Podcast discute impacto da pandemia no futuro do Brasil
Ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão é o convidado da semana no programa Rádio FAP
O Brasil se aproxima da triste marca de 400 mil mortes por Covid-19. Já são cerca de 15 milhões de casos registrados da doença no país e os números não param de crescer. Para analisar o pior momento da pandemia no Brasil, o podcast Rádio FAP recebe o médico sanitarista e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão.
A importância do Sistema Único de Saúde (SUS), a condução do governo federal na pandemia e a perda da liderança do Brasil no sistema de saúde global são alguns dos temas desta edição. O episódio conta com áudios do Jornal Nacional, da TV Globo, e perguntas conduzidas durante entrevista para a Revista Política Democrática nº 30.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz, gerente de Comunicação da FAP.
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Alon Feuerwerker: O cachorro do Pavlov
Os reflexos condicionados contra uma frente ampla de oposição
Na culinária e na política, nem sempre quem faz o bolo come o bolo. Em 1992, o PT ofereceu a base popular para depor o presidente Fernando Collor de Mello. Certa hora, achou-se que Luiz Inácio Lula da Silva emergiria do processo imbatível em 1994. Mas Fernando Henrique Cardoso reagrupou as tropas dispersas do collorismo, pegou o trem do Plano Real e matou o sonho do PT de surfar a onda do impeachment rumo ao poder.
Deu-se o mesmo na queda de Dilma Rousseff. PSDB e PMDB (hoje MDB) decretaram o fim do quarto governo petista, reuniram-se em torno de Michel Temer e projetaram poder ir adiante no tempo. Mas a entropia trazida pela Lava-Jato foi além da conta e acabaram ambos tragados pelo tornado bolsonarista. O antipetismo trouxe junto a antipolítica e o antitudo, e tucanos e emedebistas viram o bolo escapar na undécima hora.
Esse fenômeno não se dá só em situações contaminadas por derrubadas de governos. Acontece também em transições normais, decorrentes de eleições convencionais. Quantas vezes se viu a polarização eleitoral, antes resiliente, ser atropelada por um azarão de última hora? Aí o oposicionista que fez de tudo e consumiu as melhores energias para minar o incumbente fica na poeira. Pois se tem algo difícil de combinar antecipadamente com o eleitor é o resultado de uma eleição.
“Na pandemia, esquerda e centro ensaiam juntar-se para fazer o bolo da lipoaspiração do atual presidente”
Assiste-se agora à ofensiva da esquerda e da ex-direita, rebranded como centro, contra Jair Bolsonaro. No momento, o objetivo de ambas é enfraquecê-lo para derrotá-lo na urna. Até porque Hamilton Mourão não tem sido, por enquanto, um replay de Itamar Franco ou Michel Temer. Não dá esperanças aos políticos hoje excluídos do poder. Nem esses andam dispostos a cozinhar o bolo e, de novo, ficar a ver navios. E Bolsonaro vai navegando…
Mas os mares andam cada vez mais turbulentos. Inclusive por certos incômodos que a condução governamental desencadeou e fez crescer na pandemia. Um deles, importante: pela primeira vez a elite sente algo parecido com as gentes do povão quando ficam doentes e não têm certeza de que vão encontrar um leito vazio de hospital ou UTI.
Atenção, eu disse “algo parecido”. Mesmo hoje, continuam situações no limite incomparáveis.
Na tempestade da pandemia, esquerda e centro ensaiam juntar-se para fazer o bolo da lipoaspiração do atual presidente, mas sempre com um olho no peixe, Bolsonaro, e outro no gato, o aliado de momento e já garantido adversário de amanhã. E, ao contrário de situações históricas anteriores, desta vez nem tentam disfarçar. Não é mais um jogo de dois, bolsonarismo e antibolsonarismo, ou petismo e antipetismo, mas de três.
Jogo de três é sempre mais complicado de operar. Se até o cachorro do Pavlov aprendeu, desenvolveu reflexos condicionados, não é difícil supor que os políticos também tenham aprendido. De viver, estudar ou ouvir falar, tanto faz. Entrar de gaiato numa “frente ampla” para confeitar o bolo e correr o risco de ficar sem nenhum pedacinho dele na hora de comer talvez não atraia mais tantos incautos como no passado.
Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735
'Segurança jurídica é elemento de importância quase espiritual', diz advogada
Em artigo publicado na revista mensal Política Democrática Online, a também consultora legislativa do Senado avalia decisão envolvendo caso Lula
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
“Vivemos tempos difíceis e nossa democracia não caminha a passos largos, mas, sempre teremos no devido processo uma das mais importantes armas contra o arbítrio”. A declaração é da consultora legislativa do Senado Federal em direito penal e processo penal, Juliana Magalhães, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição).
Na avaliação dela, é preciso considerar que “a segurança jurídica é um elemento de importância quase espiritual para as nações, pois o homem toma decisões diuturnas com base no seu resultado futuro dessas decisões”.
Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
Mestre em direito e políticas públicas, especialista em direito processual e sócia do escritório Trindade Câmara Advogados, Juliana analisou os aspectos processuais da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin no habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Incompetência
Fachin declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o julgamento de ações penais (Triplex de Guarujá, sítio de Atibaia, sede do instituto Lula e doações ao mesmo instituto) em desfavor do ex-presidente, determinando a remessa daqueles autos ao Distrito Federal.
No dia 15 de abril, o STF decidiu rejeitar o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) que buscava reverter a anulação das condenações de Lula impostas pela Justiça Federal do Paraná, na Operação Lava Jato.
Além de Fachin, sete ministros (Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso) votaram pela rejeição do recurso e três pela aceitação (Nunes Marques, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux).
Com a rejeição do recurso, as anulações das condenações foram mantidas, e Lula continua elegível.
“A decisão do ministro [Fachin], tal como se tornou comum na comunidade jurídica, causou estranhamento”, afirma Juliana. “Não em razão da matéria de fundo, isto é, se, de fato, não há correlação entre os fatos narrados naquelas ações e os diversos episódios de corrupção em desfavor da Petrobrás, cujo mérito não será objeto do artigo”, ressalta.
Menoscabo
No entanto, segundo ela, o problema da questão são as sucessivas manifestações de menoscabo em relação às normas processuais penais pela justiça brasileira, especialmente pelo STF.
Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online
“O Estado Democrático de Direito deve estar baseado no devido processo legal, conquista da civilização moderna que sabe, com razoável previsibilidade, a sequência dos atos processuais e suas consequências”, assevera a consultora legislativa.
A análise de Juliana pode ser vista, na íntegra, na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos
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'GDF não pode ser um avestruz na pandemia', diz economista Tânia Santana
Especialista vai participar de segundo debate do Seminário Brasília Cidadania, realizado pela FAP em parceria com a Zonal do Plano Piloto do Cidadania
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Com mais de sete mil mortes por complicações da Covid-19 e crise econômica sem precedentes, o Governo do Distrito Federal (GDF) deve garantir auxílio financeiro aos mais atingidos pela pandemia, principalmente, aos que vivem em bolsões de pobreza. O alerta é da doutora em Economia Tânia Santana pela Heriot-Whatt University (Reino Unido), em entrevista ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
Confira o vídeo!
“O GDF não pode ser um avestruz”, afirmou, em alusão à ave conhecida pela lenda de que enfia a cabeça em buraco quando está com medo, para chamar a atenção do governo distrital sobre a importância de assumir a responsabilidade de amparar as famílias em meio à pandemia.
Tânia, que também é economista das Comissões de Orçamento e de Fiscalização, Governança e Controle da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), vai debater o impacto da pandemia e a possível retomada econômica, durante o segundo evento on-line do Seminário Brasília Cidadania.
