Partidos podem ganhar R$ 23 mi por mudanças de autodeclaração
A Tarde
Uma emenda constitucional que garante o dobro de verba pública para deputados negros e mulheres pode levar o Progressistas (PP) e o União Brasil (UB) a receberem, cada um, quase R$ 23 milhões a mais de recursos do fundo partidário.
Pela mesma regra, o Republicanos deverá receber R$ 17,2 milhões extras, enquanto o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Social Democrático (PSD) devem perder R$ 24,7 milhões e R$ 15,9 milhões, respectivamente.
O número de deputados autodeclarados pretos e pardos vai aumentar 8,94% com o resultado das eleições de 2022. Na Bahia, 4 dos 39 deputados federais eleitos são autodeclarados negros. No entanto, o maior número de negros pode ser inconsistência de autodeclaração, segundo alguns especialistas, como o coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares em Ações Afirmativas da Uerj (Gemaa), Luiz Augusto Campos.
A dissonância entre autodeclaração e forma como pessoas são percebidas se deu não só no pleito legislativo, mas também na disputa pelo Governo do Estado, quando um dos principais candidatos na disputa, ACM Neto (UB), se autodeclarou pardo.
Matéria publicada originalmente no portal A Tarde
Seções em que só um candidato a presidente foi votado somam 0,01% dos votos válidos no 2º turno
G1
Apenas um candidato à Presidência da República foi votado em 147 seções eleitorais do país no segundo turno das eleições 2022. Nessas urnas, foram depositados 16.579 votos válidos – o equivalente a 0,01% do total do Brasil.
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o único candidato votado em 143 seções. Nessas urnas, ele recebeu 16.455 votos, o equivalente a 0,03% dos 60,3 milhões que garantiram sua vitória.
O atual presidente Jair Bolsonaro (PL) foi unanimidade em quatro seções, que renderam 124 votos dos 58,2 milhões que recebeu.
Na cidade de Charrua (RS), o fenômeno ocorreu para os dois lados. Lula ganhou sozinho na seção 126, com 302 votos. Já na seção 15, Bolsonaro levou todos os 79 votos válidos.
O atual presidente também foi o único votado em uma seção de Ilha Viçosa, no município de Chaves (PA) e nas duas urnas de Caracas, Venezuela, que foram deslocadas para Bogotá, na Colômbia, pois o Brasil não tem representação no país.
Fake news
As seções com votos em apenas em Lula têm sido alvo de fake news desde que o resultado das eleições foi anunciado.
Uma das mensagens falsas que mais circula afirma que o fato de Lula ter recebido 100% dos votos em uma seção de Confresa (MT) comprova uma fraude eleitoral, já que a cidade e o estado deram ampla vitória a Jair Bolsonaro.
A seção citada nas mensagens, no entanto, fica na Escola Estadual Tapi'itawa, dentro da aldeia indígena Urubu Branco, que declarou apoio a Lula. O presidente eleito recebeu 383 dos 384 votos registrados na seção – um eleitor votou nulo.
O Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MT) afirmou que todos os eleitores da seção são indígenas e que "é comum neste tipo de localidade, bem como em áreas quilombolas, que haja convergência nos votos".
A maioria das seções com voto unânime em Lula fica em aldeias indígenas, comunidades ou povoados. Em 22 delas, o local de votação tem "aldeia" no nome. Em 27, tem "comunidade" e em 51 tem "povoado".
Além dos casos em que realmente só houve votos para um candidato, outras mensagens falsas apenas mentem que Jair Bolsonaro não foi votado em um município que recebeu votos.
É o caso de um vídeo em que uma mulher com vestimentas indígenas afirma que Jair Bolsonaro não teve nenhum voto em Manicoré (AM) e diz que isso é prova de fraude. O atual presidente, no entanto, recebeu 8.056 votos na cidade.
O g1 publicou matérias com o resultado da votação em todos os 5.568 municípios no segundo turno das eleições 2022.
É possível conferir também como foi a apuração em cada uma das cidades em um mapa interativo.
Matéria publicada originalmente no G1
Agência de rating S&P prevê continuidade econômica com Lula
DW Brasil
Em nota a seus investidores, a agência de notação financeira Standard & Poor's Global Ratings estima que o presidente eleito do Brasil,Luiz Inácio Lula da Silva, não deverá reverter as principais reformas econômicas que levaram a um aumento do investimento privado nos últimos anos.
"A maior parte das revisões regulamentares e o enquadramento para as concessões não foram emendas constitucionais, mas revertê-las por completo implicaria uma maioria simples no Congresso, de que o Partidos dos Trabalhadores (PT) não dispõe", apontaram os analistas da agência de rating numa nota sobre o que esperar do próximo governo brasileiro divulgada neste domingo (06/10).
"Devido a sua fraquíssima capacidade para investir, acreditamos que o governo de Lula não terá incentivos para reverter completamente as mudanças promovidas pelo governo de Bolsonaro, que levaram a níveis mais elevados de investimentos do setor privado nos últimos anos."
Medidas anti-inflacionárias comprometem financiamento
Na nota enviada aos investidores, a que a agência de notícias Lusa teve acesso, a S&P salienta que não espera uma aceleração significativa no crescimento da economia brasileira, frisando, pelo contrário, que o desempenho econômico é uma principais fraquezas do ponto de vista da análise da qualidade do crédito.
Recuperação econômica com fome e inflação?
"Apesar de as âncoras institucionais serem relativamente estáveis, da estrutura econômica diversificada e de um forte setor externo, a tendência de crescimento do Brasil está estimada em 1,8% entre 2022 e 2024", diz a S&P, que reviu a previsão de crescimento do Brasil para este ano, de 0,8% para 2,5%.
"Os esforços das autoridades monetárias para conter a inflação vão resultar em condições mais adversas para o financiamento doméstico e global, o que abrandará o crescimento para 0,6% em 2023."
PIB cresce, mas abaixo da média mundial
Os analistas estimam ainda que, com novas políticas macroeconômicas e condições de financiamento mais favoráveis, o PIB pode acelerar para um crescimento de 2% em 2024 e 2025. Apesar de ser positivo face à expansão média de 0,4% entre 2012 e 2021, o índice está ainda bem abaixo da média dos mercados emergentes no nível mundial.
