Retorno da CPI das fake news pode manter Bolsonaro sob pressão até 2022
Expectativa é que a Comissão seja reativada até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final
Mariana Carneiro / O Globo
A CPI da Covid está na reta final, mas os problemas para o governo no Senado devem continuar. Assim que a comissão da Covid acabar, a CPI das fake news vai voltar a funcionar – e desta vez, com foco em um tema nevrálgico para a campanha à reeleição de Jair Bolsonaro.
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O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI (o M vem de mista, por reunir deputados e senadores) já combinou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que fará uma reunião com os membros da CPI depois do feriado de 7 de setembro para definir a data de reinício dos trabalhos. A CPI estava hibernando desde março de 2020, quando os trabalhos presenciais do Congresso foram suspensos em razão da pandemia.
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A expectativa é que já seja possível reativar a CPMI das Fake News até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final. Como a prorrogação da comissão já estava autorizada um pouco antes da parada, ela deve ter mais seis meses de funcionamento.
Considerando que a CPI ainda vai parar para o recesso de final do ano, a investigação deverá se esticar até abril de 2022, quando começa oficialmente a campanha eleitoral.
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O presidente da CPI e a relatora, Lídice da Mata (PSB-BA), já se reuniram na semana passada para fazer um primeiro inventário do que a CPMI tem e que caminhos deverá seguir.
Uma das prioridades será dar andamento ao pedido já aprovado e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal de compartilhamento de informações do inquérito das fake news, que tem entre os alvos o próprio Jair Bolsonaro, por propagar desinformação sobre as urnas eletrônicas, e seu filho Carlos.
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Quando a CPMI aprovou esse requerimento, em setembro de 2019, o ministro Alexandre de Moraes informou que a investigação ainda era preliminar. Agora, dois anos depois, os membros da comissão esperam obter informações que permitam descobrir não só quem fez e quem pagou pelos disparos em massa ilegais realizados na eleição de 2018. Como o inquérito ainda está em curso, a CPI alimenta a expectativa de identificar quem segue cometendo crimes na internet.
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Outra providência em análise é solicitar informações ainda sigilosas obtidas em outro inquérito, o dos atos antidemocráticos, que também mirava aliados do presidente, como as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
No início de agosto, a equipe técnica que trabalhava para a comissão das fake news chegou a ser cedida para a CPI da Covid, mas como os trabalhos do relator Renan Calheiros já estão próximos do final, eles já voltaram a dar expediente na CPMI das fake news.
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O potencial da CPMI para causar dano à campanha de Bolsonaro em 2022 vai depender do andamento de todas essas iniciativas. Se ela inibir a criação de perfis e grupos usados para disseminar mentiras nas redes sociais e ajudar a tornar o ambiente da campanha eleitoral um pouco mais sadio, já se poderá dizer que foi bem sucedida.
Fonte: Malu Gaspar/O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/cpi-das-fake-news-volta-em-setembro-e-deve-manter-bolsonaro-sob-pressao-ate-2022.html
Bernardo Mello Franco: Mais fuzis, menos feijão
Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na PF
Bernardo Mello Franco / O Globo
Jair Bolsonaro tem um dom inegável: produz slogans contra seu próprio governo melhor que qualquer político da oposição. Na sexta-feira, o presidente defendeu que os brasileiros se armem com fuzis.
“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse. “Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, acrescentou.
O capitão estava no curralzinho do Alvorada. Em 25 minutos de monólogo, chamou um adversário de “gordo”, outro de “calcinha apertada”, o terceiro de “canalha” e o quarto de “bandido”. A cada insulto, colheu aplausos e gritos de “Mito”. Sem máscara, ele voltou a desdenhar a pandemia, que já matou 578 mil brasileiros. “Lamento. Acontece. A vida é essa”, comentou.
Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na Polícia Federal. Foram 186 mil, um aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. O governo também facilitou o acesso a armas de alto poder ofensivo. Caso dos fuzis semiautomáticos, cujo uso era restrito às forças de segurança.
Enquanto os bolsonaristas se municiavam, a fome disparou. O número de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões em 2018 para 19,1 milhões em 2020. A alta da inflação ainda tende a agravar esse drama.
Não é preciso ser um idiota, como disse o presidente, para notar que os itens da cesta básica ficaram muito mais caros. Nos últimos 12 meses, o preço do feijão fradinho subiu 42,4%. O do arroz, 39,7%.
Em Cuiabá, capital do agronegócio, a imprensa mostrou famílias em fila para receber ossos com retalhos de carne. No curralzinho, Bolsonaro disse que só venezuelanos se alimentam de “resto de comida”.
Depois de ironizar a dificuldade dos pobres para comprar feijão, o presidente deixou claro que não perde o sono com o assunto. “Político preocupado com a vida do pobre tá de sacanagem. Tá preocupado é com o voto dele”, debochou.
Landim em campanha
O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, segue firme no projeto de transformar o clube num palanque para bolsonaristas. Nos últimos dias, abriu a Gávea para mais dois ministros: Ciro Nogueira (são-paulino) e Flávia Arruda (botafoguense).
Paes não entendeu
Eduardo Paes se disse “muito impressionado” com as críticas à tentativa de vender o Palácio Capanema num “feirão de imóveis”.
É muito impressionante que o prefeito não entenda a reação da cidade ao plano de rifar o edifício na xepa do governo Bolsonaro.
Paes se referiu ao palácio, uma joia da arquitetura moderna, como “um prédio estatal” que “as pessoas defendem sem nunca ter frequentado”.
A arquiteta Maria Elisa Costa, ex-presidente do Iphan, já resumiu esse tipo de manifestação em três palavras: “atestado de ignorância”.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/mais-fuzis-menos-feijao.html
Pacheco: 'Não admitiremos qualquer retrocesso' no estado democrático
Ao Globo, Chefe do Congresso diz que anseio por ruptura há de ser coibido, e revela contato com as Forças Armadas
Julia Lindner, Paulo Cappelli e Thiago Bronzatto / O Globo
BRASÍLIA - O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cancelou a participação em um evento em Viena, na Áustria, para monitorar em Brasília as manifestações de 7 de setembro, insufladas pelo presidente Jair Bolsonaro. Caso seja necessário, ele vai se pronunciar em defesa das instituições, em uma prática que já virou rotina. Pacheco, que na semana passada arquivou um pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também virou alvo de críticas, mas prefere não apresentar resposta.
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Em entrevista ao GLOBO, ele afirma que não admitirá qualquer retrocesso no sistema democrático e acrescenta que esse também será o papel das Forças Armadas, com as quais tem mantido contato.
O senhor disse que a rejeição do pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes seria um “marco do restabelecimento da relação entre os Poderes”. No dia seguinte, Bolsonaro criticou a sua decisão e atacou Moraes. Como será possível retomar a harmonia?
