O Estado de S. Paulo: Bolsonaro acusa Barroso de 'militância política' por CPI da Covid e cobra impeachment de ministros
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada 'CPI da Covid', que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa
BRASÍLIA - Em uma reação ao novo revés sofrido no Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro acusou nesta sexta-feira, 9, o ministro Luís Roberto Barroso de "militância política" e "politicalha" por ter determinado a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a atuação do governo na pandemia.
Em postagem nas suas redes sociais, o presidente afirmou que falta "coragem moral" ao ministro por se omitir de também ordenar a abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte.
"A CPI que Barroso ordenou instaurar, de forma monocrática, na verdade, é para apurar apenas ações do governo federal. Não poderá investigar nenhum governador, que porventura tenha desviado recursos federais do combate à pandemia", postou Bolsonaro em suas redes sociais. "Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política."
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada "CPI da Covid", que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado do Palácio do Planalto. A exemplo da CPI, a análise sobre pedidos de impeachment de ministros do STF cabe ao Senado e depende de aval de Pacheco.
Ao falar com apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro adotou um tom ainda mais duro, e acusou o magistrado de promover uma "jogadinha casada" com a oposição ao seu governo. "Uma jogadinha casada entre Barroso e bancada de esquerda do Senado para desgastar o governo. Eles não querem saber o que aconteceu com os bilhões desviados por alguns governadores e uns poucos prefeitos também", afirmou o presidente.
"Barroso, nós conhecemos seu passado, sua vida, como chegou ao Supremo Tribunal Federal, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti (italiano extraditado em 2019 após ser condenado por homicídios em seu país). Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo", completou o presidente, cobrando a abertura de impeachment contra ministros da Corte.
A criação da CPI da Covid preocupa Bolsonaro por aprofundar o desgaste do governo em um momento de queda de popularidade de Bolsonaro e de agravamento da pandemia. Uma vez criada, a comissão poderá convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar pedido de abertura de inquérito para o Ministério Público. Veja perguntas e respostas sobre a CPI da Covid.
Conforme dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa, divulgados na noite de ontem, o Brasil registrou 4.190 novas mortes em decorrência da covid-19 nas últimas 24 horas. O número é equivalente a 174 mortes por hora. Foi a segunda vez que o País superou a marca de 4 mil vítimas em um único dia. O total de mortes na pandemia chegou a 345.287.
A reação agressiva de Bolsonaro contra Barroso remete aos embates ocorridos no ano passado, quando o STF impôs diversas derrotas ao Palácio do Planalto, revogando atos e até a tentativa de nomear o delegado Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, como diretor-geral da Polícia Federal. A nomeação foi anulada na época pelo ministro Alexandre de Moraes.
O Supremo já abriu uma investigação relacionada à atuação do governo na pandemia. Um inquérito apura se houve omissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise que levou o sistema de saúde de Manaus (AM) ao colapso no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de estoque de oxigênio nos hospitais. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello deixar o cargo e perder o foro privilegiado.
A decisão de Barroso foi tomada no mesmo dia em que o Supremo frustrou novamente as pretensões do Planalto, ao permitir que governadores e prefeitos de todo o País proíbam a realização de missas e cultos presenciais na pandemia. Bolsonaro é crítico a medidas de restrições adotadas para conter a propagação da covid-19.
Além disso, o Supremo já havia imposto uma série de derrotas a Bolsonaro em ações relativas ao enfrentamento da pandemia. Foi assim, por exemplo, ao garantir a Estados e municípios autonomia para decretar medidas de isolamento social, decidir a favor da vacinação obrigatória contra a covid-19 e mandar o governo detalhar o plano nacional de imunização contra a doença.
Pedido da oposição. A decisão de Barroso atendeu a pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que contestaram a inércia de Pacheco, que segurou por 63 dias o requerimento pelo início da investigação. Eles reuniram a assinatura de 32 parlamentares em apoio à CPI, mais do que o mínimo de 27 assinaturas necessárias.
“O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da covid-19”, observou Barroso em sua decisão. “Ressalto que é incontroverso que o objeto da investigação proposta, por estar relacionado à maior crise sanitária dos últimos tempos, é dotado de caráter prioritário”, disse. O ministro submeteu a liminar para análise dos demais integrantes da Corte. O julgamento está previsto para começar no dia 16 de abril no plenário virtual do STF, uma ferramenta digital que permite julgar sem que os ministros se reúnam presencialmente.
Um ministro do Supremo ouvido reservadamente pela reportagem concordou com a decisão de Barroso e avaliou que a posição pacífica do Supremo é de que é direito da minoria a abertura de uma CPI, se ela tiver objeto específico e um terço de assinaturas, como houve.
O decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, considerou a medida “importantíssima”. “Porque precisamos realmente apurar a responsabilidade quanto ao procedimento, quanto ao atraso em tomada de providências.”
Pacheco criticou ontem a decisão judicial determinando a instalação da CPI, mas disse que pretende cumprir a ordem. Para cumprir a determinação de Barroso, o próximo passo do Senado é a leitura do requerimento de abertura da CPI, o que deve ocorrer na semana que vem. O colegiado será formado por 11 senadores titulares e sete suplentes, que serão indicados pelos partidos. O prazo de duração da comissão é de 90 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período
Wlliam Waack: O vírus piorou o que já era ruim
O vírus agravou a perda de autoridade pública e de poder de decisão
A catastrófica situação da pandemia no Brasil agravou dois problemas preexistentes: a insegurança jurídica e a degradação da autoridade pública. Os dois fenômenos dividem entre si um fator comum, que é a ausência de lideranças respeitadas além de grupos consolidados nos extremos do espectro político. E explicam boa parte da paralisia decisória do governo central e a imensa dificuldade em lidar com a crise econômica e de saúde pública – que estão se retroalimentando.
Já bem antes da pandemia era o STF uma das principais fontes de insegurança jurídica do País. Nossa Corte Suprema foi totalmente consumida na batalha pelo controle das instâncias políticas, uma das grandes expressões da Lava Jato. E, diante da ineficácia do nosso sistema de governo (talvez o pior do mundo), passou a legislar e a tomar decisões levando em conta sobretudo as consequências políticas. No caso da pandemia, por exemplo, o STF acabou escalando um de seus integrantes como virtual ministro da Saúde.
Diante da propagação do vírus os ministros também se comportaram em função do embate político – situação escancarada pelas decisões sobre a abertura ou fechamento de igrejas e templos. Esse debate não foi provocado pela necessidade de se assegurar liberdade de religião, mas, sim, pelos interesses pessoais de candidatos a uma vaga no STF e por articulações para favorecer forças políticas que ocuparam uma parte do Legislativo, um pedaço importante do Executivo e estão chegando ao topo do Judiciário: as correntes evangélicas.
O fato de o STF ter de decidir quem decide o que sobre a pandemia expressa o segundo problema agravado pelo vírus: o da degradação da autoridade pública. Para isto foi fundamental a contribuição do atual presidente da República e seus traços característicos de personalidade (desequilíbrio emocional, traços de paranoia e de sociopatia). A “figura institucional” de Bolsonaro nunca entendeu a verdadeira natureza do poder do chefe do Executivo brasileiro, que não reside na caneta, mas, sim, na capacidade de ditar a agenda política.