Em contraste, logo após ser eleito, o petista esboçou metas econômicas ambiciosas para o país, por exemplo em relação ao acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia.
"Queremos um comércio internacional mais justo [...] Não nos interessam acordos comerciais que condenem nosso país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria-prima"; em vez disso, o Brasil precisa ser reindustrializado, frisou Lula em seu discurso de vitória.
Em sua coluna para a DW, às vésperas do segundo turno, o jornalista econômico Alexander Busch também se mostrava otimista: "Se o atual ambiente político explosivo voltar a se acalmar depois das eleições, o governo que assumir em 1º de janeiro terá uma boa situação econômica na largada. Só precisará saber aproveitá-la."
Luiz Inácio Lula da Silva ganhou as eleições presidenciais por uma margem estreita, recebendo 50,9% dos votos, contra 49,1% para Jair Bolsonaro, que procurava um novo mandato de quatro anos. Ele assumirá novamente a Presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2023, após dois mandatos entre 2003 e 2010.
av (Lusa,DW)
Matéria publicada originalmente no portal DW Brasil
Bolsonaristas convocam greve para segunda e caminhoneiros dizem que não organizam atos
Fernanda Brigatti , Clayton Castelani | Folha UOL
Bolsonaristas que estão nas manifestações antidemocráticas iniciadas no domingo (30) começaram a convocar para segunda (7) uma possível "greve geral", em que pedem adesão de empresários.
Um convite para o movimento com ares de locaute (greve de empresas, hoje proibida pela legislação) passou a circular em redes sociais e nos grupos de WhatsApp e de Telegram de pessoas envolvidas com as manifestações.
Na noite deste domingo (6), porém, balanço da PRF (Polícia Rodoviária Federal) apontou que os atos antidemocráticos estão chegando praticamente ao final nas estradas, com apenas dois pontos de bloqueio parcial em rodovias do país. O estado de Rondônia voltou a registrar uma interdição em rodovias federais por manifestantes neste domingo. As interdições ocorrem em Vilhena (RO) e Altamira (PA). A PRF já acabou com mais de mil bloqueios desde o último domingo (30).
Nesses grupos, vem sendo amplamente divulgada a mentira de que há comprovação ou fortes indícios de que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha sido obtida mediante fraude eleitoral.
Inicialmente espalhadas por rodovias em diversos estados, as manifestações passaram a se concentrar em frente aos comandos do Exército nas cidades, onde bolsonaristas inconformados com os resultados das urnas pedem "intervenção federal" e "intervenção militar". Neste domingo (6), manifestantes que estavam em frente ao Quartel Geral do Exército, em Brasília, falavam sobre a possibilidade de uma greve geral. Havia apenas uma centena de participantes no local.
Segundo as mensagens, a organização estaria sendo feita pelo MNRC (Movimento Nacional de Resistência Civil), grupo que pede a impugnação das eleições e a destituição de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
"Feche sua empresa, indústria, fábrica e comércio e vamos lutar contra a instalação do comunismo", diz o convite distribuído nesta sexta.
REPRESENTANTES DE CAMINHONEIROS DIZEM QUE NÃO ORGANIZAM ATOS
Carlos Alberto Litti Dahmer, diretor da CNTTL (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística), disse que vídeos antigos, sobre as manifestações de 7 de Setembro, voltaram a circular para propositalmente confundir as pessoas sobre uma nova manifestação nesta segunda (7) e, devido à grande circulação entre os grupos de caminhoneiros desse material, ele espera paralisações em todos os estados da região Sul. "São vídeos antigos, mas qualquer motivo é suficiente para inflamar uma minoria que não aceitou o resultado da eleição", disse.
Wallace Landim, o Chorão, também afirma que vídeos antigos, do 7 de setembro, estão sendo reaproveitados para inflamar manifestações que não têm qualquer organização de grupos ligados a caminhoneiros. Ele diz que o que se "vê são atos organizados junto a empresas nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso" e que "90% dos caminhões de empresas que aparecem nos vídeos são ligadas ao agro".
Ele disse estar triste em ver que empresários, políticos e outros apoiadores de Bolsonaro estão usando "o nome do movimento dos caminhoneiros, por causa da força que a gente tem, para promover atos antidemocráticos", comentou. "O que estamos vendo é um risco de locaute."
de locaute."
Lula é eleito presidente pela 3ª vez
A ABTTC (Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários e das Transportadoras de Contêineres) informou não ter recebido notificações sobre eventuais paralisações nesta segunda (7) e está se planejando para um dia normal de trabalho.
Daniel Reis de Paula, o Queixada, presidente da associação de caminhoneiros em Oliveira-MG, diz que não há participação organizada de caminhoneiros em qualquer protesto previsto para amanhã. "Não tem nada a ver com caminhoneiros isso", diz.
Chorão, Queixada e Dahmer mencionaram que, de algum modo, as paralisações estão sendo promovidas ou apoiadas por empresários e fazendeiros, que fornecem alimentos para manifestantes, param caminhões de suas frotas nas estradas e até mesmo despejam entulho e terra em alguns trechos.
ENTIDADES EMPRESARIAIS VEEM MOVIMENTOS LOCALIZADOS
Entidades empresariais e sindicatos patronais ouvidos pela Folha disseram não ter conhecimento de adesão à convocação. Não está descartado, porém, que individualmente donos de comércios e fábricas decidam pela paralisação, mas, até sexta a percepção era de que não havia clima para um locaute.
Na última semana, dezenas de empresas em Sinop (MT) anunciaram, na terça (1º), que fechariam as portas mais cedo para aderir às manifestações contrárias ao resultado das eleições.
Na quinta (3), a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Canoinhas, em Santa Catarina –estado que, ao lado de Mato Grosso, concentrou o número de bloqueios de estradas e rodovias– divulgou um comunicado em que convoca os comerciantes "que compartilham do mesmo ideal" a participarem do que chamaram de "movimento democrático".