O evento será realizado, na quinta-feira (22/4), pela FAP, em parceria com a Zonal do Cidadania no Plano Piloto (veja mais detalhes ao final desta reportagem).
Sem dicotomia entre saúde e economia
Tânia sugere, ainda, repasse financeiro a microempreendedores para que não se afundem ainda mais no abismo da crise provocada pela pandemia. Na avaliação dela, “não há dicotomia entre política de saúde pública e política econômica”.
Segundo a especialista, o GDF não deve se eximir da responsabilidade de amparar as famílias em meio à maior crise sanitária global da história. “Tem de fazer o que não estiver sendo feito pelo governo federal, que já não vai continuar com repasse de R$600 por mês”, afirma ela.
Por isso, de acordo com a economista, “o governo distrital tem de complementar [o auxílio], em vez de fazer de conta que não existe problema”, destaca. “O que o governo local está fazendo é ignorar, fingir que não existe nada, falando em obras, fazendo de conta que a pandemia não nos afetou”, critica.
Menos investimentos
Para ter uma ideia, o gasto do Poder Executivo no combate à pandemia de coronavírus nos 100 primeiros dias deste ano é 12 vezes menor do que a média de 2020. Até o dia 10 de abril, o governo federal havia desembolsado o equivalente a R$157 milhões por dia para o enfrentamento da covid-19.
No ano passado, a média diária de pagamentos foi de R$1,892 bilhão, segundo dados disponíveis no Portal Siga Brasil, mantido pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado (Conorf), e divulgados pelo Senado.
Enquanto ganha força com a redução de valores para ações contra a pandemia a nível federal, na avaliação da economista, a Covid-19 escancarou ainda mais a desigualdade no Distrito Federal, assim como em outras unidades da Federação.
“Os bolsões de pobreza vieram à baila”, destaca ela. “Os dados mostram que os maiores impactados são os mais excluídos, os mais pobres, as mulheres, os negros. As populações marginalizadas foram mais afetadas pela pandemia do que o resto da população”, lamenta.
Desigualdade escancarada
É exatamente no Distrito Federal que se encontra uma das maiores favelas do Brasil: Sol Nascente. Por isso, segundo a economista. “As políticas públicas de retomada do crescimento precisam parar de fingir que a pandemia não existe. A política econômica do GDF precisa voltar a olhar a questão da desigualdade e levar isso em consideração na hora de planejar a retomada do crescimento”, assevera.
O repasse do governo a micro e pequenas empresas, segundo Tânia, também é importante para a retomada da economia. “São elas que empregam mais em termos de PIB do que as grandes e as multinacionais. Elas estão sendo esquecidas. São as que mais geram emprego”, afirma a especialista.
Segundo a doutora em economia, a ação do governo direcionada a essas empresas não deve se limitar a ofertas de empréstimos com condições diferenciadas e adiamento de pagamento de impostos, mas, sobretudo, fundamentalmente, a repasses. Isto porque, ressalta Tânia, o governo precisa ter cuidado para não fazer ações que, depois, revelam-se como pivô do endividamento desses grupos.
De acordo com análise da doutora em economia, não há separação entre saúde pública e economia. “Da mesma forma que a política econômica de renda mínima é política de saúde, porque permite que as pessoas fiquem em casa e não se exponham ao vírus nas ruas, a política de vacinação é, também, uma política de retomada econômica”, destaca.
Ruptura
Na avaliação da economista, a pandemia deve fazer o DF repensar seu modelo de desenvolvimento econômico . “A crise é um momento de ruptura e de repensar e planejar um novo futuro. Então, acredito que esse momento de pandemia é para olharmos como queremos retomar, que tipo de economia queremos ter depois da pandemia”, pontua.
Tânia diz que o Distrito Federal tem de ser menos dependente do setor público, da folha de pagamento do governo federal e do GDF. “Deve ser mais voltada à inovação, ao empreendedorismo, ao desenvolvimento de empresas locais, que precisam se digitalizar, pensar em termos de logística e entrega e inovação na forma de prestação de serviço”, explica.
Além da especialista, o evento terá a participação do economista André Eduardo Fernandes, ex-secretário da Fazenda do DF e consultor do Senado. A mediação será realizada pelo diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, que também é consultor legislativo do Senado.
Serviço:
Seminário Brasília Cidadania
2º evento on-line da série
Dia: 22/4/2021
Transmissão: das 19h às 21h
Onde: Portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
O arquivo do vídeo do evento fica disponível para o público nesses canais depois do evento
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Leonardo Padura: Cuba - O congresso do Partido e mais continuidade
O VIII Congresso do Partido Comunista de Cuba foi o palco da aposentação da velha guarda e do próprio Raúl Castro. Mas em Cuba fala-se de muitas outras coisas: unificação monetária, pandemia, vacinas cubanas, crise e possibilidade de abate de gado, após quase 60 anos de proibição. "O congresso da continuidade histórica" resume as tensões entre a inércia e a mudança.
As pessoas falam em Havana. Fala-se sobre tudo. Fala-se muito, por exemplo, do novo surto da covid-19, que nos últimos dois meses atingiu números da ordem do milhar de infeções diárias, quando nos tínhamos habituado a contar menos de cem. Fala-se do anúncio de supostas medidas adicionais de restrição da pandemia, mais encerramentos, mais controles. Fala-se do vizinho que testou positivo e foi internado, o pobre homem. Fala-se, claro que se fala, das várias vacinas cubanas candidatas, aposta-se nelas e espera-se por elas como tábua de salvação.
Também se fala, agora, que o governo cubano, depois de quase seis décadas de proibição, vai autorizar os ganadeiros do país a abater gado para comercializar a carne e lhes dará facilidades para vender leite. E isto não é pouca coisa: em Cuba, por matar uma vaca, podia-se ter uma condenação pior do que na Índia. Podia-se ir para a cadeia durante vinte anos, muito mais tempo do que para alguns homicídios. Claro que poderá vender-se carne e leite, mas ... com controles. Em Cuba tudo é regulado, controlado, embora depois seja re-regulado e descontrolado, como a transmissão da epidemia. O problema é que em Cuba, que chegou a ser um país exportador de carne, não restam muitas vacas.
A decisão de “liberalizar” o gado vem embalada num pacote de sessenta e três medidas das quais, segundo os media oficiais, “trinta são consideradas prioritárias e outras de caráter imediato, para estimular a produção de alimentos na nação”, algo que, como as pessoas falam, é um problema cada vez maior. Entre essas medidas foi incluída também a redução da tarifa de energia elétrica para os produtores de alimentos, após o aumento de preços decidido pelo governo.
Fala-se, e muito, de que o dinheiro não chega. Por fim, realizou-se a tão esperada e mil vezes anunciada unificação monetária, que tirou da circulação os chamados pesos convertíveis (CUC) que tinham alguma equivalência com o dólar (USD), mas que se trocavam a vinte e quatro pesos cubanos (CUP) por CUC ... mas também a doze, ou um a um, dependendo da instância comercial ou administrativa que realizasse a troca, tendo como resultado lógico que nunca se sabia ao certo quanto custava ou valia algo. Assim funcionava (ou pretendia funcionar) a economia nacional
Agora, fixou-se o câmbio oficial de um dólar por vinte e quatro CUP, para não desvalorizar demasiado a moeda cubana. E os salários e pensões do estado quintuplicaram-se ou mais em CUP, enquanto os preços dos produtos nas lojas do estado septuplicaram ou muito mais. No entanto, como essas lojas do Estado não estão abastecidas e há longas filas diante delas que podem levar o suposto comprador a estar cinco, seis horas, ao sol e à chuva e sem casa de banho onde faça as suas necessidades (também se fala nisso, muitíssimo), o mercado negro do câmbio de divisas deu ao dólar e ao euro valores mais reais: cerca de quarenta e oito pesos por dólar e cinquenta e seis pesos por euro. E em subida.