Isto vale tanto para a economia como para a pandemia, com as quais não está sabendo lidar. Formalmente os poderes de Bolsonaro já vinham sendo encurtados pelo Legislativo e pelo Judiciário. Talvez ele nem tenha percebido que um instrumento clássico do presidente brasileiro – a alocação de recursos via orçamento – foi passada agora para um conjunto de forças políticas amorfas e regionalizadas, conhecida como Centrão, que conquistaram um posto vital dentro do próprio Palácio do Planalto. Ou seja, o Centrão aboliu intermediários.
A ironia contida nesse fato é cruel: o Centrão manda, sem assumir qualquer ônus. Impõe limites e demissões de ministros ao presidente, sem qualquer responsabilidade por agendas, como acontece no parlamentarismo clássico. Diante da incapacidade do presidente de liderar e comandar, além da ausência de pensamento estratégico e definição clara de objetivos (além de se reeleger), a autoridade pública se diluiu. No caso da pandemia, está se dissolvendo numa corrida desesperada cuja melhor definição é, infelizmente, a do vire-se e salve-se quem puder.
Assim, a iniciativa privada está forçando e conseguindo ir adiante na compra de vacinas. Os governadores estão forçando e conseguindo contratar suprimentos onde seja possível, se necessário relegando a Anvisa ao papel de carimbar pedidos. Um número nutrido de decisões judiciais em várias instâncias criou uma confusão perigosa entre o que vale ou não vale não só em questões de medidas restritivas, mas, também, quanto ao ritmo de vacinações, grupos prioritários e quais entidades têm a liberdade de adquirir imunizantes.
Um quadro de contornos caóticos como esse sugere que em algum momento ocorrerá uma ruptura, até mesmo institucional. Mas não está “escrito” que acontecerá. Como foi dito acima, a pandemia apenas agravou o que já existia. Depois dela, é bem possível a acomodação aos padrões de comportamento político e social de sempre, caracterizados, de forma geral, pela ausência da preocupação com o bem-estar comum e o senso de coletividade. Estagnação é também um poderoso anestésico.
*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN
Djamila Ribeiro: Lutar contra o racismo é um dever de todos, e o esporte é peça fundamental para isso
Tão importante quanto atletas negros terem acesso a debates raciais é a conscientização de brancos acerca deles
A pedido do Comitê Olímpico do Brasil, desenvolvi junto a Tiago Vinícius André dos Santos, professor de direito antidiscriminatório da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, o curso Esporte Antirracista: Todo Mundo Sai Ganhando, para atletas da delegação brasileira dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
A iniciativa pioneira do país recebeu apoio do Unicef e será traduzido para outros idiomas e trabalhado em delegações de outros países.
Na produção do curso, que tomou meses de mim e do meu querido parceiro, também coordenador pedagógico da plataforma Feminismos Plurais, um espaço virtual de debate e ensino antirracista, tomamos contato com trajetórias negras invisibilizadas na história.
Então, iniciamos o curso com um pedido de bênção aos mais velhos na pessoa de Melânia Luz, do São Paulo, primeira mulher negra brasileira na delegação de uma Olimpíada, na edição de Londres de 1948.
Melânia foi pioneira em muitos sentidos. Também se destacou por seu envolvimento com as lutas negras ao longo de sua carreira e até a sua morte, aos 88 anos, em 2016. Era uma mulher devota a Nanã, orixá sábia e a mais velha.
Também foi a oportunidade de conhecer Irenice Rodrigues, do Fluminense, que era tão excepcional nos 800 metros que, mesmo que a modalidade fosse proibida às mulheres pela ditadura, competia internacionalmente.
Denunciou a discriminação de gênero, de raça e liderou movimentos grevistas. O Brasil tinha e tem onças pretas nas pistas, nas águas e nas quadras.
Nas Olimpíadas de 1968, no México, Nelson Prudêncio ganhou a prata no salto triplo e quebrou o recorde mundial. Prudêncio graduou-se em educação física pela Federal de São Carlos, obteve o título de mestrado na Universidade de São Paulo e de doutorado na Universidade Estadual de Campinas.
Os atletas negros e negras lutaram muito pelo direito de existir e empoderar sua comunidade, e a universidade foi e é um palco importante dessa disputa.
Entendo que é necessária a expansão das políticas de acesso a esses locais, pois inspirações não faltam. Outro exemplo é o de Aida dos Santos, quarto lugar na Olimpíada de Tóquio, em 1964, mesmo sem apoio financeiro.
Foi professora por muitos anos da Universidade Federal Fluminense, onde fundou um instituto em que crianças tinham aulas de esportes e também reforço escolar gratuito.
No passado recente, cada vez mais atletas têm se engajado na luta antirracista. Diogo Silva, do taekwondo, primeiro medalhista de ouro do Pan-Americano do Rio de Janeiro, que mantém um blog fundamental sobre o tema; Janeth Arcain, histórica jogadora de basquete; Daiane dos Santos, da ginástica que tanto nos orgulha; Damiris Dantas, jogadora de basquete que tem brilhado nas quadras; Formiga, jogadora de futebol com mais jogos pela seleção; Raissa Rocha, atleta paraolímpica de lançamento de dardo, entre tantos.
Trabalhar com saberes antirracistas e convites a uma prática transformadora em um espaço de tanta potência na sociedade deve, sem dúvidas, ser aproveitado.
Parabenizo o COB pela iniciativa e pela idealização de um projeto vanguardista. Fico muito feliz de poder ser parte disso, entendendo os variados impactos positivos na conscientização de atletas que ainda não tiveram a oportunidade de se dedicar de maneira mais aprofundada ao tema, bem como empoderar aquelas e aqueles que vêm lutando pela pluralidade no esporte.
A luta contra o racismo é constante, já que o sistema se atualiza como forma de resistir a mudanças. Contra essa estrutura, que independe de nossa vontade, temos pessoas engajadas na busca de igualdade racial. Foi o grupo social branco que criou o racismo, sistema que o privilegia. É fundamental que pessoas brancas se engajem e o combatam.
Tão importante quanto atletas negras e negros terem acesso a debates raciais críticos é a conscientização de atletas brancas e brancos acerca deles. Estes devem estudar e descolonizar seus olhares e práticas.
Também trabalhamos no curso ações antirracistas, práticas que o COB, as confederações e demais envolvidos no esporte podem adotar para combater a estrutura racial.
A inclusão de pessoas negras em cargos diretivos e técnicos, o apoio a atletas negras e negros para que se desenvolvam e permaneçam no esporte e trabalhos de conscientização como esse curso são algumas medidas possíveis. Lutar contra o racismo é um dever de todas as pessoas, e o esporte é um meio fundamental para isso.
*Djamila Ribeiro é mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.
Maria Cristina Fernandes: Rejeição empresarial a presidente se mantém ascendente
Propaganda de apoio do PIB nacional com jantar em São Paulo foi tiro que saiu pela culatra
Se o jantar oferecido pelo dono da empresa de segurança Gocil, Washington Cinel, ao presidente da República tinha por objetivo propagandear o apoio desfrutado por Jair Bolsonaro no meio empresarial, o tiro saiu pela culatra. Grupos de WhatsApp de grandes empresários e investidores amanheceram indignados com a percepção vigente sobre o encontro. A avaliação é de que o Palácio do Planalto foi bem sucedido em passar a percepção, que asseguram equivocada, de que Bolsonaro tem apoio na elite econômica do país. A reunião, dizem, limitou-se a um punhado de empresários e banqueiros que responde a um dos critérios ou a ambos: são do núcleo duro raiz do bolsonarismo e estão sempre a assediar o presidente de plantão. A casa que sediou o jantar é um reflexo simbólico desta percepção. Vizinha do ex-deputado Paulo Maluf, nos Jardins, em São Paulo, a casa um dia pertenceu a um dos grandes industriais do país, José Ermírio de Moraes, e hoje é do empresário da segurança privada, ramo que cresceu junto com violência decorrente da falta de rumos do país.
