Cidadania é destaque na transparência da proteção de dados digitais
Um levantamento do escritório de advocacia Peck Advogados – especializado em direito digital – nos sites dos diretórios nacionais de 19 partidos, divulgado pela revista Exame (veja abaixo), mostrou que o Cidadania está entre as legendas que tiveram melhores resultados no cumprimento da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) quanto à disponibilização de dados de forma mais acessível ao cidadão.
Proteção de dados: às vésperas da eleição, partidos correm para cumprir LGPD
Dois anos após início da vigência da lei brasileira de proteção de dados, a maioria dos partidos ainda não têm sites adequados aos requisitos e oferecem pouca transparência ao cidadão
Carolina Riveira – Exame
As eleições de 2022 podem ser consideradas as primeiras com a vigência na prática da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A lei passou a valer em setembro de 2020, somente semanas antes das eleições daquele ano, mas agora precisará se aplicar de vez ao dia-dia dos partidos, segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ainda assim, às vésperas da eleição, a adequação das legendas partidárias precisa avançar, segundo novo estudo obtido pela Exame.
Análise do escritório de advocacia Peck Advogados, especializado em direito digital, avaliou as informações relativas à proteção de dados pessoais disponíveis publicamente nos sites dos diretórios nacionais de 19 partidos. O levantamento concluiu que a maioria ainda não indica em seu site, de forma acessível, frentes como o procedimento de acesso aos dados, política de privacidade ou o nome e contato do Encarregado de Dados (DPO, na sigla em inglês para Data Protection Officer), que passou a ser exigido nas instituições após a LGPD.
Dentre os partidos analisados, o PT, o Republicanos e o Cidadania obtiveram os melhores resultados — e disponibilizados de forma mais acessível ao cidadão, o que foi um ponto valorizado na elaboração do estudo.
O União Brasil e o Partido Novo também responderam à reportagem e comprovaram que possuíam DPO e procedimento para os cidadãos acessarem seus dados, o que os fez figurar entre os partidos com melhor adequação, embora os quesitos não tivessem sido identificados na primeira análise ou tenham sido atualizados posteriormente.
Os demais partidos não responderam ou confirmaram que ainda estão trabalhando na adequação.
O estudo do Peck Advogados analisou somente os partidos da porta para fora, isto é, o que estava visível a todos no site. A análise também foi feita só para os diretórios nacionais. Outras frentes, como os diretórios estaduais e a campanha individual dos candidatos, não entraram na análise.
“O que levantamos foi só o que é possível ver no site, só a vitrine”, diz Patrícia Peck, sócia do Peck Advogados. “Agora, como estão essas práticas no dia-dia interno do partido? O fato de poucos partidos terem essa vitrine consolidada acaba sendo um alerta — o que vimos foi só a ponta do iceberg.”
O que falta aos partidos
O estudo levou em conta seis requisitos, na parte visível e pública dos sites dos partidos analisados pelo escritório:
* informação clara sobre procedimentos de tratamento de dados;
* indicação do contato do Encarregado de Dados (o DPO);
* canal de atendimento para direitos dos titulares;
* existência de política de privacidade e proteção de dados atualizada;
* termos de uso;
* possibilidade de filiação online.
O PT foi o único partido dentre os analisados com todos os requisitos cumpridos. Só faltaram à legenda inicialmente os “termos de uso” (que devem ser publicados separadamente da “política de privacidade”). O PT esclareceu em resposta que os termos já existiam, o que foi confirmado pela reportagem. Os termos, porém, não estão facilmente localizáveis no site, um critério valorizado na análise — o que o partido disse que trabalhará para resolver.
Alguns partidos questionaram a metodologia do estudo ou argumentaram que já possuíam as opções exigidas pela LGPD. Partido Novo e União Brasil, por exemplo, indicaram à reportagem as frentes de seu site onde, hoje, é possível encontrar o endereço de contato do Encarregado de Dados e política de privacidade detalhada, e por isso a informação foi incluída na reportagem.
“Assim que a LGPD passou a vigorar, o Novo buscou consultorias especializadas e deu início a implementação dos protocolos de proteção de dados”, disse em e-mail à EXAME o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro.
Sobre a filiação online, o União Brasil — que não tem a opção e não pretende adicioná-la por ora — respondeu que não entende essa frente como uma obrigatoriedade da LGPD e que preza pela segurança e “rigor técnico” dos dados dos usuários. “É válido ressaltar que o União Brasil é um partido com mais de 1 milhão de filiados, e, para que um sistema comporte de forma segura os dados de milhares de Titulares de Dados, requer-se robustez de infraestrutura tecnológica. O Partido optou por dar prioridade à salvaguarda dos dados de seus usuários”, disse em resposta escrita à EXAME o Encarregado de Dados do partido, Iago Lora.
Outros partidos responderam que estão trabalhando para se adequar. Partido Verde e PSD disseram que ajustes estão previstos para adequar o site e processos à LGPD e o PTB respondeu que “entende a importância das adequações previstas na LGPD” e que está em curso “projeto de atualização do website respeitando os princípios citados”.
Os demais partidos não quiseram comentar sobre seus planos de adequação à LGPD ou não retornaram os contatos da reportagem.
Do WhatsApp aos filiados, um universo de dados sensíveis
Para além dos requisitos visíveis analisados pelo estudo, muitos dos pontos da LGDP têm de ser cumpridos também da porta para dentro.
Um desafio claro será a forma como os partidos e candidatos usam listas de transmissão com potenciais eleitores, em frentes como números de celular para grupos de WhatsApp ou Telegram, que se tornaram cruciais nas campanhas nos últimos anos. É um universo de informações potencialmente sensíveis, pelos termos da LGPD.
Não só os números e informações de eleitores são complexos: frentes como dados da juventude partidária das legendas ou de candidatos e filiados idosos (dois grupos altamente sensíveis segundo a LGPD) também fazem parte da lista de informações de posse dos partidos. “No ambiente polarizado que vivemos hoje, um possível vazamento de dados de filiados seria muito prejudicial ao cidadão afetado”, explica Peck.
Jéssica Guedes, advogada da Peck Advogados e coordenadora do levantamento, aponta que um reflexo do problema é como os partidos ainda não afirmam com todas as letras em suas páginas iniciais que cumprem a LGPD. “É algo que não é obrigatório, mas que muitas empresas já vêm fazendo como forma de publicidade positiva e que poderia tranquilizar o eleitor e filiado sobre o tratamento de seus dados”, diz a advogada.
Por outro lado, a expectativa é de melhorias daqui para a frente, sobretudo com a tendência de aumento da fiscalização e pressão da opinião pública a respeito. Guedes aponta que um avanço na frente eleitoral desde o início da vigência da LGPD há dois anos é que o TSE, neste ano, publicou uma cartilha sobre obrigações e formas pelas quais os partidos podem trabalhar para se adequar. “Esse processo de educação acredito que ainda avançará muito”, diz a advogada.
Menor interferência possível
Apesar do início do envolvimento do TSE, as punições a quem não cumprir a LGPD em ambiente eleitoral tendem a ser brandas por enquanto.
Quem fiscaliza o cumprimento da LGPD (seja nos partidos ou em outras organizações, como empresas) é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão do governo federal e que foi criado junto com a lei. Tanto o TSE quanto a ANPD podem, no limite, impor sanções administrativas ou outras punições aos partidos.
Porém, a ANPD afirmou na própria cartilha de orientação do TSE que entende que, no contexto eleitoral, há “necessidade de evitar a imposição de restrições que afetem a igualdade de oportunidades no processo eleitoral”, e que buscará “a menor interferência possível no debate democrático”.
“A lei tem quatro anos e desses, dois anos de vigência. Mas, como é a primeira eleição com a lei complementar de fato vigente, ainda é um desafio para partidos e candidatos enxergarem sua aplicação no ambiente eleitoral”, diz Peck, que aponta que muitos partidos não haviam entendido, há até pouco tempo, que eles próprios tinham de se adequar à LGPD. “Mas essa é também uma legislação reputacional, e os partidos ainda estão muito atrás. É de interesse de todos trabalhar para avançar.” (Revista Exame – 01/09/2022 https://exame.com/brasil/protecao-de-dados-as-vesperas-da-eleicao-partidos-correm-para-cumprir-lgpd/)
*Texto publicado originalmente no portal do Cidadania23
Nas entrelinhas: Rosa Weber é a mulher certa, no lugar certo, na hora certa
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Perdão pelo lugar comum, mas o perfil da nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) é esse mesmo que intitula a coluna. A ministra Rosa Weber assumiu a presidência da Corte no final de sua longa carreira na magistratura, coroando uma trajetória de coerência no exercício dos diversos cargos que ocupou, em todos os níveis do Judiciário, o que faz muita diferença numa conjuntura como a que estamos vivendo, na qual a Corte constitucional sofre fortes pressões do presidente Jair Bolsonaro, que não compareceu à solenidade de posse. Alegou agenda de campanha, logo ele, que não perde uma formatura de cadetes nas escolas militares ou desfile castrense.
Na verdade, a ausência de Bolsonaro se deve ao fato de que o discurso da ministra Rosa Weber seria, como de fato foi, uma reafirmação de que o Supremo, sob sua liderança, exercerá o papel de Poder Moderador da República, dando a palavra final sobre toda e qualquer polêmica acerca da Constituição de 1988. Trocando em miúdos, esse foi o recado político mais importante da solenidade, à qual compareceram os presidentes do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Destaque para a presença do ex-presidente José Sarney.