No comunicado, assinado pelo presidente da entidade, Cirineu Novak, o CDL recomenda que "caso não queiram fechar seus comércios", que perguntem aos funcionários se eles querem participaram do movimento e que façam o revezamento de pessoal.
Bloqueios impactam chegada de flores e alimentos a SP
A Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Santa Catarina também divulgou posicionamento em rede social, no qual disse apenas que reconhece o direito de as pessoas expressarem seu descontentamento, desde que isso não viole o direito de ir e vir nem afete o desenvolvimento econômico.
Segundo a procuradora regional do trabalho Adriane Reis de Araújo, da Coordigualdade (coordenadoria de promoção da igualdade no trabalho), já começam a chegar ao MPT (Ministério Público do Trabalho) denúncias de empresas encaminhando trabalhadores para protestos.
Se a empresa quiser fechar as portas e dispensar seus empregados no dia de um ato, por exemplo, ela pode, mas não pode obrigá-los a participar de quaisquer ações.
Entidades nacionais, como CNI (Confederação Nacional da Indústria) se manifestaram contrárias aos protestos.
A CNI afirmou que é "veementemente contrária a qualquer manifestação antidemocrática que prejudique o país e sua população".
Matéria publicada originalmente na Folha UOL
Movimentos negro e indígena defendem demarcação de terras e luta contra o racismo na COP-27
Brasil de Fato
A Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27), iniciada neste domingo (6) no Egito, vai contar com a participação de diversos militantes brasileiros. Entre eles estão delegações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Coalizão Negra por Direitos e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
A COP também contará com a presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que aceitou os convites de governadores da Amazônia Legal e da presidência egípcia para participar do evento.
A Apib tem como pauta central a demarcação de Terras Indígenas (TIs) no país. A associação afirma que as TIs "são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas, visto que são territórios protegidos e manejados pelos povos originários".
"Se a gente fala de justiça climática, a gente não pode esquecer dos povos indígenas e da justiça social. Nós, povos indígenas, temos responsabilidade nessa proteção", afirma Wal Munduruku, umas das participantes da cúpula.
Para ela, a presença de Lula no evento é uma oportunidade. "A gente precisa fazer urgentemente com que ele [Lula] assuma esse compromisso de demarcação de terras e de não liberação de mineração em territórios indígenas", defende.
A importância da manutenção dos territórios já existentes e da demarcação de novas terras indídenas pode ser demonstrada com dados. Um cruzamento de informações realizado pela APIB em 2022, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam), com dados do MapBiomas, aponta que no Brasil 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das mesmas o desmatamento é de apenas 2%.
Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB, vai participar do painel "Transição governamental e política socioambiental brasileira" no dia 9 de novembro.
Movimento negro
A comitiva da Coalizão Negra por Direitos leva à COP-27 a denúncia sobre o racismo ambiental que existe no Brasil. Entre os principais pontos da pauta do grupo estão a redução das desigualdades para que o país alcance a justiça ambiental, implantação de metas ambientais que levem em conta as ameaças à população negra, a valorização dos territórios quilombolas e a escuta das pautas do Sul Global.
Matéria publicada originalmente no Brasil de fato
Nas entrelinhas: A democracia precisa de um estadista na Presidência
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Se quiser melhorar sua governabilidade, Lula terá que incorporar os partidos democráticos que não o apoiaram no primeiro turno, em vez de jogá-los no limbo, como linha auxiliar do bolsonariso
A linha de força da montagem do governo Lula, para que realmente seja um governo de ampla coalizão democrática, diante da margem estreita de sua vitória no segundo turno e da envergadura e poder de mobilização da oposição bolsonarista, é a velha política de conciliação. Não se pode inventar uma “nova política” para lidar com a necessidade de defesa da democracia e suas instituições e montar uma equipe ministerial em condições adequadas de governabilidade. O modus operandi será parecido com o do primeiro governo Lula, com a diferença de que a política com os governadores deverá ser ainda mais ampla e a incorporação institucional dos partidos. A força de Lula no Nordeste é a chave para a construção das alianças necessárias.
A velha política de conciliação, para frustração dos novidadeiros, é uma herança do Segundo Império, que se impôs na política nacional historicamente, como uma forma de resistência das forças políticas que controlam o Estado brasileiro, em razão do seu patrimonialismo e clientelismo. Mesmo depois da Proclamação da República, na qual o positivismo se disseminou como ideologia dominante, a conciliação foi a força hegemônica no parlamento brasileiro. Foi assim com o governo Bolsonaro, que evitou um impeachment graças às alianças que fez com o Centrão, e não será muito diferente no governo Lula. Se quiser melhorar a qualidade de sua governabilidade, Lula terá que incorporar também os partidos democráticos que não o apoiaram no primeiro turno, em vez de jogá-los no limbo, como uma oposição moderada, pois serão, inevitavelmente, linha auxiliar do bolsonarismo, com discurso mais corrosivo.
Um velho político conservador do Império, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), o Marquês de Paraná, é o tataravô dessa criança. A maioria dos políticos de hoje nem ouviu falar dele, mas é um sobrenome que até hoje frequenta o nosso parlamento, como outros representantes do velho patronato brasileiro. Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado e na Câmara, que pleiteiam a continuidade no comando das duas casas, são legítimos representantes dessa tradição política, enraizada no Nordeste brasileiro e em Minas Gerais. Obviamente, o presidente eleito Lula poderia confrontá-los, e articular outros nomes para comandar o Congresso, mais seria um erro crasso, o mesmo cometido pela presidente Dilma Rousseff. Se perder, a derrota poderá lhe custar o mandato.
Governadores
Olhar para o passado não custa nada, até porque a serventia da História só existe quando precisamos lidar com ela no presente. Carneiro Leão era um político do Regresso Conservador, que não conseguiu conter a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul) nem evitar a eclosão da Sabinada (Bahia), da Balaiada (Maranhão) e da Cabanagem (Pará). A consequência foi a antecipação da maioridade de D. Pedro II, um golpe contra a Constituição articulado pelos liberais. Por isso mesmo, não houve imediato retorno à normalidade. Em 1841, o chamado Gabinete da Maioridade foi substituído pelo Gabinete Palaciano, de tendência regressista, que reformou o Código de Processo Criminal e restaurou o Conselho de Estado, símbolo do despotismo monárquico. Em 1º de maio de 1842, a Câmara Legislativa, de maioria liberal, foi dissolvida.
