Festival de Brasília do Cinema Brasileiro começa nesta segunda-feira (14); confira programação
G1 DF
O 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, considerado o mais longevo do país, começa nesta segunda-feira (14) e vai até o dia 20 de novembro. Ao todo, são 42 filmes selecionados, entre curtas e longas-metragens (veja quais são ao final da reportagem). As sessões acontecem todos os dias, até 19 de novembro, às 20h30.
Além das mostras competitivas, duas mostras paralelas de longas-metragens, sessões hors-concours e sessões ao homenageado da edição, Jorge Bodanzky, fazem parte da programação. Oficinas e debatem também foram anunciados.
- Veja aqui os detalhes da programação
" A edição de 2022 está focada no retorno ao ambiente de exibições presenciais e na reconstrução de políticas do audiovisual brasileiro", diz a organização do festival.
Mostra Brasília
Cena do filme Capitão Astúcia, participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução
Entre os longas da Mostra Competitiva Nacional foram selecionadas duas produções do Distrito Federal, feito inédito na história do festival:
- "Mato seco em chamas", de Adirley Queirós e Joana Pimenta, é uma obra futurista que explora os impactos da presença da extrema-direita em ambientes de favela;
- "Rumo", de Bruno Victor e Marcus Azevedo, fala sobre a trajetória de implementação das cotas raciais em universidades brasileiras.
Também foram selecionados quatro longas e oito curtas-metragens produzidos no Distrito Federal para disputar os 13 troféus Candango e os R$ 240 mil em prêmios concedidos pela Câmara Legislativa do DF, incluindo R$ 100 mil para o melhor longa e R$ 30 mil para o melhor curta, pelo júri oficial.
Na categoria júri popular, o longa vencedor receberá R$ 40 mil e o curta ficará com R$ 10 mil.
Filmes selecionados
Cena do Filme 'Espumas ao Vento', participante da Mostra Nacional — Foto: Reprodução
Mostra Competitiva Nacional – Longas
- Mato seco em chamas (DF): direção de Adirley Queirós e Joana Pimenta
- Espumas ao vento (PE): direção de Taciano Valério
- Rumo (DF): direção de Bruno Victor e Marcus Azevedo
- Mandado (RJ): direção de João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes
- Canção ao longe (MG): direção de Clarissa Campolina
- A invenção do outro (SP/AM): direção de Bruno Jorge
Mostra Competitiva Nacional – Curtas
- Big bang (MG/RN): direção de Carlos Segundo
- Ave Maria (RJ): direção de Pê Moreira
- Nossos passos seguirão os seus… (RJ): direção de Uilton Oliveira
- Anticena (DF): direção de Tom Motta e Marisa Arraes
- Calunga maior (PB): direção de Thiago Costa
- Sethico (PE): direção de Wagner Montenegro
- Escasso (RJ): direção: Encruza – Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles
- São Marino (SP): direção de Leide Jacob
- Capuchinhos (PE): direção de Victor Laet
- Nem o mar tem tanta água (PB): direção de Mayara Valentim
- Um tempo para mim (RS): direção de Paola Mallmann de Oliveira
- Lugar de Ladson (SP): direção de Rogério Borges
Mostra Brasília – Longas
Cena do filme 'O Pastor e o Guerrilheiro', participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução
- Capitão Astúcia: direção de Filipe Gontijo
- Profissão livreiro: direção de Pedro Lacerda
- Afeminadas: direção de Wesley Godim
- O pastor e o guerrilheiro: direção de José Eduardo Belmonte
Mostra Brasília – Curtas
- Desamor: direção de Herlon Kremer
- Super-Heróis: direção de Rafael de Andrade
- Plutão não é tão longe daqui: direção de Augusto Borges e Nathalya Brum
- Manual da pós-verdade: direção de Thiago Foresti
- Tá tudo bem: direção de Carolina Monte Rosa
- Virada de jogo: direção de Juliana Corso
- Levante pela Terra: direção de Marcelo Cuhexê
- Reviver: direção de Vinícius Schuenquer
Sessões especiais
Cena do filme 'Quando a Coisa Vira a Outra' — Foto: Reprodução
- Quando a coisa vira outra (DF): direção de Marcio de Andrade
- Diálogos com Ruth de Souza (SP): direção de Juliana Vicente
Mostra Reexistências
- O cangaceiro da moviola (MG/RJ): direção: de Luís Rocha Melo
- Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor (RJ): direção de Luis Carlos de Alencar
- Uýra – A retomada da floresta (AM): direção de Juliana Curi
- Cordelina (PB): direção de Jaime Guimarães
Mostra Festival dos Festivais
- A filha do palhaço (CE): direção de Pedro Diógenes
- Três tigres tristes (SP): direção de Gustavo Vinagre
- Fogaréu (GO): direção de Flávia Neves
Homenagem Jorge Bodanzky
- Distopia utopia: direção de Jorge Bodanzky
- Compasso de espera: direção de Antunes FIlho
- Amazônia, a nova Minamata? direção de Jorge Bodanzky
Matéria publicada originalmente no G1
Brutalidade da eleição brasileira como artigo de exportação?
Alexander Busch | DW Brasil
As eleições no Brasil detiveram por enquanto a crescente tendência de erosão das democracias no Ocidente. Esse é um sinal importante vindo do quinto maior país do mundo. Apesar da campanha eleitoral brutal, dos campos adversários irreconciliáveis e das muitas tentativas de declarar de antemão a invalidade das eleições, as instituições democráticas do Brasil resistiram. Logo após o fechamento das urnas, o resultado da eleição já era conhecido. Em comparação: nas eleições de meio de mandato nos EUA, o resultado final só deve ser conhecido dias depois.
No Brasil, logo após a divulgação dos resultados, os líderes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal declararam que a eleição ocorreu de forma limpa e que não havia motivos para contestar o resultado. Os militares se comportaram de forma neutra. Ao mesmo tempo, as burocracias e os políticos de Brasília começaram tranquilamente a se preparar para a transferência de poder.
Mesmo que os radicalizados apoiadores de Bolsonaro continuem acreditando em fraude eleitoral, os políticos eleitos do campo bolsonarista não os levam tão a sério. Inúmeros apoiadores influentes do presidente derrotado, dos setores político, econômico e social – mesmo as eminências pardas evangélicas – pediram o fim dos protestos.
Mesmo que a transição de poder até 1º de janeiro de 2023 ainda possa ser acidentada, a democracia brasileira provou ser dinâmica. A guinada à direita que ocorreu na sociedade brasileira nos últimos anos agora também chegou ao Congresso e às instituições.
Material de estudo para política, Justiça e imprensa
Diferente do que pode ser observado em algumas democracias ao redor do mundo – na Europa, por exemplo – o sistema político do Brasil está se mostrando integrador. Novos protagonistas têm a chance de ganhar o controle do poder político por meio de eleições democráticas. A democracia brasileira mostra uma permeabilidade que não muitos sistemas possuem.
No entanto, essa eleição me preocupa: temo que estrategistas eleitorais da nova direita em todo o mundo olhem de perto a campanha eleitoral de 2022 no Brasil – para copiá-la no futuro. O uso das mídias sociais tanto pela equipe de campanha de Bolsonaro quanto pela de Lula atingiu um novo nível de agressividade e brutalidade, inimaginável pouco tempo atrás.
Sobretudo os 28 dias que antecederam o segundo turno mostraram um uso assustador de fake news nas mídias sociais difícil de imaginar na Europa e nos EUA. As autoridades eleitorais tentaram aplicar as lições das últimas eleições. O Judiciário agiu com mais rapidez e veemência do que até pouco atrás se esperaria. Nas últimas semanas, no entanto, mostrou-se parcialmente impotente nas reações à campanha eleitoral suja.
Todos os partidos tradicionais europeus, os órgãos judiciais relevantes e a mídia não só da Europa como também da América Latina devem estudar cuidadosamente as estratégias de campanha das últimas semanas no Brasil. É previsível que as próximas eleições também sejam brutais em outros Estados democráticos.
____________
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Artigo publicado originalmente no DW Brasil
Governador bolsonarista: Lula não é de direita ou esquerda, é do povo
Tácio Lorran | Metrópoles
Enviado especial à Sharm El-Sheikh – Governadores da Amazônia que declararam apoio à reeleição de Jair Bolsonaro (PL) indicaram estar dispostos a trabalhar junto ao novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reduzir o desmatamento ilegal na região. Eles ponderam, contudo, que políticas do agronegócio não podem ser deixadas de lado.
O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), afirmou que Lula não é presidente de esquerda ou de direita, mas, sim, do povo brasileiro.
“A eleição acabou. Desci do palanque e estou pronto para ajudar no que for necessário. Temos as políticas ambientais e as políticas do agronegócio”, afirmou Cameli, nesta segunda-feira (14/11), durante a 27º edição da Conferência das Partes das Nações Unidas (COP27), realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito.
Por sua vez, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União), pontuou que quando alguém se elege para um cargo público, a Constituição e a legalidade passam a ser a grande baliza.
“A eleição terminou. Quando eu ganhei a eleição, 15 prefeitos me apoiaram. Nesta reeleição, eu tive apoio de 140 prefeitos. Espero que daqui a um tempo o presidente Lula possa ter o apoio de todos – vai ser um sinal de que ele vai governar para todos e não somente para aqueles que o elegeram”, acrescentou Mendes.
