PGR é contra que STF obrigue Alcolumbre a marcar sabatina de Mendonça

Em manifestação, órgão defendeu decisão de Lewandowski que negou pedido feito pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru

Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — A Procuradoria-Geral da República (PGR) opinou contra o recurso apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), a marcar a sabatina de André Mendonça para uma vaga na Corte. A ação foi é de autoria dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO).

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Na manifestação, assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, a PGR defende a manutenção da decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que em outubro negou o pedido apresentado pelos senadores. E contra a qual os senadores recorreram.

Segundo a PGR, "as pautas de trabalho de cada um dos Poderes são espaço de economia interna, controláveis internamente, sem comportarem interferência exógena a não ser quando fundada em expresso comando normativo da Constituição".


Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Anderson Riedel/PR
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Pablo Jacob
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Anderson Riedel/PR
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Pablo Jacob
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Ainda de acordo com a manifestação da PGR, o respeito aos atos de cada poder "é um imperativo democrático e essencial ao funcionamento livre das instítuições". 

A apreciação do nome do ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) está parada há quatro meses desde que a indicação foi formalizada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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Na decisão dada em outubro, o ministro do STF apontou que o mandado de segurança apresentado pelos senadores diz respeito a uma matéria "interna corporis" do Congresso Nacional e, por isso, insuscetível de apreciação judicial. Lewandowski também observou que atender o pedido feito pelos parlamentares poderia acarretar em uma interferência indevida do Judiciário em um outro poder.

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No mandado de segurança encaminhado ao STF, os senadores apontam inércia na conduta de Alcolumbre, e dizem que o presidente da CCJ não pode se valer de sua posição para "postergar sem qualquer fundamento razoável a realização de sabatina, especialmente considerando-se que o interesse público é gravemente aviltado em razão de sua inércia".

Alcolumbre tem travado o processo da indicação por insatisfação com Bolsonaro, e não esconde a preferência pelo atual procurador-geral da República, Augusto Aras, para a vaga ao STF.

Como presidente da CCJ, cabe a Alcolumbre definir a data para a avaliação do nome de Mendonça. Ele vem  sendo pressionado por integrantes do Senado e membros da base religiosa do governo Bolsonaro, que ciritcam a demora na sabatina de Mendonça, indicado pelo presidente no dia 13 de julho para a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.


Relatório aponta crise climática mais 'preocupante' para o Brasil

Essa é uma das conclusões do relatório Estado do Clima 2020 recém-publicado pela Sociedade Meteorológica Americana

Matt McGrath / BBC News

Informações preliminares neste início de ano já confirmavam que 2020 tinha batido recordes de temperatura no continente - além de ser um dos três anos mais quentes em todo o mundo. Agora, o relatório aponta que a diferença em relação a anos anteriores foi significativamente mais alta do que se pensava anteriormente.

Além de 1,9°C mais quente do que a média de longo prazo, a temperatura média em 2020 foi 0,5°C superior ao recorde anterior.

"Esse nível de diferença - que é grande - à média de longo prazo anterior é algo preocupante", comentou Robert Dunn, cientista climático sênior na Agência Britânica de Meteorologia.

Confira o relatório (em inglês)

"É algo a se prestar atenção, mas não são apenas as temperaturas que estão aumentando - são também os eventos extremos e as ondas de calor que estamos observando neste ano e vimos no ano passado. Estamos vendo isso ao redor do mundo."

Outros pesquisadores concordaram que a escala da onda recorde de calor na Europa é alarmante.

"A diferença em relação ao recorde anterior deve nos preocupar a todos", afirmou a professora de sistemas climáticos Gabi Hegerl, da Universidade de Edimburgo, que não está envolvida com o estudo.

"As temperaturas europeias são bem medidas e há registros delas desde o início da industrialização e até antes disso, a partir de evidências documentais e registros. Esse contexto de longo prazo reforça o quão incomum este calor é."

O calor registrado no continente europeu fez com que fossem observadas enormes diferenças das médias de temperatura de longo prazo - em países como Estônia, Finlândia e Letônia, a alta foi de 2,4°C, por exemplo, o que é considerado uma anomalia.


BIOMAS


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
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Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Brasil e América do Sul

O relatório também destaca a "ampla seca" vivida no ano passado na América do Sul, "claramente visível nas anomalias fortes e secas encontradas no centro de Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina".

"Uma região que claramente se destaca com uma anomalia seca severa é o Pantanal, que viveu sua pior seca em 50 anos, e mais de um quarto de sua área foi queimado", diz o relatório.

O texto também destaca que as chuvas ficaram abaixo do normal na maior parte do centro do continente sul-americano, incluindo os Andes e o Pantanal.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, o cientista Carlos Nobre explicou que a tendência é de que tenhamos, no Brasil, secas cada vez mais prolongadas e temporadas de chuvas mais curtas em grande parte do país - fenômeno que causa, neste momento, uma crise hídrica que ameaça o abastecimento de energia.

No mundo, de modo geral, as precipitações não foram baixas, em uma clara resposta ao excesso de calor. A total evaporação foi bem acima da média - e a umidade acabou tornando ainda pior a sensação de calor em algumas partes.

Seca
'Nosso clima mudou e provavelmente vai continuar a mudar a não ser que o motivador principal, os gases de efeito estufa, sejam contidos', diz cientista. Foto: BBC/Getty

Ártico

Outra região que está vivenciando um aquecimento veloz é o Ártico: as temperaturas em terra alcançaram novas altas preocupantes, 2,1°C acima da média registrada entre 1981 e 2010. As temperaturas chegaram ao nível mais alto desde o início dos registros, há 121 anos.

Juntos, os indicadores mostram o que um dos editores do relatório chama de "nosso novo normal" climático.

"Esse relatório acompanha de perto (as descobertas) do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU), que não poderia ser mais claro em suas mensagens", argumenta a especialista Kate Willett, também da agência climática britânica.

"Nosso clima mudou e provavelmente vai continuar a mudar a não ser que o motivador principal, os gases de efeito estufa, sejam contidos. O que estamos vendo já está exaurindo nossa sociedade e nosso ambiente."

A concentração de gases do efeito estufa também foi a mais alta já registrada, apesar de muitos países terem reduzido suas emissões por conta da desaceleração econômica causada pela pandemia.

