadores, prefeitos, pela população.
E o que são, realmente, essas medidas? Em poucas palavras, o fechamento do país. Todos os serviços e estabelecimentos não essenciais precisam fechar. A circulação de pessoas precisa ser severamente limitada. O uso de máscaras tem de ser obrigatório, e penalidades para quem infringir essas ordens devem ser postas em prática. Vários países fizeram isso, e não só as economias mais avançadas. Países como a Índia adotaram multas severas para quem não utilizasse máscaras em locais públicos, outros fizeram o mesmo. Afetado hoje, inclusive, por variantes mais agressivas do vírus —mais transmissíveis ou até mais letais, duas delas surgidas no Brasil— o país não tem tempo a perder. Mas perde tempo.
O Brasil perde tempo com a discussão sobre o lockdown e perde tempo ao propor um auxílio emergencial completamente inadequado. Não é possível fechar o país sem o auxílio emergencial. O auxílio não é apenas uma medida econômica, mas uma medida de saúde pública. No entanto, o Governo brasileiro deixou o auxílio acabar quando já estava claro que a pandemia iria piorar e hoje oferece de 150 a 375 reais mensais para as famílias de baixa renda e para a população vulnerável. O custo médio da cesta básica no Brasil —e a cesta básica contém realmente isso, o básico do básico —é de mais de 500 reais. Como que as pessoas que precisam ter meios para sobreviver sem ir aos seus locais de trabalho serão capazes de se alimentar com menos da metade do valor da cesta básica? O auxílio proposto é de baixo valor para preservar as contas públicas brasileiras, assim nos dizem. Pergunto-me desde quando as contas públicas brasileiras passaram a ser mais importantes do que a maior crise sanitária já vista no país segundo a Fundação Oswaldo Cruz.
Encerro respondendo a minha própria pergunta: as contas públicas são soberanas porque nós teimamos em separar a economia e a saúde. Esse é o caminho do colapso e é nele que nos encontramos.
Gleisi Hoffmann: Combate à pandemia e oposição a Bolsonaro aproximam PT e PSDB
Lula deve atuar na costura política com lideranças de centro-direita, diz presidente do PT
Por Cristiane Agostine, Valor Econômico
A luta encampada por governadores para combater a pandemia e driblar o boicote do presidente Jair Bolsonaro a medidas de distanciamento social aproximou PT e PSDB e tem acelerado a articulação de uma frente ampla contra o governo federal. A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), diz que a trégua entre petistas e tucanos não deve ser vista como uma possível aliança para 2022, mas defende a união com lideranças de centro e de direita para enfrentar a crise sanitária e Bolsonaro. Ontem, o país ultrapassou 12 milhões de casos de covid-19 e 295,4 mil mortes pela doença.
A convergência entre governadores do PT, PCdoB, PSB, PSDB, PSD e MDB nas ações para tentar frear o avanço do novo coronavírus deve ser ampliada para fora dos Estados, defende Gleisi. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atuará diretamente na costura política com lideranças de centro-direita e começará a viajar o país para reuniões políticas depois que tomar a segunda dose da vacina, no início de abril.
“Há uma conversação [...] de governadores e de outros partidos que estão sentindo que o drama do Brasil é grande"
Em sintonia com Lula, Gleisi diz que o PT deve ampliar as alianças para fora da centro-esquerda para ganhar as eleições. As articulações devem ser feitas ainda este ano. O nome do partido para 2022 está claro. “Obviamente Lula é o candidato do PT, do Brasil, do povo”, diz.
A seguir, trechos da entrevista concedida ontem ao Valor.
Valor: Economistas, banqueiros e empresários divulgaram uma carta com críticas ao governo. Como avalia esse movimento? Há maior aceitação à ideia de impeachment?
Gleisi Hoffmann: É muito positivo que tenha essa carta com tantas personalidades, que esses setores estejam se manifestando. Pena que tardou, porque a situação é gravíssima, e lamento que muitos deles apoiaram e apoiam medidas de austeridade no Orçamento. A base dele no Congresso ainda está muito coesa, o Centrão tem compromisso, mas o Congresso é aberto a pressões. Todo processo de impeachment foi por pressão social. Ao ter setores mais diversos do que da oposição, começa a ter um movimento mais amplo da sociedade, que pode virar impeachment.
Valor: A senhora vê uma mudança no cenário político, na base do governo?
Gleisi: Há um incômodo no Centrão. Ninguém está falando ainda que tem que caminhar para o impeachment, mas há um desgosto em relação a gestão. A escolha do Ministro da Saúde deixou isso bem explícito. Com o aumento do tom fora do Congresso, de setores que diziam que não era momento de impeachment, e esse desgosto na base, isso tudo pode levar a um movimento crescente pelo impeachment.
Valor: A crise tem levado o PT a dialogar mais com o centro e parece existir um pacto de não agressão com o PSDB. Há mais diálogo no fórum dos governadores, João Doria assumiu outro tom em relação a petistas. Há uma trégua?