São duas situações. Primeiro, a crítica do presidente da República à decisão de arquivamento do processo de impeachment é natural. Ele teve uma pretensão resistida e indeferida. A segunda parte, que é a manutenção de críticas muito ostensivas à Suprema Corte e aos seus integrantes, realmente não contribuem. Isso dificulta o processo de pacificação institucional que buscamos.
Acha que está isolado ao insistir em uma nova reunião entre os Poderes?
Não. Tenho absoluta certeza de que o pensamento do deputado Arthur Lira (presidente da Câmara) é o mesmo, de apaziguar. Sei também da disposição do ministro Luiz Fux (presidente do STF) de fazer o mesmo. Há uma comunhão de vontades nesse sentido.
Por que não citou o presidente Bolsonaro entre as autoridades dispostas ao diálogo?
O presidente Bolsonaro tem falado e agido no sentido de afirmar suas próprias convicções. Espero que ele possa contribuir para esse processo de pacificação, porque há inimigos batendo à nossa porta, que não somos nós mesmos, mas a inflação, o aumento do dólar, o desemprego, o aumento da taxa de juros e a crise hídrica e energética, que pode ser avassaladora. É importante que tenhamos um freio naquilo que não interessa para cuidar do que importa ao Brasil.
Quando falou com o presidente pela última vez?
Estive com ele (Bolsonaro) muito rapidamente no Dia do Soldado, em um evento no Exército. Falei com ele na véspera do dia do desfile das viaturas e dos tanques. Pessoalmente, foi um pouco antes disso. Então, já há algum tempo que não sentamos à mesa para tratar dos problemas do país. Acho até que isso precisa acontecer mais rapidamente.
O senhor teme que as manifestações de 7 de setembro saiam do controle?
Manifestações são próprias da democracia. Temos que respeitá-las, mas manifestações que tenham como objetivo retroceder a democracia, pretender intervenção militar ou a ruptura institucional ferindo a Constituição devem ser repelidas no campo das ideias.
Como vê a mobilização de PMs em torno das manifestações pró-Bolsonaro?
Se eu disser que conheço todas as Polícias Militares, vou estar mentindo, mas conheço algumas, em especial a de Minas Gerais e a de São Paulo. Sei que são corporações absolutamente conscientes, muito respeitadas pela sociedade, cumpridoras dos seus deveres e defensoras da democracia.
Há algum risco de ruptura institucional por parte de militares? Qual é a sua percepção dos encontros que teve com integrantes das Forças Armadas?
São instituições maduras, com um patriotismo muito forte e com obediência absoluta ao estado democrático de direito. Nesta semana, estarei no comando da Aeronáutica novamente para conversar com os brigadeiros, a convite do Alto Comando da Aeronáutica. Tenho mantido esse contato constante com essas instituições e vejo nelas uma obrigação de defesa do Brasil. Nós não admitiremos qualquer retrocesso e tenho certeza que também esse será o papel das Forças Armadas.
A participação do presidente em um desfile de blindados em frente à Praça dos Três Poderes não gera ruídos?
São episódios desnecessários, que deveriam ser evitados, especialmente neste momento em que há esses rumores. Mas não faço deles algo mais importante do que verdadeiramente são. O que vale é que temos as Forças Armadas conscientes do seu papel e muito bem comandadas por pessoas que têm esse compromisso com o país e que não se aventurarão em disputas ideológica e política.
Os ataques constantes do presidente ao sistema eleitoral podem colocar as eleições em 2022 sob algum risco?
Os ataques ao sistema eleitoral, sem fundamentos, são muito ruins, porque jogam em descrédito um sistema que, até pouco tempo atrás, era dado por nós como um orgulho nacional. Mas não considero que isso seja capaz de deslegitimar o resultado eleitoral. As eleições de 2022 vão acontecer, porque elas são fundamentais para a democracia.
Quais são as pautas prioritárias no Senado até o fim deste ano?
Todas são prioritárias. Nesta próxima segunda-feira, terei uma reunião com o ministro Paulo Guedes. Quero fazer uma conversa de compreensão sobre o que são as prioridades do governo como alguém que possa ser colaborativo e, ao mesmo tempo, crítico daquilo que não se deva ter. Por exemplo, eu não posso permitir que haja, a pretexto de uma reforma tributária, um projeto que pura e simplesmente aumente impostos para o contribuinte. Isso é muito ruim. Devemos evitar isso. Na próxima semana, terei uma conversa com o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, sobre um problema gravíssimo que nós temos: precisamos de um planejamento para as crises hídrica e energética. O que nós não podemos definitivamente fazer é interromper o diálogo. Se isso ocorrer, vai ser muito nocivo para o Brasil.
Como avalia a retomada das coligações partidárias nas eleições proporcionais, aprovada pela Câmara?
Sou a favor do sistema proporcional sem coligações partidárias e com imposição da cláusula de desempenho. Vamos submeter ao Senado para que a maioria decida, mas a volta ao modelo anterior é um retrocesso.
O senhor defende que o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) paute a sabatina de André Mendonça, ex-chefe da AGU, para o STF?
É importante que o Senado dê uma resposta e que haja sabatina, a submissão do nome ao plenário do Senado para o escrutínio dos senadores. Não só no caso do ex-ministro André Mendonça mas também em todas as demais indicações.
Como o senhor vê a iniciativa do governo Bolsonaro de turbinar o Bolsa Família?
O programa social é uma prioridade. É inegável que ele tem que existir, em razão da pobreza que temos. Ressinto a falta de um Ministério do Planejamento independente da Economia, para termos um planejamento nacional de políticas dos ministérios, políticas públicas. Política econômica é algo muito amplo, que deve ser feito por especialistas, mas que não possam ser despidas de sensibilidade social.
As pesquisas apontam uma polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula. É possível emergir desse cenário um candidato de centro?
Várias hipóteses podem acontecer, mas considero que vai depender muito do andamento do Brasil nos próximos meses. O cenário eleitoral vai ser definido em 2022. Neste momento, o Brasil não precisa de candidatos à Presidência. O Brasil precisa do presidente buscando unificar o país para os problemas imediatos que nós temos.
O senhor se vê como potencial candidato do centro?
Não considero essa hipótese de candidatura neste instante em que se recomenda ter um presidente do Senado que possa enfrentar os problemas. Disputa eleitoral é inoportuna no momento, em especial para o presidente do Senado.
O senhor dizia ser contra a abertura da CPI da Covid. Agora, avalia que a comissão tem desempenhado um papel importante?
Temos que avaliar o retrato do momento em que decidi não abrir a CPI. Naquele momento, tínhamos mais de 4.000 mil brasileiros morrendo todos os dias só pela Covid-19. Era um momento muito crítico, de muita desunião. Não tínhamos uma escala de vacinas. Eu achava que a CPI, naquele momento, poderia ser um fator de desagregação maior e de insegurança jurídica para a estabilização do combate à doença. Mas eu não nunca desvalorizei a CPI e o seu papel. Nem nunca disse que ela não seria aberta. Eu apenas discuti o momento da abertura. A minha esperança é que a CPI possa cumprir o seu papel de apurar responsabilidades, autoria, materialidade, tipicidade de fatos e que aqueles que tenham praticado qualquer tipo de ação antijurídica possam ser responsabilizados.