E o nível global dos mares foi o mais alto já registrado, tendo aumentado pelo nono ano consecutivo.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-58337819


Após alta nos crimes, BC limita transferências de Pix

Mudanças do Banco Central visa aumentar a segurança de transações via Pix e de outros tipos de transferências interbancárias

O BC não definiu quando as medidas serão implementadas, mas afirmou que está trabalhando para que isto ocorra "o mais rápido possível".

Conforme mostrou a BBC News Brasil no último dia 20, cidades como São Paulo estão vendo quadrilhas se especializarem em sequestros-relâmpago e roubos envolvendo o Pix — que permite transferir uma grande quantidade de dinheiro num curto período.

Ainda não há dados sobre isso mas, segundo o delegado titular da 3ª Delegacia Antissequestro, da Polícia Civil de São Paulo, Tarcio Severo, os sequestros-relâmpago dispararam desde o início do uso da ferramenta no Brasil, em novembro de 2020.

Entre as principais medidas anunciadas pelo BC está o estabelecimento de um limite de R$ 1.000 em transações com Pix entre pessoas físicas, além de MEIs, no período de 20h da noite às 6h da manhã. O limite vale também para transferências intrabancárias, liquidação de TEDs, e transferências e TEDs através de cartões de pagamento pré-pago e de débito.

Os usuários de Pix já podiam reduzir ou aumentar seus limites através dos aplicativos de bancos com efeitos imediatos, mas agora, esta alteração será efetivada de 24h a 48h desde o pedido — "impedindo o aumento imediato em situação de risco" para um vítima, segundo o banco.

O BC também planeja tornar obrigatório que contas com indícios de uso em fraudes envolvendo o Pix e outras transações sejam registradas por instituições financeiras no Diretório de Identificadores de Contas Transacionais (DICT).

Em teoria, as transações com Pix sempre foram rastreáveis — com os bancos tendo mais controle de quem recebe o dinheiro, diferente de saques em caixa eletrônicos, por exemplo. Mas a BBC News Brasil mostrou que as quadrilhas estão usando contas principalmente de bancos digitais e muitas vezes temporárias apenas para receber as transferências dos assaltos e sacar o dinheiro rapidamente. Esta velocidade dificulta a identificação dos criminosos.

"A gente consegue rastrear onde o saque foi feito, mas muitas vezes não conseguimos chegar a tempo de prender as pessoas. Nos dizem: 'Acabaram de fazer saques em São Mateus (extremo leste da capital paulista)', mas nosso deslocamento é enorme até lá", contou o delegado Tarcio Severo.

Os bancos digitais são usados porque não exigem o comparecimento a uma agência. Isso facilita que criminosos mandem uma foto de documento falso para abrir uma conta — em alguns casos, usam documentos verdadeiros, roubados de vítimas de crimes anteriores. Além disso, os bancos digitais têm a vantagem de fazer transações em valores mais altos.

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) orientou que vítimas de assalto ou sequestro-relâmpago obrigadas a fazer um Pix devem "registrar um boletim de ocorrência e procurar imediatamente seu banco através de um de seus canais de atendimento disponíveis para receber as orientações de como deverá proceder".

O ideal é que vítimas também façam um protocolo de reclamação no site do Banco Central.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58364552


Terras indígenas não comprometem áreas disponíveis e produção agropecuária

Tese do marco temporal pode significar um retrocesso na demarcação de terras dos povos originários

Sonia Guajajara, coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) / Luís Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib / Instituto Socioambiental / El País

Nesta quinta (26), o Supremo Tribunal Federal (STF)iniciou a discussão sobre o futuro das demarcações das Terras Indígenas (TIs), no mais importante julgamento da história do Brasil sobre o assunto.

A corte vai apreciar o “marco temporal”, interpretação defendida por alguns políticos ruralistas que restringe os direitos indígenas. De acordo com ela, os povos indígenas só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, precisariam estar em disputa judicial ou conflito comprovado pela área na mesma data. A tese é perversa porque desconsidera expulsões e outras violências sofridas por essas populações. Além disso, ignora o fato de que eram tuteladas pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente até 1988.

Os defensores do “marco temporal” dizem que há “muita terra para pouco índio”, que as demarcações comprometem a produção agropecuária e que, para atender a demanda por territórios, no limite, teríamos de devolver até Copacabana aos povos originários, porque todo o país um dia foi deles. Nada disso é verdade.

Hoje, 13,8% do território brasileiro é ocupado por TIs, considerando os procedimentos demarcatórios já abertos e dados publicados no Diário Oficial da União (DOU). Parece muito, mas a média mundial é maior: 15%, segundo estudo publicado por 20 pesquisadores de várias nacionalidades, na revista Nature Sustainability, em 2018.

As áreas privadas somam três vezes mais ou 41% do Brasil, segundo o IBGE. Cerca 22% do território nacional é ocupado com pasto - mas metade disso tem algum grau de degradação - e 8% com agricultura, conforme o projeto MapBiomas. Ou seja, parte das terras pode ser priorizada para recuperação, reduzindo ainda mais a demanda por novas ocupações.

Quem ataca os direitos indígenas também omite que somos campeões de concentração fundiária. Cerca de 1/5 do país é abarcado por 51,2 mil propriedades ou 1% do total de estabelecimentos rurais, ainda de acordo com o IBGE. Na verdade, o número de superlatifundiários é menor, porque muitas áreas estão em nome de parentes ou prepostos.

Disparidades e contradições

Disparidades e contradições não param aí. Mais de 98% da extensão das TIs fica na Amazônia Legal, muitas vezes em locais remotos e sem aptidão para a agropecuária extensiva. E apenas 0,6% do resto do Brasil é ocupado por indígenas. A principal demanda por demarcações está fora da região amazônica.

Enquanto cerca de 62% dos 517,3 mil moradores de TIs estavam na Amazônia em 2010 (último dado disponível do IBGE), o restante tem de se espremer em áreas minúsculas fora de lá. Por exemplo, há 225 mil hectares em reconhecimento para os Guarani em Mato Grosso do Sul. A densidade populacional dessas áreas é de 27 habitantes/km2, quatro vezes maior que a do estado (6 habitantes/km2).

Onde há mais conflitos com TIs, o percentual do território ocupado por elas também é ínfimo, ainda considerando procedimentos demarcatórios já iniciados. No Rio Grande do Sul, é de 0,4%, enquanto as propriedades rurais ocupam 77%; e assim por diante: BA (0,5% e 49%, respectivamente); PR (0,6% e 74%); SC (0,8% e 67%); MS (2,4% e 85%). A situação não é diferente em GO (0,1% e 77%), MG (0,2% e 65%) e SP (0,3% e 66%). Portanto entre os nove principais estados do agronegócio, em sete as TIs não passam de 1% do território (em MS, o índice é maior, mas ainda baixíssimo).