Gleisi: O que há agora é uma aproximação grande de nossas lideranças que estão à frente de governos estaduais, de prefeituras, com as lideranças desses outros partidos, inclusive do PSDB, que defendem a vacina, o isolamento social. Eles não estão encontrando guarida no governo federal. Bolsonaro tem atacado governadores, entrou com ação contra três Estados que tomaram medidas pelo isolamento. A luta para enfrentar a pandemia tem feito essa aproximação e permitido o diálogo dessas lideranças. Não há nenhum diálogo formal, nenhuma conversa entre os partidos, PSDB, PT, nem tratamento a processo eleitoral. Mas nossas lideranças têm conversado para enfrentar a pandemia. Esse foi um chamado que Lula fez, de unir todos que querem vacina, aumento da renda, emprego, recursos para o SUS e querem enfrentar Bolsonaro e o desgoverno.
Valor: A pandemia deu um empurrão para articular a frente ampla com a centro-direita?
Gleisi: Há uma trégua, mas nenhuma perspectiva de aliança eleitoral. De fato há uma conversação, não só entre PT e PSDB, mas de governadores e de outros partidos que estão sentindo que o drama do Brasil é grande. Neste momento temos que unificar as ações para tirar o povo da crise. Os governadores do Nordeste praticamente todos se conversam. Lá tem lá PSB, PSD, PCdoB, e estão bem unificados no enfrentamento. No Norte, [tem conversas] com o MDB. Tem um grupo de 20, 21 governadores que está tratando junto o problema, que tem feito juntos o enfrentamento a essas ações do governo. Não diria uma frente ampla eleitoral. Não que isso não possa ser construída. Pode. Mas é uma frente ampla política para enfrentar a crise e se contrapor ao governo.
Valor: Doria ligou para a senhora depois que Lula relatou ameaças. Há uma abertura para o diálogo?
Gleisi: Ele foi muito gentil, me ligou, disse que estava colocando a polícia civil no caso, que faria todas as investigações necessárias e que achava aquilo um absurdo, uma afronta à democracia e à vida do presidente. Já tomaram medidas no sentido de chamar o homem que fez as ameaças, verificaram prontamente. Agradeci muito e foi uma postura muito digna, decente dele.
Valor: A senhora falou que em relação ao PSDB essa trégua não significa aliança. Está descartada, mesmo em um segundo turno?
Gleisi: Temos um projeto para o país. Ninguém está proibido de participar, de apoiar, mas sabemos o que queremos. É óbvio que não vamos nos indispor a conversar com ninguém. Além da defesa da democracia, de enfrentamento à pandemia, [a aliança] passa por uma agenda econômica. Temos que saber qual é a posição desses setores e o que eles pensam. Se tem disposição de governar junto, é governar para quem? Não estamos hostis a fazer nenhuma conversa, mas nossa prioridade agora é fazer uma aliança política para enfrentamento da crise. Não guardamos nenhuma expectativa de aliança eleitoral.
Valor: A aproximação com o centro e a direita agora não trará resultados futuros?
Gleisi: Não temos problema nenhum em nos aproximarmos de setores de centro. Já nos aproximamos e governamos com o centro. É óbvio que se você quer ganhar uma eleição e disputar uma eleição, você não fica só em um campo político da esquerda e da centro-esquerda. Tem que ampliar. Agora essa ampliação passa, necessariamente, pela discussão de um projeto para o país. Claro que tudo é um processo e não tem 2022 sem passar por 2021. Essa situação toda dá abertura maior para conversa, mas isso não quer dizer que dê resultado em uma aliança eleitoral.
Valor: Lula fez acenos ao centro, à direita, a empresários. De concreto, o que avançou até agora? Com que Lula e o PT têm dialogado? Quem são os interlocutores?
Gleisi: Não marcamos nenhuma conversa mais formal com esses setores. Lula tem se dedicado ao combate à pandemia, feito apelos, pediu reunião do G20, fez carta para Xi Jinping, reunião com o fundo russo, tem conversado com nossos governadores. Tem exortado que todos os setores têm que ficar juntos nesse momento de crise.
Valor: O PT tem procurado o empresariado que se afastou do partido. Quem faz essa ponte?
Gleisi: O PT não procurou entidades de classe. Para conversar, vai ser individualmente com aqueles que têm um projeto de desenvolvimento do Brasil. Lula não tem problema com o mercado. Ele senta qualquer hora para conversar, desde que seja o mercado produtivo, que já conhece bem como ele atua. Ele já foi presidente e sabe que precisa ter essa interlocução. Mas ainda não tomou iniciativa de procurar, não destacamos ninguém [para fazer essa ponte].
Valor: Lula tem rejeição alta e o PT minguou nas últimas eleições. Em 2020, não venceu em nenhuma capital. Como lidará com o antipetismo?
Gleisi: Vamos mostrar a farsa judicial e a operação política do golpe a que fomos submetidos. E agora o PT chega com seu líder maior, que é Lula, como uma opção concreta para governar o Brasil a partir de 2022. Essa decisão do [ministro Edson] Fachin foi uma das coisas mais relevantes que aconteceu nos últimos dez, doze anos. Não só porque recolocou os direitos políticos do Lula, mas porque corroborou o que dizíamos desde o início dos processos: a Vara de Curitiba não tinha competência para julgar. É uma vitória extraordinária ter esse reconhecimento. Temos que trabalhar com isso, para mostrar o que foi essa farsa judicial que construiu o antipetismo.