A posição do grande empresariado e da grande finança estaria bem mais refletida, na visão deste interlocutor, em iniciativas como a Coalizão Brasil e a Concertação pela Amazônia, motivadas pelos equívocos da política ambiental brasileira, ou mesmo o apoio ao manifesto dos economistas por saídas para a pandemia. Essas mobilizações reúnem CEOs de grupos como Itaú, Klabin, Gerdau, Amaggi, Natura, Ambev, Gávea e Marfrig. Jantares do gênero são comuns em momentos de descrença sobre o apoio empresarial a um presidente em crise, mas a baixa representatividade do encontro de quarta-feira saltou aos olhos. A política dos “campeões nacionais” e a fartura do BNDES poupou a ex-presidente Dilma Rousseff de quóruns tão pouco representativos, o que não a impediu de cair.
A tentativa do presidente da República de ressuscitar o antipetismo para fisgar de volta o apoio empresarial perdido, diz este interlocutor, tampouco surtirá efeito. Entre aqueles que, de fato, ditam os rumos da economia nacional, este discurso não adiciona um único voto para o presidente da República em 2022. Uma parte deles reconhece que se o PT estivesse no poder o país não teria afundado tanto e a grande maioria recebe esse discurso do presidente da República como um estímulo redobrado para a busca por uma terceira via. A presença do ministro Paulo Guedes tampouco sensibilizou os empresários que ficaram de fora do jantar. Se o ministro da Economia já não empresta prestígio ao presidente da República, a recíproca também é verdadeira. Guedes hoje é visto como ministro de um país imaginário onde todos gostariam de viver, mas que, infelizmente, ninguém acredita existir senão em seus devaneios.
Apesar do incômodo gerado pelo jantar, cuja divulgação teve o empenho pessoal de ministros palacianos, não haverá mobilizações adicionais para mostrar o azedume com este governo. E o principal motivo é a pandemia. Os CEOs críticos ao bolsonarismo estão recolhidos em suas casas porque temem aquilo que o presidente despreza, a agressividade da covid-19. Cresce, porém, neste grupo, a percepção de que Bolsonaro, no limite, chegará a 2022.
O cerco da imprensa internacional a Bolsonaro reflete-se no comportamento dos parceiros internacionais desses empresários. Edições das duas principais publicações financeiras do mundo, “The Economist” e “Financial Times”, mostraram que o dano à imagem internacional do presidente é irreversível. A revista trouxe uma charge contestando que a resposta brasileira à pandemia seja conduzida por um cabeça-oca, mas sim por um “ignorante, teimoso e arrogante”. Já o jornal da City londrina trouxe uma reportagem sob o título “Bolsonaro mais isolado do que nunca” em que uma dirigente da Organização Pan-Americana de Saúde reportou preocupação com o espraiamento das variantes brasileiras por 15 vizinhos das Américas. É a percepção do Brasil como ameaça global que cresce no mundo e preocupa os grandes empresários brasileiros.
Não há, por outro lado, percepção sobre saídas fáceis à vista. Há empresários deste meio que se aproximaram do vice-presidente Hamilton Mourão por conta de sua atuação no Conselho Nacional da Amazônia mas não há qualquer mobilização real para apear o presidente da República do poder por conta da percepção de que o Congresso quer mantê-lo no cargo. O artigo do vice-presidente publicado na terça-feira, 6, no jornal “O Estado de S. Paulo” (“O que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas”) foi lido como uma manifestação clara de que Mourão não endossou o comportamento de Bolsonaro na recente crise militar e que subscreve a atuação estritamente constitucional das Forças Armadas em defesa das instituições nacionais.
Um dos empresários descrentes do bolsonarismo diz ter sido procurado por ministro de origem militar em busca de sua percepção sobre a conjuntura. O constrangimento do ministro ante seu pessimismo lhe deixou a impressão de que os militares deste governo têm a consciência de que estão em nau à deriva. Ante reclamações de que o Supremo Tribunal Federal estica a corda com o presidente, este empresário responde que o limite da tensão, na verdade, foi alargado lá atrás pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas com o tuíte ameaçador sobre o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o beija-mão promovido pelo mesmo general aos pré-candidatos à Presidência da República em 2018. Este empresário não mantém contato com o vice-presidente Hamilton Mourão. Tem a convicção de que, assim como o ex-ministro do TSE Herman Benjamin estava com a razão quando dizia que a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer deveria ter sido cassada por excesso de provas, é preferível dois impeachments em cinco anos a um crime de responsabilidade por dia.
Ricardo Noblat: Em um único dia, Bolsonaro é derrotado duas vezes no STF
Vem aí a CPI da Covid para acuar o governo
O fracasso do governo do presidente Jair Bolsonaro no combate à Covid-19 subiu à cabeça de Marcelo Queiroga, o quarto ministro da Saúde em menos de um ano.
Anthony Fauci, o mais respeitado imunologista americano e conselheiro do presidente Joe Biden, disse que o Brasil virou uma “ameaça mundial” porque a pandemia aqui só faz crescer.
Em visita a Porto Alegre, perguntado a respeito, Queiroz estufou o peito, imitou a arrogância do seu chefe, e respondeu assim:
– Ele [Fauci] deve cuidar dos Estados Unidos. Do Brasil, cuido eu.
Bolsonaro amou a resposta de Queiroga logo no dia em que o vírus matou no país mais 4.190 pessoas. Foi o segundo dia com mais mortes desde o começo da pandemia.
A quarta-feira havia sido um dia ameno para Bolsonaro. Ele fez o que mais gosta: viajar, falar o que lhe vem à cabeça sem ser contestado, e arrancar aplausos dos seus devotos.
Esteve em Chapecó, em Santa Catarina, em Iguaçu, no Paraná, e em São Paulo onde jantou com empresários amigos escolhidos a dedo e que acabaram por ovacioná-lo.
A quinta-feira foi um dia pesado para Bolsonaro. Não pela morte de tanta gente, mas porque ele colheu duas derrotas importantes no Supremo Tribunal Federal.
A primeira: por 9 votos contra 2, o Supremo decidiu que governadores e prefeitos podem fechar templos e igrejas enquanto durar a pandemia. Bolsonaro queria o contrário.
A segunda derrota: o ministro Luís Roberto Barroso mandou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instale de imediato a CPI da Covid.
Cumpridas as exigências da Constituição (número mínimo de apoiadores, definição do fato a ser investigado e prazo de funcionamento), a CPI é direito da minoria parlamentar.
Todos os requisitos foram cumpridos desde janeiro último, mas Pacheco, eleito presidente do Senado com o apoio de Bolsonaro, recusou-se a instalar a CPI para não criar embaraços ao governo.
Ontem mesmo, antes de Barroso anunciar sua decisão, Pacheco afirmou:
– Considero que a CPI da pandemia neste momento vai ser um ponto fora da curva. Além disso, pode ser o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia.
No seu despacho, Barroso ensinou a respeito de CPIs:
– Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática.