Isso provocou revoltas nas províncias de Minas Gerais e São Paulo contra o Gabinete Palaciano. Houve choques militares em São Paulo; em Minas Gerais, os liberais, denominados de luzias, advogavam que a luta era em prol da “Constituição do Império” e defendiam a descentralização. A última revolta provincial, entretanto, eclodiu em 7 de novembro de 1848, em Pernambuco: a Revolução Praieira, duramente reprimida. A consolidação do Segundo Reinado se deu porque o Marquês do Paraná, em 1853, para evitar conflitos políticos que remontassem aos anos de 1830 e 1840, resolveu acalmar as ruas e buscar uma aproximação com os liberais. Para convencer membros do Partido Liberal a aderir ao Gabinete da Conciliação, promoveu uma ampla reforma eleitoral, aprovada em 1854, com o voto distrital, que favoreceu a eleição de representantes de minorias políticas; e as incompatibilidades, que impediam a eleição de funcionários públicos nos distritos onde exercessem suas funções. Nas eleições de 1856, houve uma renovação de 67% dos políticos, o chamado Renascer Liberal. A política de conciliação, porém, sempre foi muito criticada desde aquela época. O deputado Holanda Cavalcanti, liberal pernambucano, de chacota, dizia que “não há nada mais parecido com um saquarema do que um luzia no poder”.
Na República, permaneceu sendo uma fórmula eficaz em todos os momentos de crise, em que a democracia esteve em jogo. Quando a política não deu conta do recado, houve rupturas: 1889, 1930 e 1964. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para justificar sua aliança com o que chamava de “atraso”, mandava seus ministros lerem Um estadista no Império, de Joaquim Nabuco, o mais ardoroso defensor da “ponte de ouro” entre liberais e conservadores, para que entendessem sua conturbada relação com o falecido senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), o grande líder conservador do Senado. De certa forma, com sinal trocado, Lula da Silva repetiu a estratégia, em aliança com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Está na hora de reinventá-la, com novos atores, como Simone Tebet e os governadores Eduardo Leite (RS), Raquel Lira (PE), Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG) e Cláudio Castro (RJ), para isolar o golpismo.
Cristovam Buarque – Lula: três pontes
Cidadania23 | Cristovam Buarque*
Lula está na história do Brasil como o líder sindical de origem pobre, que chega à Presidência e se afirma como um dos grandes presidentes da nossa República. Com sua eleição para o terceiro mandato, ele se transforma no maior sucesso eleitoral entre todos os políticos brasileiros, até hoje e por muitas décadas no futuro. Pode ser também o maior de nossos presidentes ao construir três pontes de que o Brasil carece.
A primeira ponte é para recuperar a unidade política e emocional entre os brasileiros e construir coesão nacional. Estamos divididos regionalmente, religiosamente, racialmente e até na preferência musical. Um país dividido em partes que se rechaçam e até se odeiam. Lula tem o desejo, a responsabilidade e a competência de reunificar o Brasil. Seu discurso na hora da vitória foi no sentido de voltar o diálogo, fazer com que famílias e amigos conversem sobre política e futuro sem rancor e sem distanciamento; que católicos e evangélicos se sintam igualmente cristãos e respeitem judeus, muçulmanos, espíritas, umbandistas, budistas e ateus; que nenhum brasileiro deixe de respeitar a outro por causa de seu gênero ou sua orientação sexual, seu partido político ou o líder de sua preferência; todos solidários na brasilidade e no humanismo.
A segunda ponte é social, entre as partes historicamente apartadas, que sempre dividiram o país entre escravos e libertos, índios e europeus, brancos e negros, sobretudo entre pobres e ricos, no sistema de apartheid social, nossa apartação brasileira. Por suas políticas sociais em favor dos pobres, Lula é chamado de Mandela do Brasil. Ainda mais por ter saído da prisão para ser eleito presidente, sem rancor e com discurso de unidade. Ele é o único brasileiro com condições de ser o condutor da “desapartação”: abolir a segregação social que joga 100 milhões de pessoas na pobreza e aprisiona centenas de milhares em condomínios cercados, deixando outros sem saber de que lado ou em que Brasil viverão seus filhos. Tudo indica que a ponte social virá da escola de qualidade igual para todos.
Nos dois governos anteriores, Lula implantou programas que permitiram aumentar o número de universitários, muitos que antes nem sonhavam com essa chance. Agora, Lula é o único que tem condições de implantar a grande reforma capaz de eliminar o analfabetismo de adultos e garantir que todo brasileiro tenha chance de concluir o ensino médio com qualidade, fazendo um país alfabetizado para a contemporaneidade. Nenhum outro político brasileiro tem liderança para assegurar um sistema escolar com a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da família: não mais escolas senzala e escolas casa grande. A educação de base deve ser uma questão nacional e federal, de responsabilidade do presidente, independentemente do município da criança. A ponte social deve eliminar todos os deficits sociais, fazendo com que nenhum brasileiro seja condenado a sobreviver abaixo de um piso da pobreza. Além do pilar da educação de base, a ponte social requer reajuste do salário mínimo acima da inflação, a retomada do crescimento, um grande programa de emprego para aqueles que a economia formal não absorve, a garantia de água e esgoto em todas as moradias, o financiamento para a construção de casas.