O presidente da Câmara criticou o andamento de algumas pautas no Senado como a privatização dos Correios e o licenciamento ambiental. O senhor acredita que Arthur Lira espera que o Senado passe a aceitar decisões da Câmara, sem alterações?
Eu não recebo essa ponderação do presidente Arthur Lira como uma crítica ao Senado, mas apenas como um exercício de pretensão de que aquilo que foi aprovado na Câmara também o seja no Senado Federal. Nós também temos um uma porção de projetos aprovados no Senado que, ao longo de anos, estão na Câmara aguardando uma definição. Nem por isso eu digo que a Câmara está deixando de cumprir o seu papel. O que temos no Senado é a preocupação de aprofundar as matérias, de não ter açodamento, de termos a reflexão necessária por meio das comissões e do plenário. Cada um tem o seu perfil. Eu tenho um aspecto mais moderado. Não significa que eu seja lento. Mas eu gosto de refletir, de aprofundar, de submeter aos pares uma discussão realmente mais duradoura dos projetos de lei. Cada um tem o seu perfil e ambos se complementam e prestam um bom papel de unificação no Congresso Nacional.
*Título do texto original alterado para publicação no portal da FAP
Ascânio Seleme: O poder político é civil
Ideia de reunião com os chefes das três Forças Armadas é oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem
Ascanio Seleme / O Globo
Não se deve oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem. A ideia dos governadores de se reunirem com os chefes das três Forças Armadas para medir a temperatura e tratar das manifestações do dia 7 de setembro é exatamente isso, dar força e poder político aos militares. O Brasil não precisa disso numa hora como esta. Conversar com os chefes militares pode até ocorrer, mas informalmente e nunca de maneira concertada e coletiva. No caso, os militares têm um dever constitucional e a ele devem se ater. Se ocorrer um badernaço de policiais militares armados no dia 7, caberá às Forças Armadas intervir para manter a lei e a ordem, como manda a Constituição. E ponto.
Generais só devem ser ouvidos sobre questões militares ou que envolvam atividades fora das definições constitucionais em que as Forças Armadas possam ser empregadas. Se um governador precisar da ajuda do Exército para abrir uma estrada ou construir uma ponte, por exemplo. Ou se um ministro precisar do serviço da Aeronáutica para transportar vacinas para um local que não é servido por linhas aéreas comerciais. Conversar com militares sobre suas atribuições constitucionais é chover no molhado. Sabem o que o general Paulo Sérgio, comandante do Exército, responderia aos governadores se estes lhes perguntassem como agiria em caso de baderna no 7 de setembro? Que agiria de acordo com o que determina a Constituição.
Aliás, o general Paulo Sérgio disse esta semana que o Exército respeitará sempre seus limites constitucionais. Falou isso no discurso que fez no dia do soldado. Foi claro diante do presidente da República, que ouviu calado. Mesmo que Jair Bolsonaro tente dar um golpe (e vai tentar), não será no dia 7 de setembro deste ano. E no momento em que tentar, pelo que se ouviu no dia do soldado, será rechaçado pelo Exército. Poderá ter o apoio de policiais militares? Sim. Mas estes nada podem sozinhos, não são organizados nem disciplinados. Sua reputação é péssima em todas as unidades da federação, ao contrário das Forças Armadas, uma das instituições mais respeitadas do país.
Exército, Marinha e Aeronáutica jamais se subordinarão a um golpe engendrado pela PM que, embora seja uma força de segurança pública, também em muitos casos é sinônimo de violência e terror. Tampouco as Forças Armadas se aliarão às milícias, quase todas formadas por ex-oficiais e ex-praças das PMs e dos Bombeiros. O que resta a estes agitadores que pretendem se manifestar armados no dia 7 é a baderna.
Usar a arma da corporação para se manifestar em vias públicas e ameaçar a democracia é crime. PMs armados em ato civil são declaradamente covardes. Qualquer ato de violência que vier a ocorrer será de responsabilidade destes que desrespeitam as leis e a Constituição. E devem ser punidos. É importante que os opositores de Jair Bolsonaro entendam isso e não insistam em se manifestar no mesmo dia. Podem dar o argumento que os extremistas precisam para iniciar a baderna e responsabilizar o outro lado.
Embora o Congresso estude uma quarentena de cinco anos para militares disputarem eleição, ninguém tem medo de medir forças com eles. Mas que venham desarmados, sem as fardas, reformados, e pelo voto. Em 2018, arrastados pelo fenômeno que elegeu Jair Bolsonaro, 72 militares foram eleitos para exercer mandatos nas câmaras estaduais e federal e no Senado. Menos de 5% dos 1626 parlamentares eleitos naquele ano excepcional. Dos 27 governadores eleitos, dois são militares reformados.
Todos os militares foram eleitos depois de se reformarem. Embora muitos usem seus antigos cargos antes do nome, como o ex-senador major Olímpio, nenhum deles é mais militar. São todos civis e só por isso foram habilitados para disputar um cargo eletivo. O poder político é civil no Brasil, manda a Constituição. Quer usar farda e armas pagas pelo Estado? Então fique no quartel. A beleza da democracia é que o eleito será sempre aquele que o povo escolher. Pode ter sido coronel, sargento, professor ou advogado, pode nem ser o melhor, mas sempre será um civil escolhido pelos eleitores de maneira livre e secreta.
Negociar o quê?
Os governadores, liderados por João Doria, erram ao tentar negociar com o presidente Jair Bolsonaro. Não há o que negociar. Não há mais diálogo possível com o chefe do Executivo. Os entendimentos têm que ser feitos com os Poderes Legislativo e Judiciário, com os setores organizados da economia, o agronegócio incluído, com sindicatos patronais e profissionais, com a comunidade acadêmica e com a sociedade civil. É impossível pacificar o país convencendo Bolsonaro que o caminho moralmente aceito e constitucionalmente possível não é o dele.
Não chamem os bombeiros
Neste momento, bombeiros apenas atrapalham o percurso que o Brasil terá de seguir até se ver livre de Bolsonaro. O ministro Luiz Fux já tirou o uniforme e o capacete e voltou a usar a toga.
Cabeça de bozo
Os brasileiros lotaram as praias e os parques no fim de semana passado. Ipanema, vista de quem andava do outro lado da calçada, parecia viver um veranico normal, como se estivéssemos em agosto de 2019. Havia de tudo naquela orla, menos máscaras. Ah, sim, faltaram também as bandeiras do Brasil.
Beija mão 1
O presidente parece mesmo disposto a destruir a candidatura de André Mendonça para o Supremo. Jogou Mendonça aos lobos ao informar aos apoiadores do seu curralzinho no Alvorada que o candidato a juiz se comprometeu de rezar na primeira sessão de cada semana da Corte e com ele almoçar uma vez por semana.