Em Mato Grosso, maior produtor agropecuário nacional, o percentual de território indígena atinge 16%, mas a demanda por demarcações é igualmente pequena. Por outro lado, como no resto do Brasil, os agricultores vêm ampliando a produtividade, ano após ano, independente dos conflitos fundiários.

Não é necessário ocupar ou desmatar mais, como repetem líderes como Blairo Maggi e Kátia Abreu. Mesmo se não fosse o caso, ainda restariam, pelo menos, 510 mil km2 de terras não destinadas no país - duas vezes o território do estado de São Paulo. Não há “muita terra para pouco índío” no Brasil! E ainda temos muito espaço para produzir, conservar e garantir justiça!

A imensa maioria dos mais de 5 milhões de produtores rurais brasileiros nunca viu um indígena, não está em conflito fundiário nem interessada em mais desmatamento ou em ocupar mais terra. É possível seguirmos como potência na produção de alimentos e atender a demanda por demarcações, respeitando os direitos indígenas previstos na Constituição.

Fonte: Instituto Socioambiental / Texto publicado originalmente no site do El País, em 25/8/2021
https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/terras-indigenas-nao-comprometem-areas-disponiveis-e-producao-agropecuaria


População negra será a mais prejudicada com reforma trabalhista

Empregos informais e instáveis, baixos salários e longas jornadas marcam nova reforma trabalhista

Caroline Nunes / Agência Alma Preta

A Câmara dos Deputados aprovou uma nova reforma trabalhista no início do mês, que altera diversas regras para os trabalhadores. Com 304 votos a favor e 133 contra, a Medida Provisória (MP 1045/2021), de autoria do deputado Christino Áureo (PP-RJ), aguarda parecer positivo do Senado para entrar em vigor.

Para a economista e diretora técnica adjunta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri, as perspectivas de futuro para a população negra e periférica não são promissoras.

“Esse quadro de precarização pode contribuir para a interrupção e desestímulo em relação à formação, qualificação e desenvolvimento dessa população. A proposta aprovada tende, inclusive, a reforçar e legitimar a contratação e substituição de jovens e adultos, em postos de trabalho cada vez mais instáveis, que não caracterizam vínculo empregatício, mal remunerados e sem proteção previdenciária, ao mesmo tempo em que concede subsídios para as empresas contratantes, gerando efeitos futuros cada vez piores para a estruturação produtiva no país”, ressalta a economista.

A diretora salienta ainda que as oportunidades de trabalho para esse grupo serão marcadas pela desigualdade social, com postos de trabalho de baixa qualidade, empregos informais e instáveis, baixos salários, longas jornadas e possibilidade reduzidas de ascensão profissional.

Mudanças

Caso aprovada no Senado, a nova reforma trabalhista cria uma modalidade de trabalho que não garante o direito às férias, 13º salário ou FGTS. Outro ponto é a possibilidade de trabalhar sem carteira assinada (Requip) ou direitos trabalhistas e previdenciários. Nessa modalidade, o trabalhador recebe apenas uma bolsa auxílio e vale transporte.

O texto também prevê, de acordo com a diretora técnica do Dieese, a redução dos direitos trabalhistas na contratação de jovens em primeiro emprego (Priore - Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego) e de adultos com 55 anos ou mais de idade.

“Além disso, flexibiliza a jornada por meio de negociação individual entre patrão e empregado, e reduz o adicional de horas extras que atualmente é de 50%. Também altera os limites da jornada no setor do minério, eliminando o limite de seis horas diárias para permitir jornadas de até 12 horas”, explica a economista.

O pagamento de horas extras, como coloca Patrícia, também é reduzido para algumas categorias específicas, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing. O texto da reforma trabalhista também proíbe que juízes anulem aspectos de acordos extrajudiciais entre empresas e trabalhadores, e restringe o acesso à justiça em geral, para além da esfera trabalhista.

“Na prática, impossibilita o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, quando determina o pagamento dos honorários sucumbenciais pelo trabalhador que perder uma ação trabalhista, mesmo que seja beneficiário da justiça gratuita”, pontua Patrícia.

Além dessas mudanças, a reforma prevê o seguinte: contratação temporária feita pelas prefeituras; limite de salário de R$ 2.200 para beneficiários do Priore e restrição de acesso à Justiça gratuita.

Sindicalistas se posicionam contra a reforma

As Centrais Sindicais se posicionam contra o que prevê a reforma trabalhista. Em nota oficial, os sindicalistas afirmam que “as novas medidas de flexibilização laboral e afastamento dos sindicatos das negociações mais uma vez seguem a linha da precarização e aumentarão a vulnerabilidade dos trabalhadores e das trabalhadoras''.

O secretário geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves pondera que desde o governo Michel Temer (MDB), e agora na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), os sindicatos estão sendo retirados da função de negociadores. “Em nossa opinião, isso deixa o funcionário à mercê dos patrões, que decidem individualmente o que vai ser feito”, afirma.

O secretário ainda pontua que os sindicatos foram criados para negociar por todos, para que o trabalhador não se sinta vulnerável por estar sendo pressionado. “Essa redução de custos, citada na reforma trabalhista, é na verdade uma retirada de direitos. E a luta dos trabalhadores desde sempre vem no intuito de garantir esses direitos, até quando o trabalhador fica desempregado”, avalia João Gonçalves.

Impacto na população negra e desemprego

“Em direção contrária ao que deveria ser uma política de emprego inclusiva, as propostas apresentadas e aprovadas não oferecem alternativas consistentes e também não estimulam a permanência da população negra e periférica em seus postos de trabalho”, diz a diretora do Dieese, Patrícia Pelatieri.

Ela explica ainda que o mercado de trabalho brasileiro é estruturalmente desigual e heterogêneo, e tem como característica a oferta de postos de trabalho com baixa exigência de qualificação profissional. “Boa parte dessa população ingressa no mercado de trabalho em condições inferiores às desejadas, como forma de garantir seu sustento e de seus familiares”, salienta.

Com a reforma trabalhista aprovada, o secretário da Força Sindical também teme por esse grupo. Segundo João, “os negros são os mais vulneráveis, em quem o desemprego atinge mais. Novamente essa parcela será a mais prejudicada”, lamenta.