Simples assim. O que levou Pacheco a retrucar que, a seu juízo, e por razões de conveniência, a CPI não deveria sair da gaveta, mas que decisão da justiça é para ser cumprida, e ele a cumprirá.
Ora, era o que faltava. Não cumprir? Agora, resta ao governo escalar a maior e a mais confiável bancada de senadores aliados seus para se defender na CPI e atrapalhar seu funcionamento.
Custará caro. Ninguém trabalha de graça para governo numa CPI. Só o faz em troca de muito dinheiro, de cargos e de outros favores inconfessáveis. Sempre foi assim e sempre será.
Bancada de Bolsonaro no STF aumenta com adesão de Toffoli
A partir de julho serão três ministros
Era certo que a bancada de ministros bolsonaristas no Supremo Tribunal Federal se resumiria a dois ministros até o fim de 2022 – Nunes Marques, que já está por lá ocupando a vaga aberta com a saída de Celso de Mello, e outro a ser indicado pelo presidente a partir de julho próximo e que sucederá a Marco Aurélio Mello.
Mas, não. Descobriu-se, ontem, que Bolsonaro contará com três – um deles, José Antônio Dias Toffoli, que surpreendeu seus colegas ao votar junto com Nunes Marques pela abertura de templos e igrejas durante a pandemia da Covid. Toffoli não justificou seu voto. Limitou-se a dizer que acompanharia Nunes Marques.
Toffoli sabia que seria derrotado. O placar final foi de 9 a 2. Não se incomodou com isso. Está com Bolsonaro para o que der e vier. Encantou-se por ele antes mesmo de Bolsonaro ser candidato a presidente. À época em que foi assessor parlamentar do PT na Câmara, entre 1995 e 2000, os dois conversavam muito.
Foi Lula que fez de Toffoli ministro do Supremo em 2009. Toffoli havia passado no teste de fidelidade ao PT como consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT), advogado de três campanhas presidenciais de Lula, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil e Advogado-Geral da União.
Sua recente passagem pela presidência do Supremo coincidiu com os dois primeiros anos de Bolsonaro presidente. Renasceu e se fortaleceu a amizade entre os dois. Toffoli virou uma espécie de assessor informal de Bolsonaro dando-lhe conselhos e, sempre que pôde, facilitou a vida dele dentro do tribunal.
Orgulha-se Toffoli de ter evitado em 2020 uma crise institucional que quase deflagrou um golpe militar. Ele ajudou a salvar o Brasil e a evitar a queda de Bolsonaro. A indicação de Nunes Marques para ministro passou por seu crivo. Foi quando Bolsonaro o visitou em casa, sendo recebido com um caloroso abraço.
Murillo de Aragão: O preço das decisões erradas
O governo federal foi lento e confuso nas respostas à pandemia
A essa altura dos acontecimentos, devemos ponderar sobre os erros que nos levaram a mais de 340 000 mortos pela Covid-19. Sem alarde nem radicalismos. A coleção de erros é enorme. Começa com erros estratégicos, por parte de todos os atores públicos e privados, e chega a erros táticos. Nesse rol se inclui a sociedade, que teima em não se conscientizar dos riscos. O ponto inicial reside no fato de que o mundo inteligente já sabia da gravidade do problema em janeiro de 2020. O mundo político brasileiro, porém, só reconheceu a gravidade do tema em março.
O segundo erro estratégico foi cometido pelo governo federal, ao não coordenar uma ação conjunta com governadores, prefeitos, Judiciário e Legislativo. Prevaleceram o conflito, as egotrips e, sobretudo, a descrença de que o problema era muito sério.
O terceiro erro estratégico foi não optar pela compra das várias vacinas que estavam em desenvolvimento. O governo federal apostou apenas na AstraZeneca, cujo processo de produção é insuficiente para nossos desafios. Fica a questão: por que a Fiocruz, berço do partido sanitarista, não propôs uma compra abrangente de vacinas de várias procedências até que o Brasil dominasse a produção?
“A compra maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia”
Obviamente, terminamos dependendo da rejeitada CoronaVac, do Instituto Butantan, e da escassa, até agora, vacina da AstraZeneca. Se hoje, em pleno abril de 2021, ainda estamos decidindo se compramos ou não a vacina russa, imaginem se o governo de São Paulo não tivesse tomado a decisão de negociar e produzir vacina no ano passado? E as mortes prosseguem.
No campo da narrativa, o governo federal se mostrou confuso. Lento nas respostas e descrente das consequências da “gripezinha”. Não houve palavras de liderança. Os sucessivos comandos do Ministério da Saúde foram, cada um a seu tempo, espetaculosos, erráticos e com um processo deliberativo lento. Deveriam ter imposto uma ação abrangente de pré-compra de vacinas e, em coordenação com a Anvisa, uma liberação expedita das doses. Em janeiro, a Anvisa fez um espetáculo midiático para autorizar o uso emergencial de vacinas. Àquela altura, o Brasil já deveria estar vacinando, e não fazendo midiatismo em torno da obrigação de fazer de forma correta o que estava fazendo errado.
Governadores e prefeitos demoraram a reagir quanto à imposição do distanciamento social. O exemplo trágico do Amazonas resultou no caos da saúde pública no estado. Também desmontaram hospitais de campanha país afora sem um horizonte claro do fim da pandemia e não se preparam para o pior, quando o pior já se apresentava, no fim do ano passado. Politicamente, Bolsonaro cometeu um grave erro ao não assumir a liderança no combate à pandemia. O Brasil deseja um líder que Bolsonaro ainda não quer ser.
Se tivesse comprado milhões de vacinas, o Brasil poderia ter vacinado o dobro ou o triplo do que vacinou até o início deste mês. Gastos com a compra em massa de vacinas seriam uma pequena parcela do que será despendido com o auxílio emergencial. A aquisição maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia. Estamos chegando tarde e a conta em vidas está aumentando.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733
Luiz Carlos Azedo: Duas derrotas num só dia
Bolsonaro anunciou um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama
O presidente Jair Bolsonaro sofreu duas derrotas ontem, ambas no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma foi a decisão acachapante do plenário da Corte em favor de governadores e prefeitos que determinarem o fechamento temporário de templos religiosos para combater a propagação da pandemia da covid-19, durante os períodos de rígido distanciamento social, cujo resultado foi 9 a 2. A outra, a liminar do ministro do STF Luís Roberto Barroso a favor do mandado de segurança dos senadores Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), do Cidadania, determinando a imediata instalação da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que vinha empurrando o assunto com a barriga há 65 dias.
CPIs são uma prerrogativa da oposição, desde que tenham número mínimo de subscrições para instalação, o que é o caso. O que muda com a instalação da CPI é que o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e, principalmente, seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, passarão a ter muitas dores de cabeça em razão de tudo o que ocorreu durante a pandemia até agora. Na lógica da oposição, a CPI é a banda de música dos pedidos de impeachment. O negacionismo de Bolsonaro tem um histórico de atitudes e medidas contra a política de isolamento social, mas também contra a compra e produção de vacinas, o uso de máscaras etc. É um prato cheio para a responsabilização criminal pelo elevado número de mortes que vem ocorrendo.
Rodrigo Pacheco segurou a instalação da CPI enquanto pôde, pressionado por Bolsonaro e pelo Centrão, mas contrariou os seto- res da oposição, inclusive os que o apoiaram. Com seu estilo conciliador e habilidoso, manobrou demais e acabou provocando mais uma intervenção do Supremo no Congresso. Agora, a oposição tem prerrogativas constitucionais e regimentais para fazer uma devassa no Ministério da Saúde. Como a base do governo é majoritária no Senado, o Palácio do Planalto tentará controlar a CPI, voltando-a contra governadores e prefeitos, mas isso fará com que o cacife dos partidos de Centrão aumentem nas negociações com o presidente da República.