Beija mão 2
Quem notou o gesto e já fez um rápido movimento para ocupar o vácuo involuntário deixado por André Mendonça foi o ministro do STJ João Otávio Noronha.
Beija mão 3
O apoio do pastor Silas Malafaia ajuda ou atrapalha a candidatura de Mendonça? Se desse para agradecer e dizer “não, obrigado”, essa era a hora.
Nosso Rio
Muito bom o Instagram da Prefeitura do Rio. Moderno, ágil, didático, bem humorado. Vale como uma aula de comunicação.
Melhor calar
Lula é mesmo muito corajoso. Podia ficar na dele, calado sobre assuntos polêmicos em que o PT está do lado errado da corda esticada. No caso da censura à imprensa, apelidada de regulação da mídia pela sua turma, Lula disse que será prioridade em seu governo. Por falar demais, deixou escapar sua real motivação: “Eu vi como a imprensa destruía o Chávez”. Significa que é melhor calar a imprensa antes de ouvir dela denúncias contra o seu governo. Na Venezuela, aliás, a imprensa foi dizimada por Chávez e Maduro.
Respeitem os índios
Não é de hoje que os índios brasileiros são desrespeitados e vilipendiados por seus conterrâneos não originários. Quase todos os ataques que sofrem têm natureza econômica em razão da ocupação e exploração de terras. Mas eles também sofrem preconceitos racistas facilmente identificados. O que os índios brasileiros querem é viver em paz nas suas terras. E querem também, se entenderem ser este o caso, ter o direito de eles próprios explorarem seus recursos naturais e suas áreas agricultáveis. Deve-se respeitar o índio como nosso mais rico patrimônio antropológico.
Pobre Minas
Quem achava que Minas Gerais não poderia chegar mais fundo no poço em que se meteu, surpreendeu-se com a aparição de Romeu Zuma, na cola do meteoro Bolsonaro de 2018. O governador causa mais vergonha aos mineiros do que um de seus mais célebres antecessores. Minas está cada vez mais parecida com o Rio. Acha o governador atual ruim? Corrupto? Espere o próximo.
Chora mais
Fabio Rigo, herdeiro da empresa que produz o arroz Prato Fino, atacou o SUS no seu Twitter, disse que teve Covid sem sentir cócegas, que não vai se vacinar e concluiu com a frase imortal dos abusados: “Quem pode mais, chora menos”. O tweet foi postado 16 horas depois de o Grêmio, seu time de coração, levar de 4 X 0 do Flamengo. Com todo respeito aos demais gremistas, chora mais, Rigo.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-poder-politico-civil-25174643
Vera Magalhães: Choro ainda é grátis, ministro Paulo Guedes
Ministro chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços e do impacto que isso terá na vida dos brasileiros
Vera Magalhães / O Globo
Para o ministro Paulo Guedes, a conta de luz vai aumentar mais, e não adianta nada ficar sentado chorando. Em tempos de inflação descontrolada, mortes aos borbotões e ataques sistemáticos à democracia e ao bom senso, chorar é uma das poucas coisas de graça à disposição do brasileiro.
O resto todo ofertado pelo governo que Guedes insiste em servir tem cobrado um alto preço moral, mental, político e econômico.
É altamente oneroso ter de aguentar uma frase fora de esquadro do ministro da Economia cada vez que a vida real evidencia o descompasso entre o que foi prometido por ele desde 2018 e o que vemos todos os dias no Brasil.
A crise hídrica de agora, que ameaça descambar para crise grave de fornecimento de energia e, consequentemente, para mais um entrave numa já não cumprida retomada econômica, não é uma inevitabilidade contra a qual não adianta chorar, como quer fazer crer o ministro.
Pode ser que, para alguém como ele, o aumento na conta de luz devido ao reajuste da bandeira tarifária não tenha nada demais. “Qual o problema?”, questiona — e o mais grave é que ele parece de fato não entender qual é!
Assim como não vê a escalada autoritária do presidente a que responde nem admite que está sendo empurrado pelo Centrão para a beirinha do precipício fiscal, o ministro agora chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços, administrados ou não, e do impacto que isso tem para levar muitos brasileiros (eleitores, ministros) de fato às lágrimas.
O aumento da conta de luz pode significar a diferença entre a pessoa ter dinheiro para pagar o boleto ou não. Assim como a escalada dos combustíveis está deixando em casa o desempregado que já tinha migrado para os serviços de aplicativo de transporte para ter uma renda. Muitas vezes o que esse “engenheiro, advogado que está dirigindo Uber”, categoria que já mereceu o desprezo de Milton Ribeiro, outro colega de Guedes desconectado da realidade da pasta que dirige, tira com uma corrida não compensa o que despende para encher o tanque. Mas qual o problema, não é mesmo? Vai ficar chorando em casa?
Enquanto Guedes e também Bolsonaro dão de ombros para a economia real — o primeiro porque vem sendo acossado pelo segundo para dar um jeito de parir a fórceps um programa de renda que salve seu couro nas urnas, e o segundo porque está todo dia tramando um golpe contra a democracia — , a crise hídrica galopou sem que houvesse um plano consistente de enfrentamento. O governo deixou de fazer seu trabalho, e o brasileiro que chore. E lute.
Na crise energética de 2001, igualmente um ano pré-eleitoral, Fernando Henrique Cardoso enfrentou um desgaste político enorme com o risco de apagão, mas entregou um racionamento para consumidores privados e públicos, empresariais e domésticos. Quem não economizasse pagava mais.
Foi criado um superministério para comandar o racionamento, comandado por Pedro Parente. O resultado foi que o apagão não veio.
Ganha um voto impresso emoldurado quem se lembrar de uma reunião que o fanfarrão Bolsonaro tenha organizado entre as várias pastas ligadas ao problema para equacionar a crise hídrico-energética e oferecer um plano que evite o colapso. Ele está muito ocupado redigindo pedidos de impeachment de ministros do Supremo em primeira pessoa e conclamando a população para um ato no Sete de Setembro, cujo objetivo sub-reptício é provocar a depredação ou invasão das sedes dos demais Poderes e fornecer uma desculpa esfarrapada para um autogolpe com base na deturpação do artigo 142 da Constituição. Prioridades, pessoal. Qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara enquanto quem foi eleito para governar se ocupa com balbúrdia? Chorões, vocês, hein?
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/choro-ainda-e-gratis-guedes.html
Malu Gaspar: República dos bananas
Encontro de governadores acabou girando em torno das ameaças à democracia feitas pelo presidente Jair Bolsonaro
Malu Gaspar / O Globo
Quando os governadores se reuniram na segunda-feira, a partir de Brasília, um pedido de impeachment do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, enviado ao Senado por Jair Bolsonaro, esperava na gaveta por uma resposta do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em São Paulo, um coronel da ativa, comandante de sete batalhões com 5 mil homens da Polícia Militar em 78 municípios do estado era afastado pelo governador João Doria (PSDB).