Fonte: Agência Alma Preta
https://almapreta.com/sessao/politica/entenda-o-que-muda-com-a-nova-reforma-trabalhista


Povos indígenas da Amazônia se unem contra o garimpo ilegal

Lideranças Kayapó, Munduruku, Yanomami, Ye’kwana e Xikrin publicaram carta-manifesto conjunta contra o garimpo ilegal

Clara Roman / Amazônia Real

Em um encontro histórico, lideranças dos povos Kayapó, Munduruku, Yanomami, Ye’kwana e Xikrin se posicionaram contra o garimpo ilegal em suas terras. Reunidos no Acampamento Luta Pela Vida, em Brasília, esses povos indígenas publicaram uma carta-manifesto, em que apontam que o garimpo é uma doença levada pelos brancos para dentro dos territórios.

Leia a carta na íntegra

Esses povos habitam as Terras Indígenas da Amazônia mais afetadas pelo garimpo ilegal, nos estados de Roraima, Pará, Amazonas e Mato Grosso. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou a extrusão dos invasores dessas terras na ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709, mas até agora a ordem não foi cumprida e as invasões só aumentam.

No encontro, estiveram presentes lideranças históricas do movimento indígena, como Davi Kopenawa, do povo Yanomami, Megaron Txucarramãe, do povo Kayapó, Alessandra Muduruku, dos Munduruku e Bebere Xikrin. Todas elas assinaram a carta, junto com outros nomes importantes presentes na reunião. “O garimpo destrói nossa cultura, nossas florestas, envenena nossos rios, cria conflitos entre nossos parentes e acaba com nossos locais sagrados”, diz o texto.

Fonte: Instituto Sociambiental
https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/em-encontro-historico-povos-indigenas-da-amazonia-se-unem-contra-o-garimpo-ilegal


Bolsonaro pressiona STF contra indígenas: “Pode ter desabastecimento”

Em live, o mandatário insinuou que os 6 mil indígenas mobilizados são "cooptados" pelo MST

Lucas Rocha / Revista Fórum

Durante transmissão ao vivo realizada nesta quinta-feira (26), o presidente Jair Bolsonaro disparou ataques contra os 6 mil indígenas que estão mobilizados em Brasília (DF) contra a votação do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). Sem dados, o mandatário disse que a votação pode provocar o desabastecimento de alimentos no país.

“Tem umas 5 mil pessoas acampadas aqui em Brasília. É o pessoal do MST e nossos irmão indígenas que eles cooptam para fazer volume”, disse o presidente em live. Segundo ele, os indígenas em luta “não sabem o que tão fazendo ali”.

“É um crime usar essas pessoas como massa de manobra”, afirmou.

O presidente defendeu a tese dos ruralistas de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse até a promulgação da da Constituição de 1988 – o chamado marco temporal. Segundo ele, a rejeição disso pode gerar impactos no setor do agronegócio. 

“Podemos ver dobrar a quantidade de terras indígenas, isso vai causar sérios transtornos. Vamos ter problema na balança comercial e a inflação de alimentos, que sim existe, vai aumentar. E ainda pior, pode ter desabastecimento”, afirmou. O presidente não apresentou dados sobre a isso.

Marco Temporal

Após a votação prevista para esta quinta ser adiada, o STF vai analisar na próxima quarta-feira (1º) ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, da TI Ibirama-Laklãnõ. O tema, no entanto, tem “repercussão geral” e servirá de diretriz para todos os procedimentos demarcatórios. Caso o STF vote pela reintegração, vai sustentar uma tese defendida por ruralistas de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse até a promulgação da da Constituição – ou seja, a tese do Marco Temporal.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que “tese é injusta porque desconsidera expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição”. “Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente”, diz.

Indígenas seguem mobilizados

Cerca de 6 mil indígenas de mais de 170 povos ocupam Brasília desde domingo (22) contra ação judicial que pode afetar demarcação de diversas TIs. A luta contra o Marco Temporal promoveu a maior mobilização indígena pós-constituinte.

O acampamento “Luta Pela Vida” conta com intensa programação de plenárias, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Com o lema “Nossa história não começa em 1988”, a mobilização tem como principal objetivo impedir a aprovação do Marco Temporal

Fonte: Revista Fórum
https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-stf-contra-indigenas-desabastecimento


Henrique Brandão faz homenagem a Artur Xexéo: “Um craque”

Artigo publicado na revista Política Democrática online de agosto lembra grandeza da carreira do dramaturgo

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Em texto de homenagem, o jornalista Henrique Brandão exalta a grandeza do colega de profissão, escritor e dramaturgo Artur Xexéo, que morreu, em junho, aos 69 anos, após ser diagnosticado com câncer tipo linfoma não-hodgkin. “Era, assim, um craque. Fazia bem tudo em que se metia", afirma Brandão, em artigo na revista mensal Política Democrática online de agosto (34ª edição).

Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)

Jornalista de formação, Xexéo foi também apresentador de TV, comentarista de rádio, tradutor. “Por onde esteve, deixou sua marca, virou referência”, escreve Brandão, na revista mensal, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza todo o conteúdo da publicação, na versão flip, gratuitamente, em seu portal.

O jornalismo não foi a primeira escolha de Xexéo, na hora de entrar para a faculdade. Como era bom em matemática, achou que daria um bom engenheiro. “Quando eu cheguei à engenharia, levei um susto, porque não gostava de nada. Fiquei apavorado, era inteiramente entediante para mim”, disse o dramaturgo, em depoimento ao projeto Memória Globo.

Para não desapontar os pais, conforme lembra Brandão, Xexéo seguiu na faculdade. “Foi fazer jornalismo. O erro de cálculo do jovem bom de matemática revelou-se um acerto. Perdeu a engenharia, mas ganhamos todos um brilhante jornalista”, comemora o jornalista, no artigo que escreveu para a Política Democrática online de agosto.

Xexéo começou a trabalhar na imprensa em 1975. “Passou pelos principais jornais do Rio – ‘Jornal do Brasil’ e ‘O Globo’ –, onde foi colunista e editor, e pelas revistas ‘Veja’ e ‘IstoÉ’. Além da imprensa escrita, Xexéo participou do programa Estudio I, da Globo News, e foi comentarista da entrega do Oscar na TV Globo. No rádio, participou de programa semanal na CBN”, conta o colega de profissão.