Valor: A decisão do Fachin foi recebida com muita cautela pelo PT. Em abril, o plenário do STF deve analisar a decisão do Fachin. Há temor de que seja derrubada? E em relação ao processo de parcialidade de Moro?
Gleisi: Tem aquele velho ditado de que quando a esmola é demais, o santo desconfia. Não conhecíamos o teor total da decisão. Quando conhecemos, vimos que foi uma decisão absolutamente correta. Infelizmente a Justiça tarda e quando tarda, falha porque o ex-presidente foi submetido a todo tipo de injustiça. Não pode ser candidato a presidente, ficou preso injustamente, passou por uma série de humilhações. Mas estamos convictos de que está na linha certa de legalidade. É muito improvável que o Supremo reverta essa decisão. Já causou impacto jurídico e político nacional e internacional. Qualquer ação diferente dessa vai ser de extrema violência. Em relação à suspeição de Moro, queremos que a Segunda Turma continue o julgamento. Além de atuar ilegalmente, foi um juiz parcial, o que é mais grave. Moro precisa responder por seus crimes.
Valor: O PT não esperava por essa decisão do Fachin?
Gleisi: Não. Pode ter sido uma ação do Fachin para constranger a Segunda Turma, não permitir o julgamento da suspeição. Mas o fato é que veio e veio no sentido correto.
Valor: Quando PT vai lançar oficialmente a candidatura Lula?
Gleisi: Obviamente Lula é o candidato do PT, do Brasil, do povo. É uma candidatura necessária para o país. Neste momento a prioridade dele e a nossa é o enfrentamento da pandemia. Se misturar a discussão da definição da candidatura, não vai ser bom para a construção da unidade política que temos que construir para enfrentarmos a crise. Devemos ter essa discussão mais para o fim do ano, começo do ano que vem.
Valor: Qual seria o perfil ideal de um vice? E o que Lula vai fazer daqui por diante?
Gleisi: Não pensamos nem na candidatura, quanto mais para vice. Sobre a agenda de Lula, queremos que ele viaje. Ele vai tomar a segunda dose da vacina e vamos organizar um roteiro de viagens dele pelo Brasil para conversar com lideranças políticas, de movimentos sociais, culturais, religiosas. Todos que exercem liderança e puderem estar unidos. Vamos ter um longo período de recuperação do país e precisamos agregar várias lideranças. O Nordeste é uma preferência de início [das viagens].
Valor: O partido se afastou da base evangélica. Como pretende se aproximar?
Gleisi: Muitos pastores com má fé e até com interesses políticos pessoais começaram a fazer uma ação direcionada para demonizar o PT. Nos nossos governos sempre fizemos muito para respeitar as religiões. Aliás foi Lula que enviou um projeto de liberdade religiosa para o Congresso. Foi um ato muito importante e vários pastores que hoje criticam o Lula estavam lá, mas para disputar mais espaço político resolveram fazer uma aliança que fosse demonizar o PT, criticando e pegando questões de valores morais para tentar demonizar. É preciso desmistificar.
Valor: Bolsonaro ainda tem uma base de apoio importante. Segundo o Datafolha, 30% avaliam a gestão como ótima ou boa e 24% como regular. Como avalia esse apoio?
Gleisi: Tem a esperança de parte da população de que o governo dê certo. É muito traumático ver que está dando errado e que a vida fica sem perspectiva. E tem outra parte que é da direita, da extrema direita que sempre existiu. Sempre tivemos um polo da direita com cerca de 30% de apoio. E sempre tivemos a esquerda com cerca de 25% a 30%. Temos que falar com esse miolo da sociedade, esses que consideram o governo regular e que está sendo cada vez crítico a Bolsonaro. É esse setor que vai definir se um governo é apoiado ou não.
Ricardo Noblat: O preço a ser pago por uma “boquinha” para o general Pazuello
O país pode esperar. O vírus agradece
Pois não foi que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se esqueceu de passar no último sábado o e-mail que convocaria para o dia seguinte uma reunião sobre a falta de remédios necessários à intubação de pacientes vítimas da Covid-19?
Situação insólita, assim os mais tolerantes a definiriam. Quer algo mais insólito do que o país estar sem ministro da Saúde há 8 dias apesar de Bolsonaro ter anunciado a demissão do general Eduardo Pazuello e a entrada do médico Marcelo Queiroga?
A demissão não havia sido publicada até ontem no Diário Oficial, tampouco a nomeação do novo ministro. Oficialmente, Pazuello continua ministro da Saúde, à espera de ser substituído por Queiroga. Enquanto isso, o ministério parou.
É concebível que tal coisa aconteça em meio a uma pandemia que se aproxima do número de 300 mil mortos em menos de um ano? Pior: em meio a uma pandemia que se agrava, superando os picos que alcançou no ano passado? Neste governo, tudo é possível.
O presidente da República procura um novo cargo para oferecer ao general. Um cargo que lhe assegure foro especial para só ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Entregue ao sol e à chuva é que Pazuello não ficará para evitar o risco de ser preso.