A terceira ponte é em direção ao desenvolvimento eficiente, justo, sustentável, para o Brasil ser uma nação rica, protagonista no mundo, conforme nosso tamanho geográfico, demográfico e econômico. Lula tem vocação, legitimidade e competência para trazer coesão no presente e orientar o rumo ao futuro. Definir as bases necessárias para termos uma economia eficiente, graças à previsibilidade e à confiabilidade que ele mesmo cita como os fundamentos da economia. Para isso, certamente repetirá a responsabilidade fiscal que caracterizou seus dois governos, investirá para aproveitarmos a janela de oportunidade que a crise ecológica oferece, e a grande janela de oportunidade que surgirá de uma população educada para os tempos atuais, com produtividade econômica, capacidade de inovação, competitividade internacional e participação social e política, além de criação cultural. Lula pode trazer o entendimento para um novo tipo de desenvolvimento, onde a superação da pobreza, o fortalecimento da democracia e a conservação da natureza, especialmente a Amazônia, sejam vistos como propósitos. Lula tem o preparo para aproveitar a terceira eleição e construir as três pontes de que o Brasil precisa. (Correio Braziliense – 02/11/2022)
*Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)
Artigo publicado no portal Cidadania23
Com a vitória de Lula, quais são as perspectivas para os BRICS?
Brasil de Fato | Michele de Mello
A eleição de Luiz Lula da Silva para presidir o Brasil movimentou a diplomacia global. Em menos de 24 horas da divulgação do resultado oficial, Lula recebeu a visita do presidente argentino Alberto Fernández e felicitações de todos os chefes de Estado e de governo da América Latina. Além do reconhecimento regional, os líderes das maiores potências econômicas mundiais também manifestaram sua disposição em trabalhar com o presidente eleito.
O mandatário chinês, Xi Jinping, que também acaba de ser reeleito para assumir um terceiro mandato, disse que a China está pronta "para trabalhar com Lula para fortalecer conjuntamente a parceria estratégica global China-Brasil para um novo nível, de modo a beneficiar os dois países e dois povos".
O mandatário russo, Vladimir Putin também parabenizou o petista e disse que espera garantir, através de esforços conjuntos, "o desenvolvimento de uma cooperação construtiva russo-brasileira em todas as áreas", publicou em comunicado na segunda (31).
Com o alinhamento do Brasil, Rússia e China pode abrir-se um novo período de cooperação interna no BRICS, bloco criado em 2009, durante o segundo mandato de Lula, entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Durante a última Cúpula Anual dos BRICS, em junho deste ano, o presidente chinês, Xi Jinping, anunciou um fundo de US$ 4 bilhões (cerca de R$ 20 bilhões) para a cooperação Sul-Sul, prometendo a abertura de um centro tecnológico para avançar nos mecanismos da chamada revolução 4.0 e a abertura de um laboratório, com sede no território chinês, para desenvolvimento de medicamentos de interesse comum do bloco.
Leia também: Brics voltam a defender "discussões" sobre expansão do bloco
As diretrizes do 14º Plano Quinquenal chinês, que será aplicado até 2025, preveem o financiamento de projetos de economia verde na América Latina, por meio dos seus “Policy banks”, China Development Bank e China Eximbank.
O encarregado de negócios da embaixada chinesa no Brasil também disse que Pequim está disposta a diversificar o comércio, aumentando o valor agregado das importações brasileiras. Desde o boom das commodities, em 2003, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, e responde pela compra de 70% da soja cultivada no país.
"Temos condição de melhorar nossa relação com a China, mas diante da ausência de um projeto político mais claro, diante da diferença de poder bélico, dos investimentos em tecnologia, e da diferença do nível de poder sobre a politica econômica, eu sou cético sobre uma inserção diferente do Brasil no mercado internacional, a não ser que apostemos todas as fichas no desenvolvimento tecnológico", destaca ao Brasil de Fato o economista Francisco Pessoa.
Para a diretora do BRICS Policy Center da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Ana Saggioro Garcia, dificilmente a China abandonará a importação de commodities, já que o agronegócio brasileiro é o único capaz de produzir alimentos na escala demandada pelo mercado chinês.
"Uma alternativa para a inserção da América Latina nos mercados globais de valor seria o ideal, mas os fluxos de comércio e investimento que a China traz são todos voltados para a indústria extrativa ou para a cadeia do agronegócio", afirmou.
:: 'Estamos em uma fase de turbulência, mas também cheia de esperanças', diz MRE da China na ONU ::
As previsões do BRICS Policy Center, indicam que as exportações de proteína animal e grãos da região para a China tendem a aumentar, em função do crescente alargamento da classe média chinesa. O Plano Quinquenal prevê saltar de 400 milhões para 700 milhões de pessoas consideradas de "classe média".
O economista Francisco Pessoa concorda: "precisamos pensar numa estratégia de inserção autônoma. Não podemos contar com a boa vontade dos nossos parceiros, porque são relações de conveniência. O que realmente norteia a decisão dos importadores chineses por um mercado ou outro vai ser ver quem está vendendo mais barato, por mais que haja uma boa vontade do governo chinês em relação ao Brasil".
A volta dos governos do PT no Brasil poderia ser o estímulo que faltava para garantir a expansão do bloco. A Argentina já formalizou seu pedido de ingresso e a visita de Fernández a Lula pode apontar esse interesse mútuo.
"A meu ver não há grande mudança do bloco em si, mas a mudança de um governo que dará mais importância estratégica ao BRICS", destaca Ana Saggioro Garcia.
Relações ambíguas
Apesar das relações tensas do ponto de vista diplomático entre Brasil e China, durante o início do governo de Bolsonaro, o país não perdeu espaço dentro da gestão econômica do bloco, conseguindo nomear o brasileiro Marcos Troyjo para presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco dos BRICS, e manter nove projetos apoiados pela entidade bancária, sendo o país com maior acesso a financiamento.
"É impressionante como Bolsonaro utilizou o banco do BRICS a seu favor sem que houvesse qualquer constrangimento", comenta a professora Ana Saggioro Garcia. Em 2019, além de nomear Troyjo para a presidência do NBD, o governo brasileiro também garantiu financiamento para a mineradora Vale, no mesmo ano do crime de Brumadinho.
Para a pesquisadora esta seria mais uma evidência de que não se pode afirmar que os BRICS são uma aliança contra-hegemônica.