Fala-se, certamente, de que o presidente Joe Biden nem sequer olhou para nós. Esperavam-se algumas mudanças nas medidas muito restritivas aplicadas pela administração anterior, que endureceu as leis do embargo, proibiu praticamente o envio de remessas dos Estados Unidos para Cuba, fechou o consulado em Havana e complicou a possibilidade de viajar aos cubanos com famílias do outro lado do Estreito da Flórida. Hoje, para aspirar a um visto, o cidadão cubano tem de ir a um terceiro país. Guiana, por exemplo. E quando fala sobre isso, as pessoas perguntam: Biden é mais do mesmo? Até agora, para os cubanos, parece que sim.
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Mas fala-se, sobretudo, que a "coisa" está mal. De que a economia está em crise com a paralisia do turismo e a tradicional ineficiência, do aumento da atividade dos dissidentes, de que a vida está cada vez mais cara e as pessoas não sabem como dar um jeito. Até o Presidente da República, Miguel Díaz-Canel, o diz quando exige soluções imediatas, porque há urgência, não há tempo para prazos longos.
E embora se fale também do VIII Congresso do Partido Comunista de Cuba, creio que a ele se dedicam menos palavras, comentários e pensamentos dos que logicamente deveria provocar. Mesmo nos media oficiais, dirigidos pelo Partido, tenho quase a certeza de que se falou muito menos do que outras vezes. Apenas se sabe que se discutirá no Congresso sobre “a atualização da Conceptualização do Modelo Económico Cubano de Desenvolvimento Socialista e da implementação das Linhas de Orientação da Política Económica e Social do Partido e da Revolução”. Ou seja, voltará a falar-se do que já se fala.
Diz-se também que o Congresso trará mudanças. Mas só sabemos com certeza que haverá uma, e já a conhecemos há vários anos: o general Raúl Castro deixará o seu cargo de Secretário-Geral e o entregará ao atual Presidente da República.
O que implicará essa mudança? As pessoas não sabem e apenas especulam sobre o assunto. Já se sabe, porque foi dito, que o Congresso será um exercício de continuidade, de reafirmação da irreversibilidade do socialismo em Cuba, ou seja, que em essência se dirá que se manterão as mesmas formas de governo, política e de organização social existentes neste momento.
Mais informações
Se houvesse mais informações sobre o que poderá trazer a reunião do órgão máximo de decisão do país, talvez as pessoas falassem muito mais. Mas o secretismo faz parte do sistema político cubano. No entanto, pressupõe-se que a substituição de gerações históricas não implicará uma substituição essencial de práticas políticas, embora já a nível económico, como já referi, se tenham introduzido transformações, pois o país atravessa uma das suas piores crises financeiras, de produção e de abastecimento, não tão profunda como a da década de 1990, mas bastante próxima.
Com menos expectativas no ambiente do que talvez devesse gerar a reunião do partido único e governante em Cuba, seria desejável que o Congresso a decorrer (entre 16 e 19 de abril) desse muito mais temas para falar, especular, resultados que esperar. Que como resultado do conclave, se abanassem mais e melhor as estruturas económicas que demonstraram estar feridas por mecanismos e leis disfuncionais (como as que provocaram o empobrecimento da população pecuária do país) ou a tão demorada unificação monetária, que chegou quando não podia esperar-se mais e foi no pior momento económico da nação (só para citar um par de exemplos, a partir do que antes se mencionou), mudanças que tragam mais esperança a uma população que vive uma etapa de infinitas dificuldades, agravadas pela presença da pandemia que alterou o equilíbrio económico do mundo, não só da ilha.
No plano simbólico, o Congresso marcará uma mudança histórica na ilha, quando, pela primeira vez em seis décadas, já não serão Fidel e Raúl Castro os líderes. Nos últimos anos, e mais ainda nos últimos meses, a presença pública do general Raúl Castro tornou-se muito esporádica, enquanto a do presidente Díaz-Canel alcançou níveis de visibilidade que nem mesmo Fidel teve (segundo recordo). Portanto, será necessário ver se na realidade a transferência de poderes é completa e o que significará diante das novas realidades do país e do mundo. Embora, repito, se fale de continuidade, apenas continuidade.
Uma grande campanha de vacinação contra a covid-19, com vacinas criadas em Cuba, pode ser um grande legado do VIII Congresso do Partido Comunista de Cuba, neste mês de abril de 2021. A saída do cenário político ativo de Raúl Castro, logicamente que envolve uma viragem histórica mais ou menos visível no imediato. Mas as pessoas precisam de mais. Não só para falar, mas para viver melhor. Acho que depois de tantos sacrifícios, nós cubanos o merecemos.
E com urgência, não com soluções de longo prazo que às vezes nem sequer chegaram, perdidas no tempo, no espaço, na ineficiência e no esquecimento.
Artigo do escritor cubano Leonardo Padura, publicado em Correspondencia de Prensa(link is external) e originalmente em Nueva Sociedad(link is external), em abril de 2021. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
Itamar Garcez: O maniqueísmo ideológico dos inimigos da Lava-Jato
É humana a tendência de encarar nossas paixões com fervoroso maniqueísmo. Ou é bom, pleno de virtudes; ou é mal, infesto de defeitos. Este dualismo (ir)refletido, ao lado de inconfidências vazadas e interesses políticos difusos, esvanece o combate à corrupção
O desmanche da Operação Lava-Jato caminha a passos lentos e seguros. Sua desmoralização representará um novo golpe no combate à corrupção no Brasil, como a Operação Castelo de Areia, anulada pelo STJ, em 2011.
A Lava-Jato, no entanto, foi mais longe. As condenações poderão ser anuladas, quiçá os valores roubados e devolvidos pelos malfeitores restituídos. Mas restará histórico que um grupo de homens brancos, ricos e poderosos se organizou para surrupiar bilhões de reais de dinheiro do erário.
Por um punhado de anos foi possível acreditar que não somente pobres e negros mofariam nas masmorras de Cardozo. “Se tanta gente rica e poderosa foi encarcerada, por que não eu?”
Esta expectativa de novos tempos foi embarreirada pelos inimigos, méritos e erros da Lava-Jato. Entre os méritos, o giro excessivo de sua metralhadora, acertando gente demais nem sempre com um tiro fatal. Os erros foram a soberba e o desejo justiceiro. Juízes e promotores deveriam moldar-se pelo equilíbrio, pela sobriedade e pela fidelidade a leis justas. Justiceiros movem-se pela cegueira de convicções pessoais.
Larápios, uni-vos
Os colóquios vazados não representam novidade no mundo jurídico. Se alguém acredita que juízes, promotores e delegados não compartilham suas ações é candidato a viver na Venezuela democrática ou na Amazônia preservada. Causídico de sucesso não é apenas o que sabe os números das leis, mas o telefone de autoridades da Justiça brasiliana. Interações incestuosas indicam a distância entre o Judiciário e a justiça.
A indiscrição hackeada acionou o esprit de corps dos larápios apanhados pela Lava-Jato. A deixa à sobrevivência em liberdade conduziu bolsonaristas e petistas ao mesmo trem rumo à impunidade. PT e seus parceiros, como PP e MDB, acionaram a nata cara da advocacia patrícia. Condenados em busca da ficha-limpa; causídicos atrás dos fartos caraminguás jorrados, de acordo com a Lava-Jato, dos oleodutos irrigados pela corrupção nunca antes desvendada no Brasil, que virou commodity.