“Vivemos tempos particularmente difíceis da vida institucional do país. Tempos verdadeiramente perturbadores, de maniqueísmos indesejáveis. O Supremo Tribunal Federal não pode desconhecer esta realidade. Até porque tem sido alvo de ataques injustos e reiterados, inclusive, sob a pecha de um mal compreendido ativismo judicial por parte de quem, a mais das vezes, desconhece o texto constitucional e ignora as atribuições cometidas a essa Suprema Corte pela Constituição. Constituição que nós, juízes e juízas, juramos obedecer”, disse Rosa Weber.
Foi um recado que não deve ter agradado muito ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que ouviu o discurso de corpo presente. Aras anda às turras com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, a quem acusa de usurpar poderes do Ministério Público Federal. Nos bastidores, também é quem mais acusa o Supremo de usurpar atribuições dos demais Poderes, junto ao presidente Jair Bolsonaro e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principalmente.
Rosa Weber conclamou os ministros do Supremo se manterem unidos em torno da defesa do Estado democrático de direito e seus postulados e não deixou dúvidas quanto ao apoio que pretende dar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução das eleições deste ano: “Nosso tribunal da democracia, que neste ano de 2022, sob comando firme do ministro Alexandre de Moraes, e em estrada competentemente pavimentada pelo ministro Edson Fachin, mais uma vez garantirá a regularidade do processo eleitoral, a certeza e a legitimidade dos resultados das urnas e o primado da vontade soberana do povo”.
Eleições
Este é o ponto. Rosa Weber terá o desafio de enfrentar a conjuntura política mais dramática que o país já viveu, desde a redemocratização, face aos ataques que as urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral e o próprio Supremo vêm sofrendo por parte do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Presidirá o Supremo por pouco mais de um ano, pois deverá se aposentar até outubro de 2023, quando completará 75 anos, a idade máxima para ser ministra. É a terceira mulher a ocupar o cargo. As outras foram Ellen Grace, cuja vaga hoje ocupa, e Cármen Lúcia, que presidiu a Corte de 2016 a 2018.
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, que não compareceu à posse, bem que tentou se posicionar como uma espécie de “fiador” da inviolabilidade das urnas eletrônicas, o que na prática seria restaurar a velha tutela militar sobre o processo político brasileiro, que tantas vezes já se manifestou desde a Proclamação da República, em 1889. O discurso de Rosa Weber foi uma espécie de “não passarão”.
Gaúcha, uma de suas características é a firmeza: outra, a discrição. Rosa Weber nunca deu entrevistas, somente se pronuncia nos autos ou durante as sessões do Supremo. A nova presidente do Supremo foi prestigiadíssima pela magistratura de seu estado, que homenageou durante o discurso. Um dos momentos mais emocionantes de seu pronunciamento foi durante as referências ao Bicentenário da Independência, que transformou numa profissão de fé na força dos cidadãos comuns:
“Presto homenagem ao povo brasileiro que não desiste da luta pela sua real independência e busca construí-la a cada dia, com garra e tenacidade, a despeito das dificuldades, da violência, da falta de segurança, da fome em patamar assustador, dos milhares de sem-teto em nossas ruas, da degradação ambiental, e da pandemia não totalmente debelada que tantas vidas ceifou. E aqui minha solidariedade sempre a todos que perderam a vida e aos parentes”, afirmou.
Nas entrelinhas: A Rainha Elizabeth II deu sobrevida ao império
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
“Chegou no porto um canhão/ De repente matou tudo, tudo, tudo/ Capitão senta na mesa/ Com sua fome e tristeza, esa, esa/ Deus salve sua rainha/ Deus salve a bandeira inglesa”. Sul da Bahia, década de 1930, um aventureiro sem nome nem passado, sete vezes baleado, sorridente, trovador e feroz, intromete-se na luta dos grandes coronéis pela posse da terra e do cacau. Está disposto a acirrar a guerra de interesses econômicos e tomar o lugar do coronel Santana, sua mulher e seu dinheiro. Precipita um banho de sangue, no qual sucumbem sertanejos simples e os próprios usineiros. O homem parece conseguir o seu intento, mas seu destino também está assinalado pelos deuses.
O enredo do filme Os Deuses e os Mortos, de Ruy Guerra, com trilha sonora de Milton Nascimento, autor da descrição acima, tem como pano de fundo o colonialismo britânico, daí a exaltação à rainha. Lançado em 1970, o filme era uma alegoria do regime militar e da atuação dos Estados Unidos, que haviam substituído o império britânico como força hegemônica no mundo após a II Guerra Mundial. O filme foi saudado pelo The New York Times como um “western tropical”, que misturava o japonês Akira Kurosawa com o italiano Sérgio Leone, tendo a temática do cacau na saga descrita por Jorge Amado.
Moçambicano naturalizado brasileiro, Guerra fez uma abordagem barroca e tropicalista da violência no campo e do monopólio da política pelas oligarquias. Vencedor do festival de Brasília de 1970, o filme foi realizado num momento em que vivíamos entre dois delírios: o “Brasil, ame ou deixe-o”, do general fascista Garrastazu Médici, e o “Quem samba fica, quem não samba vai embora”, do líder comunista Carlos Marighela. Othon Bastos (“O Homem”), Norma Bengell (“Soledade”), Rui Polanah (“Urbano”), Ítala Nandi (“Sereno”), Dina Sfat (“A Louca”), Nelson Xavier (“Valu”) e Milton Nascimento (“Dim Dum”), entre outros, brilhavam nas telas.
Na década de 1970, o império britânico nem de longe representava a potência mundial que parecia mover os cordéis das lutas do Sul da Bahia na Primeira República, mas a rainha Elizabeth II, a grande homenageada na trilha sonora do filme, lhe dera uma sobrevida com sua sabedoria e dedicação à manutenção da Comunidade Britânica, que somente agora será posta em xeque, com a ascensão ao trono do rei Charles III, depois de um chá de cadeira sem precedentes. Austrália e Canadá continuam reconhecendo o monarca britânico como chefe de Estado, representado por um governador-geral e usam a palavra Commonwealth como título do seu Estado, assim como Antígua e Barbuda, Bahamas, Belize, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Reino Unido, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu.
Mares do Sul
Da independência da Índia, em 1947, e à devolução de Hong Kong à China, em 1997, o declínio do império britânico foi inequívoco. Mesmo assim, o Reino Unido arreganhou os dentes no Atlântico Sul, em 1982, quando os argentinos ocuparam as Ilhas Malvinas (em inglês Falklands), Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, arquipélagos austrais dominados pelos ingleses a partir de 1833. O saldo final da guerra foi a recuperação do arquipélago e a morte de 649 soldados argentinos, 255 britânicos e três civis das ilhas. Na Argentina, a derrota no conflito fortaleceu a queda da junta militar que governava o país.
Quem quiser que se iluda: ainda hoje, os ingleses é que mandam nos mares do Atlântico Sul. A saída da União Europeia, com o Brexit, e o papel que desempenha na guerra da Ucrânia, contra a Rússia, mostram que a Inglaterra, em aliança com os Estados Unidos, continua sendo uma potência militar que não pode ser ignorada por ninguém, embora já não tenha a supremacia comercial e financeira dos séculos XVII e XVIII, nem a industrial do século XIX.
No século XX, de grande credor o Reino Unido se tornou devedor e inverteu o fluxo migratório que levou seus missionários a disseminarem a ética protestante do trabalho e o liberalismo econômico pelo mundo, passando a receber imigrantes das ex-colônias britânicas. Em 1920, o império britânico dominava cerca de 458 milhões de pessoas, um quarto da população do mundo na época e abrangeu mais de 35.500.000 km2, quase 24% da área total da Terra.
Charles III ao trono — “A rainha morreu, viva o rei” —, depois de 70 anos de reinado de Elizabeth II, não tem o mesmo prestígio popular da mãe, seja na própria Inglaterra, seja no exterior. Sua capacidade de liderar a Commonwealth será posta à prova. O Brexit não está dando os resultados esperados e a guerra da Ucrânia tende a agravar a situação econômica e energética do país. A estabilidade política interna do Reino Unido é vital para a manutenção da comunidade britânica sob a liderança de Charles III.
Nas entrelinhas: Para não dizer que não falei do Imbrochável
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Espirituoso, zombeteiro, gracejador, como o próprio apelido diz, o português Francisco Gomes da Silva desembarcou no Rio de Janeiro em 1808, como um dos 15 mil integrantes da Corte que acompanharam a fuga de D. João VI de Portugal. Era filho bastardo de Francisco José Rufino de Sousa Lobato, Visconde de Vila Nova da Rainha, e de sua empregada doméstica Maria da Conceição Alves, uma moça pobre, que foi mandada para a África, enquanto Antonio Gomes da Silva, protegido de Lobato, registrava o menino como filho legítimo.
O pai biológico não abandonou o filho, que estudou no seminário de Santarém, onde aprendeu francês, inglês, italiano e espanhol. Em 1807, acabou expulso pelo reitor e veio com a família real para o Brasil, onde acabou faxineiro do Palácio São Cristóvão.
Chalaça e uma dama da Corte foram flagrados nus num dos quartos do Palácio pelo próprio D. João VI. Expulso de São Cristóvão, onde era visto como espião pela rainha Carlota Joaquina, abriu uma barbearia na rua do Piolho (atual rua da Carioca), mas logo voltou ao serviço da Corte, após o retorno da família real para Portugal, porque era amigo de D. Pedro I.
Sua influência na Corte foi muito maior do que aparentava. Na qualidade de oficial maior da Secretaria de Estado, inseriu na Carta Constitucional do Império do Brasil de 1824 a sua assinatura com a rubrica: “Francisco Gomes da Silva, a fez”.
Por ter redigido a Carta, foi condecorado por Pedro I com a comenda da Torre e Espada. Para os brasileiros, era corrompido e corruptor: pagava jornais, disseminava calúnias e panfletos anônimos para insultarem os políticos liberais. Sem escrúpulos, era visto como recadeiro, insolente, trapaceiro e antipático ao Brasil e aos brasileiros.