Quem sabe, o presidente não cria um novo ministério só para abrigá-lo. Está pensando nisso, mas não é tão simples. Pode não ser um novo ministério com pesada carga de obrigações. Pazuello tem dificuldade de encarar várias tarefas ao mesmo tempo.
Se não der, talvez dê para alocar o general em algum cargo no exterior, como se fez com Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação, promovido a diretor do Banco Mundial. Ele também fugiu do país para escapar de processos. Agora, ganha em dólares.
De alguma maneira, a demora na troca está sendo providencial para Queiroga. Os órgãos de inteligência do governo se esqueceram de pesquisar a fundo a vida do futuro ministro da Saúde, e ignoravam que ele era sócio de empresas na área médica.
Deve andar ocupado em transferir para terceiros sua parte nos negócios. O Ministério da Saúde pode ficar inativo enquanto tudo isso se resolve. Afinal, não é para morrer os que tiverem de morrer, como disse mais de uma vez o presidente da República?
Então não fará tanta diferença assim. Bolsonaro providenciou mais uma distração para que o tempo corra e o vírus avance: amanhã, reunirá os presidentes dos demais poderes da República e anunciará um pacto nacional de combate à pandemia.
Seria conveniente que desta vez não se esquecesse de transmitir o e-mail de convocação do encontro.
Vaidade, o pecado favorito do diabo e de Paulo Guedes
Ruim com ele, talvez pior sem...
Ao fundo, ouve-se a voz baixinha de Paulo Guedes, ministro da Economia, o ex-Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro: ”Sou a favor das vacinas. Quero me vacinar”. Como se isso o fortalecesse, de um lado, junto ao chamado mercado financeiro que acreditou em suas promessas não realizadas até aqui, e do outro, junto à maioria dos brasileiros que reprovam o governo do qual ele faz parte.
Tem uma cena memorável do filme “Advogado do Diabo”, estrelado por Al Pacino, que conta a história do diabo na pele de um bem-sucedido advogado de Nova Iorque. Depois de possuir e de perder a alma de um talentoso colega do interior, atraído por ele para defender suas causas, o diabo a recupera no final e comenta com malícia: “Ah, a vaidade, o meu pecado favorito”.
É o pecado da vaidade que justifica a permanência de Guedes no governo. Se estivesse no mercado, ganhando muito dinheiro como sempre fez por obra e graça do seu talento, sua posição seria mais confortável. Quem sabe não teria subscrito a carta de mais de 1.500 nomes de peso do país, entre empresários e economistas, que pedem ao governo mais vacina e mais respeito pelo Brasil.
Nada, na carta, contraria o que Guedes pensa. Em conversas reservadas a respeito, ele mesmo admite. Mas o ministro sofre do complexo de inferioridade de nunca ter sido chamado a servir aos governos passados, nem reconhecido por seus pares como acha que merecia. Criticou todos os planos econômicos que sem sua rubrica deram certo ou errado. O seu, sem dúvida, seria melhor.
Bolsonaro representou para Guedes a oportunidade de fazer parte da elite dos economistas do país e de poder pôr em prática suas ideias – mas aí deu ruim. O candidato não precisava de um iluminado para introduzi-lo no complexo e traiçoeiro mundo da economia. Bastava que fosse seu avalista junto aos donos do dinheiro. Uma vez eleito, Bolsonaro, tem feito o que quer.
Por que mesmo assim Guedes não pede para ir embora? Ah, a vaidade, o pecado favorito do diabo e dos homens que ele seduz! Ir embora para quê? Para que digam que fracassou? Guedes prefere dizer que sem ele a situação seria pior. O mercado começa a achar que talvez não fosse bem assim. Só ainda não o abandonou, nem a Bolsonaro, por medo da eventual volta de Lula ao poder.
Mas – quem sabe? -, Bolsonaro não se reelege? Quem sabe não se deixa governar por Guedes no segundo mandato? Vai que o país se recupere e que Bolsonaro faça seu sucessor… Lula não se elegeu, reelegeu-se, elegeu e reelegeu Dilma? É verdade que ela foi derrubada. Mas nem sempre a história se repete. Guedes, vacinado, vai recobrar o ânimo, acredite. Quanto às reformas…
Elas podem esperar.
Lei de autonomia do Banco Central deve resultar em juros mais baixos, avalia Jorge Jatobá
Em artigo na revista Política Democrática Online, economista defende independência da maior instituição monetária do país
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (EUA) Jorge Jatobá vê como positiva lei que classifica o Banco central como autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”. É o que ele diz em artigo publicado na revista Política Democrática Online de março.
Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.
“Espera-se que, com a formalização em lei da independência do Banco Central, possamos ter também taxas de juros mais baixas em comparação com os padrões históricos”, assevera o economista.
Juros mais baixos
De acordo com ele, maior confiança diminui riscos que se expressam em juros mais baixos. “A política monetária exercida pelo Banco Central, em harmonia com a política fiscal, poderá também moderar os ciclos econômicos e reduzir o desemprego”, acredita.