Vacinas
Em sua live semanal, ontem, Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social e defendeu “outras medidas” para combater a pandemia do novo coronavírus. Aproveitou para anunciar um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama. “É uma possibilidade. Um outro possível remédio que estará à disposição de todo o Brasil. Esperamos que dê certo”, disse. Também defendeu o exercício físico, que segundo ele, aumenta em oito vezes a velocidade de recuperação da doença.
Enquanto Bolsonaro flerta com o curandeirismo, a covid- 19 continua avançando no Brasil. Registrou 4.249 óbitos e 86.652 novos casos nas últimas 24 horas, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 345.025, e o total de casos aumentou para 13.279.857. Na quarta-feira, foram registrados 3.829 óbitos e 92.625 novos casos. Ou seja, por falta de vacinas e isolamento social adequado, a escalada da pandemia continua.
Para complicar a situação, há 12 dias o Instituto Butantan não produz novas vacinas por falta de insumos. Ontem, reconheceu que a remessa de matéria-prima da CoronaVac está atrasada, mas anunciou que já foi liberada na China e deverá chegar a São Paulo até 20 de abril. O princípio ativo da vacina era para ter chegado ontem. De acordo com o Butantan, o lote de 3 mil litros de insumos é suficiente para a produção de 5 milhões de doses da vacina. Uma segunda remessa, com mais 3 mil litros, está prevista para chegar até o final do mês. O atraso não vai impactar as entregas previstas ao Ministério da Saúde: 46 milhões até o final de abril. O Butantan já disponibilizou 38,2 milhões de doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e ainda possui cerca de 3,2 milhões de vacinas no controle de qualidade, que devem ser liberadas até o dia 19 de abril.
Alon Feuerwerker: Não é o que parece
Faça como numa reunião por Zoom: ponha a política no mudo
Apesar de tudo, o universo da política continua achando mais provável Jair Bolsonaro ficar no Planalto pelo menos até 2022. E tem outra. Depois de Luiz Inácio Lula da Silva voltar à elegibilidade, diminuiu naturalmente o número de quem vê o atual presidente na cadeira até 2026. Diminuiu, mas está longe de ter virado fumaça.
O ambiente anda chacoalhado. Esqueça, porém, os discursos: os principais atores só estão de olho mesmo é em 2022. Isso seria apenas o óbvio, não comparecessem dia sim outro também diante do público para dizer que estamos mergulhados numa tragédia (e estamos mesmo) e que isso exige medidas radicais imediatas.
De vez em quando, faça como numa dessas reuniões no Zoom, ou no Teams: ponha a política no mudo. Preste atenção no que os políticos fazem, e não no que dizem. Um exemplo foi o manifesto dos seis pré-presidenciáveis. Na forma, um libelo pela democracia. Na alma, apenas um posicionamento para a eleição. Contra Bolsonaro, Lula e possíveis aliados de cada um dos dois.
Se a prioridade fosse fazer um gesto antibolsonarista, Lula teria sido convidado. Mas suponhamos que as atribulações jurídicas dele constrangeram os autores. Então por que não chamaram o Guilherme Boulos? Ele é pré-candidato. Ou seja, se tirarmos o som, conclui-se que no manifesto a dita fé democrática apenas encobriu mais uma tentativa de alavancagem eleitoral “contra os extremos”.
Teria sido melhor dizer “olha, somos pré-candidatos, mas estamos dispostos a nos juntar em torno de um único nome”. Esta é, aliás, uma vantagem do atual ocupante do Planalto: as falas dele trazem o que pretendem dizer, não encobrem intenções e não exigem do povo grande esforço de interpretação.
“Preste atenção no que fazem, e não no que dizem. Um exemplo foi o manifesto dos seis pré-presidenciáveis”
Querem saber uma razão da estabilidade vivida pelo governo Bolsonaro, mesmo com a tragédia sanitária e suas consequências econômicas? Não há consenso entre os adversários de que qualquer coisa é preferível a ele na Presidência.
E o capitão vai tocando o barco, protegendo e mantendo organizadas suas fileiras, para resistir e preservar uma musculatura político-eleitoral que o coloque pelo menos no segundo turno em 2022.
Não que a vida de Bolsonaro esteja resolvida. Vamos ver o que sai da caixinha de surpresas do Supremo Tribunal Federal no dia 14, mas se Lula continuar candidatável espera-se a intensificação do bombardeio contra Bolsonaro vindo do “centro”, para tentar demoli-lo e oferecer-se ao eleitorado hoje bolsonarista como a única opção contra “a ameaça da volta do PT”.
Sobre isso, espera-se também um esforço monumental do establishment para convergir o “centro” para um único nome.
A política brasileira é cheia de sobressaltos, mas também tediosamente previsível.
Ah, e uma diferença definitiva entre a situação de agora e a das Diretas Já, citada no “manifesto dos seis”. Em 1984/85, os liberais que hoje seriam chamados de centristas aceitaram juntar-se à esquerda. Não consta que alguma vez Ulysses Guimarães, Franco Montoro ou mesmo Tancredo Neves tenham colocado a coisa como uma luta “contra os extremos”.
Era outro tempo. E outro tipo de político.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733
'Esta direita é atrasada demais', diz José Carlos Capinan
Pelos seus 80 anos, escritor recebeu homenagem on-line da FAP e lembrou trajetória iniciada em Centro de Cultura Popular da UNE
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Sem sair de casa, na Bahia, há mais de um ano, em razão da pandemia da Covid-19, o poeta, escritor e compositor baiano José Carlos Capinan, de 80 anos, classificou o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como “um desastre”, que, segundo ele, provoca “atraso muito grande” para o país e risco de “levar todos ao abismo”.
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Na quarta-feira (7/4), Capinan lembrou sua história de uso das palavras para mover a cultura, a poesia, a música e a literatura brasileiras, durante homenagem on-line da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, pelos 80 anos do compositor, completados em fevereiro. O poeta lamentou a falta de um política nacional de enfrentamento à pandemia, sem citar nominalmente Jair Bolsonaro.
A homenagem ao escritor ocorreu poucas horas depois de o presidente descartar lockdown nacional contra a Covid, na mesma data em que o país registrou 3.829 mortes por complicações da doença e um dia após bater o recorde de 4.195 óbitos em apenas 24 horas.
Músicas contra obscurantismo
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, ressaltou a importância de seu contemporâneo como poeta e compositor. “Você escreveu, na nossa juventude, muito daquilo que a gente pensou e protestou, com músicas importantes que nos ajudaram a lutar contra a ditadura e regimes como este, obscurantista, sempre apontando muito bem para o futuro”, acentuou.
Na homenagem com transmissão ao vivo pelo site e redes sociais da FAP, o diretor-geral da entidade, sociólogo Caetano Araújo, cumprimentou Capinan, chamando-o de “extraordinário militante da cultura e da política”.
Defensor da democracia e justiça social, Capinan já escreveu músicas para cantores nacionalmente conhecidos, como Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Jards Macalé, Paulinho da Viola, Geraldo Azevedo, João Bosco e Roberto Mendes.