Aos acusados juntaram-se togados que, travestidos de promotores, assanharam-se em defesa dos que outrora sentenciaram. Xerifes de ocasião. Com despudor, como uma biruta ao léu, desdisseram-se e o dito passou a não dito. Diante das escancaradas provas dos roubos – R$ 4,3 bilhões devolvidos de R$ 15 bilhões ajustados -, a tática é desmerecer o acusador e desprezar os fatos. Reviravolta e contradições tamanhas, difíceis de explicar a um juiz ou investidor vindos de uma democracia civilizada.
Todo mundo faz…
Se condenados e seus defensores têm motivos palpáveis para se opor aos paladinos da Lava-Jato, o que dizer da militância sequaz que aplaude o desmoronamento da inédita operação policial? Não há aqui resposta única.
Parte dela acredita que nada foi roubado por seus líderes. Parte acha que o assalto ao erário foi praticado por outros companheiros, não pelos seus. Parte crê que o assalto foi por uma causa maior, quando o pecado de hoje justifica o paraíso vindouro. Parte considera que todos se aproveitam dos cofres públicos escancarados, não seria justo que apenas um punhado fosse punido.
Não há, nem de um lado nem do outro, paladinos impolutos. Um lado errou pelo excesso e pela empáfia, largamente respaldados por instâncias legais superiores; o outro, pela rapinagem despudorada e incontida, a qual certamente teria se avolumado inda mais não fosse a contenção lavajatista.
O diretor da Petrobras Marcelo Zenkner disse ao jornalista Eduardo Kattah que o alvo do antilavajatismo é criar um “processo de desmoralização” para fazer crer que toda a operação policial foi “fruto de mera ficção”. Hoje, este processo tem no STF seu bastião irrecorrível. Aos poucos, a Lava-Jato vai derretendo, como visto nos discursos enraivecidos do xerife Gilmar Mendes.
Malfeitos? Não vi
Se é desconhecida a razão da fúria do sufeta supremo, o método adotado para a desconstrução da rara operação policial, que mirou gente muito graúda, é o do maniqueísmo ideológico. Não se trata de algo necessariamente planejado, mas de um mecanismo que cega o raciocínio.
Humanos têm a tendência de enxergar um único lado de suas paixões. A depender de nossos sentimentos ou interesses, superdimensionamos características alheias. Nada mais comum do que o ex-amante que passa a encarar o ex-ser-amado, antes pleno de virtudes, um humano vil e desprezível, onde sobejam defeitos. Sentimento teorizado por Roland Barthes (“O sujeito vê a boa imagem repentinamente se alterar e se inverter”) e poetizado por Chico Buarque (“Amanhã há de ser / Outro dia / Você vai ser dar mal“).
A maior parte da sociedade não reconhece as contradições do Parlamento. “Nada pode haver de positivo num colegiado que rouba e se locupleta”. Generaliza-se que todos os políticos roubam, logo nada de bom pode surgir dali.
O maniqueísmo empalidece a lucidez – ironicamente, um dos pecados fatais dos próceres da Lava-Jato, a sanha de despolitizar a política a partir da politização da Justiça. O Parlamento legou leis avançadas em diversos setores, como o meio ambiente, a proteção a minorias, o direito dos consumidores. “Mas como quem rouba e saqueia os cofres públicos pode produzir algo positivo?” Porque a Terra não é linear, é redonda, e não para de girar em torno de si mesma. Sim, a vida é contraditória.
O maniqueísmo ideológico gera discursos irracionais. “O Congresso Nacional só aprova boas leis porque é pressionado pela opinião pública”. Se assim o faz cumpre bem seu papel, pois, dos três poderes, o único que deve ser plenamente permeável à opinião popular é o Legislativo.
Impunidade estimulada
A Lava-Jato se enquadra neste dualismo excludente, entre o bem pleno e o mal absoluto. À medida que as artimanhas de seus integrantes vazavam, os crimes revelados pela operação eram paulatinamente esvaziados. O roubo que estava ali, escafedia-se. Como provas e evidências dos malfeitos são abundantes, prudente ignorá-las. Detratores da Lava-Jato – os quais, indiretamente, estimulam a impunidade – concentram-se nas intenções malévolas dos investigadores.
Parte desta interpretação polarizada jaz inconsciente. Se não é certo, é errado, fim de papo. Ao mesmo tempo, o maniqueísmo serve como tentativa de evitar que, em 2022, o hodierno mandatário siga à frente da nação. Parece patente, para uma parcela esclarecida e expressiva dos eleitores, que o presidente Jair Bolsonaro representa um retrocesso à democracia a ao desenvolvimento brasilianos. Não é possível contabilizar o valor que o maniqueísmo ideológico, e oportunista, legará aos velhos e novos larápios dos dinheiros públicos.
Presidente da Fundação Pedro Calmon, Zulu Araújo é vacinado contra Covid-19
“Nunca me senti tão cidadão quanto hoje. Fui vacinado contra o Coronavírus. Vacina Astrazeneca. Daqui a 90 dias volto pra concluir minha imunização”, anunciou Zulu, celebrando a primeira dose.
Presidente da Fundação Pedro Calmon (FPC), instituição vinculada à Secretaria de Cultura, responsável por coordenar o sistema de Arquivos e Bibliotecas Públicas da Bahia, Zulu Araújo (68) foi imunizado contra a Covid-19, nesta sexta-feira (26), em Salvador.
“Esse deveria ser um direito de todos e todas. Lamentavelmente a irresponsabilidade do Governo Federal está transformando esse direito num privilégio de poucos”, protestou o gestor público. “Vacina é vida. Viva a vida”, completou.
Marcio Santilli: Cartas ao Biden
Nunca antes na história deste país tantas cartas foram escritas para o presidente de um outro país. Nesses dias, Joe Biden tem recebido um monte de mensagens sobre a Amazônia e o Brasil. Sentimentos de esperança e de preocupação misturam-se na busca, meio aflita, por um canal de comunicação. Esperança de mudança no padrão das relações, preocupação com o risco e as consequências de uma frustração.
Biden convocou uma reunião de cúpula, que começa hoje, para reafirmar, em alto nível, a retomada dos compromissos dos Estados Unidos com os esforços internacionais para enfrentar as mudanças climáticas. Ele pretende ampliar as metas de redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa. Para isso, espera que outros grandes emissores globais, como o Brasil, também façam mais.
Nas últimas semanas, a equipe de John Kerry, assessor especial de Biden para a política climática, manteve negociações reservadas com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em busca de um acordo bilateral para que o Brasil reduza o desmatamento na Amazônia em troca de compensação financeira por parte dos EUA ou de empresas americanas.
A princípio, tudo normal. Governos negociam com governos e os EUA têm poder de pressão para convencer qualquer um ‒ até Jair Bolsonaro ‒ a optar pela via da negociação. No mérito, nada muito diferente de outros acordos passados, como o do Brasil com a Noruega, que resultou no Fundo Amazônia, cujo funcionamento foi paralisado pela atual administração federal. A novidade, então, seria a mudança de postura do Brasil, atrás de uma saída para o seu inédito isolamento político, agravado com a derrota de Trump e a posse de Biden.
Cuidado, Biden!
A esperança começou a ceder espaço para a preocupação quando circularam informações de que hoje, ou até o final da cúpula, já seria anunciado o tal acordo bilateral, sem que qualquer outra parte interessada tivesse conhecimento sobre seus termos. Por exemplo, os governos dos estados amazônicos, alijados do Conselho Nacional da Amazônia e afetados com a paralisação injustificada do Fundo Amazônia. Ou os povos indígenas e outras populações tradicionais, que têm direitos sobre grande parte da floresta e são essenciais para qualquer projeto de desenvolvimento sustentável da região.
Mas a preocupação não se limita à falta de transparência nas tratativas e à precipitação de um eventual acordo bilateral, estendendo-se a questões de fundo. Enquanto o governo sinaliza reduzir o desmatamento nas conversas, sua bancada move-se, no Congresso, para legalizar o roubo de terras públicas, a exploração predatória dos recursos naturais das Terras Indígenas e diminuir o rigor no licenciamento ambiental das obras de infraestrutura, inclusive na Amazônia.