"A aliança entre China e Rússia dá esse caráter de um BRICS mais geopolítico, o que não é anti-hegemônico, porque a disputa por hegemonia significa que estes países criaram formas de convencimento no aspecto cultural e isso não acontece. O modelo chinês ou o modelo russo não necessariamente conquistam corações e mentes pelo mundo", destaca.
Saiba mais: Biden mira competição com China e Rússia
No entanto, para a diretora do BRICS Policy Center, uma postura mais altiva do Brasil poderia ser decisiva para colocar fim à guerra na Ucrânia.
"O ideal é que o conflito cessasse, mas para isso é necessário um mediador. Hoje não há esse mediador de peso em um nível internacional. Ninguém tem essa legitimidade no momento, a ONU não está agindo nesse sentido, e o Brasil de Lula poderia assumir esse papel", defende Ana Saggioro Garcia.
O grupo, criado em 2009, representa hoje 26% do PIB global, 20% do comércio internacional e concentra cerca de 42% da população mundial. De 2016 para cá, com o golpe sobre Dilma Rousseff, apesar da continuidade das atividades do grupo, alguns projetos foram engavetados, como a criação de uma universidade conjunta.
Durante 2022, foram realizados cerca de 50 encontros para debater áreas como tecnologia, segurança e comércio. Além da Argentina, México, Irã e Nigéria são alguns dos países que já expressaram seu interesse de aderir ao Brics. No entanto, a admissão deve ser por consenso de todos os membros.
Edição: Arturo Hartmann
Matéria publicada originalmente no portal Brasil de Fato
Pressionado, Bolsonaro pede fim dos bloqueios em rodovias
DW Brasil
Depois de três dias de protestos nos quais manifestantes da extrema direita bloquearam estradas em diferentes partes do país, o presidente Jair Bolsonaro veio a público nesta quarta-feira (02/11) para pedir para que seus apoiadores desobstruíssem as rodovias.
Grupos bolsonaristas descontentes com a derrota do atual mandatário para Luiz Inácio Lula da Silva, no último domingo, vêm impedindo o tráfego em várias estradas pelo país. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) disse ter multado 2,9 mil motoristas que bloqueavam as rodovias. Até esta quarta-feira, o valor total das multas chegou a 18 milhões de reais.
Em mensagem de vídeo divulgada no canal da Presidência da República no YouTube e por aliados do presidente, Bolsonaro fez um apelo para que os manifestantes desobstruíssem as estradas. "Isso daí, no meu entender, não faz parte de manifestações legítimas", disse Bolsonaro.
"Então tem que respeitar o direito de outras pessoas que estão se movimentando, além de prejuízo à nossa economia", afirmou.
Bolsonaro se disse "tão chateado e tão triste" quanto seus apoiadores pela derrota nas urnas, mas pediu que eles tenham "a cabeça no lugar". "Tem algo que não é legal: o fechamento de rodovias pelo Brasil prejudica o direito de ir e vir das pessoas, está lá na nossa Constituição e sempre estivemos dentro das quatro linhas", afirmou.
Ele destacou que as manifestações são espontâneas e legítimas, desde que não afetem o direito de ir e vir das outras pessoas. "Proteste de outra forma, em outros locais, que isso é muito bem-vindo, faz parte da nossa democracia."
A PRF informou que o número de estados com estradas bloqueadas caiu para 14 na noite desta terça-feira.
Pressão dos aliados
Após se manter calado por quase 48 horas na esteira da derrota para Lula, Bolsonaro fez um rápido pronunciamento no Palácio do Alvorada nesta terça-feira, onde reclamou de "injustiças" que teria sofrido na campanha eleitoral, mas não pediu claramente o fim dos protestos nas estradas.
O presidente em fim de mandato vinha sendo pressionado por várias frentes, inclusive por alguns de seus aliados mais próximos, para que viesse a público pedir a liberação das rodovias.
Governadores que o apoiaram em sua tentativa frustrada de reeleição atuaram em seus estados para liberar as estradas.
Rodrigo Garcia (SP), Claudio Castro (RJ) e Romeu Zema (MG) seguiram a determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e ordenaram às polícias militares de seus estados que agissem para desobstruir as rodovias.
O governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi um dos que trabalhou para convencer Bolsonaro a fazer uma manifestação de pacificação e pedir publicamente para que os manifestantes liberassem as estradas.
Matéria publicada originalmente no portal DW Brasil
Lula x Bolsonaro trouxe elementos inéditos para livros de história, dizem especialistas
Reinaldo José Lopes | Folha UOL
Não é mero exagero retórico classificar a eleição presidencial de 2022 como um momento sem precedentes da história brasileira. Segundo cientistas políticos e historiadores entrevistados pela Folha, a disputa entre Bolsonaro e Lula se caracterizou por uma série de elementos inéditos e mostrou como os últimos anos transformaram profundamente o cenário eleitoral do país.
"Não se parece com nada" do que se viu em outras eleições presidenciais democráticas no Brasil, diz Vitor Marchetti, professor do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da UFABC (Universidade Federal do ABC).
Algumas dessas novidades podem dar a impressão de ser meros detalhes. Foi, por exemplo, a primeira vez em que dois presidentes da República democraticamente eleitos, entre eles o atual ocupante do cargo, enfrentaram-se diretamente, e a primeira vez que um presidente conquista um terceiro mandato.
De quebra, desde que reeleições presidenciais se tornaram uma possibilidade, um presidente no poder nunca tinha perdido a chance de um segundo mandato, como aconteceu com Jair Bolsonaro.
"Também é a menor diferença de votos de todos os tempos entre os candidatos no primeiro e no segundo turno, embora, nesse caso, a nossa série histórica seja muito curta", pondera ele. Por fim, o país continuou a bater seu recorde de eleições democráticas para presidente (33 anos de 1989 a 2022, contra o intervalo bem mais curto de 1945 a 1964).
Além dessas peculiaridades estatísticas, no entanto, a eleição de 2022 mostra "os eleitores migrando para outro tipo de lógica", diz o pesquisador da UFABC. Mas a mudança não tem a ver exatamente com a intensa polarização dos votantes.