Sem citar Bolsonaro, o compositor não escondeu sua decepção com o governo brasileiro. “Não acredito que a gente possa viver, de forma definitiva, qualquer desastre como este que a gente está vivendo. Na verdade, nunca pensei, nunca acreditei em um retrocesso tão grande. O Brasil já viveu coisas muito mais à frente disso que está aí. É um atraso muito grande”, disse.
Confira o podcast!
Abismo
O poeta disse que, normalmente, a esquerda é acusada de ter visões e comportamentos muito ultrapassados, mas, segundo ele, “esta direita é atrasada demais”. “É uma direita que não tem como sobreviver, realmente levará todos ao abismo. A dificuldade que enfrentamentos é o inesperado: esta doença, coisa terrível”, afirmou.
Por outro lado, o poeta agradeceu aos cientistas por lutarem na árdua guerra contra a Covid, que já matou mais de 341 mil pessoas no país. “Ao mesmo tempo, temos a ciência respondendo a tudo isso”, disse. “Felizmente, temos uma ciência fantástica respondendo a essa loucura”, reforçou.
Apesar da hecatombe da pandemia, Capinan mantém vivo o seu otimismo. “Creio que essas coisas que a gente atravessa na história, esse túnel, têm uma saída, vão ter uma saída”, salientou ele.
Em sua avaliação, o modelo econômico que sustenta desigualdade e exclusão tem se mostrado cada vez mais insustentável. “Não sei se interessa ao capitalismo essa forma horrorosa que hoje atravessamos. Temos um capitalismo já desenvolvido, melhor pensado e executado, e essas trevas, provavelmente, não serão definitivas em momento algum”, ponderou.
Militante do PCB
A homenagem também serviu para compositor reencontrar, mesmo que virtualmente, amigos dos anos 1960, quando frequentou o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). Ele também foi militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro), que evoluiu para o Partido Popular Socialista (PPS) e ganhou nova identidade com o Cidadania.
“Foi exatamente o Centro Popular de Cultura que me deu instrumentos para meu trabalho”, contou o poeta. “Foi no CPC o primeiro encontro com o pessoal do Partidão. Apesar de Salvador ser politizada pelos estudantes, havia uma histórica família comunista, dos Santanas, do qual Tom Zé era originário. Aristeu Nogueira me catequizou para o partido”, disse.
Em 1964, no primeiro ano da ditadura militar, fugiu de Salvador para a casa do pai, no interior de São Paulo. Tinha 12 irmãos. “Era uma coisa muito interessante porque meu pai sentava na cabeceira da mesa e, uma vez, ele, sempre sensível, disse: ‘os comunistas querem mudar o mundo, mas, na hora em que o bicho pega, correm para casa’”, lembrou.
O compositor nasceu, em 1941, em arraial de Três Rios (BA), mas foi registrado na vizinha cidade litorânea da Esplanada. Ainda muito cedo, mudou-se para o litoral Sul da Bahia.
Inspiração nas feiras
“Na minha casa não havia biblioteca. Meu tio era telegrafista e me criou. Em Salvador, moramos defronte à Feira de Água de Meninos, que, posteriormente, em 1964, foi incendiada”, afirmou. “Acredito que não foi acidente porque era desejo, na época, de se retirar a feira do local”, disse.
Foi justamente a movimentação da cultura popular nas feiras que fez Capinan desenvolver o gosto pelas letras. “Minha relação com a poesia nasce da observação de poetas populares nas feiras e vendedores de mesinhas no Pelourinho, em Salvador”, contou ele.
As palavras cantadas pelos Camelôs na correria para vender seus produtos, lembrados por Capinan como “animadores incríveis do cotidiano”, revelaram a riqueza e a inspiração da sabedoria popular nas feiras.
“Lá aprendi as primeiras lições de poesia. Eu também era muito leitor de livro de cordel. Tinha coleção fantástica desses livros e me alimentava muito das histórias e fantasias. Era muito estimulado pela criatividade dos cordéis”, relatou.
Ao concluir a retrospectiva de seus 80 anos de vida, o compositor definiu sua trajetória como “perseverança incrível” e compartilhou com todos o desejo por um país menos injusto, menos desigual e menos excludente.
“A gente vê coisas maravilhosas no Brasil”, ressaltou, para apontar os maiores desafios. “Vencermos o racismo, o preconceito, o obscurantismo. Esses retrocessos todos vamos ter que superar, e espero estar vivo para celebrar com vocês ou com a mesa farta baiana o fim de tudo isso. Não sei o que teremos para escolher, mas escolheremos melhor do que está e do que estamos vivendo”.
GALERIA DE FOTOS
O Estado de Minas: 'A compreensão do racismo foi tirada da gente', diz a escritora Ijeoma Oluo
Ijeoma Oluo afirma que conquistar espaço na internet é fundamental para a luta antirracista
Nahima Maciel, Correio Braziliense
Quando começou a escrever “Então você quer conversar sobre raça”, Ijeoma Oluo tinha em mente o leitor americano. Filha de nigeriano com americana branca, premiada com o Humanist Feminist Award em 2017 e autora de colunas no “The Guardian”, “Washington Post” e na “New York Magazine”, ela queria produzir um livro capaz de conversar didaticamente com as pessoas sobre questões relativas à raça, mas sem deixar de ser contundente.
A autora norte-americana desejava, sobretudo, que seu livro fosse acessível a muitas pessoas. “Comecei a escrever porque queria encontrar um livro sobre o tema racial que ativistas, escolas e faculdades pudessem usar. Não havia um livro assim. Queria preencher essa lacuna com um livro que realmente ajudasse a entender as questões de raça e racismo, que ajudasse a resolver problemas reais do dia a dia”, conta.
“Então você quer conversar sobre raça”, que acabou na lista de mais vendidos do “The New York Times”, está entre as obras fundamentais na abordagem do racismo e de como ele se projeta sobre a sociedade. Misoginia, justiça social, desigualdade e feminismo, temas sempre presentes nos artigos de Ijeoma Oluo, também permeiam o livro.(foto: Jean-Baptiste Debret/reprodução)
'Não é possível dissociar a escravidão do sistema econômico, político e cultural baseado em um racismo violento. Para manter esses sistemas funcionando, em vez de refazê-los, fomos ensinados que o racismo não está no sistema, que o racismo se foi com o fim da escravidão'
Partindo de situações corriqueiras, muitas vezes com exemplos pautados em experiências próprias ou de pessoas próximas, a autora aprofunda a discussão sobre racismo estrutural, interseccionalidade, diferenças de gênero, ações afirmativas, apropriação cultural e violência policial.
Estimular ações concretas e influenciar a maneira como as pessoas pensam e agem é um dos maiores objetivos de Ijeoma. “O livro desmitifica um monte de coisas, tornando menos difícil e assustador falar de temas relacionados a raça e racismo”, acredita.
Para a autora, que cresceu em ambiente de relativa pobreza e de valorização da educação formal e do conhecimento, um dos pontos deixados de lado quando se discute o racismo é a efetivação de ações concretas para combater o problema.
“Achamos que se nos entendermos melhor, isso vai magicamente consertar o racismo”, diz. “Mas o racismo precisa de ação, de uma solução ativa. Se você não tiver conversas com foco em ações que podem ser realizadas, então não será uma conversa efetiva. Quando pensamos em como o racismo impacta a vida das pessoas, falamos de salário, saúde, bem-estar e coisas precisam de ação”, adverte a autora.