Foi neste contexto que atores interessados enviaram cartas a Biden, reconhecendo a legitimidade da sua intenção de fortalecer a agenda climática, mas fazendo-o ver que, para a efetividade de uma iniciativa para reduzir o desmatamento, é imprescindível a participação dos diversos segmentos envolvidos.
Na semana passada, 24 governadores, inclusive os da Amazônia, enviaram carta a Biden propondo parcerias em questões ambientais. Eles têm interesse em programas bilaterais de cooperação com estados americanos, previstos na política de clima do presidente dos EUA.
Um mês antes, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já havia enviado carta ao Biden, pedindo que os índios sejam diretamente ouvidos nas discussões sobre a Amazônia. Como detentores de direitos originários reconhecidos sobre 25% da região, eles têm sido agredidos pelas ações do governo, que se nega a demarcar e proteger as suas terras, como exige a Constituição. No início do mês, 200 organizações da sociedade civil brasileira também enviaram carta a Biden, advertindo-o dos riscos para a sua própria política ao negociar com Bolsonaro a portas fechadas.
As mensagens dos índios e das ONGs repercutiram com força nos EUA, abrindo os olhos dos negociadores para os riscos inerentes às propostas brasileiras. Assessores de Kerry abriram diálogo com a Apib sobre a questão climática, embora o governo brasileiro tenha exigido a presença, nessa conversa, de índios cooptados, que não tinham muito o que dizer.
Ainda no início do mês, 15 senadores norte-americanos, inclusive ex-candidatos à Presidência e dirigentes de comissões-chave no Congresso, escreveram a Biden, opondo-se tanto ao anúncio de acordos sem consulta prévia a índios e ONGs como à destinação de recursos ao governo brasileiro antes de reduções efetivas do desmatamento.
Nesta semana, Leonardo DiCaprio, Katy Perry, Caetano Veloso e muitos outros artistas também se dirigiram a Biden no mesmo sentido.
Na cara dura
Aqui entre nós, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem dito que espera receber US$ 1 bilhão de empresas americanas, por meio do mercado de carbono, para investir no pagamento por serviços ambientais. Porém o “Floresta Mais”, programa que ele desenhou para este fim, assume-se como de caráter “voluntário”, sem relação com metas de redução do desmatamento, e privilegia proprietários e empresas agropecuárias para remunerar, inclusive, a conservação de Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente (APPs), uma obrigação legal.
Em troca, Salles oferece zerar o desmatamento ilegal até 2030, uma proposta capiciosa em vários sentidos. Legalizando atividades predatórias, como pretende o governo, o desmatamento poderia continuar em alta sem afetar essa meta. A ilegalidade que restasse continuaria sendo oficialmente tolerada por quase uma década, sendo que o mandato de Bolsonaro só vai até o ano que vem, o que não o obrigaria à entrega de resultados.
Cobrado por resultados imediatos, Salles propõe a adoção, como parâmetro de cálculo para reduções e compensações, da taxa média de desmatamento dos últimos cinco anos, inflada pelo salto promovido no próprio mandato de Bolsonaro. Dá uma média 18% maior do que a dos anos anteriores aos do governo atual. Ou seja: Salles quer licença para continuar desmatando e compensações por eventuais oscilações na sanha devastadora.
A carta mais emblemática enviada a Biden foi assinada pelo próprio Bolsonaro. Com sete páginas e muitas generalidades, chega a afirmar que povos indígenas e ONGs ‒ um câncer a ser extirpado, segundo a retórica presidencial ‒ serão ouvidos sobre as políticas para a Amazônia. Pode ser que esteja se referindo a índios cooptados por frentes predatórias e a certos grupos evangélicos pentecostais. Ora sugere rendição, ora empulhação.
O significado maior da carta presidencial está no fato de ter sido enviada, e não no que está nela escrito. Bolsonaro está acuado e a reunião com Biden, assim como a negociação com Kerry, têm um ganho imediato por si. É um recuo tático, para ganhar algum tempo e aliviar a pressão. Embora a carta reafirme a expectativa de compensação financeira, o que importa é enrolar Biden durante este ano. Em 2022, já teremos eleições e fim de mandato.
Fatos ocorridos durante as negociações e logo antes da reunião de cúpula reforçam a suspeita de falta de seriedade na posição brasileira. Salles confrontou a Polícia Federal para liberar milhões de metros cúbicos de madeira apreendidos por exploração ilegal e está sendo acusado, no Supremo Tribunal Federal (STF), de advogar em favor de interesses privados e contra o patrimônio público.
Bolsonaro, por sua vez, recebeu, em palácio, índios agenciados por empresários da mineração ilegal para pressionar contra operações de fiscalização e pela legalização das atividades predatórias. Salles e Bolsonaro estão se lixando para o impacto desses episódios nas negociações. Além disso, o desmatamento na Amazônia, em março ‒ dado oficial mais recente disponível ‒ foi o maior da década para este mesmo mês.
Day after
O conjunto das cartas a Biden, que têm significados próprios e diversos, revela um país dividido, abalado, desprovido de projetos e à procura de um oráculo, ou de qualquer luz, ou ajuda, para sair do fundo do abismo. Mas também mostra que a nova iniciativa climática dos EUA, com as devidas cautelas, pressiona governos e ajuda a alavancar mudanças no Brasil e no mundo, urgentes e essenciais.
Vamos ver o que acontece na reunião desses dois dias. É improvável o anúncio de qualquer acordo bilateral. Devem haver sinalizações dos 40 países convidados sobre o que levarão à próxima conferência internacional sobre o clima, prevista para novembro, em Glasgow, Escócia. O avanço na posição dos EUA alimenta esperanças e estimula as negociações, mas novos acordos ainda dependerão de empenho, transparência e credibilidade para amadurecer.
Por outro lado, os povos da floresta, organizações civis, artistas, cientistas e comunicadores, que têm sido duramente atacados desde o início do atual governo, estão emergindo dos embates como protagonistas políticos qualificados para a construção do “day after” da tragédia nacional. Nesse caso, articularam-se em redes parceiras com pessoas e organizações dos EUA, muito atentas aos primeiros movimentos do governo que elegeram. Exercício de aliança para novos tempos!
Thaynara Santos: Na guerra às drogas, entre mortos e feridos, salvam-se os brancos e ricos
Criminalização de substâncias sempre foi pautada pelo racismo e pela xenofobia
Por conta dos golpes que recebeu na cabeça quando lutava, Maguila desenvolveu encefalopatia traumática crônica, doença degenerativa do cérebro. Apesar da sua situação de saúde, o que virou notícia foi o tratamento da enfermidade com o uso de canabidiol (CBD).
Dentre os avanços estão a ONU ter retirado a maconha da lista de drogas mais perigosas e a Anvisa, excluído o tetra-hidrocanabinol (THC) e o CBD, componentes da Cannabis, da relação de substâncias que não podem ser prescritas ou manipuladas no Brasil. Houve também a aprovação da Lei nº 174/2019 que permite o cultivo de Cannabis para fins de pesquisa e a concessão de habeas corpus coletivo à Cultive, Associação de Cannabis e Saúde, de SP, para que 21 famílias possam plantar maconha em suas casas sem correrem o risco de serem presas.
No ano passado, a Associação de Apoio à Pesquisa e à Pacientes de Cannabis Medicina (Apepi-RJ) já havia obtido a autorização para plantio, realização de pesquisas e fornecimento de medicamentos para pacientes associados. O que continua dificultando o acesso ao remédio é o valor. Um frasco contendo 30 ml é vendido por cerca de R$ 2.300 (com desconto).
