Cristovam Buarque: Os fora-fila
Todos os dias, milhões de brasileiros perdem horas preciosas em filas de ônibus, e reclamam corretamente dos oportunistas fura-fila. Poucos percebem os fora-fila: os que usam carros privados e os que não têm dinheiro nem vale-transporte. Há séculos, muitos brasileiros fazem fila para obter o que precisam, enquanto outros não têm direito nem mesmo de esperar em fila, por falta absoluta de dinheiro; enquanto outros não precisam se submeter a filas porque têm muito dinheiro.
Por causa das ineficiências econômicas, a palavra “fila” caracteriza o dia a dia dos brasileiros, mas por causa da injustiça social não se percebe os que estão fora das filas, de um lado e outro da escala de rendas. Alguns porque não precisam se submeter a elas, graças a privilégios e dinheiro, outros porque não têm o direito de entrar nelas. No meio, imprensados, os da fila, ignorando os extremos. Nós nos acostumamos a ver com naturalidade os que não precisam e ainda mais os que não conseguem entrar nas filas, por tratá-los como invisíveis.
No setor da saúde, nos indignamos com os que tentam furar a fila para tomar vacina, mas não percebemos a injustiça quando furam a fila ao usar dinheiro para o atendimento médico de um pediatra para o filho, de um dentista e de profissionais de todas as outras especialidades que não estão disponíveis no SUS, com a urgência necessária. Apesar do nome, o sistema nacional de saúde não é único: de um lado, tem o SUS com suas filas; e, do outro, o SEP - Sistema Exclusivo de Saúde - sem fila para os que podem pagar. Todos condenamos os fura-fila do SUS para tomar vacina, mas todos aceitamos que se fure a fila nas demais especialidades médicas, inclusive cirurgias, por meio do uso do dinheiro. Em alguns casos, há reclamação quando a fila se organiza por um pequeno papel numerado, mas não se protesta quando, perto dali, o atendimento é imediato, porque no lugar do papel com o número da fila usa-se papel moeda. Aceita-se furar fila graças ao dinheiro. Nem se considera como fura fila. São os fora-fila, aceitos por convenção de que o dinheiro pode comprar saúde.
Na moradia, alguns entram na fila do programa Minha Casa Minha Vida; outros não precisam, compram diretamente a casa que desejam e podem; outros também não entram na fila, porque não têm as mínimas condições de financiamento.
O mesmo vale para a educação. Em função do coronavírus, o Brasil descobriu que algumas boas escolas, em geral pagas e caras, com ensino remoto, computadores e internet em casa, permitem que alguns cheguem ao ENEM com mais possibilidade de aprovação do que outros. Apesar de que a aprovação é conquistada pelo mérito do concorrente, os aprovados se beneficiaram da exclusão de muitos concorrentes ao longo da educação de base.
A desigualdade na qualidade da escola desiguala o preparo entre os candidatos, como uma forma de empurrar alguns para fora e outros para a frente da fila. De certa forma, alguns furaram a fila para ingresso na universidade, por pagarem uma boa escola ainda na educação de base. E não há reclamação porque os fora da fila são invisíveis, porque não concluíram o ensino médio, ou concluíram um ensino médio sem qualidade que não lhes deu condição sequer de sonhar fazer o ENEM.
Tanto quanto os que não podem pagar o transporte público não entram na fila do ônibus, os analfabetos (12 milhões de brasileiros) não entram na fila do ENEM para ingresso na universidade. Foram excluídos da formação, por falta de oportunidade para desenvolver o talento no momento oportuno da educação de base, e, por isso, ficam impedidos de disputar, por mérito, uma vaga na universidade.
Ninguém fura fila para chegar à seleção brasileira de futebol, porque todos tiveram a mesma chance. A seleção é pelo mérito, graças ao fato de que a bola é redonda para todos, independentemente da renda.
Temos a preocupação de assegurar os mesmos direitos para obter vacina, não o mesmo direito para a qualidade e a urgência no atendimento de saúde e de educação, independentemente da renda e do endereço da pessoa. Nem ao menos consideramos que há injustiça em furar fila usando dinheiro para ter acesso à educação e à saúde de qualidade. É como se fosse normal furar fila por se ter muito dinheiro e normal ficar fora da fila por falta total de dinheiro. No meio, ficam os que, por pouco dinheiro, ficam na fila e se indignam com os que tentam desrespeitar a ordem, sem atentar para os fora da fila nos carros, ou os fora da fila caminhando. Os primeiros aceitamos pelas leis do mercado, os outros tornamos invisíveis.
*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília
'Desafio do DF é avançar na gestão urbana', diz especialista sênior no Ipea
Ex-secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF, Diana Motta vai participar do terceiro debate do Seminário Brasília Cidadania, realizado pela FAP em parceria com a Zonal do Plano Piloto do Cidadania
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
A arquiteta e urbanista Diana Meirelles da Motta, especialista sênior no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considera imprescindível que o planejamento urbano adote abordagem em consonância com a dinâmica demográfica, econômica e social. “O desafio do Distrito Federal é avançar na gestão urbana”, destaca ela.
Confira o vídeo!
Ex-secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal e ex-diretora de projetos da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), Diana considera que o processo de regularização fundiária no DF “ainda é complexo, burocrático e moroso”. Ela também diz que a área metropolitana de Brasília precisa viabilizar instrumentos institucionais efetivos que estabeleçam gestão compartilhada.
A especialista, que também é ex-coordenadora-geral de política urbana do Ipea, vai abordar esses assuntos no terceiro encontro online do Seminário Brasília Cidadania. O evento está marcado para o dia 26 de abril. É realizado pela FAP, em parceria com a Zonal do Cidadania no Plano Piloto (veja mais detalhes ao final desta reportagem).
O Distrito Federal tem 3.091.667 habitantes. É a 8ª menor população, de acordo com as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2021 de cada unidade da Federação.
Plano Diretor
“Os instrumentos de planejamento urbano têm de avançar, tem de ser aperfeiçoados, inclusive o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF. Esse plano estabelece onde as atividades urbanas devem acontecer”, ressalta a especialista.
Os instrumentos citados por ela são planos diretores, leis de parcelamento urbano e de uso do solo, por exemplo.
Diana reforça que o Distrito Federal precisa avançar no aperfeiçoamento da questão urbanística e ambiental. “O DF tem sete áreas de proteção ambiental, mas é necessária uma harmonização dos interesses urbanísticos com os interesses ambientais”, analisa.
As áreas de proteção ambiental preveem ocupação, mas precisam de plano de manejo, que estabelece diretrizes para o uso delas. “É necessário considerar isso, porque ainda ocorre uma visão tópica. Nem todas têm plano de manejo implementado”, acentua.
Confira os eventos anteriores do Seminário Brasília Cidadania
“Dinâmica ainda importante”
“A Área de Proteção Ambiental do Planalto Central ocupa 74% do território do Distrito Federal, que é um território com uma dinâmica demográfica ainda importante, especialmente porque é um solo de atração de emprego e oportunidades para a região”, ressalta ela.
Na avaliação de Diana, a regularização fundiária é outro ponto importante no DF. Ela sugere, entre outros aspectos, a adoção de procedimentos e mecanismos das Leis 13.465/2017 e 14.011/2020.
“Essas legislações avançam na simplificação de procedimentos de regularização fundiária”, diz. Segundo ela, avançam na questão da aprovação e, especialmente, considerando aspectos ambientais.
“Gestão compartilhada”
Em relação à área metropolitana de Brasília, de acordo com a análise da especialista, também é necessário buscar uma “gestão compartilhada” na região, que já tem base legal – a Lei federal 13.683/2018.
A Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) do Distrito Federal e Entorno, considerada como região metropolitana, tem 4,7 milhões de habitantes. É a quarta maior do país em número de moradores.
A região metropolitana de São Paulo continua como a mais populosa, com 21,9 milhões, seguida pelas regiões metropolitanas de Rio de Janeiro (13,1 milhões) e Belo Horizonte (6 milhões).
Além de Diana, como palestrante, o evento terá a participação do arquiteto Marcelo Aguiar, ex-secretário de Educação do DF.
SERVIÇO
Seminário Brasília Cidadania
3º evento online da série
Dia: 26/4/2021
Transmissão: das 19h às 21h
Onde: Portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Fundação Astrojildo Pereira, em parceria com a Zonal do Plano Piloto do Cidadania
O arquivo do vídeo do evento fica disponível para o público nesses canais depois do evento
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José Eduardo Faria: A “sinalização do povo”
“Eu respeito as instituições, mas devo lealdade apenas a vocês, povo brasileiro”, disse o presidente da República na cidade de Itapira, em agosto de 2019. “Eu sou a Constituição”, afirmou em abril de 2020, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília. “A temperatura está subindo. O Brasil está no limite. O pessoal [sic] fala que eu devo tomar providência. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização, porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí”, afiançou ele, na segunda quinzena de abril de 2021, também em Brasília.