O conteúdo do livro não visa transformar racistas em antirracistas, mas apontar como o racismo sutil e contínuo pode ser violento e destrutivo. “Não existe um país no mundo, mesmo aqueles de maioria negra, que não tenha sido tocado pela supremacia branca. Enquanto pudermos reconhecer isso e construir redes de solidariedade em uma economia globalizada e numa cultura global, podemos trabalhar juntos para dar um fim a isso”.
Formada em ciências políticas, Ijeoma Oluo trabalhou em empresas e instituições antes de começar a viver da escrita. Além de “Então você quer conversar sobre raça”, publicado no Brasil pela editora Best Seller, lançou “Mediocre: the dangerous legacy of white male America” (“Mediocridade: o legado perigoso da América branca masculina”, em tradução livre) e “The badass feminist coloring book” (“O livro de colorir das fodonas feministas”), livro de colorir que reúne importantes feministas negras.
“ENTÃO VOCÊ QUER CONVERSAR SOBRE RAÇA”
De Ijeoma Oluo
Seu livro se tornou best-seller e ocupa a lacuna que, nos últimos 10 anos, tem sido preenchida por novas vozes do feminismo negro. O que mudou na última década em relação a esse ativismo?
Quando penso sobre os últimos 10 anos, se melhoramos, diria que, às vezes, avançamos um pouco socialmente, mas institucionalmente, não. Sistemicamente, não. A maneira como pessoas negras e pessoas de cor transitam por nossa sociedade permanece a mesma, sem mudanças. Se falarmos sobre salário, saúde e promoções, quase nada mudou. Infelizmente. Mas a maneira como falamos sobre raça e racismo está mudando parcialmente, porque a internet quebrou várias barreiras e permitiu que escritores negros escrevessem sobre suas experiências. Esse tipo de meio democratiza a fala e estamos falando disso de forma diferente, somos todos parte desse esforço. Mas não acho que isso tenha se traduzido em mudanças sistêmicas.(foto: Roberto Schmidt/AFP)
Quais são as mudanças mais relevantes na discussão sobre racismo desde que a internet se tornou um espaço público de discussão?
A internet é vital, precisamos encará-la como se fosse vida real, porque ela é cada vez mais importante não só para o trabalho antirracista, mas para o racismo. Temos uma espécie de oposição de forças que encontra força na internet. O antirracismo cresce na internet, mas a atividade de brancos supremacistas racistas também, eles conseguem recrutar e espalhar suas propagandas. Por isso é um espaço no qual precisamos prestar atenção. O que vimos no Capitólio em 6 de janeiro (invasão do Congresso por aliados de Donald Trump, com cinco mortos) começou na internet e acabou se tornando uma insurreição real, na vida real. Então precisamos ficar atentos ao fato de que a internet não existe apenas como espaço virtual, ela é muito importante e impacta o que ocorre na vida real.
Por que é tão difícil para países que tiveram economias baseadas na escravidão durante tanto tempo compreender o racismo estrutural?
A razão é deliberada. Não é uma incapacidade de entender, é que a compreensão do racismo foi deliberadamente tirada da gente. Quando você tem uma história de escravidão, sociedades onde pessoas eram vendidas e compradas, você tem um sistema econômico construído em torno de um violento racismo. Não é possível dissociar a escravidão do sistema econômico, político e cultural baseado em um racismo violento. Para manter esses sistemas funcionando, em vez de refazê-los, fomos ensinados que o racismo não está no sistema, que o racismo se foi com o fim da escravidão. Mas as pessoas que faziam dinheiro com a exploração de populações de cor, em especial os corpos indígenas e negros, ainda têm o poder e constroem sistemas que asseguram que tenham lucros. Nós somos as pessoas exploradas para que eles tenham lucro. Mas se você disser que isso acabou com o fim da escravidão, então você não tem que desistir desse poder e reestruturar o sistema. Na escola, somos ensinados que não houve racismo na maneira como se deu a transição da escravidão para o nosso sistema atual, nosso sistema econômico, agrícola. É muito deliberado. Espero que as pessoas entendam que não quer dizer que elas não são espertas se não entendem, e sim que nosso sistema educacional foi desenhado para abrigar essas ideias.(foto: Mauro Pimentel/AFP - 21/6/18)
O Brasil é um país que acredita no mito da democracia racial. Por sermos muito misturados, às custas da violência do estupro durante a escravidão e por acreditarmos que o brasileiro tem natureza pacífica, o que tem se mostrado cada vez menos real, acreditamos também que não há racismo no país. Que conselhos você daria para quem perpetua esse mito?
Uma coisa importante é sempre olhar e categorizar quem tem sido beneficiado pela escravidão. Porque é claro que, no Brasil, as pessoas não foram beneficiadas igualitariamente. Você tem uma população dividida por cor e gênero que não foi beneficiada. Quem cresceu e se enriqueceu e quem não? É preciso quantificar. Uma das coisas que levam as pessoas a dizerem que não existe racismo é que, na verdade, não quantificamos. Mas tudo pode ser medido. Podemos medir quem vive em periferias pobres? Quem tem falta de serviços públicos? Quem mais provavelmente irá para a prisão? É muito importante quantificar isso, olhar para a história e se perguntar por que e como o sistema perpetuou isso. Temos que fazer isso, mas também escutar e entender que se é algo de que não ouço falar, é provável que seja porque as pessoas da minha comunidade não são impactadas por isso, e esse é um sintoma de racismo. Podemos olhar os números no Brasil e em outros lugares, há a estratificação da população: algumas pessoas estão muito bem, outras não. Boa parte disso tem base racial. Se você mora no Brasil e não consegue ver, significa que você é parte de um substrato social que não sofre com isso. Aí você tem de fazer o seu trabalho, tentar entender e se perguntar: quem não estou ouvindo? Porque a verdade é que as pessoas pobres no Brasil, as oprimidas e exploradas, estão falando sobre o que acontece com elas, mas são caladas o máximo possível. Eu diria: procure, ajude essas vozes a serem ouvidas.
O Estado de S. Paulo: Questões de diversidade e meio ambiente afetam competitividade, diz professora da FIA
Participação de mulheres e de outras minorias na administração é requisito básico para empresa sobreviver, diz expert
Alex Gomes, especial para o Estadão
A exigência por transparência em relação a aspectos ambientais, sociais ou de governança será cada vez mais alta, afirma Monica Kruglianskas, head of Sustainability and Partnerships do Programa de Gestão Estratégica para a Sustentabilidade da Fundação Instituto de Administração (FIA). “As questões de diversidade, bem como as de sustentabilidade, afetam diretamente a competitividade”, diz. “Para atrair investimentos, as empresas precisam reconhecer e incorporar esses conceitos no nível mais profundo: sua razão de existir.” Leia a entrevista:
Que erros os gestores cometem ao lidar com questões ESG?
Um dos mais comuns nas empresas é não definir bem o foco. Sustentabilidade é um tema muito abrangente, envolve praticamente toda a vida na Terra. É um equívoco para uma organização achar que pode resolver tudo. Ela deve, a partir do seu nicho, estipular qual será a sua contribuição e trabalhar para influenciar positivamente naquilo em que é única e especial. Fica mais fácil avaliar o que chamamos de “materialidade”. Ou seja, os aspectos que realmente importam para aquela empresa. Essa é a chave para relatórios ESG significativos e concisos, pois permitem que os analistas entendam melhor a gestão das questões ESG de uma empresa. Veja, aqui, existe muita oportunidade profissional. O fundo de investimentos global UBS estima que a demanda por inteligência e dados relacionados à sustentabilidade deve atingir US$ 5 bilhões nos próximos cinco anos. Se a organização não tem uma definição clara do que é realmente significativo, em que deve investir e quais são seus objetivos, é gerada uma frustração por não ver os resultados esperados e uma percepção negativa em investidores, credores e consumidores. Fica a falsa aparência de sustentabilidade, o greenwashing.