De acordo com Brandão, Xexéo tinha vasta cultura cinematográfica e teatral. “Em suas colunas, estava sempre comentando filmes e peças, e não apenas as estreias do circuito nacional. Viajava com frequência para Nova York ou Londres, cidades que conhecia como a palma da mão, onde acompanhava os lançamentos cinematográficos e as novidades da Broadway e do West End londrino”.

Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição

A íntegra do artigo de Brandão pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.

Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

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Xokleng: povo indígena quase dizimado protagoniza caso histórico no STF

As tropas se deslocavam pelas trilhas à noite, em silêncio. Os homens, entre 8 e 15, evitavam até fumar para não chamar a atenção.

João Fellet / BBC News Brasil

Ao localizar um acampamento, atacavam de surpresa.

"Primeiro, disparavam-se uns tiros. Depois passava-se o resto no fio do facão", relatou Ireno Pinheiro sobre as expedições que realizava no interior de Santa Catarina até os anos 1930 para exterminar indígenas a mando de autoridades locais.

Pinheiro era um "bugreiro", como eram conhecidos no Sul do Brasil milicianos contratados para dizimar indígenas (ou "bugres", termo racista que vigorava na região naquela época).

O relato está no livro Os Índios Xokleng - Memória Visual, publicado em 1997 pelo antropólogo Silvio Coelho dos Santos.

"O corpo é que nem bananeira, corta macio", prossegue o bugreiro na descrição dos ataques. "Cortavam-se as orelhas. Cada par tinha preço. Às vezes, para mostrar, a gente trazia algumas mulheres e crianças. Tinha que matar todos. Se não, algum sobrevivente fazia vingança", completou.

Poucas etnias foram tão combatidas pelos bugreiros quanto os Xokleng, de Santa Catarina. Nesta quarta-feira (25/08), o povo poderá seu destino definido num dos julgamentos mais importantes da história recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que definirá o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil.

Em 11 de junho, o relator do processo sobre os Xokleng no STF, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do "marco temporal". O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Agora, o processo voltou à pauta de julgamento do plenário, previsto para esta quarta-feira. Entretanto, é possível que novos pedidos de vista posterguem uma decisão.

A retomada do caso se torna ainda mais relevante porque avança na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 490, que, entre outros pontos, estabelece 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Se a corte derrubar a tese no julgamento sobre os Xokleng, é provável que os congressistas tenham de mudar o texto do PL sob o risco de terem a proposta invalidada pela corte.

O caso mobiliza as atenções de grupos ruralistas e terá repercussão para dezenas de outros povos no país.

Criança Xokleng em acampamento na floresta, em 1963
Criança Xokleng em acampamento na floresta, em 1963. Foto: Acervo SCS

Questão do 'marco temporal'

A corte vai avaliar se a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ — habitada pelos Xokleng e por outros dois povos, os Kaingang e os Guarani — deve incorporar ou não áreas pleiteadas pelo governo de Santa Catarina e pelos ocupantes de propriedades rurais.

Em jogo está a tese do chamado "marco temporal", princípio defendido por entidades ruralistas e segundo o qual só podem reivindicar terras indígenas as comunidades que as ocupavam na data da promulgação da Constituição: 5 de outubro de 1988.

O governo passou a encampar formalmente essa tese em 2017, quando Michel Temer era presidente, o que na prática paralisou as demarcações no país.

Em 2018, num outro julgamento sobre a demarcação de territórios quilombolas, o STF rejeitou o princípio do "marco temporal".

O princípio faz parte do léxico ruralista desde pelo menos 2009, quando o então ministro do STF Ayres Britto propôs sua adoção ao julgar um caso sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Os indígenas, por outro lado, são contrários à aplicação do marco temporal, pois dizem que muitas comunidades foram expulsas de seus territórios originais antes de 1988.

É esse o argumento usado pelos Xokleng no julgamento no STF: eles afirmam que décadas de perseguições e matanças forçaram o grupo a sair do território que hoje tentam retomar.

Jovens Xokleng durante apresentação sobre o primeiro contato entre indígenas e brancos.
Jovens Xokleng durante apresentação na Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ. Foto: Prefeitura de Ibirama

"Não tínhamos fronteiras, andávamos por todo aquele espaço. Mas éramos tutelados, não tínhamos como responder por nós. Mal sabíamos falar português, imagine nos defender", diz à BBC News Brasil Ana Patté, jovem liderança Xokleng integrante da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e assessora parlamentar da deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP).

Patté afirma que o território em disputa era usado pelos Xokleng para a caça, pesca e coleta de frutos, especialmente o pinhão. A Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ foi demarcada em 1996 e, em 2003, mais que triplicou de tamanho, passando de 15 mil para 37 mil hectares.

A área hoje em disputa integra a parte incorporada em 2003 e está parcialmente ocupada por plantações de fumo — atividade que, segundo Patté, fez o solo e os rios da região se contaminarem com agrotóxicos.

Ela diz que, se o STF julgar que o pleito da comunidade procede, a área em disputa será reflorestada, o que trará benefícios não só para os Xokleng mas para todos que dependem dos rios que cruzam aquelas terras.

Já o governo de Santa Catarina afirma que essa área era pública e foi vendida a proprietários rurais no fim do século 19.

Mapa da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ após a ampliação de 2003
Mapa da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ após a ampliação de 2003. Foto: Reprodução/ISA

Políticos ruralistas catarinenses apoiam a posição do governo estadual. Em 2008, os então deputados federais Valdir Colatto e João Matos, ambos do MDB, elaboraram um decreto legislativo anulando a ampliação da terra indígena.

Eles afirmaram que, na área englobada pela ampliação, havia 457 pequenas propriedades agrícolas, com média de 15 hectares cada.

"Nunca houve, e nem há, critérios seguros para se demarcar áreas indígenas, ficando a sociedade à mercê do entendimento pessoal do antropólogo que se encontra fazendo o trabalho num determinado momento", argumentaram os deputados ao justificar o decreto.

O Estado de Santa Catarina também disputa com os Xokleng 3.800 hectares onde há sobreposição entre a terra indígena e reservas biológicas estaduais.

Em 2019, o STF decidiu que o julgamento sobre a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ tem repercussão geral — ou seja, a decisão aplicada ali valerá para outros casos semelhantes.

Se a corte se opuser à tese do marco temporal, o governo federal em tese será obrigado a retomar os processos de demarcação que foram travados com base nesse princípio.