Não é a linha de continuidade entre essas três afirmações, pronunciadas no período de um ano e oito meses, que chama atenção. É, isto sim, o enviesamento político e antidemocrático subjacente a elas. Afinal, respeitar as instituições não é concessão, como reitera Bolsonaro. É, também, uma obrigação prevista pela Constituição que ele solenemente jurou respeitar ao assumir o cargo. Além disso, a lealdade de que fala não tem de ser devida apenas ao “pessoal” (ou seja, a turma dos cercadinhos) ou ao “povo” (um conceito amorfo), mas à democracia, a suas instituições e suas regras. Como se não bastasse, ao personificar a Constituição, incorporando a normatividade desta em si próprio, como se suas opiniões a respeito do texto constitucional tivessem força de lei, o presidente erode a força normativa da Carta Magna, na qual se baseia o regime democrático. Por fim, quando diz que está esperando uma sinalização do “pessoal”, Bolsonaro se esquece de que, na democracia representativa, tal sinalização é dada formalmente em eleições livres e periódicas disputadas por candidatos devidamente registrados e homologados pela Justiça eleitoral.
As três falas, portanto, não têm fundamento jurídico nem legitimidade política, uma vez que entreabrem um desprezo às instituições e afronta ao império da lei, confundindo o que são simples palavras de ordem de apoiadores com o interesse geral da sociedade. Perigosa do ponto de vista da ordem constitucional, essa é estratégia de Bolsonaro para corroê-la, submetendo-a a sucessivos testes de estresse. Quando afronta o Poder Judiciário e exige que ministros do Supremo Tribunal Federal sejam objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no âmbito do Legislativo, ele sabe o que faz. Quer, deliberadamente, gerar tensões institucionais para aproveitar a insegurança e uma eventual desordem com o objetivo de se apresentar como o único homem capaz de restabelecer a ordem — e de modo voluntarista, sem estar sujeito a qualquer lei e à própria Carta Magna.
Não há coerência, mas somente um torpe maquiavelismo de almanaque e uma vocação despótica — numa única palavra, embuste. Quando assina decretos para tratar de matérias que só podem ser disciplinadas por projetos de lei ou quando edita medidas provisórias que não atendem aos requisitos de relevância e urgência, Bolsonaro também segue um script conhecido. Ao ultrapassar deliberadamente os limites do processo legislativo estabelecidos pela Constituição, o presidente sabe que esses decretos e MPs serão derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. É justamente o que deseja — um pretexto para alegar que a corte não o deixa governar e que somente conseguirá gerir o país sem ela, situando-se assim acima das leis. Como consequência, o “pessoal” é estimulado então a bater bumbo na Praça dos Três Poderes ou na frente do Quartel General do Exército, pedindo um ato institucional que suprima direitos e garantias fundamentais, como ocorreu em 1968.
Todas as vezes em que fala que a Constituição lhe confere o título de “comandante em chefe” e lhe atribui a prerrogativa de decretar estado de sítio ou estado de defesa, Bolsonaro a interpreta conforme suas conveniências mais imediatas. No caso do estado de defesa e do estado de sitio, por exemplo, ele releva que ambos somente podem ser decretados com aval do Congresso. Quando o Supremo Tribunal Federal aplica uma norma constitucional detendo suas iniciativas autocráticas, ele não apenas o afronta, mais vai além, desdenhando da tripartição dos Poderes.
Também aplaude os áulicos de seu entorno que afirmam que o Poder Judiciário deve “compreender o tamanho de sua cadeira”. Esquecem-se, contudo, de duas regras constitucionais básicas. Em primeiro lugar, os tribunais só podem agir quando provocados. E, em segundo lugar, não podem deixar qualquer provocação sem resposta. No mesmo sentido, o presidente não entende que as razões de decidir de uma corte suprema não se confundem com as razões de decidir de uma casa legislativa ou de um governo. Com isso, despreza o fato de que julgamentos são realizados com base em normas jurídicas constitucionais ou infraconstitucionais, e não em fatores conjunturais, resultados acordados e alianças que se fazem e desfazem ao sabor de concessões, vantagens pessoais ou mesmo de intimidações. Todavia, quando a mesma corte aplica uma norma constitucional dando ganho de causa a ele, a narrativa de que a Justiça está tomando decisões que seriam próprias de outros Poderes e de que os juízes deveriam “entender suas responsabilidades” é convenientemente engavetada.
Em seus discursos, como o de Itapira, em agosto de 2019, e os de Brasília, em 2020 e 2021, o presidente ignorou a divisão de direitos e de competências assegurada pela Constituição. Trata-se de um mecanismo que, se por um lado libera os conflitos com todas suas contradições e dilemas, por outro viabiliza um entendimento que lima arestas e abre caminho para a construção de soluções politicamente negociadas no âmbito do Executivo ou do Legislativo.
Bolsonaro e seu entorno não entendem que a democracia é método e procedimento de negociação, gestão de conflitos e de neutralização de tensões institucionais. Igualmente, não compreendem que, ao demarcar direitos e deveres, a ordem constitucional baliza um exercício consequente e equilibrado da palavra e da ação no espaço público. Decorrem daí as bobagens que falam. Ao refutarem o entendimento do Supremo de que a regra de maioria fundamenta o regime democrático ao mesmo tempo em que garante o direito das minorias, o presidente e seu entorno enfatizam a necessidade de respeitar o “projeto de Nação” endossado pelos eleitores em 2018 — projeto esse que afronta abertamente as minorias e recorre à Lei de Segurança Nacional da ditadura militar para processar críticos e intimidar opositores.
Na realidade, ao alegar que só é “leal ao povo”, ainda que respeite as instituições, Bolsonaro está defendendo uma retração na capacidade configuradora da democracia. Falta-lhe formação histórica para atinar que as transformações estruturais da sociedade podem ser feitas de modo mais eficiente por meio de diálogos e compromissos do que pela força bruta. Desse modo, ele acaba desprezando o fato de que, no regime democrático, soberania não se expressa por meio de plebiscitos ou consultas populares, mas pressupõe uma contínua construção coletiva com base no diálogo.
Na dinâmica do jogo político, o presidente continua confundindo adversários com inimigos. Adversários contrapõem-se politicamente, mas respeitam o princípio da alteridade. Ou seja, sabem não apenas se colocar no lugar dos outros, mas, também, entendem que existem situações-limite — aquelas para além das quais as regras do jogo implodiriam com prejuízo para todos. Na visão bolsonarista, há uma simples caricatura do que dizia um dos juristas do regime nazista, o constitucionalista Carl Schmitt (1888-1985): quem não é amigo é inimigo; por isso, se o amigo não destruir o inimigo, corre o risco de ser destruído por ele. Nesse caso, não há jogo político, só há violência física, que leva a atentados e assassinatos. Ou, então, a violência simbólica, por meio do discurso do ódio, da difamação, da mentira como estratégia de destruição de reputações implementada com base nas redes sociais.
Em 2019, ano em que fez o discurso de Itapira, dizendo que respeita a democracia, mas só obedece ao povo, o saldo foi de desesperança e medo. Em 2021, embora ainda estejamos em pouco mais da metade do primeiro semestre, tudo indica que, após a fala de Bolsonaro no sentido de que “aguarda uma sinalização do povo para tomar uma providência”, esse saldo pode ser ainda mais trágico.
*José Eduardo Faria é Professor Titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Fernando Gabeira: As voltas que a vida dá
Bolsonaro investiu contra a vida liderando a maior política de destruição ambiental do Brasil moderno. E investiu de novo contra a vida negando a pandemia do coronavírus.
A vida começa agora a cobrar de forma combinada os crimes de Bolsonaro. Numa só semana, convergiram a Cúpula de Líderes sobre o Clima e a CPI da Covid, eventos que lembram a Bolsonaro que sua própria vida ficará para sempre marcada por seu desprezo à vida das florestas e dos bichos e pelo sacrifício humano envolto na tese da imunização de rebanho.
Por mais que psicólogos mergulhem no labirinto da mente de Bolsonaro, nenhuma explicação atenua o dado objetivo de tantas árvores derrubadas, tantos animais carbonizados, tantas pessoas mortas pelo coronavírus.
A economia explica apenas parcialmente. Bolsonaro acha que é preciso tirar todos os recursos da natureza, independentemente do rastro de destruição. Da mesma forma, ele acha que a economia precisa funcionar, independentemente das pessoas que o vírus consome.
A verdade é que Bolsonaro não se importa tanto com a economia, não estuda o tema e, ao se eleger, designou um ministro para responder a todas as perguntas, a quem chamou de Posto Ipiranga. O que move o presidente não chega a ser, portanto, nem uma teoria econômica, por mais grosseira e obsoleta que possa parecer.
Tanto na destruição das florestas como na tragédia humana diante do vírus, o que move Bolsonaro é sua vontade de permanecer no poder.
A floresta interessa na medida em que garanta os votos dos seus predadores; as pessoas podem morrer para que uma suposta normalidade econômica garanta a reeleição.
É muito conhecida a literatura sobre essa obsessão com o poder, a necessidade de respeito e até admiração que os poderosos obtêm quando se revestem dessa condição que lhes parece mágica.
Mas o caso de Bolsonaro é singular. Existe uma coerência em todas as suas escolhas. A morte é a grande aliada desde a opção destrutiva no ambiente e na pandemia, passando pela difusão das armas, chegando até a detalhes como suprimir multas de quem se descuida da cadeirinha do bebê no carro.
Essa aliança com a morte pode ser também o resultado de uma grande frustração com a própria vida. Mas, de novo, deixo isso aos psicólogos ou àqueles que preferem combater Bolsonaro no plano da sanidade mental.
Por meio de grandes episódios como a Cúpula do Clima e a CPI da Covid, entretanto, é possível compreender o antagonismo de Bolsonaro com todos todos os tipos de vida no planeta.