Na parte executiva, quais são os desafios para adotar ESG?
O primeiro é o aumento da regulamentação, voluntária ou não. Nas bolsas de valores internacionais, por exemplo, já se observam requisitos de divulgação ESG mais rigorosos para empresas listadas. O segundo é a falta de consenso com relação a ferramentas e indicadores que cada empresa deve usar. Há muitas estruturas para medir, relatar e comparar performance. Mas isso tende a mudar porque há um esforço global de convergência para facilitar a comunicação das empresas e a interpretação dos índices para investidores, bancos e seguradoras. Dados de sustentabilidade mais materiais e mais comparáveis estão por vir, o que ajudará a informar as decisões de investimento.
O que motivou a mudança entre os atores econômicos?
Sem dúvida os impactos econômicos influenciaram. Casos como o de Mariana e Brumadinho, por exemplo, causaram perdas para a BHP Billiton, que é dona da Samarco com a Vale, de cerca de US$ 6,4 bilhões em 2016. Mas existem exemplos de prejuízos que podem chegar a US$ 30 bilhões, como aconteceu com a British Petroleum, envolvida no desastre ecológico no Golfo do México em 2010. Isso sem contar as perdas no valor das ações. Investidores de longo prazo não estão de brincadeira. Os que lidam com fundos de pensões não podem investir em ativos que não vão conseguir pagar a aposentadoria de milhões de pessoas.
Sobre o aspecto social, a desigualdade na participação das mulheres no mercado de trabalho é um dos principais problemas que as empresas precisam resolver para essa gestão?
As questões de diversidade, bem como as de sustentabilidade, afetam diretamente a competitividade das empresas. A participação das mulheres e outras minorias nos conselhos de administração e gestão organizacional é pré-requisito para a sobrevivência da instituição a médio e longo prazo. Do ponto de vista da oportunidade, a diversidade de perspectivas permite aos negócios atenderem a mercados diversificados e clientes com necessidades distintas, ampliando o alcance e a riqueza do empreendimento. Com o alto nível de interesse na agenda internacional, em breve teremos mais e melhores requisitos sobre esse tema. O mais importante é aceitar que os níveis de transparência exigidos, seja para os aspectos ambientais, sociais ou de governança corporativa, serão cada vez mais altos. Para atrair qualquer investimento, as empresas precisam reconhecer e incorporar esses conceitos no nível mais profundo: sua razão de existir.
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Malu Gaspar: Jair Bolsonaro, um presidente imunizado contra a CPI da Covid
O requerimento para a criação de uma CPI da Covid-19, protocolado no Senado no início de fevereiro, deixou há muito de ser um pedido de investigação para ser um termômetro que afere as chances de sobrevivência política do presidente da República. Aos olhos de hoje, os líderes da Câmara e do Senado parecem ter concluído que Bolsonaro, que esteve na UTI, já pode ser politicamente desentubado.
O requerimento tem a assinatura de 31 senadores, mais do que as 27 exigidas, e o objeto da investigação é definido: “apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados” nos primeiros meses de 2021.
Nessas circunstâncias, o regimento do Senado diz que o pedido deve ser lido em plenário e a CPI, instalada imediatamente. Mas Pacheco, eleito para o cargo com o apoio de Bolsonaro, está há dois meses produzindo desculpas para não fazê-lo. A última foi expressa num documento enviado ontem pelo Senado ao Supremo Tribunal Federal, em resposta a uma ação de parlamentares pedindo a instalação da comissão.
Diz que a CPI poderia ter “efeito inverso ao desejado”, produzindo “desconfiança da população em face das autoridades públicas em todos os níveis”. Menciona, ainda, um eventual “apagão das canetas”, em que os gestores públicos deixariam de tomar decisões urgentes por medo de punição.
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Causa espécie o argumento de que não se deva apurar responsabilidades por uma tragédia sanitária para não causar medo em gestores públicos. Crises são momentos desafiadores, mas não podem ser consideradas salvo-conduto para desvios que causam mortes.
Além disso, acreditar que, depois do colapso no Amazonas e da omissão do governo federal na obtenção de vacinas, será uma CPI que dilapidará a confiança do brasileiro nas autoridades públicas soa tão falso como a promessa milagrosa de cura oferecida pela cloroquina.
Outra coisa que se ouve muito no Congresso é que “uma CPI desviaria o foco”, que deve ser voltado para a obtenção de vacinas. É fato que a pressão dos senadores removeu do cargo o chanceler Ernesto Araújo. É verdade também que o discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaçando o governo com “remédios amargos” e até fatais (como uma CPI), causou paúra em Bolsonaro.
Depois disso, ele abriu negociações para comprar a Sputnik V. Mas é difícil entender como uma CPI com 11 de 81 senadores poderia causar mais tumulto que os conflitos promovidos pelo próprio presidente da República.
De olho no Zap: Mensagens que tentam fazer de Bolsonaro um defensor das vacinas se espalham nas redes
A questão, aí, parece ser quem se quereria proteger do tumulto. Com a naturalidade de quem entendeu que o que estava em jogo era a ocupação de espaços na máquina pública, e não a confiança da população, Bolsonaro pagou a fatura. Cedeu a cabeça de Araújo ao Senado e entregou um ministério dentro do Palácio do Planalto à Câmara, nomeando para a Secretaria de Governo uma afilhada de Lira, a deputada Flávia Arruda.
No dia seguinte, o presidente da Câmara foi ao Planalto se reunir com o ministro da Saúde e saiu com discurso de líder de governo, desafiando as informações de prefeitos e governadores sobre a vacinação. “Por que o Brasil distribuiu 34 milhões de doses de vacinas e nós só temos 18 milhões de doses aplicadas? Não acho que seja possível que nenhum governador e nenhum prefeito não esteja vacinando.”
De um dia para outro, o remédio amargo virou água com açúcar.
Na Câmara, o foco de Lira passou a ser atender os empresários bolsonaristas Luciano Hang e Carlos Wizard, que reivindicavam mudanças na lei que permitiu a compra de imunizantes pelo setor privado.
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O texto aprovado em março mandava as empresas doarem as doses compradas ao SUS até que fossem vacinados todos os brasileiros do grupo de risco para a Covid-19. Só depois elas poderiam imunizar seus funcionários, entregando ao SUS uma dose para cada empregado vacinado.
Para atender Hang e Wizard, Lira aprovou, em regime de urgência, o fim da obrigação de esperar a vacinação dos grupos prioritários — o que rendeu ao projeto o apelido de “fura-fila”.
E Bolsonaro, de novo à vontade, voltou a defender remédios sem eficácia, visitou sem máscara bairros populares nos arredores de Brasília e falou contra medidas de isolamento social. No dia seguinte, o Brasil ultrapassou a marca de 4.000 mortes por dia pela Covid-19.
No ofício ao STF, Pacheco afirma que a população “reclama a priorização de soluções, e não a busca de culpados”. A julgar pelos últimos lances, o Congresso não está preocupado em encontrar nem uma, nem outra.
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