Nas lutas de bastidor após a Independência, conseguiu ser mais influente do que José Bonifácio, mas acabou traído pelo Marques de Barbacena, que negociou o casamento de D. Pedro I com a princesa D. Amélia de Leuchtenberg. Nomeado embaixador plenipotenciário do Império para o Reino das Duas Sicílias, cuja capital era Nápoles, Chalaça recusou o cargo e foi para Londres, onde realizou um levantamento dos gastos de Barbacena, que acabou demitido do Ministério da Fazenda por D. Pedro I em razão dessa devassa.
Havia muita tensão política no Brasil por causa da inflação e da escassez de carne seca. A oposição acusava D. Pedro I de ser “absolutista”. Os “áulicos” portugueses que cercavam o monarca, principalmente Chalaça, eram responsabilizados pelas ações autocráticas do imperador e da falta de diálogo com a Câmara dos Deputados.
O amigo alcoviteiro, mulherengo, boêmio e divertido de D. Pedro I jamais voltou ao Brasil. Mas foi chamado a Portugal pelo imperador, em 1833, para ser secretário de Estado da Casa de Bragança. Em 1834, Pedro morreu e deixou viúva, Dona Amélia, sua segunda esposa, de quem Chalaça se tornaria amante. Na tarde de 30 de dezembro de 1852, morreria em Lisboa, no Hotel Bragança.
Isolamento
Chalaça foi a face mais picaresca e, ao mesmo tempo, obscura do reinado de Pedro I, com quem tinha uma relação de estreita confiança. Lembrei-me do Chalaça porque protagonizou um estilo de fazer política de baixíssima qualidade que marcou o Primeiro Império.
Talvez seja o ambiente mais parecido com o que estamos vivendo, com o presidente Jair Bolsonaro (PL) cercado de áulicos. Mas o que houve, ontem, nas comemorações do Bicentenário da Independência, em termos de qualidade da política, era inimaginável.
Não foram apenas a transformação de uma data magna num ato eleitoral, nem o constrangimento ao qual foram submetidas as Forças Armadas. Os ritos da Presidência foram todos desrespeitados. No lugar dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux — que evitaram o vexame —, no palanque oficial pontificava o empresário Luciano Hang, o Velho da Havan, ao lado de um constrangido presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que parecia não acreditar no que estava vendo.
Com o discurso modulado por marqueteiros, Bolsonaro não fez ataques diretos ao Supremo Tribunal federal (STF) e se esforçou para seduzir o eleitorado feminino, que está inviabilizando a sua reeleição. Mas quando falou das mulheres, foi um desastre.
Depois de elogiar a primeira-dama, Michelle Bolsonaro (“uma mulher ativa na minha vida, não é ao meu lado, não; muitas vezes ela está é na minha frente”), Bolsonaro saiu-se com esta: “E eu tenho falado para os homens solteiros, para os solteiros que estão cansados de ser infelizes. Procure uma mulher, uma princesa, se casem com ela, para serem mais felizes ainda”.
Na sequência, beijou a primeira-dama e puxou o coro: “Imbrochável, imbrochável, imbrochável!”. Nem nos tempos do Chalaça se viu uma coisa dessas.
A pobreza da independência
Cristovam Buarque*, Correio Braziliense
Amanhã, o Brasil comemora 200 anos de nação independente, sendo campeão de desigualdade, com 33 milhões de pessoas famintas e mais de 100 milhões com alimentação deficiente, cerca de 13 milhões de analfabetos — 25% da população pobre. A maioria é de raça negra e vive na região Nordeste. Esse é o maior fracasso de nossos 200 anos: a persistência da pobreza, apesar do êxito na economia que nos colocou entre as 10 nações mais ricas e o maior exportador de alimentos no mundo.
Desde 1822, tivemos dois imperadores, 38 presidentes, cerca de 10 mil parlamentares, milhares de intelectuais, mas a pobreza continua porque não desperta sentimento político de solidariedade, nem entendimento conceitual correto. A insensibilidade dos dirigentes em relação ao sofrimento dos pobres e a lógica equivocada sobre como nossos intelectuais explicam e propõem como superar a pobreza, explicam a pobreza da independência. O problema está no coração dos políticos e na mente de seus assessores: os primeiros não sofrem por causa da pobreza, os outros não entendem a real dimensão da pobreza, as causas e os meios para superá-la. A pobreza foi sequestrada pela elite no poder e pelo pensamento econômico. Não é vista como problema fundamental a ser enfrentado, e acredita-se que o crescimento da economia elimina a pobreza ao distribuir a renda ampliada.
Da mesma forma que, por 350 anos, a minoria branca e livre não se importou com os escravos, nem entendeu a importância da abolição para o país, há 135 anos, as classes privilegiadas aceitam com naturalidade o abandono de brasileiros na exclusão social da pobreza. Se os abolicionistas pensassem como economistas, a escravidão existiria até hoje, esperando o crescimento econômico. A escravidão foi abolida ao ser tratada como questão ética. É assim que a pobreza deve ser tratada. A superação da pobreza vai exigir que também seja tratada como imoral, uma vergonha a ser abolida.
Ao mesmo tempo, será preciso mudar o enfoque técnico de como é enfrentada. A principal causa da pobreza é a pobreza no entendimento de sua causa. A pobreza não decorre da falta de crescimento e renda na economia, mas por falta de comida, moradia, água, esgoto, atendimento médico, transporte urbano, escola, segurança. Desses itens, apenas comida e transporte dependem da renda pessoal, o resto exige políticas sociais e serviços públicos do Estado. Para solucionar a questão da pobreza, é preciso perceber que, como a escravidão, ela afeta não apenas os pobres, mas amarra toda a sociedade.
Depois de 200 anos, a independência precisa criar o que Joaquim Nabuco chamou, no século 19, de "instinto nacional" pela erradicação da escravidão. Agora, pela superação da pobreza com vontade e missão nacionais, e com o entendimento correto das políticas sociais e dos serviços públicos a serem ofertados a todos, com uma estratégia que assegure a cada um o que precisa para sair da pobreza. Entre eles, o mais importante é a educação de qualidade para todos. A sua qualidade aumenta a produtividade e o tamanho da renda nacional; a equidade para todas as crianças permite distribuir a renda, conforme o talento e o poder de pressão das massas pobres para obterem novos benefícios. Educação de qualidade para todos quebra o círculo vicioso que caracteriza os 200 anos de independência omissa diante da pobreza, tanto quanto foi diante da escravidão.
A pobreza de um pobre decorre da falta do essencial para sua sobrevivência plena. A pobreza da própria pobreza está na falta de sentimento político solidário e de um conceito técnico correto para explicá-la e superá-la. Até hoje, não tivemos governo com propósito de assegurar a cada família o necessário para não ser pobre. A pobreza foi sequestrada pela economia, no lugar de a economia ser instrumento da estratégia de sua erradicação. E em consequência a economia seria dinamizada, porque a pobreza é uma das causas do estancamento do progresso econômico, social e civilizatório, tanto quanto foi a escravidão ao longo de 66 dos 200 anos de independência.
Os Estados Unidos colocaram a missão de chegar à Lua antes das comemorações dos 200 anos de sua independência, o Brasil precisa definir sua missão a "segunda abolição" para as primeiras décadas de nosso terceiro século que se inicia amanhã. Para tanto, precisa querer politicamente superar a pobreza e entender corretamente as causas e as estratégias para a superação. Ao tolerar a permanência da pobreza, nossa independência é pobre: faz pobre milhões de brasileiros e esbarra no progresso.
*Cristovam Buarque - professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação.
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense
Suspensão de decretos de armas de Bolsonaro evita escalada ainda maior da violência política, diz Eliziane Gama
A líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA), disse na rede social, nesta segunda-feira (05), que a restrição sobre o número de armas e munições que podem ser obtidas por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) determinada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin vai evitar a escalda da violência durante o período eleitoral.
“A suspensão de trechos do decreto de armas é benéfica para evitarmos a escalada ainda maior da violência política, em tempos de eleições tão polarizadas. As disputas precisam se ater ao campo das ideias. A eleição é o grande momento da democracia e precisa transcorrer em paz”, escreveu a senadora.
A suspensão determinada por Fachin atinge trechos de decretos em que o presidente Jair Bolsonaro facilitou a compra e o porte de armas de fogo e munição.
Além disso, o magistrado restringiu os efeitos de uma portaria conjunta em que os ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Defesa liberam a compra mensal de até 300 unidades de munição esportiva calibre 22 de fogo circular, 200 unidades de munição de caça e esportiva nos calibres 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36 e 9.1mm, e 50 unidades das demais munições de calibres permitidos.
“Conquanto seja recomendável aguardar as contribuições, sempre cuidadosas, decorrentes dos pedidos de vista, passado mais de um ano e à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência política, cumpre conceder a cautelar a fim de resguardar o próprio objeto de deliberação desta Corte. Noutras palavras, o risco de violência política torna de extrema e excepcional urgência a necessidade de se conceder o provimento cautelar”, diz trecho de uma das decisões.
Os pedidos de suspensão dos decretos foram feitos pelo PT e PSB. As ações aguardam julgamento pelo plenário virtual da Corte desde 2021, após pedido de vista do ministro Nunes Marques, mas Fachin decidiu nos processos paralelos em razão da urgência das eleições.