No artigo da revista Política Democrática Online, Jatobá diz que a história ensina que banco central sem autonomia poderia sofrer fortes pressões do presidente de plantão. Isto, segundo ele, para financiar gastos públicos via emissão de moedaou quantitative easing ou para baixar a taxa de juros artificialmente em desalinho com que a macroeconomia ditaria ser a taxa de juros de equilíbrio.
“Poderia também ser instado a intervir de forma mais agressiva do que o faz, eventualmente, para evitar desvalorizações sucessivas do real perante o dólar, desestabilizando a taxa de câmbio e comprometendo reservas em moedas estrangeiras”, assevera.
Prejuízo
O Banco Central, de acordo com o artigo na revista da FAP, precisa de credibilidade junto aos atores econômicos e ser capaz de ancorar, pela confiança que inspira no mercado, a inflação em torno do centro da meta. “Um banco central sem credibilidade seria prejudicial à economia”, alerta.
Jatobá lembra, na revista Política Democrática Online, que um argumento contra a independência do banco central muito usado durante campanhas eleitorais é de que sua autonomia, com mandatos para presidente e diretores, submeteria o interesse público aos do sistema financeiro.
No entanto, de acordo com o economista, essa tese “não tem apoio na experiência de dezenas de bancos centrais independentes ao redor do mundo”. “Presidentes de bancos centrais têm de conhecer bem o funcionamento, os mecanismos e os meandros do sistema financeiro, quer seja egresso dos quadros da instituição, ou não”, afirma.
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Eliane Cantanhêde: Quanto mais mortes, mais a Nação se une e o bolsonarismo se isola, tosco e incendiário
Ao falar em ‘caos’, ‘ação dura’, ‘esticar a corda’, Bolsonaro demonstra desespero e tenta radicalizar ainda mais os seus radicais
Montanhas de fake news desvirtuam a internet, vídeos de sujeitos com boinas militares e caras de milicianos ameaçam guerra à bala, o ministro da Justiça usa a Lei de Segurança Nacional contra críticos do presidente Jair Bolsonaro... Essas investidas, que não são inocentes nem isoladas, fazem parte da alma autoritária do bolsonarismo e enfrentam crescente resistência de todos os lados.
Centenas de banqueiros, empresários e economistas criticam o governo e rechaçam o “falso dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pediu aos EUA para negociarem vacinas excedentes com o Brasil. E 62 dos 81 senadores assinaram uma moção liderada por Kátia Abreu (TO) implorando ajuda à comunidade internacional.
Todos se mexem para cobrir o vácuo do presidente e não dá para acusar de “comunistas”, “esquerdistas” e “petistas” gente como Pacheco e Kátia, Roberto Setúbal, Pedro Moreira Salles, Pedro Malan... Será que são esses os alvos do bolsonarista ignorante, valentão, com pose de militar, mas linguajar de miliciano? Que provoca “esse pessoal da canhota, que quer derrubar o nosso presidente”: “Deixa eu dizer um negocinho pra vocês. Ele não tá sozinho, não, tá? Junta o que vocês tiver de melhor e tenta” (sic sic sic).
Ao falar em “caos”, “ação dura”, “esticar a corda”, Bolsonaro demonstra desespero e tenta radicalizar ainda mais os seus radicais. Isso, porém, equivale a demonstrar fragilidade e a afastar a direita consciente, cada vez mais indignada com ele e seu governo na pandemia. Se o desespero de Bolsonaro é porque a realidade ameaça seu pescoço e sua reeleição, o do Brasil é por um motivo nada personalista: o pânico por leitos faltando, oxigênio e remédios escasseando, vacinas devagar, quase parando.
O negacionismo de Bolsonaro e da sua turma não resiste às cenas tétricas de famílias destroçadas pela dor e pelo luto, aos doentes sem leitos e assistência, ao número cada vez maior de jovens mortos, aos cadáveres no chão de hospitais, seja no Piauí, seja no DF, a poucos quilômetros dos palácios de Bolsonaro.
A estratégia dele, porém, continua sendo a de falar absurdos e empurrar a culpa para os outros, insistindo em mentiras: não fez nada (e não fez mesmo...) porque Supremo impediu; só atrapalhou tudo (e atrapalhou muitíssimo...) para tentar salvar a economia; gastou dinheiro público com cloroquina (e gastou bastante, sim...) porque só o “tratamento precoce” salva. O céu está cheio de “salvos” pela cloroquina...
A essa estratégia Bolsonaro adicionou uma aposta: fingir que apoia as vacinas desde criancinha e atrair os louros pelas doses que estão vindo. Como se fosse possível esconder que o Brasil só está realmente vacinando por causa da Coronavac (“a vacina chinesa do Doria”) e que seu governo se pendurou num único imunizante – a Oxford-AstraZeneca, que tem atrasado – e desdenhou de Pfizer, Moderna, Janssen, Sputnik V...
Assim como o governo fez comemoração patética para receber 2 milhões de doses da Oxford, quer fazer oba-oba político por acertar com a Pfizer nove meses depois – e passando ridículo no mundo: não bastasse ter o quarto ministro na pandemia, Bolsonaro agora tem dois ao mesmo tempo. Quem tem dois não tem nenhum. E o que dizer do capitão criando um ministério para premiar o general pelos péssimos serviços prestados?