Ele se manifestara politicamente, o que é vedado aos militares, atacando o STF e o próprio Doria e insuflando, nas redes sociais, a participação em atos bolsonaristas previstos para 7 de setembro. O risco de ruptura ocupava as mentes de figuras de proa do Judiciário, do Legislativo e até do Executivo. Daí por que o encontro de governadores que previa discutir temas mais práticos, como a reforma tributária, acabou girando em torno das ameaças à democracia feitas por Bolsonaro. Mal se começou a discutir a ideia de uma carta conjunta contra os arroubos golpistas do presidente, a coisa desandou.
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), apelou para a abertura de um diálogo com o presidente. O mineiro Romeu Zema (Novo) completou:
— (Se) ficar mandando pedra mais uma vez, nós vamos cair nessa vala da polarização de que estamos só seguindo caminhos opostos e cada vez mais distantes.
Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, apoiou. Não adiantou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), apelar, dizendo que “o silêncio pode significar a omissão dos bons” ou mesmo conivência. Nem lembrar que, passado o golpe de 1964, “todos os governadores sofreram, sem exceção, inclusive os que haviam apoiado a ruptura antidemocrática”.
Ao final, a carta enfática em defesa da democracia virou um pedido de reunião com Jair Bolsonaro. Ele, porém, deu de ombros. Por meio de seus ministros palacianos, já mandou dizer que só se encontrará com governadores aliados, porque não quer dar palco para os outros fazerem proselitismo em cima dele. Ou seja, mandou a proposta de diálogo para a “vala da polarização”.
No Senado, no dia seguinte, o procurador-geral da República, Augusto Aras, protagonizou um espetáculo. Disse que bate, sim, no presidente da República, mas listou uma série de apurações internas que não deram em nada. Para justificar por que afinal não aplicou sequer uma multa a Bolsonaro por não usar máscara e promover aglomerações na pandemia, Aras lançou uma pérola:
— Não tenho dúvida da ilicitude, de que há multa, mas também não tenho dúvida de que, num sistema em que vige o Direito Penal despenalizador, falar em crime pode ser extremamente perigoso.
Ora, o que pode haver de perigoso em aplicar a lei? Se o próprio procurador-geral da República opinou em processos no STF a favor de multas e sanções para quem desrespeitasse a obrigatoriedade do uso da máscara? Talvez a melhor resposta esteja no termo “perigoso”. Para Aras, é perigoso afrontar o “sistema e criminalizar a política”, mesmo que os políticos cometam crimes.
Os governadores voltaram a seus dilemas locais, buscando formas de monitorar e evitar maiores problemas no 7 de setembro. O procurador-geral da República saiu do Senado reconduzido, alisado e bajulado indistintamente por governo e oposição. Pelo menos o senador Rodrigo Pacheco rejeitou o pedido de impeachment do ministro Moraes, como esperado. Com seu gesto, jogou água na fervura da crise, mas sabemos que o alívio só dura até a próxima provocação.
A raiz do problema, porém, permanece. Parece que se estabeleceu um consenso tácito — em estrato relevante da classe política e do próprio sistema de Justiça — de que realmente é perigoso seguir a lei no Brasil. Que é perigoso se posicionar a favor da democracia. Que é melhor não irritar o presidente da República para não causar ainda mais tumulto.
Parecem confortáveis numa espécie de acomodação bem abrasileirada, em que as mesmas pessoas que num dia garantem não haver risco de golpe, no dia seguinte afirmam que afrontar Bolsonaro seria “perigoso”. Vamos ignorá-lo, sugerem alguns. Vamos contê-lo, promete o Centrão, que a cada semana recebe uma prova de que não está dando muito certo. Só não vamos provocar o maluco. É perigoso.
Enquanto isso, Bolsonaro segue seu jogo, que — admitamos — é transparente e aberto. E que dificilmente chegará ao almejado golpe, mas fará muito estrago no caminho. Vai ver estamos esperando muito de nossas lideranças políticas, e quem está certo é o presidente, que obviamente confia estar comandando não uma República de bananas, mas sim a República dos bananas.
Fonte: O Globo
Com interferência humana, fogo se alastra em biomas brasileiros
Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica são os mais afetados por incêndios que se espalham na época mais seca do ano
Ana Lúcia Azevedo / O Globo
RIO - Visto do espaço, o Brasil é vermelho. Imagens de satélite revelam que o país arde com queimadas de Norte a Sul em todos os biomas, à exceção do Pampa. Agosto nem terminou e Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga já ultrapassaram o acumulado em relação ao mesmo período de 2020
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O fogo se alastra por terras privadas, públicas, unidades de conservação e áreas indígenas. Focos de calor atingiram 113 unidades de conservação e 57 terras indígenas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica, nessa ordem, são os biomas mais afetados.
Esta é a época mais seca do ano e em 2021 o Centro-Sul do país enfrenta o agravamento de uma seca que já dura quase uma década. Ainda assim, cientistas explicam que é a ação humana o principal fator de tantos incêndios.
BIOMAS
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No domingo, um incêndio consumiu cerca de metade da área do Parque Estadual do Juquery, em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Resíduos transportados pelo vento chegaram a bairros da capital paulista, onde moradores relataram uma “chuva de cinzas”. O fogo teria sido causado pela queda de um balão em uma área de mata seca no parque, que possui quase 2 mil hectares, com vegetação de Cerrado. Ainda ontem, bombeiros trabalhavam para conter as chamas na reserva ambiental.
Sem raios
O meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que o número de queimadas depende da fiscalização. O que poderia provocar um incêndio natural seria a queda de um raio num lugar de mata muito seca. Mas nessa época de céu claro, não há raios.
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— Se tivermos que relacionar o impacto da falta de chuva e o da falta de fiscalização, a falta de fiscalização ganha disparado. É muito mais uma questão de decisão política pública do que uma questão climática — diz Seluchi.
A baixa umidade facilita que as chamas se propaguem. Praticamente todo o país está seco. A borda sul da Amazônia, por exemplo, está com umidade baixíssima.
Coordenadora do sistema Alerta de Área Queimada do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, Renata Libonati explica que na falta de raios, resta a ação humana acidental ou intencional. Na Amazônia, é o desmatamento. Nos demais biomas, o mau uso do solo.
— Todas as condições este ano são favoráveis ao fogo. É preciso tomar muito cuidado com a ignição, acidental ou proposital.
A mais recente e completa análise sobre o impacto do fogo em áreas naturais no Brasil reforça que a má gestão tem papel crucial.
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“Como a maioria dos incêndios é ilegal, a aplicação da lei deve ser a primeira resposta, e as multas podem contribuir para o financiamento da fiscalização. Porém, a política atual não é favorável”, afirma a análise. Os cientistas destacam a redução dos orçamentos para a fiscalização e para o monitoramento pelo Inpe.
A análise chama a atenção para o desmantelamento da política ambiental e “o papel do discurso político e das crises econômica e social no encorajamento de atividades criminosas que levam ao desmatamento, ao garimpo ilegal e à queima da floresta, principalmente na Amazônia”. Intitulado “Compreendendo os incêndios catastróficos no Brasil: causas, consequências e políticas necessárias para prevenir tragédias”, o estudo foi realizado por cientistas de nove instituições de pesquisa, como Cemaden, Embrapa, ICMBio, Museu Paraense Emilio Goeldi, e seis universidades. O trabalho foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.
— O elemento humano é tão importante quanto o climático. O país não tem uma gestão eficiente e integrada do fogo. Faltam fiscalização, programas de prevenção, capacitação, educação, precisamos de política de longo prazo — afirma Gerhard Overbeck, do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos autores da análise.
Overbeck lembra que o momento é crítico. O Brasil está se tornando mais seco.
Texto original: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/um-so-planeta/com-interferencia-humana-fogo-se-alastra-em-biomas-brasileiros-25167879
Líderes indígenas entregam carta ao STF e pedem rejeição do 'marco temporal'
160 mil pessoas entre artistas, jurídicos, acadêmicos e personalidades brasileiras assinaram a carta. Julgamento que definirá o futuro das demarcações de terras dos povos originários no Brasil acontecerá nesta quarta-feira
O Globo
RIO — Uma carta assinada por mais de 160 mil pessoas entre artistas, juristas, acadêmicos e diversas personalidades brasileiras será entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta terça-feira para que a Corte garanta os direitos dos povos indígenas a suas terras. O ato acontece na véspera do julgamento sobre a tese do "marco temporal" que definirá o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil.
Entre as personalidades que assinam a carta estão os atores Antonio Pitanga e Marieta Severo, as apresentadoras Xuxa Meneghel e Giovanna Ewbank e os cantores Chico Buarque, Daniela Mercury, Marisa Monte e Fafá de Belém. O filósofo Leonardo Boff também faz parte da lista.
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Inicialmente assinada por 301 pessoas e protocolada no STF no dia 24 de junho por lideranças indígenas, a ação ganhou força e foi aberta para a coleta virtual de assinaturas com a adesão de milhares de pessoas que se posicionaram em apoio aos povos indígenas do Brasil e contra o “marco temporal”.
Nesta quarta-feira, está na pauta do plenário do STF a análise da tese do marco temporal. A sessão está marcada para iniciar às 14h. Neste processo, a Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.
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Esta tese vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações de terras indígenas e foi incluída em proposições legislativas anti-indígenas como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, aprovado em junho pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados.
“O tratamento que a Justiça Brasileira tem dispensado às comunidades indígenas, aplicando a chamada ‘tese do marco temporal’ para anular demarcações de terras, é sem dúvida um dos exemplos mais cristalinos de injustiça que se pode oferecer a alunos de um curso de teoria da justiça. Não há ângulo sob o qual se olhe e se encontre alguma sombra de justiça e legalidade”, afirma o documento.
As lideranças do acampamento Luta Pela Vida irão fazer a entrega simbólica da carta aos ministros, após uma caminhada até a Praça dos Três Poderes, às 16h.
Vera Magalhães: Aprovação de Aras não garante sossego a Bolsonaro
Vera Magalhães / O Globo
Em que medida o passeio no bosque que foi a votação da recondução de Augusto Aras à Procuradoria Geral da República, nesta terça-feira, melhora o ambiente do Senado para Jair Bolsonaro?
Aras foi bem-sucedido ao conseguir descolar sua sabatina e votação em plenário do processo idêntico para a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal. Costurou isso laboriosamente, alertando senadores e integrantes do governo para a possibilidade de que, caso a recondução tardasse, poderia haver vacância da Procuradoria-Geral da República, com a ocupação de sua cadeira por alguém que poderia mudar os rumos da gestão atual.
E é essa nova cara do Ministério Público Federal que explica a extrema facilidade que Aras encontrou, simbolizada à perfeição pelo ridículo comitê de boas vindas armado pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre, com senadores de todos os partidos para, vejam só! - recepcionar o sabatinado e conduzi-lo à comissão. Como esperar alguma dificuldade a partir de tão ridículo salamaleque?
Aras conseguiu o milagre de obter um apoio suprapartidário no momento mais radicalizado da polarização política do Brasil. O segredo do sucesso é justamente a desarticulação que promoveu, ao longo de dois anos, do aparato de investigação do MPF e de fiscalização da atividade dos políticos.
Sob o discurso conveniente de que combateu a “criminalização da política” promovida pelos antecessores, Aras falou o que os senadores do PT a Bolsonaro queriam ouvir. Uma coisa é combater excessos, que houve de fato, nos períodos anteriores, sobretudo sob o instável Rodrigo Janot.
Outra é mudar a própria natureza do que a Constituição preceitua no artigo 127 como atribuições do Ministério Público, entre as quais se destaca, como síntese, a de defesa do estado democrático de direito.
No momento em que essa democracia é mais vilipendiada, Aras se omite, e os senadores assentem com essa omissão ao reconduzi-lo sem sequer admoestá-lo.
Nesse sentido, o Senado faz um favor indireto ao Planalto. Mas a votação não deve abrir caminho, por exemplo, para que o Senado, sob Rodrigo Pacheco, embarque em outras pautas obscurantistas do presidente, como o pedido de impeachment de ministros do Supremo.
Da mesma forma, André Mendonça não deverá ter sua indicação analisada antes Sete de Setembro, data que vai caminhando para ser o ensaio de uma ruptura institucional.
Senadores são claros ao estabelecer a relação: caso se confirmem as previsões sombrias, fruto de monitoramento das redes sociais bolsonaristas, de que haverá incitação à desordem e até a tentativa de invasão de prédios dos demais Poderes, adeus Mendonça.
Não seria possível, nem para os afáveis cordeirinhos da CCJ, aprovar a indicação para a mais alta Corte da Justiça de alguém que foi ministro da Justiça e advogado-geral da União de um governo que promove a arruaça cívica.
Pesa ainda contra o indicado de Bolsonaro ao STF a antipatia pessoal do mesmo Alcolumbre que estendeu um tapete vermelho para Aras.
Caso seja desarmada a bomba do Sete de Setembro, ou que ele fique circunscrito às ameaças da bolha mais fanática do bolsonarismo, o ex-AGU volta a ter as chances aumentadas. Afinal, seria inédito até para os padrões do esgarçamento das relações do governo Bolsonaro rejeitar uma indicação do Executivo para o Supremo.
E a CPI? Esta perdeu um pouco mais de força com o passeio de Aras.
Com o provável engavetador mantido na função, fica óbvio que o relatório final, por mais duro que seja, será apenas uma peça para manchetes de jornais. Ainda que o PGR tenha feito um acordo para acatar uma ou outra recomendação em troca da boa vontade dos senadores, o cerne da coisa, as imputações de crimes a Bolsonaro, deverá ir parar na lata do lixo sem chance de apelação.
Texto original: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/aprovacao-de-aras-nao-garante-sossego-bolsonaro.html
Por 21 a 6, CCJ do Senado aprova recondução de Aras à frente da PGR
Nome de Augusto Aras, atual procurador-geral da República, ainda precisa ser validado pelo plenário
Julia Lindner e Paulo Cappelli / O Globo
BRASÍLIA - Por 21 votos a seis, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta terça-feira a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para um novo mandato. Durante a sabatina, que durou cerca de seis horas, ele criticou a Operação Lava-Jato e defendeu o Supremo Tribunal Federal (STF) de críticas relacionadas ao inquérito das Fake News. O nome do procurador ainda precisa ser apreciado em plenário, o que deve acontecer ainda nesta terça-feira, em regime de urgência.
Na sessão da CCJ, Aras também fez uma série de acenos aos parlamentares, que serão responsáveis por sua recondução ao cargo. Em referência ao seu antecessor, Rodrigo Janot, o atual procurador disse que "poderia distribuir flechadas, criminalizando a política", mas não o fez.
O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA AUGUSTO ARAS
Sabatina na CCJ: Colunistas do GLOBO analisam sabatina de Augusto Aras no Senado
Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para permanecer no posto até setembro de 2023. Durante a sabatina, ele buscou rebater críticas de suposta omissão em relação ao governo. O procurador-geral afirmou que adotou as medidas cabíveis para apurar uma possível tentativa de interferência de Bolsonaro na PF, além de apurações envolvendo ministros da Educação, da Saúde e do Meio Ambiente.
Ele reforçou, ainda, que o Ministério Público "não é de governo nem de oposição", e sim um órgão constitucional.
— Posso citar decisões que não foram concordes com o governo, mas com a Constituição. A manifestação do PGR foi pela obrigatoriedade das vacinas. Foi pela constitucionalidade do inquérito das fake news. Este procurador-geral da República também requereu o inquérito dos atos antidemocráticos e manteve esse inquérito na via da primeira instância porque não foram constatadas ações de parlamentares nos atos referentes a organizações e financiamento. Isso não significa dizer que num futuro próximo parlamentares ou pessoas com prerrogativa de foro não venham a ser investigadas — disse.
Ao ser indagado sobre um eventual alinhamento com Bolsonaro, Aras respondeu que não cabe a ele ser "censor" de autoridades, mas sim agir de forma técnica como "fiscal das condutas que exorbitem a legalidade".
— O procurador já demonstrou que se tivesse alinhamento, o único alinhamento é com esta Carta (Constituição). Já demonstrou que contraria, sim, posicionamentos de governos, mas também este procurador não é procurador da oposição.
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O procurador também declarou que não permitiu que o Ministério Público "quisesse se substituir ao Legislativo, ao Judiciário ou ao Executivo" e defendeu a separação dos Poderes:
— Cumprir a Constituição é compreender a separação dos Poderes, é poder saber que o dever de fiscalizar condutas ilícitas não dá aos membros do Ministério Público nenhum poder inerente aos poderes constituídos, harmônicos e independentes entre si.
'Houve ameaças reais aos Ministros do Supremo'
Aras também saiu em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que "houve ameaças reais" a ministros da Corte nos casos das prisões do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). De acordo com ele, "a ameaça direta e frontal já não poderia ser ignorada" nas situações mencionadas, pois a liberdade de expressão não estaria contemplada propriamente na fake news.
— No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira, quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos Ministros do Supremo, de maneira que, se, em um primeiro momento, a liberdade de expressão era o bem jurídico constitucional tutelado mais poderoso que existe dentro da nossa Constituição e da Constituição americana, que é o primeiro dos princípios. Em um segundo momento, já se abandonou a ideia da liberdade de expressão para configurar uma grave ameaça — disse.
CPI
Questionado sobre qual será a sua postura em relação ao relatório final da CPI da Covid, Aras evitou entrar no mérito da decisão. Ele se limitou a dizer que pretende agir de acordo com a Constituição e dentro do prazo legal. Segundo ele, cabe ao procurador-geral se manifestar "em respeito às leis".
— Tenham certeza que o PGR, qualquer que seja ele, à época do recebimento do relatório, já terá uma equipe estudando todos os elementos coligidos. E assim será muito mais fácil em 30 dias examinar as milhares de páginas que hoje já compõem a CPI.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/reconducao-de-aras-pgr-aprovada-pela-ccj-do-senado-25168810
‘Nós não queremos o inclusivismo’, diz ministro da Educação de Bolsonaro
Milton Ribeiro voltou a defender que algumas crianças com deficiência fiquem em 'classes especiais' no ensino público
Gabriel Shinohara / O Globo
BRASÍLIA — O ministro da Educação, Milton Ribeiro, voltou a defender que algumas crianças com deficiência não estudem na mesma sala de outros alunos. Segundo ele, o governo não quer “inclusivismo” e argumentou que certos graus e tipos de deficiência necessitam de classes especiais.
— Nós não queremos o inclusivismo, criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar — disse em entrevista para a rádio Jovem Pan nesta segunda-feira.
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Segundo o ministro, 12% das crianças com deficiência nas escolas públicas têm um grau que “impede dela ter o convívio” dentro da sala de aula. Ele então comparou essas crianças com atletas paralímpicos.
— Isso é interessante, porque esse diagnóstico de limitações que as pessoas possuem é um diagnóstico feito pela sociedade. Estamos no meio das paralimpíadas, nós descobrimos que tem pessoas que têm limitações físicas, no caso, que não podem competir com outras que não tem. Nesse paralelismo, embora com grandezas diferentes, foi que eu me referia a esses 11,9%, 12% — explicou.
De acordo com o ministro, entre essa porcentagem de estudantes que não teriam condições de acompanhar estão cegos, surdos e alguns graus de autismo.
— Dentro desses 12% temos algumas crianças que têm problemas de visão, elas não podem estar na mesma classe. Imagina uma professora de geografia: “aqui é o rio Amazonas” para uma criança que tem deficiência visual, são elas também. Tem outras que são surdas, por exemplo, tem uma gama de crianças, tem alguns graus de autismo e tem um grupo que a gente esquece que são os superdotados, que também estão nesse grupo, que precisam de uma atenção especial — disse.
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O ministro ressaltou que a escola pública não pode recusar uma criança com deficiência e disse que a escolha continua sendo dos pais.
— A escolha quem faz é o pai e mãe, é ele quem coloca o filho lá, nenhum diretor tem autoridade de negar a matricula de uma pessoa que tem deficiência em uma escola pública, elas não podem fazer isso, não é isso que estou falando. Ele vai caminhar e vai poder entender, um pai que tenha condição de perceber que seu filho tem limitações e que aquilo não vai ajudá-lo de maneira alguma, então ele vai preferir colocar nessas classes especiais — apontou.
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As falas ocorrem após o Ministério da Educação (MEC) ter divulgado uma nota, na quinta-feira (19), para reafirmar o pedido de desculpas do ministro por declarar, em entrevista no dia 9 de agosto ao programa Sem Censura, da TV Brasil, que alunos com deficiência "atrapalham" em sala de aula.
Na terça-feira (17), Ribeiro havia tentado explicá-la durante uma palestra no Rio, mas repetiu que algumas crianças com deficiência "criam dificuldades" em sala de aula. As declarações foram criticadas por entidades de direitos de pessoas com deficiência.
Nesta segunda-feira, Ribeiro voltou a admitir que cometeu um erro quando falou que as crianças com deficiência “atrapalhavam” o aprendizado de outros estudantes, mas disse que um prejudica o desenvolvimento do outro.
— Não deixando de lado os deficientes, mas olhando também os outros 88% dos alunos que eventualmente podem ter também… Eu, quando usei a palavra atrapalhar eu fui infeliz, eu disse isso, mas usando com todo cuidado, vou fazer novamente, se usei a palavra atrapalhar, um atrapalha o outro. Nesse sentido de caminhar na educação. A palavra atrapalhar não é a melhor, a gente se equivoca, mas um prejudica o progresso do outro.
E completou:
— A criança com deficiência tem que ter um olhar e um cuidado especial e é isso que o nosso governo quer ter, nosso governo quer ter um cuidado especial para com a criança com deficiência — finalizou o ministro.
Carlos Andreazza: Cristo Ipiranga e a fé caloteira
Na última quarta-feira, Bolsonaro disse que, “com fé, com vontade, com crença”, o Brasil poderia superar a inflação e o desemprego. No dia seguinte, à Comissão de Relações Exteriores do Senado, Paulo Guedes sapecou — com vontade — o combo chantagem/incompetência e mostrou ao presidente que não existe Cristo Ipiranga, ao mesmo tempo que lembrava ao povo quem será o sacrificado:
— Se precatório não passar, vamos mandar Orçamento de R$ 90 bilhões e vai faltar dinheiro para pagamentos até de salários.
Referia-se, pela ordem, à PEC dos Precatórios, por meio da qual pretende formalizar um calote em credores da União, condição movediça — fonte incerta — que a criatividade liberal encontrou para bancar programa permanente, o novo Bolsa Família; ao Orçamento de 2022, dentro do qual o fiscalista do amanhã finge tentar embutir a conta da reeleição do mito, enquanto, no mundo real, acionado vai o teto de gastos solar, para fora do qual dependuram-se fundos e outros infinitos em que os sócios do Centrão poderão encher seus balões quando lotados os orçamentos secretos; e aos recursos para custear a remuneração do funcionalismo público, despesa obrigatória, mas com que resolveu ser austero, já que, comprometido com os acordos do amortecedor Ciro Nogueira e do trator Arthur Lira, não tem braço para ser valente com gastos discricionários.
Não existe Cristo Ipiranga. Nem Posto Ipiranga. Nem sequer o Paulo Guedes que Paulo Guedes ainda apregoa. (Para que se avalie o prestígio: o Onyx Lorenzoni de Chicago perdeu o Ministério do Trabalho para que o Onyx Lorenzoni redpill tenha base por onde tocar sua campanha ao governo do Rio Grande.) Há um ministro da Economia bom de promessas, mas com graves dificuldades em formular políticas públicas e incapaz de acompanhar politicamente — e de executar — o pouco que propõe. O produto exemplar dessa miséria sendo o projeto de capitalização da Eletrobras, entregue ao patrimonialismo em troca de algo a ser vendido como privatização, afinal uma escada para que usineiros sem gás façam negócios subsidiados pelo trouxa cuja conta de luz subirá.
MINISTRO PAULO GUEDES
Diga-se que estelionato eleitoral também é modalidade de calote.
Aliás, o severo de propaganda — o que ameaça não pagar salário em nome da higidez de um teto arrombado — é o pai daquela PEC, a Emergencial, a do Futuro (a de rigores fiscais só para 2025), concebida para oportunisticamente permitir reajustes salariais no ano eleitoral que vem. Que não se espere coerência. O recado aos servidores é este mesmo — a ameaça: terão aumento em 2022, mas, se o Parlamento não aprovar a tunga nos credores, não receberão os salários. O recado aos legisladores — a chantagem: se não apoiarem o calote nos precatórios, darei calote no funcionalismo; e a culpa será de vós.
Calote ou calote, informou o ministro da Reeleição; que, enquanto deixa correr frouxa uma reforma do IR destinada a comer a arrecadação federal, quer engajar a todos (ou serão militantes traidores da pátria) na missão de legitimar os dinheiros com que bancar a campanha eleitoral golpista por meio da qual Bolsonaro, populista autoritário cuja existência competitiva depende da forja de conflitos, quer mais quatro anos para dilapidar a República.
Ao ouvir Guedes, lembrei-me do presidente do Banco Central falando em ruídos geradores de pressão inflacionária:
— Reconhecemos que há grande quantidade de ruído em torno do Bolsa Família e de novas medidas [referia-se à PEC caloteira dos Precatórios] que o governo divulgou.
Roberto Campos Neto tratando esse barulho como fato isolado, elemento episódico, e não como estado permanente, talvez, por envolvido demais, impossibilitado de perceber a constância do distúrbio derivado de o combo guedista de chantagem e incompetência cobrar sua fatura sob um presidente que é o próprio centro difusor de instabilidades.
Não tem — nunca teve — como dar certo.
Se Campos Neto não se comportasse como agente político, se não se turvasse participando de reuniões ministeriais e até de encontros de Bolsonaro com empresários, se não se tivesse tornado crente nas palestras de Guedes (para quem a peste não teria segunda onda), talvez a situação brasileira fosse um pouco melhor. Talvez o Banco Central não tivesse sido mergulhado na euforia de analfabetos em matéria democrática. Talvez não se emparedasse contaminado pela lógica dos robertos-jeffersons e daniéis-silveiras da Faria Lima. Talvez fosse um pouco mais conservador antes de forjar juros dinamarqueses num país com estabilidade política peruana.
Vai piorar. O golpismo de Bolsonaro — o do guarda da esquina — opera por dentro e por baixo. E logo teremos — à guisa de manifestação eleitoral — brasileiros armados se medindo nas ruas. O país subordinado a uma agenda de confrontos avessa ao mais mínimo requisito de prosperidade econômica. Ou não vemos o presidente segurar um de seus pedidos de impeachment contra ministros do Supremo — contra Barroso — para soltá-lo mais proximamente ao protesto de 7 de setembro? Parcelará a entrega, contratada nova página de abalo institucional. A fluência da vida republicana — alguma tranquilidade para investimento e geração de empregos — submetida à necessidade de alimentar base de apoio sectária, aquele comandante da PM para quem “liberdade se toma”.
A intenção é a mensagem. É fortalecer a posição de vítima do sistema, impedido de governar pelo establishment; isso enquanto, no mundo real, oferece mais ministérios — talvez tirados de Guedes — aos parceiros do Centrão, o sistema.
Certeza: Guedes fica. Sem ele desanda — crê.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/cristo-ipiranga-e-fe-caloteira.html