Olhando além da perspectiva da saúde, ficam as questões: como a legalização da maconha dialoga com os problemas sociais, raciais e de periferias? Como os cidadãos que contam com um auxílio emergencial para comer poderão pagar R$ 2.000 num medicamento? Quando os remédios da maconha —os de qualidade— chegarão ao Sistema Único de Saúde (SUS)? Como cultivar em um território que sofre frequentemente com operações policiais? Essas perguntas deixam claro que precisamos pensar em alternativas para aqueles que tiveram suas vidas ceifadas e seus direitos violados pela guerra às drogas.
Em Nova York houve a aprovação de um projeto de lei que legaliza o uso recreativo da maconha e prevê verbas às pessoas que receberam sanções da “war on drugs” (guerra às drogas).
Aprovado com cem votos, o projeto prevê a remoção dos antecedentes criminais dos condenados por crimes relacionados à Cannabis e das multas de quem havia sido pego com até 85 gramas (o novo limite de posse individual). A contratação de milhares de pessoas no mercado da Cannabis e a criação de um imposto sobre o comércio legal da substância são outras medidas sugeridas pela legislação.
Sabemos que a classificação das substâncias ilícitas não tem uma motivação exclusivamente relacionada à saúde. Nos Estados Unidos do século 20, os hispânicos eram relacionados à maconha, os chineses, ao ópio e os italianos, ao álcool.
As bebidas alcoólicas, drogas lícitas, são responsáveis pela morte de uma pessoa a cada 10 segundos. Isso significa que seu uso abusivo mata 3 milhões de pessoas por ano.
A criminalização de algumas substâncias sempre foi pautada pelo racismo e pela xenofobia. Em 1830, o consumo de maconha foi proibido no Rio de Janeiro. O objetivo era criminalizar os negros escravizados e libertos que usavam o Pito do Pango (um dos nomes utilizados para a maconha na época).
Desde lá, quase nada mudou. A lei n° 11.343, de 2006, acabou com a pena de prisão nos casos de porte de drogas para consumo pessoal, mas aumentou a pena mínima para tráfico de drogas para cinco anos.
Mas quem define quem é usuário e quem é traficante? O segundo parágrafo do art. 28 é direto: “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. A atual legislação brasileira continua incriminando o pobre e o negro.
O sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro gastou mais de R$ 1 bilhão com a guerra às drogas e com violações de direitos. Esse mesmo valor poderia ser usado para custear a educação de 252 mil alunos em uma escola do ensino médio, construir 121 escolas, manter o funcionamento de 81 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em favelas e periferias, beneficiar 156 mil famílias com aluguel social ao longo de um ano ou vacinar 18 milhões de pessoas contra a Covid-19. Os dados são do relatório Um Tiro no Pé: O impacto da guerra às drogas no orçamento do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro e de São Paulo, realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). O assunto foi pauta nesta mesma coluna há duas semanas com um texto de Raull Santiago, integrante do Coletivo Papo Reto e do PerifaConnection.
Pensar em uma política de drogas que repare os danos causados por décadas de violações de direitos e violências é urgente. São inúmeros os impactos da guerra às drogas no cotidiano dos moradores de favelas e de periferias. Ano passado, durante o primeiro ano da pandemia e isolamento social, somente o conjunto de favelas da Maré, no Rio, enfrentou 16 operações. Durante três dias, as escolas tiveram o funcionamento interrompido e por oito dias as atividades nas unidades de saúde foram suspensas. Vale destacar que a medida da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) das Favelas, que restringe operações policiais durante a pandemia, já havia sido estabelecida.
O encarceramento em massa também é fruto dessa guerra fracassada. O Brasil é um dos três países que mais encarceram pessoas no mundo. Só no primeiro semestre de 2020, havia cerca de 760 mil pessoas encarceradas. Mais de 32% dos crimes eram relacionados às Leis de Drogas, de acordo com dados do Sisdepen (Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional).
Não podemos deixar o debate sobre reparação para segunda ordem ou tratar como se fosse uma pauta secundária. Sem essa discussão qualquer política de drogas continuará racista. Pensar em formas de reparação aos principais alvos da guerra às drogas ainda é um sonho no Brasil.
*Thaynara Santos é jornalista e co-fundadora do Movimentos, organização favelada que discute política de drogas a partir da perspectiva das juventudes periféricas.
The New York Times: A morte de George Floyd reacendeu um movimento nos EUA. O que acontece com ele agora?
Crime fez eclodir os maiores protestos contra o racismo no país desde os anos 1960, mas ainda não está claro quais mudanças vão perdurar
George Floyd estava morto havia apenas algumas horas quando o movimento começou. Impelidas por um vídeo apavorante e pelo boca a boca, muitas pessoas foram para o cruzamento na zona sul de Minneapolis onde ele foi morto, logo após o feriado do Memorial Day, para exigir o fim da violência policial contra americanos negros.
Aquele momento de dor e revolta coletiva logo deu lugar a uma reflexão nacional, feita ao longo de um ano, sobre o que significa ser negro na América.
Primeiro vieram os protestos, em cidades grandes e menores em todo o país, convertendo-se no maior movimento de protestos em massa na história dos Estados Unidos. Então, ao longo dos meses seguintes, quase 170 símbolos confederados foram rebatizados ou removidos de espaços públicos. O slogan “Black Lives Matter” (vidas negras importam) foi reivindicado por uma nação que se esforçava para entender a morte de Floyd.
Ao longo dos 11 meses seguintes, chamados por justiça racial alcançaram aparentemente todos os aspectos da vida americana em uma escala que, segundo historiadores, não era vista desde o movimento pelos direitos civis, nos anos 1960.
Na terça-feira (20), Derek Chauvin, o policial branco que se ajoelhou sobre Floyd, foi condenado por duas acusações de homicídio e por homicídio culposo. O veredito trouxe algum alívio aos ativistas que lutam por justiça racial e que passaram as últimas semanas acompanhando cada detalhe do drama que transcorria no tribunal.
Também se veem sinais de uma reação contrária: legislação para reduzir o acesso de eleitores às urnas, proteger a polícia e, na prática, criminalizar protestos públicos vem aparecendo em Legislativos estaduais controlados pelo Partido Republicano.
O arco inteiro do caso de Floyd –desde sua morte e os protestos até o julgamento e a condenação de Derek Chauvin—se deu contra o pano de fundo da pandemia de coronavírus, que chamou ainda ainda mais a atenção para as disparidades raciais nos EUA, onde pessoas não brancas estão entre as mais duramente atingidas pelo vírus e pelas dificuldades econômicas que o acompanharam.
Para muitas pessoas, a morte de Floyd carrega o peso de outros episódios de violência policial na última década, uma lista que inclui as mortes de Eric Garner, Laquan McDonald, Michael Brown e Breonna Taylor.
Nos meses seguintes à morte de Floyd houve algumas mudanças concretas. Dezenas de leis de reforma do policiamento foram apresentadas nos estados. Grandes empresas reservaram bilhões de dólares para causas ligadas à equidade racial, e a NFL (a liga profissional de futebol americano) pediu desculpas por não ter apoiado protestos de seus jogadores negros contra a violência policial.
Mesmo as reações contrárias foram diferentes. Declarações racistas feitas por dezenas de figuras de autoridade, desde prefeitos até diretores de corpos de bombeiros, relacionadas à morte de George Floyd —o tipo de declaração que talvez fosse tolerada antes— custaram seus seus cargos e levaram alguns líderes a ser encaminhadas para aulas antirracismo.
E, pelo menos inicialmente, as opiniões americanas sobre uma série de questões ligadas à disparidade racial e ao policiamento mudaram em um grau raramente visto em sondagens de opinião. Os americanos, e em especial os americanos brancos, mostraram probabilidade muito maior que nos últimos anos de apoiar o movimento Black Lives Matter, dizer que a discriminação racial é um problema sério e que a força policial excessiva prejudica os afro-americanos de maneira desproporcional.