A divisão do País não é entre Bolsonaro e Lula, direita e esquerda, mas sim entre um bolsonarismo tosco e incendiário e todo o resto que, independentemente de ideologia, usa outro tipo de armas: inteligência, competência, defesa da economia e da vida. Cada um escolhe o seu lado. E que depois preste satisfações à história e ao Brasil.
O Globo: Supremo deve derrubar trechos da Lei de Segurança Nacional
Datada da ditadura militar, norma foi usada por governo para reprimir manifestantes
Carolina Brígido, O Globo
BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) deve derrubar trechos da Lei de Segurança Nacional por considerá-los incompatíveis com a Constituição de 1988. Editada em 1983, durante o regime militar, a norma tem sido usada pelo governo federal e por autoridades locais para coibir manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro. Em caráter reservado, ministros do Supremo consideram que o governo tem feito uso muito amplo da norma, de forma a restringir a liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal. A data do julgamento ainda será definida.
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Em uma live no sábado, o ministro Ricardo Lewandowski disse que a lei é um “fóssil normativo” e que o Supremo tem um encontro marcado para avaliar a constitucionalidade da norma.
— A Lei de Segurança Nacional foi editada antes da nova Constituição, da Constituição cidadã, da Constituição que traz na sua parte vestibular um alentadíssimo capítulo relativo sobre direitos e garantias fundamentais. O Supremo precisa dizer se esse fóssil normativo é ainda compatível com não apenas a letra da constituição, mas com o próprio espírito da Constituição. É um espectro que ainda está vagando no mundo jurídico e precisamos, quem sabe, exorcizá-lo ou colocá-lo na sua devida dimensão — disse Lewandowski.
Durante um julgamento em 2016, o ministro Luís Roberto Barroso deu declaração no mesmo sentido:
— Já passou a hora de nós superarmos a Lei de Segurança Nacional, que é de 1983, do tempo da Guerra Fria, que tem um conjunto de preceitos inclusive incompatíveis com a ordem democrática brasileira. Há, no Congresso, apresentada, de longa data, uma nova lei, a Lei de Defesa do Estado Democrático e da Instituições, que a substitui de maneira apropriada.
Outros ministros consultados em caráter reservado pelo GLOBO consideram exagerado o uso da lei pelo governo em eventos recentes. Na semana passada, o Ministério da Justiça processou o autor de um outdoor em Tocantins que comparava Bolsonaro a um pequi roído.
O youtuber Felipe Neto foi acionado pela polícia do Rio de Janeiro por ter chamado Bolsonaro de genocida. Na semana passada, um grupo de manifestantes que estenderam cartazes em frente ao Palácio do Planalto usaram a mesma palavra e também foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Há, porém, uma pedra no caminho do Supremo. Os dois inquéritos mais polêmicos que tramitam na Corte, o das fake news e o dos atos antidemocráticos, foram abertos com base na Lei de Segurança Nacional. Há também uma decisão recente, e não menos polêmica, baseada na mesma norma: a ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).
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Como um tribunal que faz uso da Lei de Segurança Nacional poderia derrubar trechos dela? Entre os ministros do Supremo, há uma espécie de consenso no sentido de que a norma é importante para garantir a democracia e a integridade das instituições. A ideia seria banir apenas trechos que ameaçam a liberdade de expressão e de informação. Portanto, outros trechos continuariam intactos.
Existem hoje no STF duas ações contestando a constitucionalidade da Lei de Segurança Nacional. Uma foi proposta pelo PTB e pede para que a norma toda seja considerada inconstitucional. Em outra ação, o PSB contesta apenas artigos que restringem a liberdade de expressão dos cidadãos - especialmente contra os governantes. O PSB pondera que a lei é um instrumento importante na proteção da democracia - e cita a prisão de Daniel Silveira como exemplo, como forma de amparar a atuação do Supremo.
O relator das duas ações é o ministro Gilmar Mendes, que pediu informações ao Congresso Nacional e à Presidência da República antes de tomar uma decisão. Ele pode julgar sozinho os pedidos de liminar, ou levar as ações ao plenário do STF, composto de onze ministros. Não há previsão de quando isso acontecerá.
Em uma terceira vertente, a Defensoria Pública da União entrou com um habeas corpus coletivo no Supremo pedindo o fim de todos os processos iniciados com base na norma. Ainda não foi sorteado um relator para o caso.
De tempos em tempos, autoridades lançam mão da Lei de Segurança Nacional, em especial para coibir manifestações. Foi feito isso nos protestos de 2013 contra a corrupção e também nos atos de 2014 contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. Recentemente, o governo federal e autoridades locais têm usado a norma contra professores, jornalistas, opositores políticos e críticos em geral do presidente da República.
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Logo que assumiu o Ministério da Justiça, André Mendonça defendia que a Lei de Segurança Nacional não poderia ser usada amplamente para coibir críticos do governo. Depois que o STF começou a usar a norma nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos - e, especialmente, depois da prisão de Daniel Silveira -, Mendonça mudou de ideia. A pedido do próprio Bolsonaro, resolveu atuar no caso do pequi e também contra outros manifestantes.