*Texto publicado originalmente no portal do Cidadania23
Nas entrelinhas: O recado que vem dos chilenos
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Por esmagadora maioria — 61,86% —, os chilenos rejeitaram a proposta de uma nova Constituição, que buscava estabelecer maiores direitos sociais e ampliar a democracia chilena. Apenas 38,14% do eleitorado votaram a favor do texto, com 99,97% da apuração oficial concluída. O resultado surpreendeu o mundo político e a própria mídia chilena. Com o voto obrigatório, 13 milhões de eleitores participaram do plebiscito, cujo objetivo era referendar a nova Constituição, em substituição à Carta de 1980, do regime de Augusto Pinochet, reformada durante o governo de Ricardo Lagos, em 2005.
O “Rechazo” da nova Constituição foi geral, vitorioso, inclusive, na Grande Santiago, onde a esquerda e a centro-esquerda sempre foram maioria. “Esse Chile não é apenas Santiago; não foi uma eleição municipal, para se falar em bairros ricos e pobres. Há um sentimento de unidade nacional que se impôs democraticamente. A esquerda mais identitária (de todos os tipos de identitarismo) fracassou em sua perspectiva hegemônica. Isso não se chama ‘progressismo’, já que parte dos progressistas não apoiou a opção apruebo”, destaca o historiador Alberto Aggio, professor titular de História da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Franca (SP), especialista na política chilena.
Segundo ele, a disjuntiva refundação versus pinochetismo fracassou, porque era uma leitura errada do sentimento da sociedade em seu conjunto. “Não houve, da parte da ‘nova esquerda’, apenas um erro de cálculo, de direção e de voluntarismo; Boric corre um sério risco se não entender o que aconteceu. Sua única opção ‘progressista’ era e ainda é um governo ‘mais amplo’, com apoio da ex- Concertación; permanece o sentimento de elaborar e aprovar uma ‘nova Constituição’, é um sentimento majoritário no país.”
Sua observação é muito importante diante do cenário eleitoral brasileiro, no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é favorito, com uma narrativa voltada para o passado, ou seja, as realizações de seus dois mandatos, e uma agenda opaca em relação ao futuro, como quem deseja assumir o poder com carta branca para promover reformas políticas e institucionais. Ninguém sabe quais são essas reformas, a não ser que sejam deduzidas da autocrítica que o PT fez após o impeachment de Dilma Rousseff, o que não seria um bom sinal.
Agenda identitária
Até agora, a estratégia eleitoral de Lula está fundada no apoio eleitoral das parcelas mais pobres da população e de uma frente de esquerda, que rejeitou alianças ao centro nos maiores colégios eleitorais do país, todas viáveis quando Lula parecia imbatível. O erro da esquerda chilena foi esquecer as lições da crise do governo Allende e do golpe de Pinochet. A Convenção Constitucional autônoma, paritária, externa aos partidos e com uma maioria de independentes, que elaborou a nova Constituição, traduziu o “estallido social” de outubro de 2019 para o texto da nova Carta, na linha de ultrapassagem da democracia representativa, dita burguesa. Foi o erro.
A nova Constituição consagrava a paridade entre homens e mulheres em todos os cargos públicos; um “Estado plurinacional e intercultural”, reconhecendo 11 povos e nações (Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Quéchua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar, Yaghan, Selk’nam); direito à natalidade e ao aborto autônomos; Estado de bem-estar social, com educação, moradia, saúde, previdência, trabalho; a extinção do Senado e a água como bem inapropriável (a crise hídrica chilena é seríssima). Consagrava a utopia política, mas o passo foi maior do que as pernas.
A vitória de Gabriel Boric, jovem político de esquerda radical, parecia dar uma direção política mais permanente ao processo iniciado em 2019, mas o novo presidente, antevendo as dificuldades, assumiu um perfil mais conciliador, apesar da forte oposição à esquerda. A nova Constituição traduzia o desejo da esquerda chilena de refundar o país, mas essa não é a vontade da maioria dos chilenos. Está posto um novo problema, porque também não se pode voltar à velha Carta de Pinochet.
A situação do Chile serve de advertência para a frente de esquerda que se formou em torno do ex-presidente Lula. O presidente Jair Bolsonaro (PL) faz campanha com uma agenda emergencial, alavanca sua candidatura com o pacote de bondades insustentável fiscalmente. Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) tentam oferecer alternativas de futuro, sem os mesmos lastros de poder e/ou eleitoral dos que lideram a disputa. A mesma coisa faz Felipe D’Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil). Lula precisa apresentar sua alternativa para o futuro e rechaçar a veleidade de que o Brasil dará uma grande quinada à esquerda. O que as pesquisas estão mostrando é outra coisa.
O que aconteceu com o Brasil?
Por Marco Antonio Villa*
Não será tarefa fácil para o pesquisador quando se debruçar sobre o Brasil de 2022 como objeto de estudo. O historiador poderá contar com fontes primárias e secundárias, com arquivos pessoais e com depoimentos, se assim o desejar, de atores – protagonistas ou não – da conjuntura política. Apesar disso, não creio que conseguirá obter respostas imediatamente. Pode ser que o tempo, o desenrolar da nossa história seja um aliado. Pode ser. Contudo, a complexidade do momento histórico vai levar o pesquisador para alguns temas de difícil explicação.
Como compreender historicamente – no sentido de Lucien Febvre – as eleições de 2018? O que aconteceu com o Brasil? E, mais concretamente, o que aconteceu conosco? Que País era aquele que elegeu um incapaz para a Presidência da República? No primeiro turno foram apresentados diversos candidatos que tinham história, programa e compromisso com a democracia. Mas o eleitor desconsiderou. Qual a razão? Foi só um voto de protesto ou algo mais?
E a formação do Congresso Nacional? A renovação, especialmente do Senado, foi significativa, a maior dos tempos recentes. Isso mudou alguma coisa? No triângulo de ferro da política nacional, São Paulo. Minas Gerais e Rio de Janeiro, foram eleitos de forma surpreendente – meia dúzia de senadores. Em outros estados acabaram sufragados pelo voto popular neófitos na política regional.
Como explicar as derrotas das lideranças tradicionais? Depois de mais de três anos e meio de mandato presidencial, Jair Bolsonaro conseguiu sobreviver a maior tragédia sanitária da história nacional, desprezou a ciência, todas as recomendações dos especialistas em saúde pública e, mesmo assim, está muito bem-posicionado nas pesquisas de intenção de voto e, provavelmente, irá ao segundo turno. Teve êxitos econômicos que poderiam compensar o desastre da pandemia? Não. Edificou políticas sociais de longo prazo e, assim, fortaleceu o apoio das classes populares? Não. Foi um defensor da democracia como valor fundamental para enfrentar os grandes dilemas nacionais? Também não.
O Brasil, hoje, é quase como um daqueles problemas matemáticos que permanecem séculos para serem decifrados. Lembrando de Ortega y Gasset, é um País invertebrado. E que vive um dia após o outro sem que haja uma reflexão sobre o passado mais recente, o que aconteceu neste último quadriênio, ao menos. Por quê? O que aconteceu com o vibrante Brasil? Para onde foi a brava gente brasileira?
Publicado originalmente no blog Horizontes democráticos
Nas entrelinhas: Estratégia de Lula levará disputa para o segundo turno
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
As pesquisas estão mostrando que a estratégia de campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que era o franco favorito das eleições, não está viabilizando sua vitória no primeiro turno. Ao contrário do levantamento do Ipec de terça-feira, que não captou a repercussão do debate entre os candidatos, a pesquisa do Ipespe, divulgada ontem, revelou alterações importantes. Na primeira, Lula ainda venceria as eleições no primeiro turno; na outra, não haveria a menor chance de isso acontecer, porque, a 32 dias das eleições, a distância entre o petista e o presidente Jair Bolsonaro é de seis pontos na pesquisa espontânea (40% a 34%) e oito na estimulada (43% a 35%). Lula caiu um ponto na estimulada, e Bolsonaro cresceu quatro na espontânea.
O ex-presidente está enfrentando dois problemas: a lenta recuperação de Bolsonaro em alguns segmentos, como evangélicos e mulheres, na Região Sudeste e na população de renda até um salário mínimo, que até agora parece ser insuficiente para ultrapassá-lo, mas é o bastante para aproximá-lo do petista no segundo turno; e a resiliência dos candidatos da chamada terceira via, que se mantêm na disputa e ocupam uma franja do eleitorado antipetista que não pretende voltar para os braços de Bolsonaro, ao menos no primeiro turno. Ciro avançou um ponto na espontânea (4% para 5%) e manteve os 9% de julho. Simone Tebet subiu de 1% a 3% na espontânea, e ganha também um ponto na estimulada, de 4% para 5%. Felipe D’Ávila continua com 1%, tanto na espontânea quanto na estimulada.
Lula tem forte expectativa de poder a seu favor, mas sua vantagem em relação a Bolsonaro no segundo turno começou a cair, passando de 17 para 15 pontos. Continua sendo uma boa margem, o suficiente para demover o presidente da República de qualquer tentativa golpista, ainda mais porque ficaria muito difícil contestar o resultado das eleições com uma diferença de tal ordem. Mas o cenário efetivamente está em mudança. A pesquisa mostra que a percepção popular em relação ao governo melhora, com reflexos nos índices de rejeição de Bolsonaro.
Recuperação
A geração de fatos positivos pelo governo, a partir da aprovação da PEC Emergencial e do pacote de bondades, começa a repercutir na avaliação do Executivo e na rejeição de Bolsonaro. Auxílio Brasil, vale-gás, auxílio caminhoneiro, auxílio taxista, empréstimo consignado e reduções no preço dos combustíveis servem de agenda positiva para a campanha do presidente no rádio, na televisão e nas redes sociais.
Resultado: sua aprovação foi de 36% para 39%, enquanto a desaprovação diminuiu, de 59% para 57%; a avaliação positiva (“ótima/boa”) foi de 32% para 35%, e a negativa (“ruim/péssima”) recuou de 49% para 46%. A avaliação do desempenho de Bolsonaro também melhorou: o “ótimo/bom” foi de 32% para 35%, enquanto o “ruim/péssimo”, de 49% para 47%. Um dado que merece atenção foi a redução da rejeição de todos os candidatos, exceto Lula, que oscilou de 43% para 44%. A de Bolsonaro recuou três, de 58% para 55%; de Ciro, de 40% para 39%; e de Simone, de 35% para 32%.
Onde Lula pode ter errado? Na política de alianças. A opção estratégica da campanha dele foi ganhar as eleições com uma frente de esquerda, com base numa análise de que havia uma guinada nessa direção em toda a América Latina, e no Brasil não seria diferente. Chile e Colômbia seriam os grandes exemplos de vitória da esquerda com um discurso mais moderado e democrático, mas claramente mudancista. A ideia de uma frente ampla parou na vice para o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, ao se rejeitar qualquer possibilidade de aliança mais ao centro, por exemplo, com o ex-presidente Michel Temer. Na verdade, não passou de retórica para esvaziar a chamada terceira via e constranger os setores que a apoiavam a derivar por gravidade em direção a Lula.
Essa estratégia não está esgotada, porque o “voto útil” pode renascer das cinzas na reta final da campanha, mas está dando errado, principalmente nas eleições estaduais, inclusive São Paulo, onde esses setores de centro podem ser empurrados em direção a Bolsonaro. Nesse aspecto, as candidaturas de Ciro e Simone podem ser a salvação da lavoura, mantendo Bolsonaro distante de Lula e abrindo a possibilidade, aí sim, no segundo turno, da articulação de uma frente ampla cuja tecelagem, obviamente, dependeria de uma mudança de atitude de Lula, do seu projeto de governo e da construção de novas alianças, bem mais amplas
O Jornal do País nas bancas e as batalhas da memória na transição à democracia no Brasil
Antônio Fernando de Araújo Sá[1]
Vinte anos depois, o Brasil acordou mais feliz porque descobriu que 1964 foi apenas um pesadelo.
Herbert Souza (Jornal do País Nas Bancas. n. 1, p. 2.)
Na primeira metade dos anos 1980, a memória da resistência ao autoritarismo e a violência da ditadura empresarial-militar consolidou a recuperação das “memórias coletivas silenciadas ou deformadas” de parte de intelectuais, artistas, estudantes, militantes de esquerda, sindicalistas e trabalhadores rurais e urbanos (WERNECK DA SILVA, 1985: p. 11). Além da cinematografia, como Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho, e Jango (1984), de Silvio Tendler, iniciativas editoriais se constituíram para associar a memória ao processo incessante de consolidação da democracia e do desenvolvimento de uma cultura política de defesa dos direitos humanos, como o livro Brasil: Nunca Mais, desenvolvido sob a liderança da Arquidiocese de São Paulo (1985), ou a coleção Brasil: Os anos de autoritarismo, da Jorge Zahar Editor.
Dentre as iniciativas editoriais, destacamos o Jornal do País Nas Bancas, cujo número inaugural data da semana de 11-22 de abril de 1984, publicado pela Editora Século Vinte, tomando-o como ponto de partida para se pensar as batalhas da memória da ditadura nos vinte anos do golpe civil-militar de 1964. Como as efemérides são conjunturas que ativam a memória, a partir da qual se pode estabelecer uma “relação entre datas e eventos como veículos e suportes da memória”, nesse exemplar estão demarcadas as disputas da invenção da data do golpe: para os militares, seria 31 de março; para a oposição, 1º de abril, bem como a definição do caráter do acontecimento como revolução, golpe ou regime militar (CARVALHO e CATELA, 2002: p. 195).
Nas primeiras eleições para governadores, em 1982, a campanha vitoriosa do trabalhismo de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, trouxe a discussão do caráter do socialismo brasileiro e a defesa dos direitos dos negros, dos índios, das mulheres e dos favelados (GOMES, 2016: p. 307). No processo de formação, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) buscava construir um perfil plural capaz de aglutinar correntes e experiências variadas. Contudo, como ressaltou José Trajano Sento-Sé (2004: p. 57), a “adoção ao socialismo e a defesa do pluralismo interno não dissimulavam tensões e conflitos”.
Mesmo com propostas arrojadas em torno da democracia e da cidadania, houve certa ambiguidade de Brizola com relação à Campanha das Diretas Já, pois “havia proposto um mandato-tampão para Figueiredo como estratégia de transição”, pouco antes do comício de Curitiba, em 12 de janeiro de 1984, e “se viu obrigado a aderir à campanha” (RODRIGUES, 2003: p. 44). Segundo Paulo Cannabrava Filho, diretor da sucursal, o semanário Jornal do País Nas Bancas nasceu, por iniciativa de Neiva Moreira, então secretário de comunicação do governo de Brizola, para sustentar a campanha das Diretas Já e que sobreviveu por cerca de dois anos (1984-1986), saindo aos domingos (CANNABRAVA, 10/5/2012). Além de Neiva Moreira, diretor, a linha de frente do jornal era composta por Ivan Alves, editor, e Cícero Sandroni, chefe de redação, além de correspondentes por todo o país. Ao desafiar a ditadura, essa campanha necessitou constituir um veículo que pudesse dar voz à ruidosa erupção da sociedade civil contra a transição “lenta, gradual e segura”, segundo a estratégia da ditadura então decadente.
No editorial, o jornal explicitava suas intenções, “com a pretensão de situar-se nesse espaço aberto à imprensa independente”, ao veicular informações objetivas, que não implicavam em neutralidade, “quando se imponham tomadas de posições firmes e abertas, seja na defesa de interesses nacionais e populares, na conquista e preservação da democracia, como no respeito aos direitos humanos e sociais” (MOREIRA, 11-22/04/1984: p. 2).
Um das características do jornal foi o pluralismo de variadas tendências da esquerda brasileira, com a presença de intelectuais, artistas e militantes políticos, como José Guimarães Neiva Moreira, jornalista e político, um dos fundadores da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), nos anos 1960, e do Partido Trabalhista Democrático (PDT), Ivan Alves, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Herbert de Souza, ex-militante da Ação Popular (AP), Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini, ex-militantes da Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (POLOP), entre outros.
A capa do primeiro exemplar estampou o comício das Diretas Já, no Rio de Janeiro, que, no dia 10 de abril, havia congregado mais de uma milhão de pessoas. Desencadeada a partir da emenda Dante de Oliveira, que restabelecia as eleições diretas para a presidência da República, a campanha representava uma ruptura radical com a abertura pactuada, aglutinando lideranças políticas de diversas correntes, artistas e intelectuais.
Essa mobilização da sociedade civil encontrava respaldo nos setores organizados do proletariado, no chamado “novo sindicalismo”, e em segmentos da classe média, que, com a “recessão e a volta da inflação (...) prenunciavam o desgaste do importante apoio dado ao regime militar pelas elites econômicas e pelos setores médios” (RODRIGUES, 2003: p. 13). Nesse sentido, a proposta do jornal era trazer notícias para além do Rio de Janeiro e São Paulo, tornando-se um “jornal verdadeiramente nacional”, expressando o combate à política econômica, dominada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em defesa dos interesses nacionais, bem como a emergência de novos protagonistas na cena social, como associações de favelados e moradores, sindicatos, universidades, pequena e média empresa e a Igreja.
Um registro importante entre os novos protagonistas é a presença da luta indígena, com as falas de Mário Juruna, deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro, que criticou o Governo militar, o desemprego e a defesa das eleições livres e diretas no carro de som do Comitê Pró-Diretas do Rio, na Cinelândia. A presença da liderança indígena na política nacional enquanto sujeito da história trazia análises preconceituosas por parte de alguns setores políticos, intelectuais e da imprensa, como podemos ver na afirmação de que, nesse comício, “Não faltaram nem mesmo as falações pitorescas, como as do deputado xavante Mário Juruna (PDT)” (RODRIGUES, 2003: p. 75).
Contudo, a pertinácia das ações políticas desse deputado pode ser encontrada na denúncia que fez, ao lado do cacique Raoni, sobre a responsabilidade do então presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o economista Octávio Ferreira Lima, em não estabelecer o diálogo com os povos indígenas em conflitos, como na Bahia e no Mato Grosso. Em discurso na Câmara Federal, Juruna interpelou os deputados: “Sabem quem manda no Brasil? Quem manda é americano, alemão, japonês. Eu quero que o brasileiro assuma o Brasil” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 4).
Ao mesmo tempo, o jornal tinha por objetivo articular os fatos nacionais aos internacionais, especialmente às lutas dos povos pelo desenvolvimento independente e justiça social (MOREIRA, 11-22/04/1984: p. 2). Essa preocupação com a política internacional decorria da experiência jornalística dos Cadernos do Terceiro Mundo, publicados, inicialmente, na Argentina (1974), relançados no México (1978), em Portugal e África (1978) e, depois, no Brasil (1980), “cobrindo a temática internacional a partir da ótica de cientistas políticos, jornalistas e lideranças dos países do Sul” (BISSIO, 2015: p. 21). A editora, que publicava o jornal, mantinha também a periodicidade dos referidos cadernos, compondo um quadro editorial preocupado com a comunicação Sul-Sul.
No exemplar, Herbert Souza traçou um retrato imaginário de como seria o Brasil se o golpe de 1964 tivesse sido desarticulado, acreditando que estaríamos bem melhor do que a crise econômica vivenciada à época. Imaginariamente, tínhamos superado a ação golpista com a intervenção combinada entre partidos e movimentos populares, em aliança com o governo de Goulart, afastando os militares mais conservadores e ligados ao “IPES e companhia”. A reforma agrária era aprovada no primeiro semestre de 1965, proporcionando a democratização do acesso à terra e a ampliação do mercado interno. O coronelismo foi sepultado sem flores, nem velas. A reforma urbana complementou a melhoria da vida dos setores populares, com a solução do problema da casa própria. Ao mesmo tempo, o planejamento urbano incorporou a conservação da natureza como elemento obrigatório. A descentralização industrial contribuiu para a diminuição das desigualdades regionais. A subordinação dos interesses internacionais às necessidades nacionais foi instituída com a nova Lei do Capital Estrangeiro e o Código de Conduta para as Empresas Transnacionais. A democracia avançou com o fortalecimento da sociedade civil, tendo o município como centro fundamental de ação do Estado, ao mesmo tempo houve a democratização dos meios de informação. Portanto, a “democracia que parecia impossível foi sendo construída por seus produtores naturais, o movimento popular” (SOUZA, 11-22/04/1984: p. 2).
Esse sonho imaginário, contudo, não espelhava a realidade do país, como demonstravam as notícias sobre a crise econômica, que combinava estagnação e inflação, mas nem tudo estava perdido, pois a mobilização popular se materializava em verdadeira “apoteose das diretas”, na maior manifestação da História do Brasil. Para o locutor oficial da campanha, Osmar Santos, “O coração do Brasil está aqui”, quando a Avenida Presidente Vargas se transformou na “Avenida das Diretas”, com a presença “mais de um milhão de pessoas (...) [em] todos os espaços da avenida”. (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 7).
A vertigem dos dias da campanha fez com que se acreditasse que “o golpe de misericórdia na ditadura militar estava ao alcance das nossas mãos” e o jornal reproduzia essa sensação, adjetivando-o como apoteótico, em um tom otimista de que se podia derrotar o colégio eleitoral, forjado pela ditadura. Mesmo derrotada em seu objetivo imediato, essa campanha “impôs à democratização brasileira uma nova pauta política” (RODRIGUES, 2003: p. 11 e 14).
Mas o que nos interessa aqui é o caderno Brasil, 1º de Abril, que traz fatos e testemunhos do golpe de 1964, com a intenção de “dizer a verdade” para as novas gerações, “que não viveram esses episódios” ou que “não tiveram pela consciência” daquele processo traumático (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 17-28).
Segundo o jornal, a “história da conspiração que levou ao golpe de 1964 está contada apenas em parte, e como os fornecedores de documentos são justamente os que nela estavam envolvidos, tem-se por certo que os episódios mais comprometedores ainda permanecem desconhecidos” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 23). Mesmo assim, o caderno especial traz elementos para se pensar o dia que durou vinte e um anos, em uma proposta plural de confronto de ideias entre aqueles que apoiaram e os que combateram o autoritarismo ao longo da ditadura, mas que, no cômputo geral, priorizou a recuperação das “memórias coletivas silenciadas ou deformadas” de parte de políticos, intelectuais, militantes de esquerda e militares perseguidos.
A tônica jornalística girava em torno da defesa das reformas de base do governo João Goulart, pela “extraordinária atualidade da visão política nacional” nas palavras de Valdir Pires, ex-consultor geral da República, à época do golpe. Na reportagem, o débil e instável equilíbrio da democracia no Brasil, após a posse de João Goulart como presidente em 1961, sucumbiu em uma sucessão de eventos, que precipitou o fim de uma época histórica - Comício da Centra do Brasil (13/3/1964), Marcha da Família, com Deus pela Liberdade (19/3/64), Motim dos Marinheiros (25-27/3/64) e a reunião com os sargentos (30/3/64) (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 17).
Para Ricardo Maranhão, a “margem de democracia existente no período mostrou ser suficientemente grande para prejudicar o desenvolvimento do capital monopolista”, especialmente com o avanço da radicalização política das esquerdas brasileiras. Todavia, essas mesmas esquerdas “não puderam impedir que a autonomia relativa do Estado acabasse por transformá-lo em verdadeiro Leviatã do grande capital” (MARANHÃO,1986: p. 294).
O papel da CIA na trama do golpe teve destaque com a disponibilização de documentos da Biblioteca Lyndon Johnson, no Texas, como telegramas que indicavam o general Olímpio Mourão Filho como “líder da organização militar que pretendia depor o Presidente João Goulart”, enviado no dia 4 de maio de 1963, quase um ano antes da efetivação do golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 17). Para René Dreifuss, autor do livro 1964, a conquista do Estado, “Apesar de o General Mourão Filho ter desencadeado o golpe, foi sem dúvida a elite orgânica do complexo IPES-IBAD quem colheu os frutos da vitória”, tendo à frente o General Castelo Branco, o General Goubery do Couto e Silva, “quem realizou a parte cerebral do golpe”, e o ipesiano Roberto Campos (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 21).
O apoio do governo norte-americano não se restringiu às articulações de bastidores para a efetivação do golpe, já que foi enviada uma esquadra para o litoral brasileiro às vésperas do 31 de março de 1964. Essa ação foi destacada pelo brigadeiro Francisco Teixeira, à época do golpe, comandante da 3ª. Zona Aérea, no Rio de Janeiro, “convém não esquecer que a esquadra americana navegava em nossa costa, aparentemente preparada para intervir em qualquer eventualidade”. Segundo ele, a organização da resistência militar ao golpe foi infrutífera pela desarticulação dos setores militares que apoiavam o governo. Já da parte dos golpistas, eles “tinham perfeita organização”. Sobre a possibilidade de ataque da esquadrilha de caça às tropas de Mourão, o brigadeiro afirmou que “Os aviões subiriam, mas num determinado momento, teriam que baixar. E aí? Onde?” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 19).
No caderno especial, outros dois outros militares legalistas registraram seus testemunhos em defesa do governo Goulart: General Euriale de Jesus Zerbini e o Brigadeiro Rui Moreira Lima. O primeiro tentou resistir com a Infantaria Divisionária, em Caçapava, interior de São Paulo, mas os prometidos envios de reforços militares não se concretizaram, sendo um dos primeiros cassados da lista de 9 de abril de 1964. O segundo somente entregou o comando da Base de Santa Cruz, no dia 3 de abril de 1964, quando discursou para a tropa, defendendo o governo do presidente deposto. O que lhe rendeu três Inquéritos Policiais Militares e 153 dias de prisão (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 25).
Em seu testemunho sobre o comando da resistência, organizado no Departamento de Correios e Telégrafos, no Rio de Janeiro, Neiva Moreira afirmava que “tínhamos condições concretas de liquidar a conspiração golpista”. Para ele, o “intento golpista de 1961 repetiu-se em 1964 e este, diferentemente daquele, só foi vitorioso por não se defrontar com um comando eficaz de resistência”. Nesse sentido, reiterava a “resistência de Goulart em aceitar qualquer tipo de ação armada”, que, na sua avaliação, foi equivocada, pois, se não queria o derramamento de sangue, “nunca, no Brasil, morreu tanta gente como nesses 20 anos de ditadura militar, de tortura, de fome ou de desespero” e as “sequelas de um golpe militar que poderia ter sido derrotado com muito menos derramamento de sangue” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 20-21).
Considerado como o “filme do momento”, Jango, de Silvio Tendler, foi retratado pelo jornal como uma “reconstituição histórica do filme [que] ajuda a reavivar a memória dos esquecidos, na busca de semelhanças e diferenças” entre o pré-1964 e a campanha das Diretas Já (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 23). O presidente deposto foi retratado “como um homem progressista e nacionalista, dando especial atenção à política externa de seu governo: visita à URSS, visita à China de Mao Tse Tung, ruptura com o alinhamento automático com os EUA, reconhecimento do novo governo cubano, etc.”, compartilhando da visão da esquerda que deu apoio ao governo Jango, especialmente os trabalhistas e os comunistas. Mesmo os depoimentos contrários à essa versão acabaram por reforçá-la na narrativa fílmica (BERNARDET & RAMOS, 1988: p. 44 e 45).
Enquanto diversos setores da sociedade tentavam relegar o presidente Goulart ao esquecimento e ao silêncio, o filme, como objeto de memória, se propunha a recuperar a personagem histórica, exercendo seu papel na formação, reorganização, enquadramento e rearranjo da memória coletiva, especialmente na conjuntura de ascenso da campanha das diretas para presidente da República.
Por conta da entrevista, à época, do ex-cabo José Anselmo ao repórter Octávio Ribeiro, da revista Isto é, há uma matéria em que se construiu a imagem de um traidor, cuja “extrema covardia” foi entregar a própria mulher aos órgãos da repressão, entre centenas de companheiros. Considerado um agente treinado pelo FBI e infiltrado nos movimentos que antecederam o golpe de 1964, esse personagem não deixava dúvidas: “Desde o começo, [estava ali] para trair” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 23).
Por outro lado, o caderno traz testemunhos de militares que apoiaram o golpe civil-militar em 1964, mas que, aos vinte anos do evento, tinham críticas pontuais ao movimento militar. Para o General Ernani Airosa, houve “desvios dos objetivos da Revolução de 31 de março na decretação do Ato Institucional n. 2, de 1966”. Segundo seu depoimento, a partir daí, “ocorreram problemas que causaram a decretação do Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 27 e 26).
Segundo o General Andrada Serpa, à época, candidato à presidência do Clube Militar, “decorridos 20 anos, a Revolução de 1964 pertence hoje à História, e só pode ser julgada pela História”. Criticando a incompetência e a corrupção do momento vivido em 1984, o militar defendia as eleições diretas como saída para a crise institucional brasileira, especialmente a “situação aviltante para nossa soberania”, pela dependência ao Fundo Monetário Internacional. No mesmo sentido, as partidárias da Marcha com Deus, pela Pátria e pela Liberdade, em 1964, como D. Alice de Sousa Amaral e D. Julieta Nunes Pereira, também clamavam pelas eleições diretas e contra a “corrupção e incompetência” dos governantes, na fala da primeira, bem como o fato de o Brasil estar “entregue a grupos estrangeiros”, para a segunda. Para ambas, os “militares nos traíram” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 27 e 26).
Em contrapartida, o General César Montagna de Sousa considerava que “o movimento de 31 de março cumpriu plenamente seus objetivos e não se desgastou ao longo dos seus 20 anos de existência”. Para ele, “a Revolução Democrática de 31 de março continua atuante, firme e decidida no caminho da normalidade constitucional e com a missão inarredável de transformar o Brasil numa grande Nação” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 27).
Dentro da proposta de colocar frente a frente os que apoiaram e os que se opuseram ao golpe de 1964, o jornal ouviu políticos e intelectuais de vários matizes ideológicos para compor um quadro plural da conjuntura nos vinte anos do evento. Dos que apoiaram, Magalhães Pinto afirmava que “só um pacto de transição poderá garantir uma saída para a crise brasileira”. Assim, “em primeiro lugar, o restabelecimento da eleição direta, que ‘devolverá ao povo a gestão do seu próprio destino’”. Para Sandra Cavalcanti, o movimento de 1964 objetivava “impedir que o país fosse subjetido (sic) a um golpe (...) e passasse a ser uma ditadura sul-americana, governada por um caudilho”. Com uma tônica de advertência, o Almirante Silvio Heck afirmava que “Ousem ultrapassar os limites do tolerável e verificarão que o 31 de março não acabou” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 28).
Dos opositores ao golpe de 1964, Darcy Ribeiro afirmava que o “Brasil precisa ser passado a limpo. Precisa enfrentar o capital estrangeiro, as multinacionais e fazer uma ampla reforma agrária para salvar os pobres”. Essas ideias já estavam presentes no governo Goulart e permaneciam atuais, pois “1% da população que já era rico em 1964 ficou muito mais rico. E os 50% que já eram pobres tornaram-se mais miseráveis”. Para Giocondo Dias, “O golpe de abril não foi uma quartelada tradicional, mas um intento calculado das elites brasileiras para excluir as massas do processo político”. Para Almino Afonso, o golpe “Acabou matando a democracia, instituindo um sistema repressivo”. Para José Gregori, “Estávamos em pleno regime de reformas e a revolução de 64 significou uma contra-reforma, com o apoio do poder econômico e mesmo da classe média”. Para Nelson Werneck Sodré, “ao contrário de outras intervenções militares anteriormente acontecidas no Brasil, a ação de 1964 contava com sólido apoio externo” (JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS, 11-22/04/1984: p. 28).
Segundo Alessandra Carvalho e Ludmila da Silva Catela, nos vinte anos do golpe, a maioria dos artigos jornalísticos, na grande imprensa, se concentrava em dois momentos históricos distintos da memória da repressão: o governo Médici (“Ame-o ou deixe-o”) e a Campanha das Diretas Já. Em um contexto de crise econômica e do retorno, com a anistia, dos exilados, as campanhas oposicionistas ganharam mais espaço na imprensa, nos vinte anos do golpe, desfazendo certo “otimismo” oficial de outrora (2002: p. 208 e 211), especialmente com as manifestações de rua em defesa das Diretas Já.
Vemos que, apesar da campanha das diretas galvanizar os corações e mentes, a disputa pelos sentidos do evento se fazia presente no caderno especial do jornal, tanto na definição da data “real” (31 de março ou 1 de abril), quanto na sua caracterização como revolução, regime militar ou golpe (CARVALHO e CATELA, 2002: p. 196).
No jornal analisado, podemos identificar que a opção por definir a data de 1 de abril está consolidada no título do próprio caderno, sinalizando a posição dos vencidos daquele acontecimento histórico. Entretanto, a ideia de revolução é compartilhada por militares e alguns civis, inclusive aqueles que se opuseram ao golpe e à ditadura, como José Gregori. Mas, de um modo geral, os opositores reiteravam a “herança maldita” dos anos da ditadura militar, especialmente no que se refere à dívida externa e ao autoritarismo, opinião, em parte, compartilhada até pelo General Serpa, no que se refere à submissão do Estado brasileiro aos interesses das multinacionais (CARDOSO, 2015: p. 399).
Já os militares golpistas se apresentavam “como ‘revolucionários’ ao mesmo tempo em que defendiam a ordem, pois pretendiam modernizar o capitalismo no país sem alterar sua estrutura social. Eram antirreformistas, mas falavam em reformas” (NAPOLITANO, 2015: p. 314). O único registro dessa memória militar foi a do General César Montagna de Sousa, que defendeu o movimento de 31 de março de 1964. Também encontramos uma memória liberal que condenou os desvios do regime, “mas relativizou o golpe” (NAPOLITANO, 2015: p. 319), como foi o caso de Magalhães Pinto.
O conjunto de testemunhos registrados no caderno especial do jornal reiterava que a memória do Golpe de 64 era disputada, naquela conjuntura memorial, a partir dos sentidos da democracia, não obstante a política de esquecimento colocada em prática pela conciliação da transição democrática. De um lado, vimos uma intervenção da memória militar naquela conjuntura em combate contra a imagem dos militares, arranhada pela violência e o terror implementado pela ditadura militar, reafirmando a “Revolução Democrática” e o combate ao comunismo.
De outro, na disputa mnemônica entre a memória militar e a da esquerda, pelo menos do ponto de vista simbólico, o jornal expressava a capacidade de setores da esquerda em repassar sua memória de 64. Mesmo submetida a uma violência extrema e mantida na clandestinidade, a memória subterrânea dos militantes de esquerda dos anos 1960-1970 soube construir uma rede simbólica e marginal na família e nos círculos de amizades, o que possibilitou a sua emergência no processo de redemocratização, denunciando as cassações, prisões e torturas a que foram submetidos (VASCONCELOS, 1998).
Nesse ensaio histórico, buscamos recuperar a trajetória de um jornal plural, que trouxe significativa contribuição ao debate intelectual no Brasil na transição à democracia, discutindo a lógica da dependência econômica a partir do diálogo com países da América Latina, da África e da Ásia, mas principalmente os sentidos da democracia em um momento decisivo para os contornos da chamada Nova República. Entretanto, essa publicação tem sido preterida por parte dos estudos universitários, já que não encontramos nenhum trabalho sistemático, dando conta de toda a sua trajetória, que relevasse o pluralismo de ideias defendido pelo periódico.
BIBLIOGRAFIA
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BISSIO, BEATRIZ. Bandung, Não Alinhados e Mídia: O papel da revista “Cadernos do Terceiro Mundo” no diálogo Sul-Sul. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, v. 4, n .8, p. 21-42, jul./dez. 2015.
CANNABRAVA FILHO, Paulo. Morre Neiva Moreira. 10/5/2012 http://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/morte/50024/morre-neiva-moreira Acesso em 03/05/2022.
CARDOSO, Lucileide Costa. 50 anos depois: Discursos de memória e reconstruções históricas sobre o golpe de 1964 e a ditadura brasileira. In: LOFF, Manuel; PIEDADE, Filipe e SOUTELO, Luciana Castro (orgs.). Ditaduras e revolução: democracia e políticas de memória. Lisboa: Almedina, 2015, p. 375-402.
CARVALHO, Alessandra e CATELA, Ludmila da Silva. 31 de marzo de 1964 en Brasil: memorias deshilachadas. In: JELIN, Elizabeth (comp.). Las conmemoraciones: Las disputas en las fechas “in-felices”. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2002, p. 195-244.
GOMES, Ângela de Castro. Brizola e o trabalhismo. In: FREIRE, Américo e FERREIRA, Jorge. A Razão Indignada: Leonel Brizola em dois tempos (1961-1964 e 1979-2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
JORNAL DO PAÍS NAS BANCAS. Ano I, n. 1, 11 a 22/04/1984.
MARANHÃO, Ricardo. O Estado e a Política Populista no Brasil. FAUSTO, Boris (coord.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, v. 3. São Paulo: Difel, 3ª ed., 1986.
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NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.
RODRIGUES, Alberto Tosi. Diretas Já: O grito preso na garganta. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2003 (Coleção História do Povo Brasileiro).
SENTO-SÉ, João Trajano. As várias cores do socialismo moreno. Anos 90, Porto Alegre, v. 11, n. 19/20, p.49-76, jan./dez. 2004.
VASCONCELOS, José Gerardo. Memórias do Silêncio: Militantes de esquerda no Brasil autoritário. Fortaleza: Editora da UFC, 1998.
WERNECK DA SILVA, José Luiz. A Deformação da História ou Para Não Esquecer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1985 (Coleção Brasil: os anos de autoritarismo).
[1] Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. Doutor em História Cultural pela Universidade de Brasília. E-mail: fernandosa@academico.ufs.br. Agradeço a leitura crítica e as sugestões do historiador Ivan Alves Filho.
Vladimir Carvalho destaca produção nacional: “Nosso cinema é excelente”
João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
No país do cineasta Glauber Rocha e de filmes como Cidade de Deus, o recorde de bilheteria é de filmes como Vingadores: Ultimato (R$ 338,8 milhões). No entanto, o caminho pode mudar. O filme Medida provisória, dirigido por Lázaro Ramos, lançado em abril deste ano, alcançou a marca de 100 mil espectadores e arrecadou mais de R$ 2 milhões em bilheteria na primeira semana de estreia.
O mercado internacional tem atraído mais público para as salas de cinema brasileiras do que as produções nacionais, o que, segundo o cineasta e documentarista Vladimir Carvalho, não é um problema exclusivo do Brasil. “As pessoas acham que [essa forma de atrair plateia] partiu de uma iniciativa privada, mas não é verdade. A indústria americana também contou com investimento do estado nesse tipo de produção que é quase uma fórmula. É a capitalização, dá certo”, explica.
Crítico e professor de comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB), Ciro Inácio Marcondes diz que sempre foi mais fácil consumir o audiovisual estrangeiro do que o brasileiro. “Parte de um assédio do cinema internacional em cima do nacional. Existem muitas distribuidoras americanas instaladas no Brasil que fazem parte dos mesmos estúdios que produzem e têm contratos com os cinemas”, afirma.
A discussão sobre o audiovisual é reforçada todos os anos com a celebração do Dia Nacional do Cinema Brasileiro, comemorado em 19 de junho. De acordo com relatos, em 1898, dois irmãos italianos capturaram as primeiras imagens em movimento no Brasil. A data, então, foi estabelecida como a da sétima arte nacional, pela Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Movimento de Vanguarda
O destaque do mercado, conforme avalia Vladimir Carvalho, vai para o momento em que os cineastas passaram a retratar problemas sociais nas telas. “O cinema novo assumiu a brasilidade. Foi um movimento de vanguarda”, ressalta o cineasta paraibaino, radicado em Brasília.
O período descrito por Vladimir Carvalho marca, segundo ele, o antes e depois na sétima arte. “Deus e o Diabo na Terra do Sol, por exemplo, conta uma história do nordeste. Glauber Rocha assumiu a responsabilidade de contá-la”, analisa. O cinema novo foi de 1960 a 1970.
No entanto, o professor Marcondes discorda. Segundo ele, existem vários ou nenhum “antes e depois”. “São vários momentos e núcleos que se dividem em geografias diferentes para o Brasil. São regiões e investimentos diferentes que não nos permitem dividir o cinema nacional de um lado para o outro”, diz.
Ancine sucateada
O crítico de cinema afirma que o futuro do audiovisual é muito incerto. “Neste governo, fundos foram cortados, leis passaram a ser questionadas, a Ancine e a Cinemateca foram sucateadas”, diz Marcondes, para acrescentar que as ações culturais dependem de políticas públicas, não só federais, mas regionais.
Marcondes acredita que o fato de a Lei Rouanet estar sob crítica não vai afetar o futuro do cinema nacional. “Acho que o que é importante é ter fundos regionais e nacionais de financiamento direto e não via isenção fiscal”, opina.
Vladimir Carvalho lembra ter enfrentado problemas para ocupar a televisão, nos seus tempos de produção, o que, segundo ele, não ocorria com as produções norte-americanas. “Os cinemas no mundo foram sufocados pelo mercado comandado pelos Estados Unidos”, afirma.
Das produções que dirigiu, Vladimir Carvalho destaca o documentário Conterrâneos Velhos de Guerra (1990). “Não repercutiu tanto, mas posso dizer que foi a melhor coisa que fiz, que acertei”, afirma o cineasta sobre o longa que mostra pessoas vindas do nordeste para construir Brasília por volta de 1950.
“Nosso cinema é excelente”
O documentarista diz ser otimista para reverter a situação e colaborar para que o cinema nacional seja devidamente valorizado. “Mesmo com as dificuldades, temos ferramentas e o nosso cinema é excelente”, diz.
Mesmo durante a pandemia, o cinema brasileiro tem mostrado o seu destaque. A Ancine contabiliza 38,5 mil filmes publicitários no Brasil em 2021. A pesquisa da Kantar Ibope Media, divisão latino-americana da Kantar Media, líder global em inteligência de mídia, destaca, por sua vez, que o investimento em publicidade chegou a R$ 69 bilhões no mesmo período. De acordo com o levantamento, as produções audiovisuais do país concentraram 63% do total investido.
Ciclo de debates
Como forma de celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ambas em Brasília, realizou eventos para lembrar o modernismo no cinema brasileiro.
Realizados de forma online, os encontros debateram, em 2021 e 2022, filmes como Bang Bang (1971) e Terra em Transe (1967).
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da fundação, Cleomar Almeida.
Dia Mundial do Meio Ambiente 2022 será transmitido ao vivo neste domingo
No próximo domingo (5) acontece o Dia Mundial do Meio Ambiente, evento que há 50 anos convoca a humanidade para celebrar a riqueza do planeta e destacar os perigos que ele enfrenta.
Com o tema “Uma Só Terra”, o evento deste ano será transmitido ao vivo da Suécia e Nairóbi, através do site oficial da data.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) produziu um guia prático sobre o tema de 2022, que serve como uma bússola para orientar governos, cidades, empresas, grupos comunitários e indivíduos sobre as principais ações ambientais que podem ser implementadas para efetuar mudanças reais.
Há 50 anos acontecia, em Estocolmo, na Suécia, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Considerada como a primeira cúpula ambiental global, a conferência consolidou, entre outros importantes marcos, a ideia de criar um Dia Mundial do Meio Ambiente.
A primeira celebração ocorreu dois anos depois, em 1974. Desde então, o evento anual, que acontece sempre no dia 5 de junho, ajudou a exaltar o planeta e a destacar os perigos que ele enfrenta. Especialistas dizem que isso também impulsionou mudanças, ajudando na criação de tratados globais que abrangem várias agendas, desde poluição plástica até desperdício de alimentos.
“O Dia Mundial do Meio Ambiente oferece uma plataforma para a ação coletiva”, disse o chefe de Advocacy e Comunicação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Atif Ikram Butt. “Ajuda a amplificar vozes e fortalecer a ação dos participantes para impactar a mudança.”
O Dia Mundial do Meio Ambiente surgiu em um momento de crescente preocupação com o impacto da humanidade no planeta. Uma série de desastres ambientais na década de 1960 – desde secas e desmoronamento de minas até poluição e envenenamento em massa de peixes – aumentou a conscientização sobre a fragilidade do meio ambiente. Essa fragilidade foi ilustrada pela icônica foto da Terra chamada "Earthrise", de 1972, tirada pela missão Apollo 8 - a primeira foto colorida do nosso planeta vista do espaço.
A Suécia é a anfitriã do Dia Mundial do Meio Ambiente deste ano e o tema é “Uma Só Terra”, com foco na necessidade de vivermos de forma sustentável em harmonia com a natureza. Além de homenagear a primeira conferência, o tema é um lembrete de que os recursos do planeta são finitos e estão diminuindo. Este ano, o evento de celebração será transmitido ao vivo da Suécia e Nairóbi, no dia 5.
Campanhas - Os temas anteriores do Dia Mundial do Meio Ambiente retrataram as preocupações ambientais de suas épocas. Em 1977, por exemplo, o evento se concentrou na destruição da camada de ozônio e em 1983 na chuva ácida. Enquanto algumas dessas ameaças foram superadas, outras permanecem.
A chefe da Secretaria da Coalizão Clima e Ar Limpo, Martina Otto, esteve envolvida na organização de 23 dias mundiais desde que ingressou no PNUMA, em 1999. Para Otto, a data é tanto um chamado à ação quanto uma celebração, e observa que, em alguns casos, o Dia Mundial do Meio Ambiente também precedeu a mudança global. Otto atribui à data de 2018, por exemplo, o desencadeamento de um diálogo global sobre os números crescentes da poluição plástica, dos quais cerca de sete bilhões de toneladas foram lançadas no meio ambiente desde 1950. No início deste ano, as lideranças mundiais se comprometeram a criar um tratado internacional juridicamente vinculante para acabar com a poluição plástica.
A cada ano, a data foi engajando a sociedade civil e autoridades, além de registrar um importante aumento no número de pessoas participando online das comemorações. Em 2019, por exemplo, a data foi organizada pela China, com foco na poluição do ar, e teve mais de 12 milhões de hashtags no Twitter e no site de mídia social chinês Weibo.
Em 2020, o evento foi sediado pela Colômbia com foco na biodiversidade, obtendo um engajamento ainda mais expressivo. A campanha #HoradaNatureza do PNUMA obteve mais de 100 milhões de visualizações nas redes sociais do PNUMA. O Snapchat também criou uma lente especial de realidade aumentada para a data e suas centenas de milhões de usuários em todo o mundo.
O burburinho online foi refletido pelo progresso real da política. Quatorze líderes mundiais – incluindo da Colômbia, Costa Rica, Finlândia, França e Seychelles – divulgaram uma declaração no Dia Mundial do Meio Ambiente, pedindo aos governos de todo o mundo que apoiem uma nova meta global de proteger pelo menos 30% da terra e do oceano do planeta até 2030.
2022 - O Dia Mundial do Meio Ambiente deste ano encontra o planeta enfrentando uma tripla crise de mudanças climáticas, perda de natureza e biodiversidade, e, poluição e resíduos. À medida que essas crises se tornaram mais agudas, a mensagem deste dia torna-se mais urgente. Espera-se que o envolvimento inspire centenas de eventos e ações em todo o mundo, desde um rali de veículos elétricos no Cairo até um enorme Cyclathon em Mumbai e uma unidade de lixo eletrônico em Bucareste.
A ciência é clara: é necessária uma ação urgente e transformadora para deter o declínio do mundo natural. Por isso, o PNUMA produziu o Guia Prático #UmaSóTerra, uma bússola que orienta governos, cidades, empresas, grupos comunitários e indivíduos sobre as principais ações ambientais que podem implementar para efetuar mudanças reais.
“Precisamos entender que temos apenas este mundo, este único planeta”, disse a diretora executiva do PNUMA, Inger Andersen, na semana passada. “Temos que nos mover juntos e alcançar essa sustentabilidade a longo prazo.”
*Texto publicado originalmente em Nações Unidas Brasil