"Já tivemos polarizações tão fortes quanto a atual antes, como a que existiu entre os varguistas [partidários de Getúlio Vargas] e os antivarguistas, ou entre os eleitores de Juscelino Kubitschek e seus adversários", analisa Ricardo Duwe, doutorando em história pela Universidade Federal de Santa Catarina e apresentador do podcast Estação Brasil. "Polarizações são esperadas e até positivas em regimes democráticos."
Para Duwe, entretanto, o atual pleito, assim como o de 2018, recuperou um elemento da política brasileira que tinha ficado esquecido após o desmantelamento do integralismo, principal movimento fascista brasileiro dos anos 1930.
"Só naquela época é que a extrema direita do Brasil tinha conseguido se transformar num movimento de massa, com forte participação popular e liderança carismática", explica ele.
"Depois disso, nós sempre tivemos políticos de direita bastante carismáticos, como [o presidente da República] Jânio Quadros. Mas eles sempre tentaram restringir a participação popular de massa às eleições. O voto era visto como a única chancela necessária para eles, e fora disso não havia razão para a população participar da política. O bolsonarismo inverte essa lógica por ser um movimento de massa que, ironicamente, colocou em dúvida a legitimidade das eleições."
Marchetti afirma que, em vez de uma polarização partidária, como a que opôs PT e PSDB ao longo dos anos 1990 e das primeiras décadas do século 21 nas eleições presidenciais, o correto agora é falar de uma polarização afetiva, muito distante da lógica dos partidos.
Lula e Bolsonaro em campanha no 2º turno
"Nosso presidencialismo favorece as disputas concentradas em personalidades. Só se mantém competitivo quem consegue fazer isso, criando uma linha direta com o eleitor", diz ele.
"É a primeira vez que tivemos os dois principais candidatos com forte conexão popular. Quando isso aconteceu antes? Jamais. Antes de 1989, os candidatos eram sempre da elite civil ou militar", analisa o jornalista Rodrigo Vizeu, autor do livro "Os Presidentes" e criador do podcast Presidente da Semana, publicado pela Folha.
"Só agora, aos 77 anos, Lula enfrentou e derrotou um candidato que também tem estilo popular."
Para Vizeu, o fato tem tudo para ser "desanimador para terceiras vias de terno e gravata e discurso manso, acostumadas a ar condicionado e cadeiras acolchoadas".
"A última vez que o Brasil elegeu um presidente com perfil de elite foi em 1998, com FHC. Há um quarto de século. Então, parecem-me desafiadoras as perspectivas de membros da elite que sonhem em vestir em si mesmos a faixa presidencial."
Outro elemento que distinguiu a eleição presidencial de 2022, de acordo com Marchetti, é a mobilização do interior do país em favor de ambas as candidaturas, em contraposição às capitais.
"A mobilização de massa era mais comum nas grandes cidades, por conta da complexidade das questões nesses centros. Agora, a gente vê a mobilização do interior do Nordeste e do Centro-Oeste, por exemplo, onde Lula e Bolsonaro, respectivamente, chegaram a obter 90% ou mais dos votos."
Para a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, ainda não está claro se a atual polarização terá consequências de longo prazo para o eleitorado.
"Vimos duas grandes rejeições organizando os eleitores, mais do que convergências. Analisando respostas em pesquisas de opinião sobre o posicionamento dos eleitores que apoiaram os dois candidatos, notamos que eles não foram drasticamente diferentes", argumenta.
"Claro que as vitórias de candidatos muito alinhados com Bolsonaro nas eleições legislativas nos fornecem indícios de um eleitor de direita mais conservador, mas isso não corresponde à maior parcela da sociedade, ou algo próximo a 50% do eleitorado."
Segundo a pesquisadora, é possível defender que os resultados deste ano foram cruciais para a manutenção da democracia inaugurada com a Constituição de 1988, e também para políticas públicas como a proteção ambiental, que corriam riscos caso Bolsonaro fosse reeleito.
Matéria publicada originalmente na Folha UOL
Nas entrelinhas: Protestos antidemocráticos de Finados foram jus espernandis
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense
No mundo jurídico, o equilíbrio entre a existência de recursos e o retardamento de decisões judiciais é uma questão polêmica e sempre atual, porque estão em jogo a segurança jurídica e a efetividade da justiça. A tensão ocorre entre o inconformismo psicológico natural de quem perde a demanda e o atraso na solução da disputa, mas evita que erros sejam perpetuados em razão da suposta infalibilidade do julgador. A expressão jus esperneandis vem daí. No jargão jurídico, é um falso latinismo, que alude ao espernear de uma criança inconformada com uma ordem dos pais. O excesso de recursos às decisões, porém, pode ser classificado como litigância de má-fé.
A analogia serve para avaliar as manifestações dos partidários do presidente Jair Bolsonaro às portas dos quarteis realizadas ontem. Foram protestos claramente antidemocráticos, que contestavam os resultados das urnas de domingo, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da República pela terceira vez. Não aceitar o resultado oficial das eleições e até dele recorrer é um direito eleitoral garantido, mas o presidente Jair Bolsonaro não o fez. Em qualquer caso, a decisão final caberia à Justiça, a mesma que proclamou o resultado das urnas. Entretanto, conclamar os militares a intervirem na vida política, rasgarem a Constituição e manterem Bolsonaro no poder pela força é crime. Ou seja, os protestos foram pacíficos, mas suas intenções são criminosas.
Em se tratando de uma eleição tão disputada, de um cenário tão polarizado e de um resultado muito apertado, porém, os protestos podem ser considerados um jus espernandis de militantes bolsonaristas inconformados com a derrota. Não é bem o caso dos bloqueios feitos por caminhoneiros nas estradas, que exigiram uma enérgica intervenção do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e ações repressivas da maioria dos governadores, inclusive os aliados de Bolsonaro. Entretanto, houve uma sucessão encadeada de ações de caráter nacional desde o dia das eleições que sinaliza a existência de uma coordenação política entre os setores envolvidos e que precisa ser investigada, sobretudo se os protestos se prolongarem além do que seria compreensível.