E refletir sobre isso. Não importa a Bolsonaro se o país se tornar um deserto, muito menos se os que ele considera mais fracos forem tombando pelo caminho.
Nunca na história moderna do país a indiferença diante da realidade política poderá ter consequências tão devastadoras para nosso futuro.
A Cúpula do Clima serve para mostrar a importância da luta da Humanidade para a sobrevivência das novas gerações e a contradição de Bolsonaro com essa gigantesca reação vital.
Ali, ele apenas mentiu, supondo que possa enganar o mundo. Seu objetivo sempre foi desmontar a fiscalização, acabar com a “indústria da multa”, liberar o garimpo e enfraquecer os povos indígenas.
A CPI da Covid servirá para revelar aquilo que muitos de nós já sabemos. Mas pode fazê-lo de uma forma séria e pedagógica para que todos compreendam a responsabilidade de Bolsonaro.
Essas duas vertentes, a ambiental e a sanitária, sempre estiveram aí enquanto, de uma certa maneira, Bolsonaro gritava “Viva la muerte”, como o oficial do Exército de Franco.
É estranho que esse grito tenha dominado um país mundialmente conhecido pela vitalidade. Imperdoável, no entanto, que ele possa ecoar em 22, o prazo final para o encerramento dessa fúnebre passagem da História do Brasil.
Folha de S. Paulo: Ressuscitada por Bolsonaro, rodovia ameaça região de maior biodiversidade do Brasil
Dois projetos de lei preveem a construção de rodovia que dividiria em dois o Parque Nacional da Serra do Divisor (AC) e a privatização de seu território, abrindo caminho ao desmate, ao gado e à extração mineral
Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida, Folha de S. Paulo
Em todo o mundo, o pássaro choca-do-acre só foi encontrado em um único cume dentro do Parque Nacional (Parna) da Serra do Divisor. O habitat do animal arisco e de plumagem escura se limita a um bosque de vegetação baixa, um dos dez tipos de floresta encontrados nessa unidade de conservação, localizada na fronteira do Brasil com o Peru.
Habitat de outros animais endêmicos e de ao menos 1.163 espécies de plantas, a Serra do Divisor é uma das regiões de maior biodiversidade do mundo. Apesar disso, dois projetos em paralelo preveem a construção de uma rodovia dividindo o parque em dois e a privatização do território do Parna, abrindo caminho ao desmatamento, ao gado e à extração mineral.
As propostas são impulsionadas por dois parlamentares bolsonaristas do estado do Acre. A ideia da estrada foi encampada pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), que já tomou os primeiros passos para a construção do lado brasileiro da rodovia, mas ainda não se pronunciou sobre o projeto de lei em tramitação no Congresso que revoga o Parna da Serra do Divisor.
O prolongamento da BR-364, que hoje termina em Mâncio Lima (670 km de Rio Branco) começou a ser discutido na década de 1970, durante a ditadura militar e está previsto no decreto de criação do Parna, em 1989, durante o governo José Sarney (PMDB). Mas o projeto parecia esquecido com a inauguração, em 2010, da Rodovia Interoceânica (Estrada do Pacífico), que já liga o Acre e o Brasil à costa peruana.
Então começou o governo Bolsonaro. Em 2020, três ministros de Bolsonaro já estiveram no Acre para tratar do assunto. Em junho, Ricardo Salles (Ambiente) visitou a área onde a obra teria início. Em setembro, o então chanceler Ernesto Araújo e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) passaram por Cruzeiro do Sul, a maior cidade da região do Vale do Juruá, por onde a via cruzaria. Reuniram-se com políticos locais e peruanos.
Também em setembro, o próprio presidente defendeu o projeto em uma live no Facebook, argumentando que abrirá uma passagem do Brasil para Pacífico —ecoando o discurso do então presidente Lula (PT) nos anos 2000, quando viabilizou a primeira rodovia, em parceria com o colega peruano Alejandro Toledo, hoje foragido da Justiça.
O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) afirma que lançará até junho o Termo de Referência para a contratação do projeto, orçado em pelo menos R$ 500 milhões, segundo estimativa oficial.
A autarquia informou que ainda não foi definido o traçado detalhado da rodovia federal, mas que o lado brasileiro terá cerca de 120 km, dos quais 20 km (17%) dentro do parque da Serra do Divisor e que, para este ano, “estão previstos recursos suficientes para o desenvolvimento das ações de estudos e projetos do empreendimento”.
Na região, o projeto divide opiniões.
Lideranças indígenas e ribeirinhos afirmam que até agora não foram consultados sobre a rodovia —como determina a legislação— e preveem impactos socioambientais negativos. "Até hoje, a primeira pessoa que chegou perguntando pra mim falar sobre a estrada é o senhor”, disse à Folha o cacique Joel Puyanawa, em conversa no centro cultural do seu povo.
Separada do casco urbano de Mâncio Lima (AC) por uma estrada de terra de 10 km, a Terra Indígena Poyanawa, com cerca de 680 moradores, fica na área de influência direta da rodovia. Salles esteve ali em 27 de junho, mas Joel não se reuniu com ele. Diante de lideranças indígenas, o ministro discursou que “o tempo é de integração”, ao defender o projeto rodoviário.
“O entorno da nossa terra já está todo comprometido. Já sabemos o prejuízo que as invasões causam. Os brancos vivem caçando na nossa terra, e as instituições ambientais não têm uma política para impedir. Imagina uma rodovia. Quantos milhões de pessoas vão transitar? Vai aumentar o agronegócio? Vai. Mas a nossa sobrevivência não está no agronegócio”, diz o cacique, vereador pelo PT.
Puyanawa teme também que a rodovia passe por cima de uma área sagrada fora da terra indígena demarcada. Foi nessa região que, por volta de 1910, seu povo foi capturado para ser escravizado pelo coronel seringalista Mâncio Lima (1875-1950). Apesar disso, é retratado como herói pela história oficial, a ponto de ser homenageado com o nome da cidade.
“Essa rodovia ameaça 100% a nossa terra, destrói o nosso sítio sagrado. Basta o prejuízo que tivemos com o coronel. Se a rodovia sair, extermina a história do nosso povo”, afirma.
Por outro lado, prefeitos e empresários apostam na estrada para acabar com o isolamento geográfico da região mais ocidental do país. Apesar de ser do mesmo Partido dos Trabalhadores, o prefeito reeleito de Mâncio Lima, Issac Lima (não é parente do coronel), é um entusiasta da estrada —a ponto de ter aberto, por conta própria, uma picada de 40 km no provável traçado da rodovia.
Para o petista e pecuarista, a conexão com Pucallpa, a 740 km de estrada de Lima, traria benefícios para a cidade de 19 mil habitantes, que vive principalmente da pecuária e da agricultura familiar. “A estrada ligaria o mundo todo e traria pra nossa região aqui, com certeza, o desenvolvimento, o crescimento, e Mâncio Lima seria a porta de entrada.”
O principal responsável pela retomada da ideia é o senador Márcio Bittar (MDB-AC). Aliado incondicional de Bolsonaro, como ele mesmo se define, ele ocupa o estratégico cargo de relator do Orçamento de 2021, o que lhe dá o poder de direcionar verbas para a estrada, entre outras atribuições.
Em paralelo, a deputada federal bolsonarista Mara Rocha (PSDB-AC) apresentou, em novembro de 2019 o projeto de lei (PL) 6.024, que transforma o Parque Nacional em APA (Área de Proteção Ambiental), o nível de proteção mais baixo entre áreas protegidas. A mudança abriria caminho para a privatização das terras, desmatamento, extração de madeira, fazendas de gado, mineração e a exploração de gás de xisto.
Mais reticente, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), não esteve presente em nenhuma das visitas ministeriais para tratar da estrada. Por telefone, ele disse à Folha que o projeto é de “médio a longo prazo” e que o estado tem outras prioridades, como incrementar o uso da primeira rodovia interoceânica, hoje subutilizada.
Cameli diz que é contra o rebaixamento do parque para APA e que sua principal preocupação sobre a estrada é com o possível aumento de contrabando de cocaína peruana na região de Cruzeiro do Sul, a principal rota de entrada ao Acre. “[As quadrilhas] estão dominando. As fronteiras precisam da maior presença do Estado de Direito.”
Em reação à forma como a rodovia está sendo planejada pelo governo federal e pelos parlamentares, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito para investigar irregularidades na condução do projeto.
Segundo o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, o objetivo é assegurar que as “comunidades indígenas sejam consultadas de forma prévia, livre e informada”, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O procurador Dias defendeu que o trajeto da estrada considere a possível presença de indígenas isolados e que o licenciamento seja feito pelo Ibama, com a participação da Funai, e não pelo órgão ambiental estadual, mais suscetível a pressões políticas.
RIBEIRINHOS E INDÍGENAS
A Folha visitou a região norte da Parna da Serra do Divisor entre o final de outubro e início de novembro de 2020. Foram 9 horas de barco pelo rio Moa desde Mâncio Lima até a comunidade Pé da Serra, o povoamento mais ocidental do Brasil.