'Potencial de conflagração'

Essa possibilidade tira o sono de associações ruralistas. Em maio de 2020, um advogado da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) disse no STF que a rejeição do princípio do marco temporal traria "um enorme potencial de conflagração do país e retorno a uma situação muito grave que se vivia no Brasil antes de 2009 (ano da decisão do STF sobre o caso Raposa Serra do Sol)".

Já uma decisão favorável ao estabelecimento de um marco temporal tende a dificultar novas demarcações.

Indígenas em carro à frente de posto do SPI
Posto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) dedicado aos Xokleng no fim dos anos 1920. Foto: Acervo SCS

Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), há 245 processos de demarcação de terras ainda não concluídos.

Em muitos desses casos, os indígenas reclamam territórios de onde dizem ter sido expulsos antes de 1988.

Há ainda muitas demandas por demarcação que nem sequer foram analisadas pelo governo — o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), braço da Igreja Católica que atua em prol dos povos indígenas, conta 537 casos desse tipo.

Indígenas protestam e são observados por policiais
Indígenas protestam em Brasília contra o governo Jair Bolsonaro e propostas legislativas que consideram nocivas, como o PL 490. Foto: Reuters

Colonização europeia

Após perder dois terços de seus membros no século passado, a população Xokleng voltou a crescer. Hoje, a etnia soma cerca de 2,3 mil integrantes.

O julgamento no STF em questão não é a primeira ocasião em que um fato relacionado a esse povo redefine as relações do Estado brasileiro com os povos indígenas.

Em 1908, o etnógrafo tcheco Albert Vojtech Fric discursou em um congresso em Viena, na Áustria, sobre o impacto da imigração europeia nas populações indígenas do Sul do Brasil.

Segundo Fric, a "colonização se processava sobre os cadáveres de centenas de índios, mortos sem compaixão pelos bugreiros, atendendo os interesses de companhias de colonização, de comerciantes de terras e do governo".

Anos antes, Fric havia sido convidado por um grupo de políticos, humanistas e intelectuais de Santa Catarina para servir à Liga Patriótica para a Catequese dos Silvícolas.

Enquanto poderosos locais defendiam exterminar os indígenas, esse grupo propunha uma abordagem mais "light": cristianizá-los e incorporá-los à força de trabalho nacional.

Fric havia sido encarregado de liderar a "pacificação" dos Xokleng - termo usado na época para designar a aproximação com indígenas que mantinham relação conflituosa com a sociedade envolvente.

Indígenas sentados em pedaço de madeira
Comunidade Xokleng após o contato com os brancos (data desconhecida). Foto: Acervo SCS

A presença dos Xokleng era vista como um entrave à colonização da região. Eram comuns relatos de furtos ou ataques de indígenas a trabalhadores que avançavam sobre seu território tradicional.

Mas Fric acabou deixando o Brasil antes de cumprir a missão.

Em Os Índios Xokleng - Memória Visual, o antropólogo Silvio Coelho dos Santos (1938-2008) diz que Fric foi retirado do posto provavelmente por causa de pressões de companhias de colonização alemãs que atuavam em Santa Catarina e não concordavam com sua abordagem.

O antropólogo afirma, porém, que o discurso de Fric em Viena teve grande repercussão na imprensa europeia e estimulou o governo brasileiro a agir para mostrar que se preocupava com os povos nativos.

Em 1910, durante a presidência de Nilo Peçanha, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), precursor da atual Funai.

Inspirado por ideais positivistas, o órgão dizia ter como objetivo "civilizar" os indígenas e incorporá-los à sociedade brasileira — postura enterrada pela Constituição de 1988, que reconheceu aos indígenas o direito de manter seus costumes e modos de vida.

Mesmo após a criação do SPI, as expedições de bugreiros contra povos como os Xokleng continuaram a acontecer por décadas.

Em seu livro, Silvio Coelho dos Santos entrevista um bugreiro que diz ter participado de uma expedição para matar indígenas no governo Getúlio Vargas (1930-1945), ao menos 20 anos após a criação do órgão.

As missões para aniquilar povos nativos aconteciam enquanto, na Europa, Adolf Hitler punha em marcha seu plano de exterminar os judeus.

Ou enquanto artistas brasileiros passavam a valorizar a participação indígena na formação nacional, influenciados pela Semana de Arte Moderna de 1922.

Mulheres e crianças Xokleng
Mulheres e crianças Xokleng capturadas por bugreiros e entregues a freiras em Blumenau; duas mulheres e duas crianças conseguiram fugir, voltando à floresta. Foto: Acervo SCS

Crianças assassinadas

A proximidade temporal dos ataques aos Xokleng ainda provoca dor na comunidade.

Em entrevista à BBC News Brasil por telefone, Brasílio Pripra, de 63 anos e uma das principais lideranças Xokleng, chora ao falar de um massacre ocorrido em 1904 contra seus antepassados.

"As crianças foram jogadas para cima e espetadas com punhal. Naquele dia, 244 indígenas foram covardemente mortos pelo Estado", afirma.

O episódio foi descrito no jornal já extinto Novidades, de Blumenau, citado em artigo do jurista Flamariom Santos Schieffelbein na revista eletrônica argentina Persona, em 2009.

"Os inimigos não pouparam vida nenhuma; depois de terem iniciado a sua obra com balas, a finalizaram com facas. Nem se comoveram com os gemidos e gritos das crianças que estavam agarradas ao corpo prostrado das mães. Foi tudo massacrado", relata o jornal.

Pripra diz ter crescido ouvindo histórias como essa.

"Eu choro, me emociono. Sou neto de pessoas que ajudaram a trazer a comunidade 'para fora', a fazer o contato (com não indígenas). É por isso que luto."

Texto original: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57656687


Luiz Carlos Azedo: A violência à espreita

Um breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A Política como Vocação, do sociólogo alemão Max Weber, em 1918, na Universidade de Munique, publicada em livro no ano seguinte, é um clássico da ciência política e obra de referência para os jornalistas, cuja atividade é inseparável da política. Ele dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.

“A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra apa-rentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”. Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, mas, mesmo assim, mais de 100 anos depois, suas observações são atualíssimas e também servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira.

O tema da violência faz parte da vida dos jornais. Não raro, os jornalistas são as vítimas, como acontece agora no Afeganistão. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e os assassinatos de profissionais de imprensa. Na revolução digital, os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Não há fato relevante que não seja registrado pelo celular de um cidadão comum. Mesmo assim, somos diariamente desafiados a desnudar a verdade e confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política contra o Estado democrático. Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jor- nalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos.