Um dos artigos mais controvertidos da lei é o 26, que fixa pena de um a quatro anos de reclusão contra quem caluniar ou difamar os presidentes dos Três Poderes. A mesma pena cabe para quem, conhecendo o caráter ilícito da prática, a divulga.
A polêmica está no fato de que é uma pena maior do que a estabelecida no Código Penal para os mesmos crimes, mas praticados contra qualquer pessoa, sem especificar se é autoridade ou não. No Código Penal, o crime de calúnia gera pena de seis meses a dois anos de detenção. A difamação é punida com três meses a um ano de detenção.
Embora ministros do Supremo considerem esse trecho ofensivo à Constituição Federal, Alexandre de Moraes usou ele como um dos argumentos para mandar prender Daniel Silveira.
Luiz Carlos Azedo: Sem Doria, seria pior
Bolsonaro subestimou a escala que uma pandemia fora de controle pode adquirir, ao crescer exponencialmente, e os efeitos das mutações genéticas que podem ocorrer com a covid-19
Com o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ainda do telhado, por causa de um processo no qual é réu por apropriação indébita, e seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, despachando do almoxarifado do ministério, está nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), o destino da ação do presidente Jair Bolsonaro contra os governadores do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul por decretarem medidas de isolamento social. O magistrado do STF foi escolhido relator porque é responsável pela ação apresentada pelo PTB no ano passado, também contra decretos de toque de recolher.
Com 12 milhões de infectados, o Brasil está se aproximando dos 300 mil mortos pela pandemia, e a principal preocupação de Bolsonaro, na reestruturação do ministério, é encontrar um lugar para o general Pazuello, que cumpriu sua missão negacionista com zelo — perdão pelo trocadilho. Fala-se em criar um Ministério da Amazônia, o que deixaria sem função o vice-presidente Hamilton Mourão. Por mais que o presidente da República negue, suas ações são a principal causa do descontrole da pandemia. Está tudo registrado ao vivo e em cores, ao longo de um ano de ações contra as medidas adotadas por governadores e prefeitos, por recomendação de infectologistas e sanitaristas.
A grande ironia é o fato de que o Instituto Butantan já entregou 25 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac ao Ministério da Saúde, sendo 8 milhões nos últimos 10 dias. Até agosto, serão 100 milhões de doses. A Fiocruz, em razão do atraso na entrega de insumos, somente conseguiu produzir até agora 1,8 milhão de doses. A primeira remessa de vacinas contra covid-19 oriundas do consórcio Covax Facility, produzidas na Coreia do Sul, só chegou no domingo: 1 milhão de doses. Mais 9,1 milhões de doses da AstraZeneca/Oxford produzidas na Índia ainda são aguardadas. De cada 30 vacinas aplicadas no Brasil, 25 são fabricadas pelo Butantan.
Sem isso, tudo seria muito pior. Num país normal, o fato deveria ser objeto de agradecimento do presidente Jair Bolsonaro ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que fez o que pode para se preparar para a pandemia; e aos paulistas, que estão deixando de receber as vacinas na quantidade e velocidade que necessitam para con- trolar a covid-19. Bolsonaro demitiu seu então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, por causa da colaboração com Doria no começo da pandemia. Desde então, ambos vivem às turras.
O colapso
Há um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em vários estados, com gente morrendo sem acesso à UTI, e corpos ensacados no chão dos corredores dos hospitais, como aqui em Brasília, ontem. Mesmo assim, os partidários do presidente da República sabotam as medidas de isolamento social. Por exemplo, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), aliado do chefe do Planalto, desautorizou as medidas de isolamento social adotadas pelos prefeitos do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSDB), e de Niterói, Axel Grael (PDT). Os dois decretaram um feriadão para tentar reduzir a circulação de pessoas, proibindo a abertura de bares e restaurantes. As duas cidades sofrem o maior impacto da pandemia no estado, principalmente dos municípios da região metropolitana, que seguiram a orientação do governador.
A aposta de Bolsonaro sempre foi responsabilizar o Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e prefeitos pela crise econômica, com um discurso voltado para quem está perdendo suas fontes de renda ou tendo prejuízos nas atividades empresariais. Acontece que Bolsonaro subestimou a escala que uma pandemia fora de controle pode adquirir, ao crescer exponencialmente, e as consequências das mutações genéticas que podem ocorrer, como aconteceu em Manaus, agravando a situação: além do grande atraso na vacinação, faltam leitos, medicamentos e oxigênio em vários hospitais do país. E o governo federal está sendo responsabilizado por isso.
Campanha leva ao Senado proposta para criação de fundo de amparo aos órfãos da Covid-19
Objetivo é obter 20 mil apoios, quantidade necessária para que a proposta possa ser analisada como sugestão legislativa e ser debatida pelos Senadores
Com o objetivo de criar um Fundo de Amparo aos órfãos de todo o Brasil, a Campanha Órfãos da Covid-19 está registrada no site e-cidadania do Senado Federal. Entidades como a Anjos do Bem em Brasília (DF), o Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Sustentável - IPEDS, em Manaus (AM) e a Rede de apoio às famílias das vítimas da Covid em São Paulo (SP) apoiam a iniciativa.
A meta é obter os 20 mil assinaturas necessárias para levar a proposta para dentro do Senado Federal. Em paralelo à campanha, estão sendo arrecadados alimentos que poderão ser entregues em Manaus, na sede do Instituto IPEDS - contato com a Glauce Galucio (92) 99248-0221; em São Paulo, para a Rede de apoio às Famílias das vítimas da Covid-19 - contato com Paulo Pedrini (11) 99772-0491 e Danilo Cesar (11) 93011-3281 e, em Brasília, para a Anjos do Bem em contato com Renata (61) 99820-5635 ou com Walberto Maciel (61) 98419-1427.
Para confirmar o apoio para a aprovação da campanha no Senado Federal, acesse o link https://is.gd/wKEz12.
Bruno Carazza: Rt baixo
Má gestão da pandemia ainda afeta pouco da popularidade de Bolsonaro
(tecnicamente chamada de Rt ou Re) subiu significativamente em muitas cidades brasileiras. Seja por causa de uma maior transmissibilidade das novas variantes, ou pelo relaxamento das medidas individuais de proteção nas festas de fim de ano, férias e carnaval - certamente uma combinação de ambos -, o país vive uma explosão de casos e de mortes.
O Rt indica para quantas pessoas, em média, um infectado por covid transmite a doença num determinado período. Um Rt próximo de 1 significa uma tendência de estabilidade no número de casos; acima disso, o contágio está se alastrando, e de modo inverso um Rt abaixo de 1 sinaliza que a doença está perdendo força numa comunidade.
A ciência demonstra que medidas de isolamento social tendem a reduzir o Rt. Da mesma forma, tudo o mais constante, quanto mais pessoas se tornam imunes ao novo coronavírus (por meio de contaminação prévia ou pela vacinação), menos espaço a doença encontra para se espalhar - a menos que surjam outras variantes ainda mais poderosas que driblem o sistema de defesa de quem já se infectou ou recebeu as duas doses da vacina.
Essa mesma lógica do Rt pode ser aplicada também na política.
Desde que saiu a última rodada de pesquisas do Datafolha apontando que 54% dos entrevistados consideram ruim ou péssima a gestão de Jair Bolsonaro em relação à pandemia, ganhou destaque na imprensa e nas redes sociais a interpretação de que a popularidade do presidente estaria cedendo frente à dura realidade dos hospitais Brasil afora. Tenho dúvidas.
No mesmo levantamento, quando perguntados como avaliam o governo como um todo, “apenas” 44% das pessoas o classificavam como ruim ou péssimo. Essa discrepância de dez pontos percentuais entre as avaliações negativas do atual ocupante do Palácio do Planalto na resposta à covid-19 e na condução do país indica que uma dimensão ainda não contaminou plenamente a outra. Em outras palavras, o Rt político na Presidência da República ainda se encontra abaixo de 1.
Conforme pode ser visto no gráfico abaixo, mesmo entre os grupos sociais que estão sentindo de modo mais severo as consequências do colapso epidemiológico e seus efeitos sobre a economia, muitos ainda dão ao Bolsonaro-presidente uma nota maior do que ao Bolsonaro-gestor da saúde - mesmo sendo eles a mesma pessoa. A discrepância aumenta em segmentos desde o início mais fiéis ao presidente.
Nesse contexto, assim como acontece na infectologia, a popularidade do atual chefe do Poder Executivo continuará preservada no patamar mínimo de 25% a 30% caso as condições de infecção, vacinação e isolamento mantenham um Rt político baixo.
Para uma parcela significativa da população brasileira não importa se a atual administração realizou poucas entregas em termos de políticas sociais ou de crescimento econômico. Por compartilhar as mesmas visões de mundo e sentir-se representado por Bolsonaro, esse grupo dificilmente mudará de opinião em função do número de mortos pela covid. Trata-se de uma verdadeira imunidade de rebanho.
Há ainda o efeito da vacinação. Aos trancos e barrancos, a perspectiva é que a disponibilidade de doses cresça com a ampliação da capacidade de produção de vacinas pela Fiocruz e o Butantan, bem como com as entregas de outros fabricantes. Assim, a perspectiva é que no médio prazo a situação volte ao controle. Isso obviamente não elimina a responsabilidade do governante pelo caos atual, mas certamente amenizará a pressão da opinião pública sobre ele.
Por fim, Bolsonaro também se beneficia do isolamento social causado pela polarização política que divide a sociedade brasileira há anos. Desde pelo menos as eleições de 2014, passando pelo impeachment e o pleito de 2018, optamos pelo distanciamento social de petistas x tucanos, Lava Jato contra Vaza Jato, “Não Vai Ter Golpe” versus “Tchau, Querida”, Lula livre e Lula preso, bolsominions e petralhas. Desde que a política virou um jogo de nós contra eles, construir consensos para o julgamento político de quem é simplesmente um bom ou mal chefe de governo tornou-se impossível.
Apesar do baixo Rt político, a popularidade e as chances de reeleição do presidente podem se agravar devido a novas variantes eleitorais. Patógenos antigos em novas mutações ou cepas completamente novas tentarão driblar a resistência do eleitor contaminado pelas ideias de Bolsonaro. Resta saber se a taxa de contágio será alta o suficiente.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.