Com três pousadas mantidas por moradores, é a base para turistas em busca das cachoeiras, das vistas panorâmicas e das trilhas pela mata. Um dos locais mais belos e impressionantes é o cânion do rio Moa. São 40 minutos de barco entre montanhas verdes, um cenário associado à Amazônia peruana, próxima dos Andes, mas incomum no Brasil
Apesar de ser vetado pela legislação, cerca de 350 famílias de ribeirinhos vivem dentro do parque, ao longo dos rios Moa e Juruá-Mirim. A maioria delas já morava quando o parque foi criado, mas, passadas três décadas, o o governo federal nunca concluiu o reassentamento dessas famílias. Em Pé da Serra, elas vivem do turismo, da agricultura não mecanizada, da caça e da pesca.
A eletricidade vem de geradores e de placas solares. As casas, distribuídas ao longo das margens, chegam até perto das primeiras montanhas, que amanhecem cobertas de névoa. O transporte é feito em canoas com rabetas, motores de pequena potência pilotados por adultos e crianças. Sem internet, um único telefone público faz a comunicação com o mundo.
Nascida e criada à beira do rio Moa, a agricultora Eva Maria Lima da Silva, 41, diz que é contrária tanto à extinção do parque quanto à abertura da estrada. Cozinheira da pioneira Pousada do Miro, ela diz que o parque impediu o avanço do gado e que o turismo é a melhor alternativa econômica.
“Se a estrada sair, vai prejudicar o nosso parque. Seria bom pela rapidez, mas, viajando pelo rio, a nossa estrada, quantas belezas não vou vendo? Quantas matas não estão preservadas?”, afirmou.
Outro morador antigo, o agricultor e artesão João Silva, 51, afirma que a estrada seria benéfica para diminuir o isolamento da comunidade: “De repente, a gente precisar ir pra rua, pegava a estrada, é mais rápido”.
Por outro lado, discorda da proposta de extinguir o parque, projeto que os moradores desconheciam até serem questionados pela reportagem.“Num sentido, achava bom porque o cara podia achar um emprego. Mas deixar sem explorar seria melhor. Ficamos tranquilos, ninguém vai mexer conosco. Se vier esse pessoal, vai tirar muita gente daqui. Os fazendeiros vão entrar, comprar, os caras vão ter de sair.”
Vizinhos ao parque e habitantes históricos do rio Moa e da Serra do Divisor, os indígenas nukinis rechaçam tanto o plano da estrada quanto a transformação do projeto em APA, segundo o cacique Paulo Nukini, 39. Ele não foi consultado sobre o projeto. Seu povo reivindica que parte do parque seja anexada ao território indígena, homologado em 1991.
“Somos contra porque sabemos que vai trazer muito impacto, muito desmatamento. Pode crescer acesso maior dos contrabandos [tráfico de cocaína]. E vai deixar a nossa serra com bastante risco de contaminação. Pra nós, nukinis, a serra é um recanto sagrado”, afirma a liderança, em conversa diante da sua aldeia, à beira do rio. “O Brasil viveu até hoje sem precisar dessa travessia aí.”
A preocupação com o tráfico tem fundamento. O lado peruano da fronteira tem sofrido com o aumento de plantio ilegal de coca e de presença de quadrilhas de narcotraficantes. A droga atravessa o Brasil por meio de rios e picadas na selva.
PARAÍSO DOS PESQUISADORES
A alta biodiversidade e endemismo da Serra do Divisor decorrem principalmente da altitude variada, entre 200 e 650 metros. Além disso, possui os três tipos de rio existentes na Amazônia: água branca (barrenta), água preta (cor de chá preto) e água clara (transparente). Finalmente, é a única área de proteção integral do Brasil que contém uma ramificação da cordilheira dos Andes, incluindo parte de sua flora e fauna.
“Desde 1901, houve cerca de 3.500 coletas botânicas na Serra do Divisor, com o registro de 1.163 espécies”, diz o biólogo da Universidade Federal do Acre (Ufac) Marcos Silveira, que pesquisa no local há 24 anos. “O número de espécies de plantas vasculares [com vaso de condução de seiva] representa 8,3% da diversidade conhecida na Amazônia.”
O catálogo não para de crescer. Junto com outros pesquisadores, o biólogo prepara um artigo no qual mostra que a lista de espécies registradas no parque aumentou 63% desde 1997, quando havia 720 plantas identificadas. Em média, são três espécies encontradas na Serra do Divisor a cada dois meses, entre novas para a unidade de conservação, desconhecidas no Acre e até mesmo inéditas para a ciência.
A fauna não fica atrás. “Quando fazemos inventários, sempre temos uma chance grande de coletar espécies novas. É impressionante”, afirma o biólogo Elder Morato, da Ufac.
Duas espécies de abelha descobertas no Divisor foram nomeadas em sua homenagem: Euglossa moratoi, uma das cerca de 30 espécies de abelha das orquídeas encontradas no parque, e a Dolichotrigona moratoi, uma das aproximadamente 60 abelhas nativas sem ferrão e melíferas.
Outra abelha sem ferrão descoberta no parque é a Celetrigona euclydiana, uma homenagem ao escritor Euclides da Cunha, que, no início do século 20, esteve no Acre para chefiar os trabalhos de delimitação da fronteira do Brasil com o Peru.
"Para nós, biólogos, a Serra do Divisor é bastante emblemática. Não é exagero dizer que todos sonham em algum dia visitá-la”, afirma um comentário assinado pelos pesquisadores Leandro Moraes (Universidade de São Paulo), Tomaz Melo (Universidade Federal do Amazonas e Raíssa Rainha. Todos são também ligados ao Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), com sede em Manaus.
Em novembro de 2019, os três participaram de uma expedição de pesquisa para um censo de vertebrados para marcar o aniversário de 30 anos do parque. Eles encontraram cerca de 80 espécies de anfíbios e 40 espécies de lagartos e cobras.
Também foram identificadas 326 espécies de aves, dos quais ao menos 5 novos registros para o parque, que já ultrapassa 500 espécies listadas de pássaros. Um deles se tornou o símbolo da região: o choca-do-acre (Thamnophilus divisorius). Morador das áreas mais altas, só existe ali em todo o planeta.
“Essa diversidade expressiva só é documentada em outras regiões da Amazônia após décadas de levantamento no mesmo local. Na Serra do Divisor, registramos em menos de 15 dias de amostragem. Muitas dessas espécies são bastante restritas a essa região e já deixam de ocorrer no sentido leste do Acre”, afirmam os pesquisadores.
Tanta diversidade levou o Ministério do Meio Ambiente a protocolar a candidatura, em 2017, do Parque Nacional da Serra do Divisor como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade junto à Unesco (ONU). Essa distinção só foi concedida a apenas duas outras regiões da Amazônia: o Parque Nacional Manú, no Peru, e a Amazônia Central, um conjunto de quatro unidades de conservação no estado do Amazonas (Jaú, Anavilhanas, Mamirauá e Amanã).
A proposta, no entanto, acabou retirada dias depois por pressão do Conselho de Defesa Nacional, órgão ligado ao Palácio do Planalto —na época, ocupado por Michel Temer (MDB). A alegação foi ameaça à segurança nacional.
PEDREIRA NO PARQUE
No PL, a deputada Mara Rocha —irmã do vice-governador, o major da PM Wherles da Rocha— usou 213 palavras para justificar o fim do parque nacional. Nenhum estudo ambiental ou econômico é citado para justificar o fim da única unidade de conservação brasileira de proteção integral situada dentro de uma área pré-andina, onde há uma transição entre a fauna e flora andina e da Amazônia baixa.
Para a deputada, a existência do parque de 837 mil hectares (o nono maior do país) “vai de encontro aos interesses e necessidades do povo acreano” por se tratar da “única região do estado que possui rochas que podem ser extraídas e utilizadas na construção civil, de maneira a fomentar o desenvolvimento econômico do estado”.
Em vídeo divulgado em janeiro de 2019, ela afirma que o objetivo é que o parque passe a permitir ocupação humana e que o “projeto é de autoria do senador Márcio Bittar”.
Por telefone, Bittar tentou se desvencilhar da iniciativa da aliada. Disse que não é “idiota” de apresentar o PL para extinguir o parque, mas defendeu o seu teor. “A Alemanha, que banca ONG ligada à mídia nacional, fez uma Itaipu e meia em termelétrica, cavando buraco na terra por carvão. Agora, nós, no Acre pobre, miseráveis, na Amazônia miserável, não temos pedra.”
"Se dentro da reserva tiver uma jazida de pedra e não dá um quilômetro quadrado, não pode tirar porque a lei diz que não pode tirar. Se tiver petróleo lá dentro, pode tirar? Não pode. E vai continuar assim porque não sou idiota e sei que, se eu apresentar um projeto de lei desses, não passa”, completou.
A reportagem tentou falar com Mara Rocha, mas a deputada federal não respondeu ao pedido de entrevista.
PRIMEIRA INTEROCEÂNICA
O fato é que, desde 2010, o Acre já tem uma ligação ao Pacífico peruano, via Assis Brasil (AC). Porém a obra, quase toda executada no país vizinho, não cumpriu a promessa de transformar o estado amazônico em polo exportador ou corredor para a Ásia. No Peru, a rodovia desatou a explosão do desmatamento e da madeira ilegal e está no centro da “Lava Jato peruana”, escândalo de corrupção que abalou a política do país vizinho.
No ano em que a obra foi inaugurada, as exportações do Acre representavam 0,4% do PIB estadual. Em 2018, último dado disponível, esse percentual subiu apenas para 0,7%. Os dados são do Ministério da Economia e do IBGE.