Voltemos a Weber. A expressão monopólio da violência (gewaltmonopol des staates) foi cunhada por ele, como atributo do Estado ocidental moderno — ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos. O conceito tem origem hobbesiana, inspirado na figura do Leviatã, o mito fenício relatado no Livro de Jó: um monstro gigantesco, meio dragão, meio crocodilo, que vivia num lago e tinha como missão defender os peixes mais fracos dos peixes mais fortes. O inglês Thomas Hobbes, um dos pais do Estado moderno, fez essa analogia em 1651 (Leviatã), para responder duas questões: como as sociedades foram formadas e como devem ser governadas?

Lei do mais forte
É dele a famosa frase “homini lupus homini” (o homem é o lobo do homem), justamente por sermos egoístas e entrarmos em conflito uns com os outros. Apesar de egoístas, porém, temos racionalidade e “medo da morte violenta”. Para Hobbes, era possível abrir mão da liberdade total e fazer um pacto, o “contrato social”, para sair da vida solitária e selvagem — ou seja, do “estado de natureza” — e viver juntos, sob um poder soberano, no “estado civil” — ou seja, em sociedade. Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitarem o contrato.

O Estado sozinho, absoluto, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século XIX, ou seja, dois séculos depois, entra em cena. Em Sobre a Liberdade (1859), Mill resumiu: o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria. Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros. Todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos que são causados a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional.

Esse breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo no governo Bolsonaro, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos. E à perda do monopólio da violência pelo Estado em razão da venda indiscriminada de armas, da formação de milícias privadas e de falanges políticas armadas, além do engajamento de agentes armados do Estado em disputas políticas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-violencia-a-espreita

Pacto de governadores causa revés a Bolsonaro

Encontro em defesa da democracia contou com representantes de 25 dos 27 Estados e sugeriu reunião com presidente e chefes dos demais Poderes para abaixar temperatura da crise institucional

Cristian Klein / Valor Econômico

Diante do acirramento da crise entre Jair Bolsonaro (sem partido) e o Supremo Tribunal Federal (STF), e com as ameaças de golpe e politização da Polícias Militares feitas pelo presidente, 25 chefes de Executivos estaduais reuniram-se ontem, ou enviaram representantes, ao Fórum Nacional de Governadores, no qual foi sugerida a criação de um pacto pela democracia e de onde saiu um pedido de três reuniões, entre os governadores e os presidentes de Poderes.

A resolução do encontro refletiu uma estratégia cautelosa, diante da necessidade de conciliar diferentes interesses, mas representou simbolicamente um revés para Bolsonaro, uma vez que a iniciativa conseguiu a adesão de governadores alinhados ao Planalto, como Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, e Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás. Dos 27 chefes estaduais, apenas dois não compareceram nem se fizeram representar. Em 2018, Bolsonaro foi eleito com o apoio de 15 governadores.

Ao Valor, Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, comemorou: “Conseguimos uma unidade de todos em torno da defesa da democracia. Isso foi importante. Não conseguiríamos em outros temas, mas neste conseguimos. Foi uma vitória”. O governador classificou a reunião como “equilibrada” e “ponderada”. “Porque nós não avançamos num processo de enfrentamento e, sim, reafirmamos um pacto em defesa da democracia, da necessidade do respeito à Constituição e às normas legais, da harmonia e da independência dos Poderes, mas também nos colocamos como instrumento do diálogo e da pacificação entre as instituições brasileiras”, disse.

O saldo do encontro foi a preferência por uma posição de consenso, que mantivesse a coesão do grupo, sem querer jogar mais combustível na crise, como tem demonstrado o Executivo federal. Em vez de uma única reunião com o ocupante do Planalto, os governadores decidiram pelo envio de pedidos de encontro com os chefes do Legislativo - os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - e com o presidente do STF, Luiz Fux, diluindo a responsabilização de Bolsonaro pela crise.

A defesa da democracia, principal tema do Fórum de Governadores, foi pautada a partir de uma iniciativa dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Piauí, Wellington Dias (PT), depois que Bolsonaro entrou, na sexta-feira, com um pedido de impeachment no Senado contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e anunciou que fará o mesmo contra o ministro Luís Roberto Barroso, nos “próximos dias”.

Na mobilização para os atos marcados para o feriado de 7 de setembro, apoiadores do presidente têm imprimido um tom de confronto com as instituições acima do já praticado por bolsonaristas. Há promessas de baderna e vandalismo, inclusive com a participação de integrantes da Polícia Militar.

Durante a reunião, Doria alertou seus pares para o risco de manipulação das PMs por Bolsonaro (ver acima). O governador de São Paulo destacou, em seu discurso, o afastamento do comandante de batalhão que usou redes sociais para atacá-lo - assim como ao STF e a congressistas - e publicou postagens convidando seguidores para as manifestações do Dia da Independência, um posicionamento político proibido por lei para os militares. No fórum, segundo Wellington Dias, os governadores firmaram compromisso de atuarem contra a politização das polícias, as quais Bolsonaro busca cooptar.

No encontro híbrido, do qual a maioria participou virtualmente, Doria propôs a assinatura de uma carta em defesa da democracia e das instituições, com crítica mais assertiva a Bolsonaro, o que encontrou resistência entre os governadores próximos do presidente, como Carlos Moisés (ex-PSL, sem partido), de Santa Catarina. O tucano disse respeitar a opinião, mas insistiu e argumentou que combater os arroubos autoritários seria um “dever” de todos.

“Temos o dever de defender a democracia, Moisés, e não silenciar diante das ameaças que estamos sofrendo constantemente. O país sofre uma ameaça constante em relação à democracia. Basta ver as manifestações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, que flerta com o autoritarismo permanentemente e muitos dos seus ministros endossam isso”, disse Doria.

Dois dos 27 governadores não compareceram nem enviaram representante: o do Amazonas, Wilson Lima (PSC); e o de Tocantins, Mauro Carlesse (PSL). O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), entrou virtualmente no início da reunião e depois saiu para participar de evento da Fecomercio. Deixou em seu lugar o secretário de Fazenda, Nelson Rocha.

Em fevereiro de 2020, sete governadores deixaram de assinar uma carta aberta com críticas a Bolsonaro, documento que também terminava fazendo um convite ao presidente para que participasse da reunião seguinte do fórum, que ocorreria em abril. Menos de um mês antes, em março, Bolsonaro participou de um encontro mais restrito, com governadores do Sudeste, no qual bateu boca com Doria, que é pré-candidato à sua sucessão.