Ambos os governadores declaram apoio a Bolsonaro nas últimas eleições.
O consórcio interestadual da Amazônia Legal tem um hub próprio na COP27. Nesta quarta-feira (16/11) o espaço terá a presença do Lula, que receberá uma carta dos governadores da região. O documento está em fase de finalização.
“Essa carta vai trazer, em linhas gerais, uma proposta de uma visão que possa representar esse novo momento que o Brasil vai viver, mas, acima de tudo, que possa garantir o respeito à Amazônia e a todos nós que vivemos naquela parte do país. Preservar nós queremos, mas queremos também que o povo da Amazônia possa tero direito de continuar crescento e se desenvolvendo”, disse o governador do Mato Grosso.
*O repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (ICS)
Matéria publicada originalmente no Metrópoles
"Desafios para valorização de povos tradicionais" é tema da redação do Enem
Brasil de Fato
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano é ‘Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil", conforme divulgou o ministro da Educação, Victor Godoy, em seu perfil no Twitter, logo após o início da prova, neste domingo (13).
Além da redação, os estudantes respondem 90 questões sobre Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Considerada uma das maiores dificuldades da prova para a maioria dos estudantes, a redação pode ser um diferencial no resultado geral. Quem zera a redação, por exemplo, não pode participar do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que possibilita a entrada em instituições públicas de ensino superior, nem do Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsa de estudos em instituições privadas de ensino superior.
::Descaso do (des)governo Bolsonaro com a educação é o pior da história brasileira::
A redação do Enem obedece a uma estrutura básica que consiste na apresentação do tema, defesa de um ponto de vista baseada em argumentos e, por fim, uma proposta de intervenção social para o problema apresentado no desenvolvimento do texto.
Essas e outras orientações para produzir uma boa redação estão na Cartilha do Participante. Disponibilizada pelo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a cartilha explica os critérios de correção e mostra exemplos de redações que receberam a nota máxima com o intuito de ajudar os candidatos a se prepararem para a prova.
Cada prova de redação do Enem passa por dois corretores que atribuem uma nota entre 0 e 200 pontos para cada uma das cinco competências avaliadas:
- Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa;
- Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa;
- Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista;
- Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação; e
- Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
A nota final será a média aritmética das notas totais atribuídas pelos dois avaliadores. Caso haja diferença de mais de 100 pontos em relação à nota total da prova ou de mais de 80 pontos em relação a alguma das competências, o texto passa, de forma independente, por um terceiro corretor.
::Chegou a hora do Enem 2022; confira as dicas para fazer a prova neste domingo (13)::
A nota final será a média aritmética das duas notas totais que mais se aproximarem. Se a discrepância persistir, a prova é avaliada por uma banca composta por três professores, que atribuirá a nota final do participante.
Erros
Segundo a Cartilha do Participante, a redação receberá nota 0 (zero) se apresentar uma das características abaixo:
- Fuga total ao tema;
- Não obediência ao tipo dissertativo-argumentativo;
- Extensão de até́ 7 (sete) linhas manuscritas, qualquer que seja o conteúdo, ou extensão de até 10 (dez) linhas escritas no sistema Braille;
- Cópia de texto(s) da Prova de Redação e/ou do Caderno de Questões sem que haja pelo menos 8 linhas de produção própria do participante;
- Desenhos e outras formas propositais de anulação, em qualquer parte da folha de redação (incluindo os números das linhas na margem esquerda);
- Números ou sinais gráficos sem função evidente em qualquer parte do texto ou da folha de redação (incluindo os números das linhas na margem esquerda);
- Impropérios e outros termos ofensivos, ainda que façam parte do projeto de texto;
- Assinatura, nome, iniciais, apelido, codinome ou rubrica fora do local devidamente designado para a assinatura do participante;
- Texto predominante ou integralmente escrito em língua estrangeira;
- Folha de redação em branco, mesmo que haja texto escrito na folha de rascunho; e
- Texto ilegível, que impossibilite sua leitura por dois avaliadores independentes.
Enem 2022
Nos dias 13 e 20 de novembro, participam do Enem 2022 cerca de 3,4 milhões de estudantes em todo o país. As provas de linguagens, ciências humanas e redação estão agendadas para o primeiro dia. Já no segundo, é a vez de matemática e ciências da natureza. As edições anteriores do Enem estão disponíveis no site do Inep, para quem deseja ainda se preparar para as provas.
O Enem oferece vagas para estudantes no ensino superior público, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu); para bolsas em instituições privadas, através do Programa Universidade para Todos (ProUni), e também é parâmetro para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
Edição: José Eduardo Bernardes
Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato
Nas entrelinhas: O legado de Mitterand e o dilema de Lula
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense
François-Maurice-Marie Mitterrand (1916-1996) nasceu em Jarnac e estudou direito e letras na Universidade de Paris. Durante a II Guerra Mundial, foi integrante da Resistência Francesa, movimento de oposição ao nazismo. Deputado de 1946 a 1958, no ano seguinte elegeu-se senador. Em 1965, como candidato único dos partidos de esquerda, obteve 44,8% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais, vencida por Charles de Gaulle. Secretário do Partido Socialista desde 1971, disputou novamente a Presidência em 1974 e foi derrotado por Valéry Giscard d’Estaing. Entretanto, o derrotou nas eleições de 1981 e se tornou primeiro socialista a chegar à Presidência da França.
Mitterrand entusiasmou os eleitores oferecendo a possibilidade de rompimento com o capitalismo. Destacou-se por tomar medidas estatizantes e fazer reformas sociais, mas, em consequência da crise econômica mundial, não conseguiu reduzir o desemprego e controlar a alta dos preços. O mercado reagiu fortemente a sua política e descobriu-se, então, que o poderoso Estado nacional francês já não controlava a economia. Para evitar a fuga de capitais, Mitterand foi obrigado a recuar, combater a inflação e priorizar a integração com a Comunidade Econômica Europeia, que daria origem à União Europeia, sua grande bandeira na política externa.
Mesmo assim, dois anos depois de sua eleição, os conservadores venceram as eleições legislativas, o que obrigou Mitterrand a governar com o gaullista Jacques Chirac como primeiro-ministro. Não obstante, em 1988, foi eleito para um segundo mandato, marcado pela mudança de três primeiros-ministros e pelo crescimento da extrema-direita. Ao final de dois mandatos à frente do país, crises econômicas sucessivas, medidas de austeridade, o fracasso dos programas de nacionalização e o alinhamento da França a uma Europa liberal e de moeda única, o eleitorado popular absorveu esses acontecimentos como uma renúncia e, até mesmo, uma traição à população mais necessitada.
Mitterrand fora forçado a abandonar o programa socialista e se render ao projeto liberal de Helmut Kohl, eleito primeiro-ministro alemão em 1982. No processo de modernização que promoveu entre 1980 e 1995, os capitalistas, principalmente quem aplicou seu dinheiro em ações, se deram muito bem, obrigado. O valor médio das ações francesas atingiu em 1995 um nível sete vezes mais alto do que em 1980. Enquanto isso, o salário anual do operário francês subiu pouco mais de 5% nesse mesmo período. Houve uma quase estagnação salarial no meio operário nos 15 anos de presidência de Mitterrand.
Acerto de contas
Em contrapartida, o sistema de proteção social, a educação nacional e os transportes geridos pelo setor público francês se mantiveram e se modernizaram. Mitterrand conseguiu abolir a pena de morte; nacionalizar cinco grupos industriais e 39 bancos; estabelecer a aposentadoria aos 60 anos; descriminalizar a homossexualidade; promover o fim do monopólio estatal da radiodifusão; inaugurar o Musée d’Orsay, o Instituto do Mundo Árabe, a pirâmide do Louvre e a pedra fundamental da Biblioteca Nacional da França; reforçar a relação franco-alemã; consolidar a Comunidade Europeia; e criar a União Europeia com a assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992.
Várias medidas sociais foram ratificadas, como a que pôs fim ao registo de homossexuais e retirou a homossexualidade da lista de perturbações mentais. O governo também introduziu a passagem da maioria sexual para 15 anos para todos, abolindo a distinção introduzida em 1942 — e confirmada em 1945 — na idade do consentimento entre relações homossexuais e heterossexuais. O estilo de vida homossexual deixou de ser uma cláusula de cancelamento de um arrendamento residencial.
O legado de Mitterand é polêmico. Motiva um acerto de contas entre a esquerda herdeira de Maio de 68, que aposta na sociedade civil, no multiculturalismo e nos mecanismos de mercado (gauche sociétale), e a esquerda estatista (gauche étatique), baseada nas doutrinas da Frente Popular (1936-1937), na intervenção estatal, no jacobinismo centralista e na aliança entre comunistas e socialistas, defendida e praticada por Mitterrand. Enquanto se digladiava, o mundo mudou e a esquerda se tornou culturalmente minoritária. Ao deslocar o debate da questão social para a questão identitária, os intelectuais de esquerda já não conseguem mais mobilizar a sociedade, enquanto os trabalhadores abandonam os sindicatos e buscam refúgio no populismo de extrema-direita.