Esse aumento da participação das exportações no PIB acreano ocorreu em ritmo menor em comparação com a região Norte. Em 2010, as vendas ao exterior dos sete estados somavam 14%. Oito anos mais tarde, esse percentual havia subido para 17,4%.
O Acre é o estado menos exportador do Norte. Em 2019, as vendas aos exterior somaram US$ 31,5 milhões —somente 0,2% das exportações da região.
“A estrada não mudou a realidade econômica do Acre, exceto para passear de automóvel até Lima, Cuzco”, diz o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), o empresário acreano George Pinheiro.
“A expectativa era de que grande parte das empresas transportadoras faria uma via mais barata e ir pra China, pro Japão. Nada disso aconteceu”, afirma Pinheiro.
Questionado sobre o baixo impacto econômico da estrada que já funciona há dez anos, o senador Bittar disse que a rodovia é “inviável” pelo excesso de curvas e pela altitude elevada do percurso pelos Andes.
"A estrada que sai por Assis Brasil (AC) tem um problema grave, sai na cordilheira alta e pega quase 5.000 metros de altura, não tem carreta que ande ali, tem tanta curva que é inviável”, afirmou. “A saída econômica mais importante é pelo Juruá porque a cordilheira alcança 2.000 metros de altura.”
Esse argumento, usado também por Bolsonaro em setembro, está errado. Entre Pucallpa e Lima, onde está o principal porto do país (Callao), a estrada passa por Cerro de Pasco, uma das cidades mais altas do mundo, a 4.338 metros de altitude.
Bittar admitiu que não há nenhum estudo oficial de impacto econômico da estrada concluído, mas que ele propôs a criação de um comitê binacional para “levantar todo o portfólio de ambos os lados: o que eles têm que nos interessam, e o que nós temos que os interessam”.
Apesar de defender a nova estrada, Pinheiro afirma que a conexão entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, cidade com cerca de 380 mil habitantes, é uma necessidade sobretudo local. “Em termos de distâncias amazônicas, é muito pequena [210 km em linha reta]. E seria uma ligação com uma cidade peruana com grande movimento comercial, industrial.”
Para o líder empresarial, a retomada do projeto se deve sobretudo à “nova perspectiva política”: “Há novos atores que querem fazer a estrada. Todo mundo quer ter o carimbo: ‘Fui eu que fiz a estrada’. Isso dá sustentação política, o que acho isso lícito, normal.”
*A viagem dos repórteres Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida foi patrocinada por InquireFirst e pelo Departamento de Educação Científica do Instituto Médico Howard Hughes (HHMI).
Escritor ensina como criar livro digital: 'Democratizar o mercado editorial'
Paulo Souza passará dicas de produção de e-book em evento online da Biblioteca Salomão Malina, no dia 26 de abril
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Com o aumento disparado de vendas online durante a pandemia, escritores iniciantes podem usar a internet como uma grande vitrine e serem vistos por gente de toda parte do mundo. “Os e-books são uma forma de democratizar o mercado editorial”, afirma o diretor financeiro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal (Sindescritores), o escritor Paulo Souza.
Os livros digitais, na avaliação dele, ampliam as chances de mais pessoas terem sucesso no ramo. “Podemos ter mais possibilidade de escritores se profissionalizando no meio”, acredita Souza. Ele também é produtor cultural no DF. Os e-books já apresentavam crescimento de vendas antes mesmo da pandemia.
Confira o vídeo!
O diretor do Sindescritores vai participar de encontro online para dar dicas de formatação para autores iniciantes, na segunda-feira (26/4), das 18h30 às 20h. O evento virtual será realizado pela Biblioteca Salomão Malina, mantida, em Brasília, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que também é localizada na capital federal.
Passo a passo sobre e-book
Durante o próximo evento online, Souza vai passar informações básicas de como editar um e-book, para ser publicado em plataformas na internet. Segundo ele, esse é só um primeiro passo que pode contribuir para destacar o potencial de diversas pessoas que ainda não têm dinheiro para contratar trabalho de uma editora profissional.
“É claro que existem outros fatores para o escritor ter mais sucesso em sua carreira, mas vamos dar ferramentas para começar o trabalho de forma autônoma, através de e-books, para despertar interesse tanto dos leitores como de editoras tradicionais”, explica Souza.
Antes mesmo da pandemia, houve registro de aumento das vendas de conteúdo digital. O mercado editorial aumentou em 115% seu faturamento com conteúdo digital, de 2016 a 2019.
Os dados são de pesquisa da Nielsen, em parceria com a Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, divulgada em agosto de 2020.
Mercado vasto
O número, já descontada a inflação, considera as vendas de ebooks – que somaram 99% do faturamento e 96% das unidades comercializadas –, audiolivros e outras plataformas de distribuição digital.
O total da receita para esse tipo de produto, ainda minoritário no mercado editorial, foi de R$103 milhões no ano passado, com venda de 4,7 milhões de unidades.
“Nós vivemos na Era da internet. Tudo está muito conectado, com muitas informações ao mesmo tempo, e isso abre espaço para que muitas pessoas produzam literatura e ponham trabalho à disposição de milhares de pessoas através da internet”, diz o diretor do Sindescritores.
Sobre o palestrante
Escritor, produtor cultural, editor e diretor financeiro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal, Paulo Souza foi responsável pelo blog e canal Ponto Para Ler, que funcionou de 2013 a 2020. Além disso, tem experiência na colaboração e idealização de projetos como Literatura por Mulheres e Encontro de Literatura Fantástica do Cerrado.
Outros projetos com participação de Souza são Brasília que Escrevo, além de ter mediado os bate-papos Arte da Palavra. Vitrine Literária, mesas na Feira do Livro de Brasília e vários encontros com leitores e lançamentos de livros. Foi mediador do clube de leitura Eneida de Moraes na Biblioteca Salomão Malina.
Abaixo, veja detalhes do evento online da Biblioteca Salomão Malina:
Meu primeiro e-book: dicas de formatação para autores iniciantes
Palestrante: Paulo Souza
Data: 26/4/2021
Horário: das 18h30 às 20h
Transmissão: portal da Fundação Astrojildo Pereira e redes sociais da entidade (Youtube e Facebook) e da biblioteca (Facebook).
Observação: o vídeo do evento ficará disponível nesses canais para acesso do público, gratuitamente.
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Com Bolsonaro, país aumenta risco de ficar fora de negociações da política externa
Avaliação é do professor no Insper Leandro Consentino, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O Brasil corre o risco de ficar de fora das principais mesas de negociações por conta da política externa do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), isolando-se da futura governança global. O alerta é do doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Leandro Consentino, professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
Estados devem reconstruir os organismos internacionais quando a pandemia da Covid-19 tiver fim, segundo Consentino. Ele publicou artigo de sua autoria na revista Política Democrática Online de abril, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso é gratuito no portal da entidade.
Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
Bacharel em Relações Internacionais e também professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o analista de política externa diz que o país interrompeu um "círculo virtuoso” com o mundo após a vitória de Bolsonaro, em outubro de 2018.
Além disso, segundo artigo de Consentino na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), a situação piorou ainda mais com a subsequente nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro de Relações Exteriores.
“Com uma visão que preconizava completo alinhamento com os Estados Unidos, à época governados por Donald Trump, e outros países governados por populistas conservadores, a política externa brasileira esposou a antítese do paradigma de Azeredo da Silveira, pautando-se por um ideologismo irresponsável”, analisa o autor do artigo na revista mensal da FAP.
Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online
“Governo de turno”
De maneira cada vez mais alheia aos anseios brasileiros, segundo Consentino, “o governo de turno prefere privilegiar suas convicções políticas e ideológicas em detrimento do interesse nacional”.
Assim, conforme acrescenta, o governo coloca em risco os esforços de política externa, conquistados nas últimas décadas e prejudicando a economia e a sociedade brasileira em um momento tão grave como o atual.
“Foi dessa forma que ficamos para trás na corrida pelas vacinas e que tivemos os insumos atrasados por algumas semanas, perdendo centenas de vidas pelo caminho”, lamenta o professor no Insper.
Isolamento
Dessa forma, destaca o autor do artigo na revista da FAP, quando a pandemia tiver fim e os Estados decidirem a reconstrução de organismos internacionais pautados na questão sanitária e na recuperação da economia, o Brasil pode não ser convidado às principais mesas de negociações, isolando-se da futura governança global. “Eis o risco que ora enfrentamos e que precisamos evitar a todo custo”, afirma.
A íntegra da análise de Consentino pode ser vista na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
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Editorial da Política Democrática Online conclama oposições para cooperação
‘Governo federal cooptou Centrão para impedir impeachment’, diz Temporão
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Fonte:
Zero Hora: Dentro e fora da TV, Maju Coutinho virou referência para meninas negras
À frente do "Jornal Hoje", que acabou de completar 50 anos, a jornalista celebra as conquistas na carreira, diz estar vivendo sua melhor fase e fala sobre representatividade
Nathália Capeços, Zero Hora
Na pausa para o cafezinho pós-almoço, é a hora de Maria Júlia Coutinho entrar na casa dos brasileiros para trazer as notícias que prometem impactar o resto do dia. E o desafio é grande: o Jornal Hoje, comandado por Maju, é como se fosse aquele amigo antigo da família que comenta os principais fatos equilibrando seriedade e descontração. Afinal, o JH acabou de completar 50 anos fazendo parte da vida dos telespectadores – o noticiário estreou em 21 de abril de 1971. A paulista de 42 anos assumiu a tarefa em 2019, mas reconhece que segue aprendendo todos os dias na função:
— Quando assumi a bancada, a sensação foi de medo e de honra. Medo porque era um desafio novo, honra por estar à frente de um jornal superimportante — recorda. — É fazendo que a gente vai evoluindo. Todo dia (tenho um) um aprendizado, uma avaliação e reavaliação.