Em meados de 2020, a maioria dos americanos concordava que a morte de George Floyd fazia parte de um padrão maior, não constituindo um incidente isolado. Uma pesquisa do jornal The New York Times realizada em junho com eleitores registrados mostrou que mais de um em cada dez havia participado de protestos. Na época, até mesmo políticos republicanos em Washington estavam expressando apoio à reforma da polícia.
Mas a mudança de postura mostrou-se passageira no caso dos republicanos —tanto dos líderes eleitos quanto dos eleitores.
Quando alguns protestos ganharam tom destrutivo e quando a campanha de reeleição de Donald Trump começou a usar essas cenas em seus anúncios políticos, pesquisas de opinião mostraram que os republicanos brancos recuaram em relação à sua própria visão de que a discriminação é um problema.
“Para quem estava do lado republicano, que é na realidade o lado de Trump nesta equação, a mensagem passou a ser: ‘Não podemos admitir que o que aconteceu foi repulsivo, porque se o fizermos vamos perder terreno’”, disse Patrick Murray, diretor do Instituto de Sondagens da Universidade Monmouth. “Nossa visão de mundo é ‘somos nós contra eles’. E quem participa dos protestos está incluindo no ‘eles’”.
Mas a morte de George Floyd levou a algumas mudanças, pelo menos por enquanto, na consciência que os americanos brancos não republicanos têm da desigualdade racial e em seu apoio a reformas. E ela ajudou a fortalecer o movimento em direção ao Partido Democrata dos eleitores suburbanos com instrução superior, já consternados com o que viam como a promoção do racismo por Trump.
“O ano de 2020 vai ficar em nossa história como um tempo muito significativo, catártico”, comentou David Bailey, cuja ONG Arrabon, sediada em Richmond (no estado da Virgínia), ajuda igrejas em todo o país a trabalhar pela reconciliação racial. “As atitudes das pessoas mudaram, em algum nível. Não sabemos inteiramente ainda o que isso tudo significa. Mas eu estou esperançoso, acho que estou vendo algo diferente ganhar forma.”
Mesmo entre líderes democratas, porém, incluindo prefeitos e o presidente Joe Biden, a consternação diante da violência policial frequentemente vem acompanhada de avisos de que os manifestantes também devem evitar a violência. Essa associação entre revolta política negra e violência está profundamente entranhada nos EUA e não foi rompida no último ano, disse o cientista político Davin Phoenix, da Universidade da Califórnia em Irvine.
“Antes mesmo de terem a chance de processar seus sentimentos de trauma e dor, os negros estão ouvindo de pessoas que eles elegeram para a Casa Branca —que eles alçaram ao poder— ‘não façam isso, não façam aquilo’”, disse Phoenix. “Eu adoraria se mais políticos, pelo menos aqueles que se dizem nossos aliados, dissessem ‘não façam isso, não façam aquilo’ à polícia.”
Os protestos que se seguiram à morte de Floyd viraram parte da discussão americana sobre política, cada vez mais rancorosa. A maioria dos protestos foi pacífica, mas houve saques e danos a propriedades em algumas cidades, e essas imagens circularam com frequência na televisão e nas redes sociais. Os republicanos citaram os protestos como um exemplo de perda de controle da esquerda. Bandeiras com os dizeres “Blue Lives Matter” (em apoio à polícia) foram penduradas de casas no outono passado. Quando o apoio a Trump explodiu um violência no Capitólio, em 6 de janeiro, conservadores reagiram com raiva contra o que, para eles, foi um caso de dois pesos e duas medidas.
Biden tomou posse em janeiro prometendo fazer da equidade racial um aspecto fundamental de todos os elementos de sua agenda: a distribuição das vacinas contra o coronavírus, os locais de construção de infraestrutura federal, a definição das políticas climáticas. Ele efetuou rapidamente as mudanças que qualquer administração democrata provavelmente teria adotado, restaurando os decretos sobre consentimento policial e as regras habitacionais justas.
Mas, em um sinal do momento singular em que Biden foi eleito —e de sua dívida para com os eleitores negros que o promoveram—, sua administração também vem adotando medidas mais inovadoras, como declarar o racismo uma ameaça grave à saúde pública e apontar para o desemprego entre negros como uma medida para se avaliar a saúde da economia.
Algo que as pesquisas de opinião não captaram bem é se os liberais brancos vão mudar os comportamentos que reforçam a desigualdade racial, como por exemplo optar por escolas e bairros segregados. Ao mesmo tempo em que a revolta diante da morte de Floyd aumentou a consciência da desigualdade racial, outras tendências ligadas à pandemia apenas a reforçaram. Isso vem ocorrendo não apenas porque famílias e trabalhadores negros têm sido desproporcionalmente atingidos pela pandemia, mas porque estudantes brancos têm se saído melhor com o ensino à distância e proprietários brancos de imóveis vêm enriquecendo em um mercado habitacional superaquecido.
Numa pesquisa nacional com americanos brancos feita este ano, a cientista política Jennifer Chudy, do Wellesley College, constatou que mesmo os mais antirracistas têm tendência maior a endossar ações particulares e limitadas.
Estas incluem educar-se sobre o racismo ou ouvir pessoas não brancas, e não tanto, por exemplo, optar por viver em uma comunidade racialmente diversa ou levar questões raciais à atenção de autoridades eleitas.
Mesmo assim, dizem historiadores, seria difícil exagerar o efeito dinamizador que a morte de George Floyd teve sobre o discurso público, não apenas no que diz respeito à ação da polícia mas também a como o racismo está entranhado nas políticas das instituições públicas e privadas.
Alguns empresários negros vêm dando depoimentos públicos, falando em termos incomumente pessoais, sobre suas próprias experiências de racismo. Alguns deles criticaram o mundo empresarial por fazer muito pouco contra o racismo ao longo dos anos. “A América corporativa abandonou a América negra à própria sorte”, disse Darren Walker, presidente da Fundação Ford e membro do conselho da PepsiCo, Ralph Lauren e Square. Dezenas de empresas se comprometeram a diversificar sua força de trabalho.
Manifestações públicas contra o racismo nos Estados Unidos explodiram em todo o mundo, levando a protestos nas ruas de Berlim, Londres, Paris e Vancouver (Colúmbia Britânica) e em capitais da África, América Latina e Oriente Médio. Americanos brancos não familiarizados com o conceito de racismo estrutural empurraram os livros sobre esse tema para o topo das listas dos mais vendidos.
Audra D.S. Burch , Amy Harmon , Sabrina Tavernise e Emily Badger
Felipe Betim: Bolsonaro diz que vai eliminar desmatamento ilegal até 2030, mas condiciona ações a recursos do exterior
Presidente brasileiro muda discurso na Cúpula do Clima, exalta avanço de outros Governos e reafirma compromisso do país de preservar meio ambiente, reduzindo pela metade as emissões até esse mesmo ano
Em uma Cúpula do Clima marcada por compromissos ambiciosos dos Estados Unidos e por palavras como “união”, “multilateralismo” e “descarbonização”, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, usou nesta quinta-feira seus três minutos de discurso para exaltar o avanço de Governos anteriores na questão ambiental e pedir dinheiro para a comunidade internacional com o objetivo de proteger a Amazônia. A reunião, convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden, reúne de forma virtual os líderes de 40 países. Em sua fala, Bolsonaro também afirmou que o Brasil se compromete a reduzir suas emissões de gás carbônico em 40% até 2030. Também reafirmou seu compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até o mesmo ano, o que poderia, inclusive, reduzir as emissões em até 50%. Já a neutralidade climática deve ser alcançada até 2050, uma antecipação de 10 anos com relação ao compromisso anterior. “O Brasil está na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global”, afirmou.