A política norte-americana e nossos vizinhos sul-americanos — Argentina, Chile, Venezuela e Colômbia — são pontos de referência para as análises comparativas com a política brasileira, mas vale a pena um olhar em direção à experiência francesa. O primeiro mandato de Mitterrand serve de parâmetro para compreender o tamanho do dilema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesse terceiro mandato. A reação do mercado ao seu discurso de quarta-feira e à indefinição sobre o futuro ministro da Fazenda não deve ser vista apenas como uma chantagem barata dos grandes grupos econômicos ou mera especulação de espertalhões que operam na Bovespa. Há muito mais coisas envolvidas. Uma delas é encontrar um meio termo entre a agenda econômica liberal e o nacional-desenvolvimentismo da esquerda, para que o novo governo enfrente o problema das desigualdades, mas não jogue a criança fora com a água da bacia.
"A extrema direita no Brasil não é só o bolsonarismo"
Guilherme Henrique | DW Brasil
A presença de grupos de extrema direita em frente a quartéis espalhados pelo Brasil e em estradas país afora é parte de uma dinâmica social que está cada vez mais independente da figura de Jair Bolsonaro (PL), derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais deste ano.
A avaliação é de Letícia Cesarino, antropóloga, professora e pesquisadora na Universidade Federal de Santa Catarina e autora de O Mundo do Avesso: Verdade e Política na Era Digital (Ubu Editora), publicado no fim de outubro. O livro analisa o ecossistema das redes que desde as eleições de 2018 e o surgimento de uma nova forma de organização política a partir da internet.
Em entrevista à DW Brasil, Cesarino ressaltou que o discurso que impulsionou Jair Bolsonaro ao poder se complexificou e se solidificou ao longo dos últimos quatro anos, "tornando-se cada vez mais autônomo" em relação à figura do atual presidente. "Há uma camada de influenciadores inseridos nesse ecossistema impulsionados pelos algoritmos. A extrema direita não é só o bolsonarismo."
Ela também ressalta que integrantes de grupos radicais de extrema direita, imersos em uma espiral de mentiras e informações falsas sobre a política do país, precisam ser submetidos a uma 'dieta de mídia'. "Quem está no nível seita, o mais radicalizado, só com desprogramação. É muito difícil você reverter esse quadro. Um pressuposto é que você precisa tirar a pessoa desse ambiente das redes e o acesso a esse conteúdo", ponderou.
DW Brasil: A rede de informações do bolsonarismo mudou ao longo dos últimos quatro anos ou ele se alimenta dos mesmos expedientes?
Letícia Cesarino: Ela é mais complexa e multiplataforma. Talvez o termo correto nem seja rede, mas ecossistema, a partir do volume e das várias camadas na internet. Existe a superfície, que são as redes sociais, os canais de YouTube abertos, até as camadas mais subterrâneas, dentro de aplicativos de mensagens como Whatsapp, Telegram e Kwai, e outros mais alternativos, como o Gettr. Então, se em 2018 nós tivemos algo como uma explosão de informação e de discurso político antissistema e extremista, hoje o que nós temos é uma rotinização e uma perenização desse tipo de discurso. Ele é auto-sustentável, tem seus influenciadores, canais próprios e formas de monetização. As pessoas que atuam nesse tipo de mídia não precisam mais acessar o público convencional.
Permanente no sentido de ter mais durabilidade e fortalecido?
São grupos de Whatsapp que abrem e fecham, influenciadores que crescem e depois diminuem o seu alcance. O Allan do Santos, por exemplo. Foi muito importante em um momento, mas foi investigado, o [site do blogueiro] Terça Livre acabou e outros atores assumiram esse espaço. Há uma dinâmica sistêmica e estável. Os seguidores do Jair Bolsonaro e os eleitores de extrema direita têm para onde ir. Uma dieta de mídia que é só deles e está separada do público convencional.
Como você define o termo populismo digital e como ele se insere na realidade brasileira a partir do que temos visto nesse período pós eleição?
Essa categoria do populismo é mais próxima do que aconteceu em 2018, quando se tinha esse modelo mais clássico de liderança populista que irrompe na esfera pública e galvaniza aquele sentimento de insatisfação e esperança. Nós ainda temos elementos de populismo no discurso de "nós contra eles", de uma suposta elite cultural, econômica, midiática e antissistema. Mas isso se tornou mais difuso e com uma fusão dessa dinâmica alternativa da realidade misturada às teorias da conspiração. Houve uma mudança desse populismo.
É uma parcela da população que está separada do público convencional e que recebe uma uma dieta de narrativas distintas da nossa, mas que ao mesmo tempo depende também dessa relação de oposição. É uma dependência contraditória, onde se produz uma realidade invertida. Nesses segmentos mais extremos, eles olham para o nosso público e identificam uma visão golpista contra o Bolsonaro e a implementação de um Estado autoritário. E nós olhamos essas manifestações com a lente do golpismo democrático.
Esse 'espelho invertido' está baseado no subterrâneo da internet, especialmente nos grupos Telegram. Na medida em que esse ecossistema vai se aproximando do público de superfície, o discurso mais extremista se atenua. Você não vai encontrar um posicionamento tão explícito sobre intervenção militar na Jovem Pan. O que há é uma dúvida sobre o processo eleitoral, que acaba funcionando como algo complementar e que ajuda a conturbar a situação.
A figura do Jair Bolsonaro deixou de ser fundamental para o bolsonarismo nas redes?
Acredito que menos do que antes, porque em 2018 ele teve esse papel central de agregar em um nível virtual mais amplo uma diversidade de insatisfações que estavam fragmentadas, como o lavajatismo e o movimento pró-impeachment. As pessoas não se reconheciam com conservadoras ou pertencentes a uma extrema direita nacionalista. Mas, à medida que esse discurso bolsonarista foi se rotinizadno, a identidade foi se consolidando e o ecossistema se complexificou, acredito que ele esteja se tornando cada vez mais autônomo em relação ao Bolsonaro. Há uma camada de influenciadores inseridos nesse ecossistema impulsionados pelos algoritmos. A extrema direita no Brasil não é só o bolsonarismo.
Agora, o Bolsonaro deixar o poder significa que eles perdem essa figura que faz a mediação entre o público convencional e a extrema direita mais radical. Ele conseguia pautar a imprensa, a grande mídia, e o seu público fiel ao mesmo tempo. A chegada de uma outra força ao governo muda essa dinâmica, ainda que seja difícil prever o resultado disso neste momento.
Como se explica o nível de imersão visto por alguns bolsonaristas em uma realidade totalmente paralela à que temos visto atualmente?
Acredito que o que está havendo agora, e que não acontecia antes, é que essas multidões que iam às ruas apoiar as manifestações pró-governo, como no 7 de setembro, mostravam a diversidade do público bolsonarista. A passagem da multidão online para o offline refletia o espectro mais amplo desse grupo político, com aqueles que pediam a intervenção militar e também quem defendia pautas mais moderadas. Ele teve 58 milhões de votos e nem todos são fanáticos.
O que nós temos agora são só os radicais. São sectários e conspiratórios, presos à ideia de um complô. Eles não conseguem aceitar outra definição de povo que não seja a deles. E esse ambiente foi sendo criado ao longo dos últimos anos em mídias diversas, baseados sempre nas mensagens de viés de confirmação. A ideia é sempre reforçada. São vários níveis de ficção transformados em realidade orquestradas por influenciadores que segmentam as redes e as mensagens.
Como esses influenciadores atuam e qual o tipo de segmentação?
As pessoas nas manifestações ou na esfera bolsonarista não são iguais. Há uma grande massa de usuários que recebem, recirculam e mimetizam o conteúdo. E existem os influenciadores, uma parcela menor de usuários, que propõem narrativas, fazem vídeos e distribuem nas redes. Alguns são influenciadores de plataformas abertas, em canais no Youtube e grupos do Telegram. Mas há, sobretudo no Telegram, aqueles que estão camuflados. Eles se colocam como pessoas comuns e fazem um trabalho de distribuição de conteúdo e direcionamento da narrativa. Por exemplo: depois do primeiro pronunciamento do Jair Bolsonaro após a derrota para o Lula ficou uma sensação de dubiedade sobre o que deveria ser feito. É para ir para a rua? Para o quartel? E existem essas figuras que em pouco tempo conseguem direcionar o fluxo e a ação dos usuários. Não é aleatório. São como tradutores dessa realidade paralela.
Há como resgatar pessoas que estão no nível mais submerso de distorção da realidade?
Quem está no nível seita, o mais radicalizado, só com desprogramação. É muito difícil você reverter esse quadro. Um pressuposto é que você precisa tirar a pessoa desse ambiente das redes e o acesso a esse conteúdo, algo como diversificar a dieta de mídia, porque em alguns casos eles recebem notícias da TV Globo, da Folha de S.Paulo, mas sempre com uma leitura oposta à realidade. Entre os radicais, não dá para ser pontual. Não adianta mostrar uma checagem, porque o olhar é de manipulação. Os radicais são sectários e precisam ser empurrados para a franja, com uma diminuição quantitativa dos atores nas redes.
Quais são os padrões de dinâmica nas redes inerentes ao Bolsonarismo que se repetem em outros países?