Numa brecha na rotina corrida, Maju conversou com Donna sobre seu momento na TV, na vida e na carreira. Mas a rotina atribulada faz parte do dia a dia da jornalista há muito tempo. Desde a época de faculdade, ela trabalha na televisão, chegando à Globo em 2007 para ser repórter. Ficou conhecida em todo país ao apresentar a previsão do tempo no Jornal Nacional – o jeito descontraído virou marca registrada.
A partir daí, a paulista foi ganhando espaço como âncora eventual dos telejornais da emissora, inclusive do JN, onde fez história ao se tornar a primeira mulher negra a sentar na bancada do noticiário mais importante do país. O convite para assumir o Jornal Hoje veio há dois anos e, com ele, ainda mais responsabilidade. Além do trabalho, Maju tem sido inspiração, sobretudo para meninas negras, que se sentem representadas quando a veem na TV. Nas redes sociais, a jornalista compartilha com frequência imagens de garotas de todas as partes do país tirando fotos em frente à televisão para mostrar que estão com o "cabelo igual ao da Maju".
— É um reconhecimento. Dá ânimo e força — define.
Mas estar sob os holofotes também colocou a jornalista no centro de ataques e fake news. Fotos com informações falsas sobre ela, boatos relativos à sua vida pessoal e comentários racistas, infelizmente, não são raridade no seu dia a dia. Para lidar com essa exposição, Maju escolheu dois caminhos: discrição sobre sua vida fora das telas e foco no trabalho. Ela conta que tenta se blindar emocionalmente para acolher as críticas construtivas e ignorar quem quer desestabilizá-la. E quando o limite do bom senso extrapola, o jeito é buscar os direitos na Justiça. No ano passado, dois homens foram condenados por racismo e injúria racial contra a apresentadora.
— Continuar fazendo o meu trabalho é a maior resposta — defende ela.
A seguir, confira um bate-papo com a apresentadora do Jornal Hoje que falou, entre outros temas, sobre a importância da representatividade na TV, como encara a chegada na casa dos 40 anos e a responsabilidade de inspirar meninas Brasil afora.
Você foi a primeira mulher negra na bancada do Jornal Nacional.
Já caminhamos razoavelmente, já vemos mais jornalistas negros ocupando esses postos no jornalismo brasileiro. Mas ainda há um caminho longo pela frente. É importante a representatividade, a diversidade enriquece o trabalho do jornalismo não só com os profissionais negros, mas os gays, os mais velhos, isso tudo dá uma riqueza, precisamos de olhares diferentes. E isso faz a diferença na hora da seleção da pauta, na escolha dos temas, nas análises. Só temos a ganhar com a diversidade nas redações.
Você já foi alvo de ataques racistas. Debater o tema abertamente é um dos caminhos para se construir uma sociedade antirracista?
Debater é o primeiro passo, mas tem que ter ação, não dá para ficar apenas no debate. É preciso real inserção, é preciso ver, na vida real, as pessoas negras que vemos agora nos comerciais. Vemos mais negros em posições de comando em comerciais de TV, mas isso tem que se refletir na vida real para ter efetividade mesmo. Mais representatividade na política, na TV, nos cargos de comando nas administrações de empresas. É isso que vai fazer a diferença.
Você já se retratou no ar após usar uma expressão que gerou polêmica (ela disse que “o choro era livre” em referência a quem contesta medidas de distanciamento social).
É fundamental reconhecer quando não conseguimos passar a mensagem com a clareza que ela exige. Acho que isso nos torna realmente mais humanos e mais próximos do público. Jornalista pode cometer equívocos, pode errar, e o que a gente tem que fazer quando erra é corrigir, se desculpar. Claro que a meta é sempre ser preciso e claro ao comunicar. Mas, quando isso não é possível, a gente se desculpa, levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima e vai.
Como é a experiência de participar do Papo de Política, programa da GloboNews com elenco feminino?
Reforça essa ideia de que mulher pode falar sobre o que quiser. É uma editoria em que sempre tive o sonho de trabalhar, com política. Nunca tive oportunidade, agora veio. Está sendo uma experiência riquíssima. O mais importante é que a gente se complementa, há mais apoio, não há competição. Essa questão da rivalidade tende a ficar cada vez mais fraca, a sororidade está entrando também nas redações, acredito nisso. Sobreviverão as que forem mesmo companheiras, sabendo que cada uma tem o seu espaço. Isso é muito importante.
Você costuma ser discreta sobre sua vida pessoal. É difícil lidar com a curiosidade do público e até com as fake news?
A partir do momento em que fui tomando pé da dimensão que é ficar exposta em rede nacional na TV Globo, aprendi que faz parte do jogo as pessoas terem curiosidade sobre a sua vida e inventarem coisas. Então, tenho que me blindar emocionalmente para lidar com isso, e é isso que tento fazer. Mantenho ao máximo a discrição da minha vida particular, porque acho que ela não deve e não deveria interessar às pessoas, e me preservo. Sei que os ataques são do jogo, apesar de achar que vivemos uma era de ataques que passam do limite, então, tento me preservar. Continuar fazendo o meu trabalho é a maior resposta. Quem critica é outra coisa, crítica construtiva a gente está aberta, eu aprendo. Mas ataque desnecessário tem que ser ignorado. Se extrapola, tem a lei para processar.
A chegada aos 40 anos mudou a relação com sua autoimagem?
Me sinto muito bem aos 40, é a melhor fase que estou vivendo. Estou saudável e tenho um amadurecimento. A estrada que caminhamos, os tombos que levamos, os aprendizados, tudo traz amadurecimento e leveza. Com essa idade, começamos a tirar um monte de pedras da mochila que carregamos na vida e só deixamos aquelas essenciais. Isso para mim é importante, saber que o mais simples é o melhor, que para quase tudo tem um jeito, a não ser para a morte, e levando com mais tranquilidade. Apesar de estarmos vivendo um período caótico, mesmo assim, tento manter a sanidade e a serenidade.
Nas redes sociais, as fotos de meninas negras se inspirando no seu cabelo se multiplicam.
Nunca imaginei que ia ter essa repercussão, que tantas meninas fossem tirar fotos, até os idosos. Acho o máximo, é um reconhecimento, e só agradeço por ter esse retorno do público. Dá ânimo e força de continuar fazendo o trabalho. Parti de um cabelo que era trançado quando criança pelos meus pais. Quando tinha uns oito ou 10 anos, por não ter referências de mulheres negras com cabelos crespos, passei a alisar, e alisei por um bom tempo. Na adolescência, surgiu a revista Raça e vi uma moça com o cabelo todo trançado. Me inspirou tanto, resolvi trançar meu cabelo, e fiquei anos com tranças. Retirei, fiquei um tempo com o cabelo natural, passei a usar babyliss e isso estragou um pouco, e voltei para o natural agora. Estou com o cabelo do jeito que gosto, natural, só à base de cremes.
Quais têm sido suas estratégias para manter a saúde mental em dia na pandemia?
Tem sido só casa e trabalho. Raramente vou aos meus pais. Agora que eles estão vacinados, às vezes dou um pulo lá. Casa, trabalho e, quando tem uma liberação na quarentena em São Paulo, me refugio numa casa na praia que a família tem. Vou só eu e meu marido (o publicitário Agostinho Paulo Moura) para vermos um pouco de natureza. Faço exercício em casa, na bicicleta, ou corro na rua de máscara. E muita terapia, meditação e exercício físico, muita fé mesmo para superar esse momento.
Estilo Maju
Seja para apresentar o Jornal Hoje ou em eventos públicos antes da pandemia, Maju Coutinho sempre esbanjou personalidade na hora de se vestir. Ao ligar a TV no telejornal, impossível não reparar nos looks da apresentadora, que costuma investir em cores fortes e vibrantes, como o amarelo, o laranja e o rosa. Adepta da alfaiataria, Maju investe em peças únicas, sua marca registrada, ou em roupas como pantalonas, vestidos estilo tubinho, camisaria e macacões. A jornalista também foi elogiada por repetir peças ao vivo em diferentes combinações – em entrevistas, contou que "é sustentável". Também já revelou que gosta de se inspirar no estilo de mulheres como Michelle Obama.
Folha de S. Paulo: Contra racismo, futebol inglês decide boicotar redes sociais por 4 dias
Contas dos times de todas as divisões profissionais no Facebook, Instagram e Twitter não serão atualizadas
O futebol inglês vai boicotar Facebook, Instagram e Twitter por quatro dias a partir da próxima sexta-feira (30). A iniciativa, divulgada neste sábado (24), é um protesto porque clubes, federações, associações de jogadores e torcedores acreditam que as plataformas fazem pouco para combater o racismo.
A ação vai englobar a Federação Inglesa (FA), a Premier League (liga dos clubes que organiza a primeira divisão), a EFL (English Football League, responsável pelos torneios da 2ª a 4ª divisão), as duas principais competições femininas e outras seis entidades ligadas a atletas, torcedores e ONGs que lutam contra discriminação no esporte.
Isso significa que as contas dos clubes e federações não serão atualizadas no próximo final de semana. Nas partidas da Premier League, serão 20 times envolvidos. Apenas Manchester United, Manchester City, Chelsea e Liverpool têm 478 milhões de seguidores espalhados pelas três redes sociais.
Em fevereiro deste ano, as organizações enviaram uma carta conjunta às plataformas pedindo maior agilidade na retirada de postagens e comentários racistas, melhores filtros para evitar este tipo de conteúdo e maior capacidade para expulsar usuários. Também pediram que Twitter, Facebook e Instagram trabalhassem melhor com a polícia para identificar e processar responsáveis por mensagens racistas.1 4
"Embora algum progresso tenha sido feito, reiteramos esses pedidos hoje em uma tentativa de reduzir o incansável fluxo de mensagens discriminatórias e assegurar que existam consequências reais para os responsáveis", diz o comunicado divulgado.PUBLICIDADE
Clubes, federações e entidades que assinam o manifesto também solicitam ao governo do Reino Unido que apresse a apresentação de projeto de lei que torna as redes sociais responsáveis pelo conteúdo postado e, com isso, também possam responder judicialmente por ele.
"A Premier League e nossos clubes se unem ao futebol ao realizar este boicote para ressaltar a necessidade urgente para que as redes sociais fazerem mais para excluir ódio racial. Queremos ver melhorias significativas nas suas políticas de conduta e nos processos para combater ofensas discriminatórias em suas plataformas", disse o CEO da Premier League, Richard Masters.
O Globo: Pazuello será preparado pelo Planalto para enfrentar CPI da Covid e blindar Bolsonaro
Governo treina ex-ministro da Saúde, aciona José Sarney, escala equipe e levanta documentos para defender atuação do presidente na pandemia
Jussara Soares, O Globo
BRASÍLIA - O Palácio do Planalto estruturou uma operação de guerra para enfrentar a CPI da Covid no Senado. O plano envolve preparar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello para responder aos questionamentos dos parlamentares, acionar o ex-presidente José Sarney, montar um comitê com representantes de diferentes ministérios e levantar um arsenal de documentos sobre a ação do governo na pandemia. A principal estratégia por trás dessa investida é blindar o presidente Jair Bolsonaro — e a sua pretensão de ser reeleito em 2022 —, desviando o foco das atenções para a atuação de estados e municípios.
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Considerado o principal alvo da comissão, Pazuello será preparado pelo governo para encarar senadores opositores. A ideia é que o ex-ministro da Saúde, que deve assumir um cargo no Planalto, dedique o seu tempo em Brasília a se debruçar sobre uma série de documentos, dados e informações oficiais que reforcem a narrativa de que o governo não foi omisso na pandemia nem na crise do oxigênio em Manaus — o colapso na capital do Amazonas já levou Pazuello a responder a uma ação por improbidade administrativa apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF).
O general da ativa terá à sua disposição um grupo de trabalho formado por integrantes de diferentes ministérios — que fornecerá subsídios para defender as ações do governo. Esse é mais um sinal de apoio de Bolsonaro, que, nos últimos dias, levou o militar a duas viagens, uma ao interior de Goiás e outra a Manaus.
Lauro Jardim: Governo transfere Pazuello de Manaus para Brasília e dá cargo a ex-número 2 da Saúde
Para dar suporte a Pazuello e a outros integrantes do governo que serão convocados pela CPI, o Planalto estruturou um comitê de crise formado por representantes de diversas pastas, sob o comando da Casa Civil, chefiada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos. O grupo de trabalho criado para enfrentar a comissão da pandemia foi inspirado numa força-tarefa formada por Ramos durante a Olimpíada no Rio, em 2016, com a participação de diferentes setores, da Polícia Militar à Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), que compartilhavam entre si informações estratégicas sobre o evento esportivo. A ideia é implementar a mesma tática militar para encarar os questionamentos do colegiado no Senado.
O comitê já traçou um plano de trabalho, registrado num organograma com os principais focos de atuação, e tem como meta se reunir semanalmente no Planalto, compilando informações de diferentes ministérios e elaborando um roteiro que será utilizado para integrantes do governo se defenderem na CPI. Dentre os participantes, estão servidores da Saúde, Defesa, Economia, do Itamaraty, Comunicações, da Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União (CGU) e Secretaria de Governo, entre outros. Em uma recente reunião no Planalto, o presidente Bolsonaro já havia alertado que os auxiliares se preparassem porque muitos seriam chamados a prestar depoimento.
Bela Megale: Presidente da CPI da Covid quer investigar falta de barreiras sanitárias em aeroportos no início da pandemia
Na última sexta-feira, o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foi nomeado como assessor especial da Casa Civil. Antes mesmo de ser oficializado no cargo, o militar já vinha frequentando o Planalto diariamente. Segundo apurou O GLOBO, ele ficará dedicado a reunir as informações necessárias para responder aos questionamentos da CPI. A expectativa, segundo um integrante do alto escalão, é que, se o governo conseguir fazer “o trabalho que tem que ser feito”, poderá usar a CPI como “palco” para divulgar as ações do Executivo.
Em outra frente, o Planalto vem tentando minar o poder do senador Renan Calheiros (MDB-AL), favorito para assumir a relatoria da CPI. Nos últimos dias, um ministro do Palácio do Planalto entrou em contato com José Sarney para marcar um encontro. O objetivo dessa investida é convencer o ex-presidente da República a conter o seu colega de partido. Sarney e Renan já comandaram o Congresso em diferentes períodos e mantêm uma relação de proximidade. Mas interlocutores de ambos veem a iniciativa com pouca chance de êxito. O ex-presidente tem demonstrado pouca disposição para as articulações políticas envolvendo o Planalto, enquanto o senador sinaliza a interlocutores que não abrirá mão fácil da relatoria, apesar da ofensiva do governo. Na visão de um conselheiro de Bolsonaro, Renan Calheiros é uma opção mais palatável como relator do que os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ou Humberto Costa (PT-PE).
Renan Calheiros: Senador volta aos holofotes e pressiona o governo
Em entrevista ao GLOBO, Renan disse que Bolsonaro “errou e se omitiu na pandemia”. Preocupado, o presidente ligou para o filho do parlamentar, o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB). Os dois se conheceram na Câmara, quando ainda eram deputados federais e jogavam juntos num time de futebol de parlamentares. Na conversa telefônica, Bolsonaro foi direto ao ponto. Disse ao governador que achava que não era o momento de uma CPI, argumentando que o foco do Executivo deveria estar concentrado no combate à pandemia. Renan Filho respondeu que o pai é experiente e sereno e que, portanto, o presidente deveria ficar tranquilo. O governador disse que o senador seria incapaz de cometer uma injustiça, pois já foi alvo de investigações que considera indevidas.
Reforço na articulação
Para a missão de desarmar a CPI, o presidente convocou ainda o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência. Deputado federal eleito cinco vezes pelo DEM do Rio Grande do Sul, Lorenzoni integrou as CPIs da Petrobras, dos Maus-Tratos de Animais e dos Correios, da qual foi sub-relator, entre outras. A ideia é que o ministro use a experiência de quem já atuou como inquiridor para antever a estratégia dos membros da comissão e preparar Pazuello para enfrentar os questionamentos de senadores. O Planalto quer evitar que o ex-ministro se desestabilize diante da pressão. Lorenzoni também deve assumir uma parte da articulação política na CPI e já iniciou contato com parlamentares.
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Opiniões sobre as falhas na articulação já foram tornadas públicas por governistas: em entrevista ao GLOBO, o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, disse que o “governo perdeu o timing na indicação para a CPI”. Membro titular da CPI da Covid, o vice-líder do governo no Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), também criticou a atuação do Palácio do Planalto: para ele, faltou “um pouco mais de articulação”.
Fernando Canzian: Fenômeno dos anos Lula, classe C afunda aos milhões e cai na miséria
Mais de 30 milhões deixam classificação; perspectiva para 2021 é de mais perda de renda nas classes D e E
Maior novidade da paisagem econômica brasileira no início deste século, a chamada classe C está sendo empurrada rapidamente de volta às classes D e E.
Ou, o que é pior, indo direto para a miséria pelas consequências da Covid-19 e da desorganização das políticas de mitigação da pandemia do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Pesquisas de diferentes órgãos revelam não só que dezenas de milhões de brasileiros retrocedem a situações mais precárias desde o ano passado mas que suas vidas podem continuar piorando em 2021.
Enquanto classes mais favorecidas começam a estabilizar a renda ou a obter ganhos, as classes D e E —cada vez mais numerosas— devem amargar nova queda de quase 15% em seus rendimentos neste ano.
Isso não só aumentará a desigualdade social brasileira mas retardará a recuperação econômica.
Mais pobre, a gigantesca população de baixa renda consumirá menos, exigindo menos investimentos e contratações de novos empregados pelo setor produtivo.PUBLICIDADE
Com a paralisação de muitas atividades em 2020 e a interrupção do auxílio emergencial em dezembro —só retomado em abril, com valores bem menores—, milhões de brasileiros estão despencando diretamente da classe C para a miséria.
Em 2019, antes da pandemia, o Brasil tinha cerca de 24 milhões de pessoas na pobreza extrema, ou 11% da população, vivendo com menos de R$ 246 ao mês. Agora, são 35 milhões, ou 16% do total, segundo a FGV Social com base nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios Contínua e Covid-19.
Entre esses novos participantes da pobreza extrema, muitos não se encaixam no clássico perfil do miserável brasileiro —oriundo de famílias muito pobres, desestruturadas e de baixíssima escolaridade.
A família de Noemi de Almeida, que estudou até o primeiro colegial, é uma das que fizeram um percurso rápido, e sem escalas, da classe C direto para a miséria.
Com renda domiciliar de quase R$ 4.000 antes da pandemia, ela, o marido e duas filhas agora vivem de doações para comer e moram em um terreno invadido no Jardim Julieta, na zona norte de São Paulo.
Ali, com redes de água e luz irregulares, ao lado de centenas de casas improvisadas, temem, dia e noite, acabar despejados e sem ter para onde ir.
Antes da pandemia, Noemi vendia quentinhas a alunos de uma faculdade na Vila Maria enquanto o marido trabalhava como garçom.
Sem aulas e com o fechamento do comércio, ambos ficaram sem renda, não tiveram mais como pagar o aluguel e agora ocupam, com outras 2.000 pessoas, a área invadida em meados de 2020.
Com os filhos longe da antiga escola, o casal tenta obter alguma renda vendendo água e refrigerantes. “Tem dias que ganho R$ 30. Outros, que não entra nada”, diz Noemi.
A poucos metros dela, Ingrid Frazão, que concluiu o ensino médio e que conseguia com o marido, até a pandemia, cerca de R$ 3.000 mensais, agora vive na mesma ocupação e depende, para se alimentar, de doações e de um sopão distribuído nas redondezas.
Antes o casal se sustentava com empregos formais (ela, faxineira; ele, instalador de alarmes) e conseguia bancar aluguel de R$ 700 mensais na região do Parque Edu Chaves, também na zona norte paulistana. Hoje, não têm a menor perspectiva de sair de onde estão.
No começo, a ocupação iniciada pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no Jardim Julieta tinha sido organizada para manter terrenos de 4,5 metros de frente por 9 metros de profundidade.
Mas a demanda da população foi tanta que eles foram encolhidos para 4,5 metros por 4,5 metros para acomodar mais gente. Segundo Valdirene Ferreira, uma das organizadoras do local, pessoas não param de chegar e há filas para tentar acomodá-las.
De acordo com a FGV Social, quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C desde agosto do ano passado, ápice do pagamento do auxílio emergencial pelo governo Bolsonaro, em direção a uma vida pior.
A classe E, com renda domiciliar até R$ 1.205, segundo os critérios da FGV Social, foi a que mais inchou: cresceu em 24,4 milhões de pessoas. Já a classe D (renda entre R$ 1.205 e R$ 1.926) aumentou em 8,9 milhões.
Embora o Brasil não possua uma classificação oficial para delimitar classes sociais, algumas dessas tentativas, como da FGV Social e da consultoria Tendências (ver quadro), enquadram as famílias de Noemi de Almeida e Ingrid Frazão —assim como outras encontradas pela Folha no Jardim Julieta e em ocupações no centro de São Paulo— como ex-participantes da classe C.
Mesmo usando parâmetros diferentes, ambas as classificações revelam o mesmo movimento: encolhimento da classe C, cuja expansão ganhou fama no governo Lula (2003-2011), e, agora, o inchaço acelerado das classes D e E —a última na estratificação e que engloba os mais pobres.
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, compara a um “terremoto” a mudança brusca de patamar sofrida pela classe C desde o início da pandemia.
Em sua opinião, o auxílio emergencial foi muito mal calibrado: generoso demais em 2020 e insuficiente agora, quando a pandemia faz mais mortos e obriga estados e municípios a interromper atividades.
No auge do pagamento do auxílio, em agosto do ano passado, 82% das pessoas que eram consideradas muito pobres (renda per capita abaixo de R$ 246) um ano antes deixaram de sê-lo momentaneamente —para logo depois voltar à miséria. Em muitos casos, encontram-se hoje em situação pior do que antes.
“O governo acabou produzindo muita instabilidade, o que é péssimo, em particular, para os mais pobres”, diz Neri. “A generosidade de 2020 mostrou que o governo não foi sábio, pois agora não tem dinheiro para socorrer os que mais precisam em um momento muito difícil.”
No ano passado, o auxílio emergencial foi pago entre abril e dezembro empregando R$ 293 bilhões (R$ 600 ao mês inicialmente, e depois R$ 300, a 66 milhões de pessoas).
Mas a nova rodada deste ano tem previsão de duração de só quatro meses e de somar R$ 44 bilhões —15% do total de 2020 (pagando R$ 250, em média, a 45,6 milhões de pessoas).
O auxílio emergencial menor mais a lentidão na vacinação contra a Covid-19 no Brasil por falta de planejamento federal devem redundar em recuperação econômica lenta, que afetará sobretudo os mais pobres, ampliando a desigualdade.
Segundo Lucas Assis, economista da Tendências, a massa de rendimentos (salários, Previdência, programas sociais, etc.) das classes D e E deve encolher 14,4% neste 2021.
Já a da classe A (empresários, funcionários públicos, etc.) pode crescer 2,8%, sobretudo por causa da recomposição das margens de lucro que os empregadores vêm perseguindo.
Com menos renda disponível e cada vez mais numerosas, as classes D e E, que normalmente gastam imediatamente quase tudo o que ganham, não devem funcionar como grandes propulsoras da atividade econômica neste ano.
“Pior remuneradas, ainda mais informais do que antes e diante da inflação de alimentos e combustíveis, essas parcelas da população terão pouca renda disponível”, afirma Assis.
Outra pesquisa, da consultoria IDados e publicada pela Folha, mostrou que oito em cada dez famílias com rendimento mensal superior a R$ 5.225 também perderam renda no último trimestre de 2020, na comparação com o mesmo período de 2019.
Diante da realidade dos baixos rendimentos do Brasil, no entanto, essas famílias podem ser consideradas como pertencentes às classes média, média-alta e alta —uma minoria, portanto, no país.
Por isso é que preocupam os efeitos da rápida degradação das condições da numerosa classe C, pois considera-se crucial que ela faça o caminho de volta para que o país engate um ritmo de crescimento mais acelerado.
Ricardo Melo: O golpe está desenhado
Delinquente do Planalto anuncia que 'nosso Exército' está pronto para tomar as ruas
Jair Bolsonaro já se comprovou um caso de Código Penal, psiquiatria, mitomania, alucinação e o que mais seja. Detalhe: chegou ao Planalto com o apoio do capital gordo, da mídia oficial e oficiosa, do Judiciário complacente e de um Congresso sedento de verbas do povo.
Nunca é bom desdenhar de criaturas como essas. Parecem excêntricas, instáveis, mas são mais perigosas do que se pensa. Bolsonaro já tentou explodir quartéis do Exército e uma adutora no Rio. Foi brecado porque descoberto. Sua entrevista em Manaus nesta sexta-feira (23) é mais um sinal inequívoco do grau de autoritarismo. Vale a pena reproduzir trechos de seus planos, mesmo que longos:
"O pessoal fala do artigo 142 [da Constituição], que é pela manutenção da lei e da ordem. Não é para a gente intervir. O que eu me preparo? Não vou entrar em detalhes, [mas é para] um caos no Brasil. O que eu tenho falado: essa política, lockdown, quarentena, fica em casa, toque de recolher, é um absurdo isso aí", disse.
"Se tivermos problemas, nós temos um plano de como entrar em campo. Eu tenho falado, eu falo 'o meu [Exército]', o pessoal fala 'não'... Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas. O nosso Exército, as nossas Forças Armadas, se precisar iremos para a rua não para manter o povo dentro de casa, mas para reestabelecer todo o artigo 5º da Constituição. E se eu decretar isso vai ser cumprido", acrescentou.
"As nossas Forças Armadas podem ir para a rua um dia sim, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer cumprir o artigo 5º. O direito de ir e vir, acabar com essa covardia de toque de recolher, direito ao trabalho, liberdade religiosa e de culto; para cumprir tudo aquilo que está sendo descumprido por parte de alguns governadores e alguns poucos prefeitos, mas que atrapalha toda a sociedade. Um poder excessivo que lamentavelmente o Supremo Tribunal Federal delegou, então qualquer decreto, de qualquer governador, qualquer prefeito, leva transtorno à sociedade.
Cabe observar que nem como golpista o sujeito (chamá-lo de presidente chega a ser acintoso com o povo) conhece limites. Golpistas eficientes não avisam o momento da quartelada. Operam nos bastidores e um belo dia um general Olimpio Mourão da vida aciona seus tanques rumo ao Rio de Janeiro como em 1964.
Bolsonaro, não. Avisa com antecedência.
O que ainda salva o país (por quanto tempo?) de mais um mergulho nas trevas de 1964 é que o golpista assumido e anunciado é repudiado nacional e internacionalmente. Diante das Forças Armadas, não passa de um capitão ejetado que humilha generais como se fossem recrutas. Frente ao povo, afirma-se como um genocida a cada pesquisa que é divulgada.
Para Bolsonaro isto pouco importa. Tem "a caneta na mão". Com isso vem tentando seduzir a soldadesca de suas convicções liberticidas. Nunca falou com tanta clareza como agora em Manaus.
O Brasil democrático já está alertado. A reação imediata a isso (e não em 2022) pode definir o futuro do país
*Ricardo Melo é jornalista e apresentador do programa 'Contraponto' na rádio Trianon de São Paulo (AM 740), foi presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação)
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