Ao Valor, Casagrande disse que por mais que os governadores entendam que não há espaço para uma ruptura institucional, a instabilidade tem causado um prejuízo “sem fim” para a economia e para a sociedade brasileira, impedindo que investimentos sejam feitos no país. Questionado se haveria clima para encontro com Bolsonaro, o mandatário capixaba reconheceu que o presidente “tem essa característica” [do confronto]. “Não temos falsas expectativas. Não sei nem se ele vai querer se reunir. Mas os governadores estão dando um sinal de que não querem só guerra. Precisamos tentar. Porque a situação hoje é muito pior do que já tivemos. Quem sabe a equipe em torno dele considere uma pacificação nesse momento, para diminuir a temperatura. Nossa parte temos que fazer. Nós [governadores] não podemos alimentar esse tensionamento”, afirmou.

Para Casagrande, não há condescendência das instituições e dos partidos diante dos abusos de Bolsonaro, alvo de mais de uma centena de pedidos de impeachment. “Não tem ambiente para impeachment porque ele tem 30% de apoio da população, e com esse percentual ninguém consegue impedir um presidente. A Dilma tinha 9%. Ele ainda está num ambiente político que o protege”, lembra.

Casagrande diz que os “governadores poderiam partir para cima” e “teríamos entre 14 e 15” deles apoiando o impeachment. “Metade tem uma posição mais firme, a outra menos. Seria um movimento político de governadores dividido. A nossa unidade agora é nossa arma, para tentar ajudar o país”, disse.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/08/24/pacto-de-governadores-causa-reves-a-bolsonaro.ghtml


Decisão do presidente revela opção por briga com o Judiciário

Recuo do presidente nos vetos da LDO coincide com ofensiva redobrada do Judiciário

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico

Como não dava para brigar com todos os Poderes ao mesmo tempo, o presidente Jair Bolsonaro escolheu um, o Judiciário. É isso que explica o recuo nos vetos às emendas de relator e de comissão. A notícia do veto, na sexta-feira, deixara o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), transtornado. Sem os meios de manter controle sobre a fatia orçamentária em que está baseada sua ação política, lhe sobrariam poucas razões para continuar barrando o impeachment.

O recuo não atingiu o fundo eleitoral, que continua vetado, mas o desfecho já estava combinado. Os parlamentares jogaram para R$ 5,7 bilhões o valor do fundo para que o veto presidencial, derrubado, lhes possibilitasse fixá-lo em R$ 4 bilhões. O valor, então, soaria como uma concessão do Congresso quando, na verdade, é o dobro do fundo vigente.

Com o flanco parlamentar contido e a divisão entre governadores, os torpedos de Bolsonaro se voltam não apenas para o Supremo mas para o Judiciário como um todo. A decisão do ministro Alexandre de Moraes de não aceitar a queixa-crime contra o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi percebida, em Brasília, como uma tentativa de preservar alguma interlocução com o PGR em seu segundo mandato de maneira a romper a blindagem que hoje protege o presidente. Esta aposta, de uma inflexão de Aras com o objetivo de salvar os rodapés do seu currículo, não tem a aderência de procuradores federais.

A percepção, entre ministros do Supremo, é a de que o presidente, de fato, estica a corda em busca de uma prisão sua ou dos seus. No dia 12 de agosto o senador Flávio Bolsonaro chegou a procurar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para sondar sobre sua atitude caso uma ordem de prisão contra um integrante da Casa se efetivasse. O alvo, porém, não era o filho de Bolsonaro, mas o presidente do PTB, Roberto Jefferson, detido no dia seguinte.

O recado, porém, estava dado. A Corte mostrava-se cada vez mais próxima do chamado “gabinete do ódio”, grupo liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro e financiado por empresários como Antonio Galvan, a Aprosoja. A reação não se restringe à Corte mas ao Judiciário como um todo. Flávio Bolsonaro tem sofrido sucessivos revezes no inquérito das “rachadinhas” no Rio.

Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça negou novo pedido do senador para o arquivamento do inquérito que, depois de ficar parado por seis meses, voltou a andar no Tribunal de Justiça do Rio. Também na semana passada o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou jurisprudência prejudicial a Flávio Bolsonaro ao julgar um recurso de uma vereadora paulista acusada de promover “rachadinha” em seu gabinete.

Por sete votos a zero, o tribunal considerou que o desvio em questão provoca “dano ao erário”, contrariando a tese da defesa de que o dinheiro é de quem o recebe e, portanto, poderia ser repassado com sua anuência.

O azedume atingiu o Judiciário de cima a baixo. Na semana anterior, o Tribunal Regional Eleitoral negara pedido da defesa do senador para que o juiz Flávio Itabaiana fosse declarado suspeito no inquérito que apura se Flávio Bolsonaro cometeu lavagem de dinheiro e falsidade ideológica ao declarar bens à Justiça Eleitoral. O pedido de suspeição baseava-se no fato de que Itabaiana também era, até o ano passado, o juiz do processo das “rachadinhas” no Tribunal de Justiça do Rio.

O Poder Judiciário unido contra Bolsonaro recebeu uma carta de desagravo de 14 governadores mas ontem, ao tentarem ampliar o quórum de signatários, houve dissidência e uma nova carta foi barrada. Os governadores ainda pediram uma reunião com Bolsonaro, aproximação que os ministros do Supremo já consideram infrutífera, visto que nem o presidente demonstra capacidade de assumir compromissos nem seus emissários, como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, mostram-se capazes de atuar como mediadores do conflito.

Pesou a favor da decisão dos governadores, porém, o receio de distúrbios nos seus Estados, em 7 de setembro e além, decorrentes da capacidade de o presidente arregimentar seguidores em forças paramilitares e nas próprias polícias. Ao mostrar interesse no diálogo, os governadores buscam, também demonstrar, para os comandos das Forças Armadas dos seus Estados terem ido ao limite. E, assim, terem seus pedidos de intervenção, em caso de baderna generalizada, respaldados pelos próprios militares. Se um encontro dos governadores com Bolsonaro, porém, for seguido de tumultos promovidos por seus seguidores, o esgarçamento da teia que sustenta o presidente da República tende a se acelerar.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/08/24/decisao-do-presidente-revela-opcao-por-briga-com-o-judiciario.ghtml