Há um contexto político. A infraestrutura das redes têm um papel preponderante, porque existem muitas similaridades em países completamente distintos, como Índia e Brasil, que compartilham esse fenômeno que alguns chamam de "tecnopopulista" na internet. É claro que o caso norte-americano acaba sendo mais próximo, porque há uma troca de informações entre a "Alt Right" e a extrema direita brasileira. E acredito que haverá uma perenização desse grupo similar ao que houve nos EUA, que não deixou de existir só porque o Trump perdeu a eleição.
Em todos os países há uma relação muito próxima entre um aplicativo de mensagens, geralmente o Telegram, e o YouTube, que é um repositório de informações. E o Google não faz esforço que deveria para coibir a disseminação de mentiras, também porque é fácil camuflar mentiras em um vídeo de 2h. É diferente do Twitter, onde o espaço é muito curto. Mas mesmo assim o Google precisa fazer mais.
A atuação das plataformas é problemática?
Ainda está muito aquém. Houve um pequeno avanço, que é o reconhecimento do problema. As principais plataformas têm buscado algum diálogo, mas isso só aconteceu porque essa questão ocupou os holofotes no debate público. Às vezes, fico com a sensação de que as empresas fazem o mínimo só para ter o que mostrar. E assim não fazem o que de fato precisa ser feito. Em março, o Alexandre [de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral] ameaçou com um bloqueio ao Telegram e a plataforma respondeu e depois eliminou alguns grupos. Mas a atuação ainda tem sido com base na ameaça.
Como avalia a atuação do ministro Alexandre de Moraes?
Polêmica. Ele mantém uma ancoragem na institucionalidade e não acho que seja só punitivista. Mas ele tem um braço mais incisivo que os demais juízes. E acredito que os colegas do Supremo e do TSE dão um backup nesse sentido. Importante ressaltar que nós estamos em um estado de exceção, iniciado na pandemia e que se perpetua no período eleitoral. Esse estado não é só pela forma como a direita age, mas pelo ambiente criado nas novas mídias. Existem os termos de uso, mas eles dizem pouco sobre o controle das redes.
Então, esse controle precisa vir de fora, não tem outro jeito. E nós não temos uma legislação ou uma regulação robusta. O Alexandre de Moraes tomou para si essa tentativa de controle indireto. E, às vezes, quando se é ignorado como aconteceu com o Telegram, foi necessário uma ameaça de bloqueio. E aí a plataforma responde. Ele tem combinado as duas coisas: a institucionalidade com as leis que existem e uma forma mais direta para coibir excessos. É um mal necessário, porque ele está sabendo jogar esse jogo muito mais que os outros ministros. Mas, no médio prazo, não é o ideal.
*Matéria publicada originalmente no DW Brasil
Cidadania vai apoiar governo Lula em um primeiro momento
Fábio Zanini | UOL
O Cidadania decidiu apoiar formalmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso, ao menos em um primeiro momento.
"O partido entende esse governo como de superação de riscos da democracia. Então vai dar o apoio necessário durante esse processo", diz o presidente nacional do partido, Roberto Freire.
Em termos práticos, isso significa que os cinco deputados federais e a única senadora da legenda, Eliziane Gama (MA), vão fazer parte da base de apoio parlamentar do governo. A própria senadora faz parte da equipe de transição de Lula.
Segundo Freire, num segundo momento haverá uma análise sobre as políticas do governo em diversas áreas para uma definição sobre a continuidade ou não desse apoio. "É difícil dizer quanto tempo isso levará", declarou.
Também não haverá objeção caso algum quadro do Cidadania seja convidado para fazer parte do governo. "Quem indica é o presidente. Não sou da tese de que o partido indica, como se o partido fosse mandar no ministério", disse.
O Cidadania faz parte de uma federação com o PSDB, que já declarou postura de independência do governo Lula. Em tese, os dois partidos deveriam se comportar como uma legenda só, mas Freire não vê problema.
"Estamos juntos com o PSDB nos governos de Eduardo Leite (RS) e Raquel Lyra (PE), mas nesse caso cada um tem seu próprio tempo", disse.
Matéria publicada originalmente na Folha UOL
Forças Armadas: em defesa do povo e contra excessos de autoridades e manifestantes
O Antagonista
Em nota conjunta divulgada hoje, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica afirmaram que sempre atuarão “em defesa do povo” e condenaram excessos de autoridades e manifestantes.
O texto é subscrito pelo almirante de esquadra Almir Garnier Santos, comandante da Marinha; pelo general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército, e pelo tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica.
Na nota, eles dizem que a “solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do Estado Democrático de Direito” e que “as Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional”.
Após a derrota de Jair Bolsonaro para Lula na eleição, apoiadores do atual presidente que não aceitaram o resultado da eleição passaram a bloquear estradas e se reunir em frente a quartéis do país. Nos protestos, bolsonaristas têm defendido uma intervenção militar no país.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, tem determinado a dispersão dos protestos com uso das políticas, a investigação de seus organizadores e censura a perfis nas redes que instigam o movimento.
Leia a íntegra da nota das Forças Armadas:
“Às Instituições e ao Povo Brasileiro
Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.
A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: ‘Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais’.
Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.
A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do Estado Democrático de Direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que ‘Dele’ emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.
Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.
A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.
Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.”
Matéria publicada originalmente em O Antagonista
Receio de “revogaço” após posse de Lula provoca corrida armamentista
Thalys Alcântara | Metrópoles
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições provocou apreensão em atiradores e donos de clubes de tiros, com a promessa da revogação dos decretos de Jair Bolsonaro (PL) que facilitaram a compra de armas de fogo no país.
Cotado para ser ministro da Justiça, o senador eleito Flávio Dino (PSB) disse ao Metrópoles que, além do fim dos decretos pró-armas, a eventual derrubada das normas deverá implicar a retirada de circulação dos armamentos que passarão a ser ilegais. Dino sugeriu que o novo governo pode oferecer algum “crédito tributário” para quem devolver um revólver, uma pistola ou carabina.
A reportagem conversou com integrantes do mercado de armas que relataram uma corrida por armamentos e munições, já que a nova legislação deve limitar a quantidade que cada atirador pode comprar.
Hoje em dia, por exemplo, um Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) tem autorização para ter 60 armas, sendo 30 de calibre permitido e 30 de calibre restrito. Com a queda dos decretos, o número total seria de no máximo 16, dependendo do nível de experiência do CAC.
No governo Bolsonaro, CACs podem andar com armas de cano curto caso estejam a caminho de clubes de tiro. Com a derrubada da legislação bolsonarista, esse chamado “porte em trânsito” teria fim.
O número de brasileiros com registro de CAC aumentou 472,6% nos últimos quatro anos, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A quantidade de registros de clubes de tiros saltou de 163, em 2018, para 348, em 2021, um aumento de 113%, como mostrou a coluna do Rodrigo Rangel em reportagem de setembro.
Venda simplificada
“Virou uma corrida armamentista louca agora. O povo está estocando munição, enchendo o paiol”, relata Leder Pinheiro, dono de um estande de tiro em Goiânia (GO).
Em aplicativos de mensagem, há um fluxo de vendedores informais. A venda é feita de CAC para CAC. Nesse tipo de transação, o pagamento é realizado por Pix e a arma é transferida no prazo de 15 dias. O tempo para comprar um armamento novo é mais demorado.
“Está todo mundo correndo atrás – quem já tem CR (permissão) – para comprar arma direto de CAC. Se comprar arma do zero, eu creio que não dá mais tempo”, diz um morador do Distrito Federal ouvido pela reportagem, que tentava vender uma pistola 9 mm pelo WhatsApp.
O empresário Weber Melo, que é atirador desportivo na categoria tiro de precisão, também disse ter percebido essa corrida. “A população sentiu-se ameaçada de ter cerceado o direito à compra de uma arma de fogo”, explica.
Sergio Bitencourt, presidente da Confederação Brasileira de Tiro Defensivo e Caça (IDCS), declarou que os armamentistas estão apreensivos com a mudança de governo. “Tem gente que está comprando mais munição para ter estoque. Tem outros que falam: ‘não vou comprar nada enquanto não tiver definição’.”
Pontos mais doídos
A proibição de andar armado, o chamado “porte em trânsito”, é um dos pontos mais “doídos” para os armamentistas, segundo o youtuber pró-armas Tony Santtana explicou em um de seus vídeos.
“Dói muito, a pancada é grande.” Disse o influencer em vídeo da semana passada.
Potência
O outro ponto “doído”, segundo Santtana, é a volta da proibição de alguns tipos de armas, que têm maior poder de fogo, como pistolas e carabinas 9 mm, .40SW e .357. A compra de fuzis por CACs já havia sido suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro.
“Bolsonaro aumentou a potência dessas armas permitidas em até quatro vezes”, explicou Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz e autor do livro Arma de fogo no Brasil: gatilho da violência.
Sobre o “porte em trânsito”, Langeani defendeu que isso deve afetar de forma positiva a segurança da população, com a volta da proibição clara de ter pessoas andando armadas na rua, o que afeta brigas de trânsito e entre vizinhos, por exemplo.
“Muita gente que se diz CAC, na verdade, só se colocou esse rótulo de atirador esportivo pela vontade de andar armado. Não é a pessoa que de fato quer fazer um lazer no clube de tiro e quer competir. É uma distorção do sistema”, definiu Langeani.
Negociação
O youtuber armamentista Santtana disse que está tentando se reunir com um dos deputados que participa da transição do governo. O objetivo é salvar parte dos decretos pró-armas de Bolsonaro.
Santtana defende, por exemplo, que se mantenha “pelo menos a 9 mm”. A pistola G2C da Taurus (9 mm) se espalhou pelo mercado, segundo o armamentista.
Armas continuam
Essa proibição de alguns calibres mais potentes valeria apenas para quem tem permissão de posse de arma concedida pela Polícia Federal (PF). Antes de Bolsonaro, a legislação já possibilitava que CACs adquirissem armas de calibres restritos, que têm a permissão concedida pelo Exército.
“As pessoas compravam armas antes do governo Bolsonaro existir”, lembrou Bruno Langeani. O número de registros de armas para Colecionadores, Atiradores e Caçadores, por exemplo, já vinha crescendo no governo petista e de Michel Temer.
E há mudanças que os próprios armamentistas não se preocupam tanto. Um exemplo é a quantidade total de armas que pode ser comprada por cada CAC, que, com o fim dos decretos, passaria de 60 para no máximo 16, como era a regra antes de Bolsonaro. A esmagadora maioria das pessoas que compram armas adquirem apenas uma, segundo Langeani.
“Quem está se beneficiando mais fortemente é o crime organizado. São eles que têm dinheiro para comprar todo esse limite [de armas] e depois desviar”, resumiu o gerente do Sou da Paz.
Matéria publicada originalmente no Metrópoles
Tranquilidade após vitória de Lula é traiçoeira
Philipp Lichterbeck -ColunaCartas do Rio | DW Brasil
Joe Biden disse a seguinte frase: "A democracia não pode sobreviver quando um dos lados acredita que há apenas dois resultados para uma eleição: ou eles vencem ou foram enganados." Ele falava sobre os Estados Unidos, mas poderia facilmente estar se referindo ao Brasil.
A boa notícia é que até agora a democracia brasileira sobreviveu à ameaça bolsonarista. As instituições do país estão funcionando. Os militares não estão interessados em aventuras. Grande parte da elite política tem mais interesse na estabilidade e na continuidade do que em tumultos e ruptura. O que também tem a ver com o fato de que muitos políticos esperam receber cargos e vantagens em um novo governo. É o velho "toma lá dá cá", que deveria acabar, mas que continuará fazendo parte da realidade enquanto não houver uma reforma do sistema político.
Até mesmo Jair Bolsonaro parece ter se resignado amargamente à derrota. Isso depois de, aparentemente, esperar em vão durante dois dias por uma revolta popular (armada?) e relatos de fraude eleitoral que ele poderia ter explorado. Foi impressionante a rapidez com que ele foi abandonado por aliados como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Arthur Lira, que rapidamente perceberam que esta batalha estava perdida.
Discute-se orçamento em vez de "mamadeiras de piroca"
A maior parte da mídia noticiou os bloqueios em rodovias e protestos em frente a quarteis do Exército corretamente como "antidemocráticos". Apenas a Jovem Pan, com suas aspirações de virar a "Fox News do Brasil", afirmou que "o povo" rejeita Lula e agora estava levando "sua vontade" para as ruas. Como se o povo não tivesse acabado de expressar sua vontade nas urnas.
Agora, certa normalidade política retorna ao Brasil. Um sinal claro disso é a discussão sobre o orçamento para 2023, e não sobre "mamadeiras de piroca", "golden showers" ou "uma cara de homossexual terrível". Nesse processo torna-se claro quem realmente roubou do Estado brasileiro. Para garantir seu poder, Bolsonaro deixou um rombo de R$ 400 bilhões no orçamento e desmoralizou instituições construídas ao longo de muitos anos.
Os setores da educação, saúde e proteção ambiental estão em pior estado do que há quatro anos. O patriotismo de Bolsonaro, assim como a sua afirmação de fé cristã, nunca foram substanciais, mas meramente retóricos. A verdadeira bandeira de Bolsonaro não é a brasileira, mas a de seu clã.
Exemplo do trumpismo
Muitos brasileiros estão aliviados com o fim do pesadelo dos constantes tumultos, insultos e escândalos. Mas essa tranquilidade é uma ilusão.
Está de volta uma rotina que os bolsonaristas não querem de modo algum. Eles se veem como um movimento revolucionário e disruptivo contra um establishment de esquerda, que domina as instituições, o Judiciário, a mídia e as universidades. A Jovem Pan, portanto, está certa sobre uma coisa: este movimento fanático nunca aceitará Lula, e sim afirmará para sempre que Lula é o maior ladrão da história e que não deveria ter recebido permissão para concorrer novamente à Presidência.
Tão inteligente e eloquente quanto pouco escrupuloso e perigoso, uma figura como o deputado federal eleito Nikolas Ferreira já anunciou que seu principal objetivo será causar problemas e atrapalhar. O novo governo deve ser obstruído da forma mais brutal possível.
O modelo vem dos EUA, onde o trumpismo sequestrou o Partido Republicano e o transformou em um instrumento de fanatismo religioso, separatismo e irracionalidade. O trumpismo não é patriótico, como alega, mas uma ameaça à democracia e à unidade dos Estados Unidos, que correm o risco de se desintegrar se Trump continuar a ter sucesso.
A narrativa da fraude eleitoral já circula no Brasil: Bolsonaro se tornou vítima de uma conspiração que ninguém pode provar, mas da qual os bolsonaristas estão firmemente convencidos. A narrativa de ser vítima é central para todos os movimentos de extrema direita ao redor do mundo. Por quê? Porque se você é vítima, você tem o direito e até mesmo a obrigação de se defender.
Pode-se notar a profunda frustração por meio das postagens repletas de ódio contra moradores de favelas, nordestinos, negros e outros eleitores de Lula. Como se tivesse ocorrido uma grande injustiça que precisa ser revertida.
Lula pode pedir unidade, paz e reconciliação o quanto ele quiser. Ele e sua coalizão podem tentar voltar à política normal. Mas com estes extremistas não haverá unidade, paz, reconciliação e política normal.
--
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Matéria reproduzida do portal DW Brasil
“O bolsanarismo é um Frankenstein. Na linguagem antiga de Mao Tse Tung, ‘um gigante com pés de barro’”
Patrícia Fachin | Edição: João Vitor Santos - Instituto Humanos Unisinos
“A eleição significou, antes de tudo, a escolha, pelo povo brasileiro, da continuidade do processo civilizatório.” É assim que o professor e sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento define o desfecho do pleito no Brasil este ano. Porém, como muitos, acredita que essa vitória apertada de Lula nas urnas, a congregação de forças democráticas nesse processo, é apenas o início de um processo árido.
Na análise que faz em entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Elimar Pinheiro do Nascimento aponta que é fundamental buscarmos compreender essa força do bolsonarismo que, dada a expressiva votação, segue forte na sociedade. “A base eleitoral do Bolsonaro não é formada apenas por neofascistas ou grupos evangélicos fortemente conservadores. Esses são os mais visíveis, que não devem formar sem sequer metade de seu eleitorado”, diz. E acrescenta: “é um Frankenstein. Na linguagem antiga de Mao Tse Tung, ‘um gigante com pés de barro’. Por isso mesmo, a força do bolsonarismo pós-eleição vai depender das atitudes do próximo governo, das medidas que forem tomadas, do sucesso de suas políticas públicas, bem como das novas imagens projetadas no campo da política que serão recepcionadas pelos eleitores”.
Olhando para o processo como um todo, o entrevistado indica que as eleições revelam o esfacelamento da democracia. Basta ver as campanhas paupérrimas de propostas, recheadas de acusações que incitam as massas, as quais se movem mais como torcidas do que como cidadãos. “Não é que não existiram propostas. A verdade é que elas foram esmagadas pelas montanhas de ataques pessoais ao vivo ou em vídeos de ambos os lados. Nos debates, se fôssemos fazer um mapa de palavras, com certeza o maior destaque seria mentira/mentiroso”, exemplifica.
O entrevistado compreende que são sintomas que revelam a necessária reinvenção da democracia no século XXI. Para ele, a velha ideia de democracia que carregamos se exauriu por pelo menos três fatores. O primeiro está relacionado com os processos de globalização. “Esse processo tem afastado segmentos sociais significativos do acesso às benesses da globalização, desalojados dos eixos dinâmicos da economia, remetidos ao desemprego e à pobreza. Com isso, eles mudam de postura política, desconfiando das instituições democráticas e das elites no poder”, explica. O segundo fator resulta do fim da sociedade industrial, que muda a natureza dos partidos políticos. “Os partidos políticos de massa foram substituídos por outros tipos de partidos, que não mais exprimem o interesse de um determinado grupo social, mas servem de acesso de grupos difusos a benesses do estado”, observa. Por fim, “outro fenômeno que explica a atual crise da democracia é a queda do ritmo de crescimento econômico, particularmente no Ocidente”.
Porém, novamente o sociólogo aponta que o caminho é complexo e ter a clareza desses fatores é apenas o primeiro passo. O desafio é reinventar a democracia no século XXI, superando esses fatores que a levam ao esgotamento. Para tanto, tem uma intuição: “Criar mecanismos de participação e controle da sociedade sobre a classe política é um dos caminhos dessa reinvenção”.
Elimar Pinheiro do Nascimento (Foto: Arquivo pessoal)
Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo, com doutorado pela Universidade de Paris V. Também realizou pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Atua como professor dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – UnB e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. É pesquisador no Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS/UnB. Recentemente publicou, como coautor, Edgar Morin: um homem de muitos séculos. Um olhar latino-americano (São Paulo: SESC, 2022) e Temas intangibles sobre el medio ambiente en America Latina (Lima: Associacion Latinoamericanca de Sociologia, 2021. Vol. 1).
Confira a entrevista.
IHU – Qual o significado das eleições presidenciais de 2022? Que avaliação faz do resultado?
Elimar Pinheiro do Nascimento – A eleição significou, antes de tudo, a escolha, pelo povo brasileiro, da continuidade do processo civilizatório. Foi, em vista disso, uma vitória da democracia, que confrontou, cara a cara, as ameaças iliberais no decorrer de uma eleição inusitada em vários planos.
Entre essas peculiaridades, vivenciamos a disputa eleitoral com os resultados mais apertados da história recente do Brasil. Lula venceu contra a máquina estatal utilizada ao extremo e resistiu a medidas tomadas ao arrepio da lei. Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, garantindo eleições limpas e uma apuração rápida, foi, junto com o povo, o grande vencedor dessas eleições. Isso é motivo de orgulho para o país, pois outros países, como os Estados Unidos, não têm um sistema eleitoral confiável e ágil como o nosso.
Pela primeira vez, desde a instituição da reeleição no Brasil, um presidente foi derrotado. Isso não ocorreu com Fernando Henrique Cardoso, Lula ou Dilma. Nenhum deles conseguiu realizar este feito. Bolsonaro perdeu por causa do seu governo desastroso e dos erros de sua assessoria e apoiadores, sobretudo na última semana da campanha.
Bolsonaro perdeu por causa do seu governo desastroso e dos erros de sua assessoria e de apoiadores, sobretudo na última semana da campanha – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
Reconhecimento envergonhado e manifestações nas estradas
Foi também inusitada a demora do presidente em reconhecer o resultado das urnas. Bolsonaro demorou quase 48 horas para reconhecer sua derrota e o fez de forma oblíqua, envergonhada, implícita, cedendo à pressão de sua ala política, inclusive governadores e senadores eleitos com seu apoio. Eles pressionaram para que o presidente agradecesse os mais de 58 milhões de votos que obteve. Seu silêncio ensurdecedor contribuiu para que apoiadores mais exaltados e antidemocratas iniciassem um movimento de bloqueio das estradas, atingindo mais de mil pontos no país. Essa iniciativa contou com a complacência vergonhosa da cúpula da Polícia Rodoviária Federal, que desde domingo, 30 de outubro de 2022, assumiu um lado na disputa eleitoral, realizando blitz nas estradas, com o claro intuito de prejudicar os eleitores de Lula.
O objetivo das manifestações nas estradas foi o de iniciar o estopim de uma convulsão social. Os manifestantes conclamam uma intervenção militar, inutilmente. O insólito é que essa manifestação ocorre em um momento de claro isolamento do presidente Bolsonaro. Todas as autoridades públicas do TSE, Supremo Tribunal Federal – STF, da Câmara dos Deputados e do Senado reconheceram a vitória de Lula. Diversos adeptos do bolsonarismo, como o governador eleito de São Paulo e mesmo o de Santa Catarina, assim como senadores e ministros de seu governo, inclusive o vice-presidente, declararam aceitar o resultado das urnas, reconhecendo a vitória do Estado democrático de direito.
O insólito é que essa manifestação ocorre em um momento de claro isolamento do presidente Bolsonaro. Todas as autoridades públicas do TSE, STF, Câmara dos Deputados e Senado reconheceram a vitória de Lula – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
IHU – E esse reconhecimento da vitória de Lula veio com um apoio internacional impressionante, não?
Elimar Pinheiro do Nascimento – Sem dúvida. Todos os países, que têm alguma importância no mundo, reconheceram rapidamente o resultado do pleito. Até a Rússia e a Ucrânia, países envolvidos numa guerra, cumprimentaram o eleito.
O prestígio de Lula no exterior, que um dia foi chamado elogiosamente por Barack Obama de “o cara”, ficou comprovado não apenas pela rapidez com que todos os países reconheceram a sua vitória, mas também pelo fato de ter sido convidado para integrar a equipe de representantes do Brasil para a COP27, que está reunida no Egito, entre 6 e 18 de novembro, e para a reunião do G20, entre 15 e 16 de novembro deste ano. Portanto, antes mesmo de começar seu mandato como chefe de Estado, o candidato eleito à presidência Luiz Inácio Lula da Silva já vai participar de conferências internacionais, visando pôr rapidamente no esquecimento a fama de pária que o Brasil ganhou durante o governo Bolsonaro.
Ademais, a Noruega anunciou que vai retomar os aportes ao Fundo da Amazônia, interrompidos em função do descaso do governo Bolsonaro com o desmatamento da Amazônia. A China declarou que quer um acordo estratégico com o Brasil, e o presidente dos Estados Unidos declarou que deseja visitar o país.
Antes mesmo de começar seu mandato como chefe de Estado, Lula já vai participar de conferências internacionais, visando pôr rapidamente no esquecimento a fama de pária que o Brasil ganhou durante o governo Bolsonaro – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
IHU – O que mais chamou sua atenção nessas eleições presidenciais?
Elimar Pinheiro do Nascimento – Há coisas insólitas, ou paradoxais, a serem explicadas, como o fato de que o candidato progressista vencer com uma base eleitoral aparentemente adversa: a região mais atrasada econômica e tecnologicamente do país, o Nordeste; as pessoas que, normalmente, têm menos recursos e instrumentos de se informar e interpretar os eventos políticos, os pobres; finalmente, as mulheres, que a psicologia afirma serem menos afeitas a mudanças. Uma hipótese é que, para estes eleitores, Lula representava um retorno a um tempo bem conhecido, até nostálgico.
Sei que o grande tema político sobre o resultado das eleições, no momento, são as conjecturas de como será composto o próximo governo, quais os grandes desafios que enfrentará, que estratégias deverá adotar para ampliar a base parlamentar etc. Mas quero chamar atenção para outro fato que me saltou aos olhos: o estranho o fato de o presidente derrotado ter obtido 49,10% dos votos. Serão necessários muitos esforços de cientistas sociais e sociólogos para explicar como isso aconteceu com um presidente que:
- geriu de forma estúpida a pandemia, pregando publicamente a aglomeração sem máscaras e o uso de medicamentos mundialmente reconhecidos como inócuos;
- flertou com manifestantes que pediam intervenção militar;
- hostilizou seguidamente o Judiciário e os membros da sua mais alta corte, com palavrões inqualificáveis;
- agrediu a imprensa, em particular as mulheres;
- andava de motocicleta pelo país, sem capacete, ao arrepio da lei, em vez de trabalhar;
- atraiu o ridículo internacional de discursar para as calçadas em Londres por ocasião do funeral da rainha da Inglaterra;
- desmontou todo o sistema de fiscalização da Amazônia, o que elevou os índices de desmatamento;
- estimulou o garimpo ilegal e a invasão de terras indígenas;
- viu, com indiferença, o país retornar ao mapa da fome, com mais de 30 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar;
- cortou verbas de educação, ciência e tecnologia, ao mesmo tempo que aumentava o valor das emendas parlamentares e aprovava o chamado “orçamento secreto”.
Apesar de tudo, Bolsonaro obteve 58 milhões de votos. Como explicar? Ele recebeu mais votos do que em 2018, quando poucos conheciam a sua trajetória de deputado federal medíocre e defensor da tortura e dos torturadores.
Apesar de tudo, Bolsonaro obteve 58 milhões de votos. Como explicar isso? – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
IHU – O senhor tem alguma hipótese nesse sentido?
Elimar Pinheiro do Nascimento – Para ter 49% dos votos, o presidente em exercício usou ao extremo a máquina pública e fake news, em que seus assessores são campeões. Outra explicação encontra-se na imagem complexa que ele criou ao longo da presidência, atraindo segmentos sociais díspares.
Todos sabemos que as pessoas votam em imagens que elas constroem dos candidatos que vão merecer seu voto. Bolsonaro é um mosaico, que reúne imagens distintas e contraditórias acolhidas seletivamente pelos diversos segmentos sociais que votaram nele.
Ele reúne diferentes imagens, tais como:
- apologista do regime autoritário, da ditadura e da tortura, imagem grata ao segmento social de extrema-direita, minoritário em sua base eleitoral, mas que é muito ativo;
- defensor dos valores mais conservadores do ponto de vista dos costumes – a família tradicional, o papel submisso da mulher, a proibição total do aborto, a rejeição do casamento homoafetivo etc., do agrado dos evangélicos em particular;
- combatente intransigente da corrupção, aspecto que cativa parte dos segmentos sociais moralistas da classe média brasileira desde a época da União Democrática Nacional – UDN, nos anos 1950;
- líder do antipetismo, que mobiliza parte significativa dos eleitores que antes votava no PSDB;
- patrocinador de uma democracia individualista, em que a liberdade de expressão de cada indivíduo deve estar acima de qualquer outra coisa, inclusive da liberdade do amigo, do vizinho, do familiar, do colega. Nessa concepção, todos devem ter a liberdade de produzir e divulgar qualquer fake news, andar armado, dirigir na velocidade que lhe apraz, entre outros;
- político liberal na economia (apesar de seu passado de estatizante), que tanto agrada parte do empresariado, grande ou pequeno, agro ou urbano, e que Paulo Guedes pretende representar com sua pregação de privatização das estatais brasileiras, Petrobras e Banco do Brasil incluídos.
Essas diferentes imagens carecem de respaldo na realidade. Mas isso não importa, o que conta é que elas são “compradas” pelos distintos grupos sociais, que se apropriam de certas imagens sem considerar as outras. E alguns destes grupos são perpassados por uma cultura fundamentalista, de caráter religioso (como determinados grupos evangélicos) ou laico (como adeptos do fascismo).
A base eleitoral de Bolsonaro não é formada apenas por neofascistas ou grupos evangélicos fortemente conservadores. Esses são os mais visíveis, que não devem formar nem sequer metade de seu eleitorado – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
Elemento em comum
Diante desse quadro, cabe a pergunta: qual o elemento comum a essas imagens? Poderia ser o conservadorismo, marcado por um individualismo nascido da ansiedade e insegurança, que se recusa a ver de frente o futuro em constante mudança. Porém, não é evidente. O fenômeno parece ser mais complexo e merece ser compreendido devidamente, por meio de estudos minuciosos. Algo essencial para nos afastarmos de novos riscos fascistas.
De toda forma, a base eleitoral do Bolsonaro não é formada apenas por neofascistas ou grupos evangélicos fortemente conservadores. Esses são os mais visíveis, que não devem formar nem sequer metade de seu eleitorado. Eles não explicam suficientemente os 58 milhões de votos. Sua base é formada por grupos heterogêneos de fundamento ideológico, uns, ou pragmático, outros. Conservadores e liberais, modernos e tradicionais, ao mesmo tempo. É um Frankenstein. Na linguagem antiga de Mao Tse Tung, “um gigante com pés de barro”. Por isso mesmo, a força do bolsonarismo pós-eleição vai depender das atitudes do próximo governo, das medidas que forem tomadas, do sucesso de suas políticas públicas, bem como das novas imagens projetadas no campo da política que serão recepcionadas pelos eleitores.
O que menos escutamos foram propostas para quaisquer dos problemas nacionais prementes. Não é que não existiram propostas. A verdade é que elas foram esmagadas pelas montanhas de ataques pessoais – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
IHU – Em sua avaliação, como a pauta socioambiental foi tratada neste pleito?
Elimar Pinheiro do Nascimento – Este pleito, como diz a cientista política Maria Hermínia Tavares, foi absolutamente despolitizado. O que menos escutamos foram propostas para quaisquer dos problemas nacionais prementes. Não é que não existiram propostas, mas foram esmagadas pelas montanhas de ataques pessoais ao vivo ou em vídeos de ambos os lados. Nos debates, se fôssemos fazer um mapa de palavras, com certeza o maior destaque seria mentira/mentiroso. A carta ao Brasil, do Lula, já no final da campanha, amplamente demonstrada, não passou de uma carta de intenção. É um documento superficial, embora importante, pois tentava delimitar, em linguagem simples e de forma genérica, uma visão de sociedade que se opunha à do seu adversário.
Em resumo, a pauta socioambiental não existiu nas eleições. Salvo marginalmente como a carta de Lula ao Brasil, o último debate, quando Bolsonaro se referiu errônea e maliciosamente, ao desmatamento da Amazônia e en passant numa outra entrevista, mas sempre superficialmente.
IHU – O senhor aponta a necessidade de reinvenção da democracia. Em que consiste essa sua proposta?
Elimar Pinheiro do Nascimento – A democracia vive neste século XXI a sua maior crise. Não é a primeira. Conhecemos as suas derrotas nos anos 1920-1940 com o fascismo, o nazismo e o stalinismo. No entanto, ela vinha em ascensão desde o fim da Segunda Guerra, quando se propagou na Europa Ocidental. Nas décadas de 1970 e 1980, feneceram as ditaduras do sul da Europa (Grécia, Espanha e Portugal) e da América Latina (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia e Peru). Graças às novas primaveras, a democracia voltou a se expandir com a queda do muro de Berlim e o fim da URSS.
Porém, desde o início do século XXI seu avanço parou e ela começou a declinar. Movimentos populistas de extrema-direita emergiram e se difundiram pela Europa, América e Ásia. Tomaram o poder na Polônia, Hungria, Turquia, Índia e Filipinas, criando regimes autoritários. Esse movimento de extrema-direita chegou a ascender ao poder em outros países europeus, como Suíça, Áustria, Noruega, Suécia, Holanda e, mais recentemente, na Itália, entre outros. Cresceu eleitoralmente em países como Inglaterra, Espanha e França. Em movimento sanfona, cresce e decresce, como nos Estados Unidos e no Brasil.
As derrotas da democracia devem-se, em grande parte, a três fenômenos distintos, mas que se remetem um ao outro. O primeiro é o processo de globalização, com a constituição de um mercado global, alimentado por um processo acelerado de inovações tecnológicas e mudanças sociais e culturais. Esse processo tem afastado segmentos sociais significativos do acesso às benesses da globalização, desalojados dos eixos dinâmicos da economia, remetidos ao desemprego e à pobreza. Com isso, eles mudam de postura política, desconfiando das instituições democráticas e das elites no poder. Veja o exemplo da classe operária francesa que, nas décadas de 1950-1980, apoiava os partidos comunistas e socialistas e, hoje, constituem uma das bases do partido da extrema-direita, Front National.
O segundo fenômeno que explica a presente crise da democracia é a mudança da natureza e do papel dos partidos políticos, resultado do fim da sociedade industrial, que nada tem a ver com o fim das indústrias. Os partidos políticos de massa foram substituídos por outros tipos de partidos, que não mais exprimem o interesse de um determinado grupo social, mas servem de acesso de grupos difusos a benesses do Estado, resultado do declínio da sociedade industrial, sociedade de classes. Esse distanciamento entre representantes e representados é alimentado pelo crescimento extraordinário da desigualdade social e regional, que atinge atualmente patamares absurdos.
Finalmente, outro fenômeno que explica a atual crise da democracia é a queda do ritmo de crescimento econômico, em particular no Ocidente. Isso tem repercussão sobre o principal ator da criação da democracia no século XX, as classes médias. Esses segmentos saíram perdendo com a queda da dinâmica do crescimento e, por isso, tendem a ter uma renda per capita em declínio.
Em toda parte, grupos sociais significativos se sentem ameaçados, inseguros, ansiosos e buscam refúgio em movimentos que lhes prometem o retorno ao passado ou o engessamento das mudanças. Dessa forma, a democracia não tem como sobreviver. O seu fenecimento é uma questão de tempo, salvo se ela for capaz de se reinventar. Esta é a conclusão de meu livro, intitulado Um mundo de riscos e desafios: construir a sustentabilidade, reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social (Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2020).
Na obra, publicada em 2020, o professor reflete sobre a reinvenção da democracia
Imagem: divulgação
Novas formação de participação social
Criar mecanismos de participação e controle da sociedade sobre a classe política é um dos caminhos dessa reinvenção. Para isso, precisamos fazer dois movimentos aparentemente antagônicos, um em direção ao passado e o outro, rumo ao futuro:
(I) buscar as fontes da democracia, quando os gregos em Atenas a inventaram no século IV a.C;
(II) utilizar os novos meios digitais e eletrônicos, inclusive a inteligência artificial, para criar mecanismos rápidos e eficientes de controle das ações governamentais por parte da sociedade.
Criar mecanismos de participação e controle da sociedade sobre a classe política é um dos caminhos dessa reinvenção – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
No primeiro movimento, alguns países como Bélgica, Holanda e Suíça estão retornando o princípio democrático maior dos gregos antigos: o sorteio. Quando os atenienses criaram a democracia em rebelião contra os ricos donos de terras, adotaram dois procedimentos para escolher seus representantes. O procedimento democrático era o sorteio, no qual todos os humanos tinham a mesma oportunidade de ser escolhidos, embora no caso grego em questão a comunidade política era formada apenas por homens livres, atenienses, adultos. O procedimento aristocrático era a eleição, na qual se escolhiam os mais habilidosos.
Ora, fundadores da democracia moderna, franceses, mas, sobretudo norte-americanos, abandonaram o princípio do sorteio, que algumas poucas cidades italianas da Idade Média utilizavam para reduzir seus conflitos e assegurar a coesão social. Em grande parte, isso ocorreu porque norte-americanos e franceses não estavam criando democracias, e sim repúblicas. República é o regime que se opõe à monarquia, que eles queriam derrubar.
A democracia, na verdade, nasceu da luta das classes operárias inicialmente e, em seguida, das classes médias, ao longo de mais de dois séculos. O sorteio, que está sendo retomado, tem desempenhado um papel de renovar o debate público e a proposição de políticas públicas mais vinculadas aos interesses majoritários da sociedade. Um papel complementar, mas arejador.
O uso de tecnologias digitais tende a criar mecanismos de controle social mais abrangentes do que os que conhecemos e, talvez, venha a revitalizar a aproximação entre representantes e representados. De toda forma, é preciso buscar e ensaiar novas formas de participação e controle social, como um dos caminhos para reinventar a democracia.
O sorteio tem desempenhado um papel de renovar o debate público e a proposição de políticas públicas mais vinculadas aos interesses majoritários da sociedade. Um papel complementar, mas arejador – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
IHU – Como o senhor tem refletido sobre um desenvolvimento adequado para a Amazônia, considerando os avanços científicos, mas também o conhecimento dos povos tradicionais?
Elimar Pinheiro do Nascimento – A Amazônia, ao contrário do que sugerem muitas pesquisas de opinião, em geral não interessa aos brasileiros de outras regiões. Além disso, a floresta amazônica interessa muito pouco aos habitantes das cidades amazônicas, particularmente Manaus e Belém. Para parte significativa dessa população, a floresta é sinônimo de atraso. Asfalto e cimento são sinais de progresso.
Infelizmente, a Amazônia, como tantos outros temas candentes, não foi, mais uma vez, devidamente focada durante as campanhas eleitorais. Em sua carta ao Brasil e no discurso depois que o resultado das eleições foi proclamado, Lula tocou no tema. Logo após, como efeito imediato, a Noruega declarou que voltará a contribuir para o Fundo Amazônia, congelado no governo Bolsonaro, que nunca teve interesse em desestimular o desmatamento.
A Amazônia, ao contrário do que sugerem muitas pesquisas de opinião, não interessa aos brasileiros de outras regiões – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
A Amazônia é um capital extraordinário que o Brasil detém, e cada vez mais valioso, na medida em que os humanos avançam no processo de destruição da biodiversidade em escala global. Há vários planos de uso das riquezas da Amazônia para os povos locais e o povo brasileiro em geral. O melhor, de forma global, ainda é o plano que Marina Silva propôs quando estava à frente do Ministério do Meio Ambiente, chamado Plano Amazônia Sustentável – PAS, de 2008.
Nas diversas abordagens, como o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Amapá – PDSA, ou os estudos de Armando Mendes, Bertha Becker, Ignacy Sachs, João Paulo Capobianco, Carlos Nobre e os pesquisadores e institutos de pesquisa na Amazônia (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA, Museu Emílio Goeldi, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA/UFPA, Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia da Universidade Federal do Amazonas – PPGCASA/UFAM, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM), entre outros, domina a ideia, cada vez mais consensual, de que o melhor para a Amazônia é a economia da “floresta em pé”. Isso implica em:
(i) estimular a agricultura e a criação de gado em regimes intensivos, para que não haja mais desmatamentos;
(ii) adotar um vasto programa de reflorestamento para recuperar as áreas degradadas;
(iii) estímulos ao cultivo híbrido de floresta, agricultura, criação de pequenos animais, inclusive peixes, turismo e artesanato. É preciso dar múltiplas funções à pequena agricultura, adotando o princípio da economia circular, em que o dejeto de uma criação (galinhas) vira o adubo de outra criação (hortas).
A Amazônia é um capital extraordinário que o Brasil detém, e cada vez mais valioso, na medida em que os humanos avançam no processo de destruição da biodiversidade em escala global – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
Bioeconomia
Entre as propostas mais recentes para explorar os recursos naturais da Amazônia com a floresta em pé, destaca-se a bioeconomia, ou seja, investir em tecnologias para aproveitar melhor suas riquezas biológicas (castanhas, óleos, cosméticos, madeiras, produtos fármacos, alimentos vegetais e animais). A isso podemos acrescentar o ingresso no mercado de carbono.
Porém, é preciso que a sociedade brasileira (cientistas, políticos, governantes) tenha melhor conhecimento das riquezas da floresta. Isso exige investir em educação, ciência e tecnologia nos centros educacionais e de pesquisa da Amazônia para gerar políticas e programas robustos, de forma contínua. São políticas e programas que devem nascer do diálogo entre os povos tradicionais, cientistas, empreendedores locais e nacionais e os órgãos públicos e semiestatais, envolvendo também universidades, institutos de pesquisa e institutos federais.
O mais importante, no entanto, é que estes programas e políticas tenham continuidade, articulem iniciativas complementares e estejam conectados a um sistema de avaliação e informação contínuas, com uma governança que fique acima das idiossincrasias da descontinuidade política.
IHU – Uma das questões importantes hoje, em face do agravamento das mudanças climáticas, e que não foi abordada nas eleições é a transição energética. Como o senhor a entende?
Elimar Pinheiro do Nascimento – A transição energética é um problema mais complexo do que normalmente se pensa. As fontes limpas de energia que conhecemos e dominamos, como hídrica, eólica, solar, geotérmica, marítima etc., ainda estão muito longe de poder substituir as fontes fósseis (carvão, petróleo e gás). Por isso mesmo, o prestígio da energia nuclear vem sendo ressuscitado. É possível que ela venha a se expandir de novo, aumentando os riscos de desastres como Chernobyl ou da produção de bombas nucleares por grupos terroristas. Mas o fato é que as fontes limpas que conhecemos, com a tecnologia que temos, não servem para mudar a matriz energética, por mais que cresçam. Elas não têm a capacidade de produzir energia suficiente para substituir plenamente as fontes fósseis.
Isso não significa que não devemos investir nas fontes de energia supracitadas e outras. Elas desempenham o belo papel de reduzir as emissões de gases do efeito estufa provenientes do uso de combustíveis fósseis, embora de forma eficiente. Se quisermos mudar a matriz energética que temos, deveremos tomar pelo menos duas decisões dificílimas: a primeira é a de estimular de forma mais ativa as fontes limpas que conhecemos e que sozinhas não serão capazes de produzir a mudança. Por essa razão, necessitamos da segunda decisão. Entretanto, essa ainda é mais difícil: reduzir o uso de energia de fontes fósseis, redirecionando o crescimento da produção e do consumo (particularmente dos grupos bem aquinhoados) de forma a alcançarmos uma redução radical da emissão de gases de efeito estufa.
É importante compreender que, se continuarmos a nos mover pelo princípio da reprodução ampliada da economia de mercado, não teremos qualquer redução da emissão de gases do efeito estufa, visto que o que ganharmos com fontes limpas perderemos com o consumo ampliado das fontes fósseis.
O fato é que as fontes limpas que conhecemos, com a tecnologia que temos, não servem para mudar a matriz energética, por mais que cresçam – Elimar Pinheiro do Nascimento Tweet
Ações do pós-desenvolvimentismo
Os movimentos pós-desenvolvimentistas como decrescimento, bem viver, prosperidade sem crescimento, entre muitos outros, propugnam que eliminemos a produção e o consumo de produtos e serviços supérfluos como armas, drogas, propaganda, entre outros; que reduzamos a produção e o consumo de produtos como automóveis, moda, carnes etc.; que tributemos ou proibamos formas de produção nocivas à natureza; que estimulemos a economia criativa e a desmaterialização da economia, entre outros. Ou seja, que trilhemos caminhos que nos levem à sustentabilidade.
No caso do Brasil, estamos na contramão da sustentabilidade. A economia distributiva, em que cada imóvel poderia gerar sua própria energia, com placas fotovoltaicas, por exemplo, foi desestimulada com uma lei que entra em vigor no próximo ano, resultado do lobby de empresas de geração e distribuição de energia hídrica ou fóssil.
*Entrevista publicada originalmente no portal do Instituto Humanos Unisinos. Título editado.
Brasil tem 10 interdições e 5 bloqueios em rodovias federais, diz PRF
Metópoles| Rebeca Borges
A manhã desta terça-feira (8/11) começou com 10 interdições em rodovias federais. As informações foram divulgadas em balanço da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
De acordo com a corporação, além das interdições, há cinco bloqueios: quatro em Mato Grosso e um no Paraná. Segundo a PRF, 1.070 manifestações já foram desfeitas.
Os números desta terça apontam pequena redução de ocorrências em rodovias. No último balanço divulgado pela PRF, na noite de segunda-feira (7/11), o país contava com nove interdições.
O levantamento também apontava sete bloqueios em rodovias federais: seis em Mato Grosso e um no Paraná.
Manifestações
Desde a noite de 30 de outubro, data do 2º turno das eleições, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) impediram o tráfego em diversas rodovias pelo Brasil em protesto contra o resultado das eleições. No dia, Bolsonaro foi derrotado nas urnas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na noite de quarta-feira (2/11), em pronunciamento por vídeo, o presidente Bolsonaro pediu que os manifestantes desobstruíssem as vias.
No início do movimento, os bloqueios chegaram a atingir 25 estados mais o Distrito Federal, além das interdições. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), do início da semana, determinou que os manifestantes fossem retirados das vias, mas houve resistência das polícias em algumas unidades da Federação.
O próprio presidente Bolsonaro divulgou um vídeo pedindo aos apoiadores o fim dos bloqueios, porém, sem questionar o motivo dessas ações, que são realizadas para contestar o resultado da eleição e pedir uma intervenção militar. Parte dos manifestantes está adotando nova estratégia: protestar em frente a unidades que representam as Forças Armadas.
Matéria publicada originalmente no portal Metrópoles