Porém, os 28 meses de mandato do mandatário brasileiro são marcados por retrocessos na área ambiental e pelo desmonte de organismos de controle. Ao longo desse período, seu Governo boicotou ações de fiscalização do Ibama na Amazônia, reduziu seu Orçamento, estimulou o garimpo ilegal e desmoralizou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que faz o monitoramento de queimadas. O desmatamento da Amazônia bateu recordes e registrou importantes aumentos em 2019 e 2020 —em 2021, o mês de março foi o pior dos últimos 10 anos. Paralelamente, seu Governo bloqueou verbas destinadas a políticas para reduzir as emissões de gás carbônico.PUBLICIDADE
Em contradição com esse pano de fundo, o presidente brasileiro destacou em sua fala que o Brasil conserva “84% de nosso bioma amazônico e 12% da água doce da Terra”, evitando nos últimos 15 anos a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Disse que proteger a Amazônia é uma tarefa complexa, mas que “medidas de comando e controle são parte da resposta”. E mentiu: “Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização.”https://platform.twitter.com/embed/Tweet.html?dnt=false&embedId=twitter-widget-0&features=eyJ0ZndfZXhwZXJpbWVudHNfY29va2llX2V4cGlyYXRpb24iOnsiYnVja2V0IjoxMjA5NjAwLCJ2ZXJzaW9uIjpudWxsfSwidGZ3X2hvcml6b25fdHdlZXRfZW1iZWRfOTU1NSI6eyJidWNrZXQiOiJodGUiLCJ2ZXJzaW9uIjpudWxsfX0%3D&frame=false&hideCard=false&hideThread=false&id=1385231170833616896&lang=pt&origin=https%3A%2F%2Fbrasil.elpais.com%2Fbrasil%2F2021-04-22%2Fbolsonaro-diz-que-vai-eliminar-desmatamento-ilegal-ate-2030-mas-condiciona-acoes-a-recursos-do-exterior.html&sessionId=df62d527088b73cc2e343d997b383de71bdc24cb&siteScreenName=elpais_brasil&theme=light&widgetsVersion=ff2e7cf%3A1618526400629&width=550px
Bolsonaro também recordou que mais de 23 milhões de brasileiros vivem na Amazônia, “região mais rica do país em recursos naturais, mas que apresenta os piores índices de desenvolvimento humano”. Resolver esse paradoxo, segundo ele, é essencial para alcançar o desenvolvimento sustentável. E isso deve ser feito a partir da bioeconomia, valorizando a floresta e a biodiversidade e contemplando os interesses a população, incluindo indígenas e comunidades tradicionais. Em seguida, pediu ajuda financeira para a comunidade internacional: “Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental podermos contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostos a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas”, discursou. “Neste ano, a comunidade internacional terá oportunidade singular de demonstrar seu comprometimento com a construção de nosso futuro comum.”
Sobre os desafios climáticos, Bolsonaro destacou que o Brasil possui metas de reduzir as de emissões em 37% para 2025 e em 43% até 2030. “Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior”, discursou. Em contraste com os cortes orçamentários feitos em sua gestão, afirmou que o Brasil está “na linha de frente” do combate ao aquecimento global. Porém, enfatizou que “o Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa” e que, atualmente, responde “por menos de 3% das emissões globais anuais”.
Malu Gaspar: Anular processos não apaga a história
É dos anos 90 uma das mais bem-sucedidas operações-abafa de um escândalo de corrupção na história brasileira. Numa quinta-feira de 1993, agentes da Polícia Federal descobriram no banheiro da casa de um diretor da Odebrecht em Brasília pilhas de documentos incriminadores. Havia de tudo nas 18 caixas e centenas de disquetes levadas pelos policiais: relatórios sobre negociações subterrâneas, contabilidade de doações não declaradas para campanhas eleitorais, listas de obras com os nomes de políticos, acompanhados de porcentagens e valores, até pedidos de liberação de verbas com assinaturas de prefeitos e governadores, já prontos para ser apresentados pelas próprias empresas à Caixa Econômica Federal.
Vivia-se o auge da CPI do Orçamento. A papelada deu origem a um relatório bombástico, lido em plenário pelo senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul. Bisol, porém, cometeu um erro primário ao propagar que um documento com o organograma formal da empreiteira era, na verdade, um mapa de organização criminosa.
Em sua reação, Emílio Odebrecht explorou o deslize ao máximo. Numa entrevista coletiva tão performática quanto a leitura de Bisol, acusou o senador de perseguição, ignorância e má-fé. O argumento colou na imprensa da época e mobilizou mais de 300 deputados e senadores para enterrar a CPI. Conseguiram. A única consequência prática do escândalo foi a popularização da expressão “trezentos picaretas”, cunhada pelo então oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva para designar os parlamentares.
Dezesseis anos e um mensalão depois, em 2009, os alvos da Polícia Federal foram executivos e dirigentes de outra empreiteira, a Camargo Corrêa. A operação, batizada Castelo de Areia, pilhou um esquema de pagamento de propinas e desvios de recursos de obras como a Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras. Segundo a investigação, o dinheiro desviado era remetido ao exterior por doleiros, usando empresas de fachada e contas offshore em paraísos fiscais. Mas a investigação acabou anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A corte considerou que as provas coletadas não eram válidas porque a apuração começara a partir de uma denúncia anônima.
Em 2014, o esquema voltou à tona. Descobriu-se, de novo, que as empreiteiras patrocinavam campanhas eleitorais e interesses particulares de políticos de todos os calibres e partidos com o dinheiro desviado de estatais como Petrobras, Eletrobras e Transpetro. Batizado petrolão, o escândalo deu impulso à Operação Lava-Jato.
Dessa vez, as investigações foram mais longe. Renderam 295 prisões, 140 delações premiadas, a devolução de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos e impulsionaram um processo de impeachment. Mas, como nos outros casos, o dia da desforra chegou. A revelação dos desvios indicados nas mensagens de celular trocadas por procuradores — e captadas ilegalmente por um hacker — criou um clima favorável à anulação de condenações e denúncias.
Sob o argumento de que o foro em que tramitavam não era o correto, foram anuladas as condenações dos ex-presidentes Lula e Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco. O mesmo argumento levou à suspensão de ações contra o atual presidente da Câmara, Arthur Lira. Questões processuais já tinham enviado para a gaveta o processo contra o senador José Serra.
Todas essas decisões, comemoradas efusivamente por uns, discretamente por outros, têm enorme serventia político-eleitoral, ajudam a construir narrativas. Mas, embora a morte dos processos por inanição seja bastante provável, ainda é cedo para dizer que a Justiça tenha decretado a inocência de quem quer que seja. Fernando Collor de Mello, afastado da Presidência da República em 1992, só foi declarado inocente pelo Supremo — por falta de provas —em 2014.
Por ora, tais desfechos só provam mesmo duas coisas.
A primeira é que, no Brasil, quando o assunto é corrupção, a história se repete. Escândalos abalam a política, as investigações apontam culpados e, mais cedo ou mais tarde, os processos são sepultados por decisões judiciais que raramente entram no mérito das acusações.
A segunda, e mais importante, é que a história não se anula, muito menos a canetadas. Por mais que se queira esquecê-la ou distorcê-la, de tempos em tempos ela volta a nos assombrar. Quando isso acontece, acumulam-se os prejuízos, aumenta a insegurança jurídica e se reforçam narrativas políticas cada vez mais simplistas e muitas vezes irresponsáveis.
A história cobra um preço alto quando se ignoram suas lições. Quem paga somos todos nós. E não só com dinheiro, mas com um pedaço do nosso futuro.