O fato de Polícia Rodoviária federal (PRF) e a Polícia Militar, em muitos estados, terem sido excessivamente operacionais no dia da eleição, retardando o acesso de eleitores às seções eleitorais, e absurdamente omissas no dia seguinte às eleições, no sentido de coibir os bloqueios de estradas de caminhoneiros, não passou despercebido de ninguém. As manifestações de ontem deram sequência a essas ações, somente não coincidindo porque os bloqueios foram dissolvidos pelas autoridades constituídas.
O silêncio de Bolsonaro em relação à vitória de Lula e sua solidariedade aos manifestantes, no lacônico pronunciamento que fez na terça-feira, também se enquadra na categoria do “jus esperneandis”, mas seu envolvimento ou omissão na continuidade desse tipo de protestos daqui até a posse do novo presidente eleitora caracterizariam uma conspiração. Até as emas do Palácio do Alvorada sabem que Bolsonaro não confia nas urnas eletrônicas e tem a intenção de fazer uma oposição sistemática e implacável ao novo governo, em nome dos 58 milhões de eleitores que gostariam que permanecesse no governo.
Ampla coalizão
Essa não é uma situação trivial, porque o novo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, enfrentará uma oposição muito forte no Congresso e uma correlação de forças na sociedade que tende a se alterar na medida em que as expectativas sobre suas promessas de campanha forem frustradas. É meio inevitável um período difícil de governabilidade, com um governo em minoria no Congresso e com baixa aprovação na opinião pública.
Nesse aspecto, Lula parece ter se espelhado na experiência do governo Dilma Rousseff. Os problemas da ex-presidente da República com sua base começaram nos bastidores do PT, quando anunciou que faria uma “faxina” no governo, e se ampliaram logo na primeira reunião de sua coordenação de governo, quando deixou de fora do seu estado-maior o então vice-presidente Michel Temer (MDB). De certa forma, a indicação do vice-presidente Geraldo Alckmin para coordenar a equipe de transição do governo revela a intenção de formar uma ampla coalizão de governo, com efetivo compartilhamento do poder.
Há uma realidade política nesse momento de transição que precisa ser devidamente considerada: assim como o bolsonarismo raiz não tem força para manter coesa a base eleitoral de Bolsonaro, que tende a se desagregar com a derrota, o petismo sozinho também não tem força para manter Lula no poder, o que é uma lição do impeachment da presidente Dilma Rousseff que precisa ser bem assimilada. Lula deve ampliar seu governo a ponto de incorporar setores do atual governo que estão disposto a participar da nova base governista no Congresso.
O presidente do PP, Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, contraface de Alckmin no atual governo para efeito da transição administrativa, não é apenas um interlocutor burocrático, é um articulador político que joga junto com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), candidato à reeleição na próxima legislatura. Lula não pode repetir o erro de Dilma Rousseff no episódio da eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) à Presidência da Câmara. Está em curso uma operação política muito complexa, que pode garantir ou não a estabilidade política do governo Lula nos dois primeiros anos de mandato.
Noruega anuncia que vai desbloquear Fundo Amazônia após vitória de Lula
Redação | Deutsche Welle
Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência do Brasil, a Noruega afirmou nesta segunda-feira (31/10) que irá reativar o Fundo Amazônia, que foi suspenso pelo país em 2019, depois do aumento no desmatamento e de mudanças promovidas no governo do presidente Jair Bolsonaro.
"Tivemos uma colaboração muito boa e próxima com o governo antes de Bolsonaro, e o desmatamento no Brasil caiu muito sob a presidência de Lula. Depois tivemos a colisão frontal com Bolsonaro, cuja abordagem era diametralmente oposta em termos de desmatamento", explicou o ministro norueguês do Meio Ambiente, Espen Barth Eide.
A Noruega era a maior doadora do fundo, tendo, entre 2008 e 2018, repassado 1,2 bilhão de dólares para a iniciativa, que paga para o Brasil prevenir, monitorar e combater o desmatamento. A Alemanha era o segundo maior doador e também suspendeu os repasses.
Sob o governo de extrema direita de Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia cresceu 70%, um nível que Eide descreveu como "escandaloso". Ele destacou ainda que a Noruega considerou a ênfase dada por Lula à proteção da floresta e dos povos indígenas.
Segundo o ministro norueguês, o fundo tem hoje cerca de R$ 2,5 bilhões não utilizados. Ele anunciou que pretende entrar em contato com a equipe de Lula o mais rapidamente possível para preparar a retomada da cooperação.
Fundo está paralisado desde agosto de 2019
A Noruega suspendeu os repasses à iniciativa em agosto de 2019, após o governo Bolsonaro extinguir unilateralmente dois comitês que eram responsáveis pela gestão do fundo, rompendo o acordo entre os países que definia as regras do projeto. A verba era administrada por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do BNDES.
O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez na ocasião críticas à gestão do fundo e acusações genéricas de irregularidades em organizações não-governamentais, rechaçadas pela Noruega. Salles também desejava usar parte dos recursos para indenizar proprietários que vivem em áreas incluídas em unidades de conservação da Amazônia, o que hoje não é permitido.
A interrupção dos repasses ocorreu em meio à alta do desmatamento da Amazônia, que o governo norueguês entendeu como falta de interesse de Brasília em conter o desmate ilegal da floresta.
Planos para o futuro do fundo
Se o Fundo Amazônia for retomado, as verbas poderiam ser usadas para restaurar estruturas de governança ambiental enfraquecidas durante o governo Bolsonaro, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, que representa 65 organizações não-governamentais ambientalistas do Brasil.
Por exemplo, "o dinheiro deveria ser usado para financiar operações de campo das polícias local e federal para combater crimes ambientais", como a mineração ilegal e o corte de madeira, disse Astrini.
Em seguindo, as transferências de recursos para o fundo devem voltar a ser vinculadas aos resultados apresentados pelo Brasil no combate ao desmatamento, para funcionarem como incentivo para proteger a Amazônia, afirmou Anders Haug Larsen, chefe de políticas públicas da organização Rainforest Foundation Norway.
Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato