Tensão, ofensas e bate-boca marcam último debate
Jean-Philip Struck | DW Brasil
Em desvantagem nas pesquisas e com risco de perder já no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou nesta quinta-feira (29/09) uma postura de "vale tudo" no terceiro e último debate da campanha presidencial.
Já no primeiro bloco, o presidente se referiu a Luiz Inácio Lula da Silva como "presidiário" e "traidor da pátria", recorreu a teorias conspiratórias e chegou a gritar quando seu microfone estava desligado.
Lula, por sua vez, em contraste com seu desempenho discreto no primeiro debate, em 28 de agosto, reagiu e devolveu os ataques, mencionando as "rachadinhas" e as dezenas de compras suspeitas de imóveis pelo clã Bolsonaro, além dos escândalos na compra de vacinas e distribuição de verbas do Ministério da Educação.
Na saraivada inicial de ataques lançadas por Bolsonaro, até mesmo a TV Globo, organizadora do debate, foi alvo. "Eu acabei com a mamata da Rede Globo", disse o presidente, que chegou acompanhado ao debate com seu filho Carlos, que é apontado como o cérebro do "gabinete do ódio" bolsonarista.
Boa parte da troca de farpas entre o presidente de extrema direita e o social-democrata Lula ocorreu ainda no início do debate.
Curiosamente, Bolsonaro e Lula nunca se enfrentaram cara a cara. Todas os ataques e críticas ocorreram em direitos de resposta ou perguntas e respostas a outros candidatos. Pelo sorteio, apenas Bolsonaro teve a chance de dirigir uma pergunta a Lula, mas o presidente, em vez disso, escolheu questionar o nanico Felipe D’Avila (Novo). Já o petista não foi sorteado para dirigir perguntas a Bolsonaro.
O presidente também voltou a repetir mentiras de debates anteriores, como a afirmação de que não tem relação ou responsabilidade pelo "Orçamento Secreto" ou de que seu governo não atrasou a compra de vacinas.
O debate ocorreu poucas horas depois da divulgação de mais uma pesquisa Datafolha, que mostrou Lula com 14 pontos de vantagem sobre Bolsonaro e com o petista mantendo suas chances de vencer no primeiro turno.
Nas últimas semanas, Bolsonaro tem ameaçado não respeitar o resultado das urnas e reforçado ataques ao sistema eleitoral. No entanto, a postura golpista do presidente em relação ao processo democrático praticamente não foi abordada por seus rivais. Apenas a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) questionou se o presidente pretende liderar um golpe caso seja derrotado, mas Bolsonaro se esquivou e a senadora não voltou a insistir no tema.
Ao longo do debate, os sete candidatos presentes também raramente seguiram os temas sorteados. Perguntas que deveriam ser, por exemplo, sobre segurança pública, viraram troca de acusações sobre distribuição de cargos no governo federal.
Interrupções e gritos também foram frequentes, com o mediador William Bonner não escondendo sua frustração com o comportamento de alguns presidenciáveis, especialmente o candidato nanico "Padre" Kelmon (PTB), que agiu como provocador e sistematicamente desrespeitou as regras no seu papel de "linha auxiliar" de Bolsonaro ao longo do debate.
Lula também chegou a perder a paciência com Kelmon e chamou o candidato do PTB de "fariseu" e "candidato laranja".
Ao longo do debate, foram pedidos 19 direitos de resposta – quase o dobro do embate anterior. Dez foram concedidos – quatro favoráveis a Lula, quatro a Bolsonaro, um a Soraya e um a Kelmon.
Houve tensão até mesmo entre os candidatos nanicos, que registram 1% ou nem pontuam nas pesquisas. Soraya e Kelmon protagonizaram outra briga da noite, com a senadora chamando o candidato do PTB de "padre de festa junina".
Simone Tebet (MDB), a exemplo do que havia ocorrido nos dois debates anteriores, direcionou críticas a Bolsonaro. Apagado ao longo do embate, Ciro Gomes (PDT) apostou mais uma vez em distribuir críticas tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Felipe D'Avila (Novo), outro candidato nanico, preferiu direcionar ataques a Lula, mostrando convergência com Bolsonaro em diversas oportunidades.
Foram mais de três horas de debate. A tensão só começou a esfriar no quarto bloco, quando o debate já entrava na madrugada. Nessa etapa, Bolsonaro aproveitou para pedir votos a aliados e outros candidatos trocaram apenas perguntas burocráticas.
Bolsonaro ataca, Lula reage
"Nós não podemos continuar no país da roubalheira", disse Bolsonaro em uma pergunta dirigida ao aliado Kelmon, na primeira dobradinha da noite com o autoproclamado padre. O presidente também disse que o petista montou uma "quadrilha".
Lula reagiu. Ao ter um pedido de resposta atendido, Lula mencionou uma série de suspeitas que pairam sobre Bolsonaro, incluindo as acusações de roubo de salários de assessores que envolvem seu clã político e as dezenas de compras suspeitas de imóveis desde os anos 1990. "O presidente quando aparecer aqui, por favor, minta menos", disse Lula.
"Num debate entre pessoas que querem ser Presidente da República, o atual presidente tivesse um mínimo de honestidade. O mínimo de seriedade. Ele falar que eu montei quadrilha? Com a quadrilha da rachadinha dele que ele decretou sigilo de cem anos, com a rachadinha da família, sabe, do Ministério da Educação? Com barras de ouro? Ele falar de quadrilha comigo? Ele precisava se olhar no espelho e saber o que está acontecendo no governo dele", disse Lula.
"Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria", rebateu Bolsonaro ao obter outro direito de resposta. "Que rachadinha? Rachadinha é os teus filhos roubando milhões. Tome vergonha na cara, Lula". Bolsonaro ainda afirmou que faz "um governo limpo, sem corrupção", embora sua administração tenha registrado diversos escândalos, como a "farra dos pastores" no MEC e acusações de propina da compra de vacinas.
Na sequência, foi a vez de Lula mencionar a série de sigilos de um século que o governo Bolsonaro decretou nos últimos quatro anos. "É uma insanidade um presidente da República vir aqui e dizer o que ele fala com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar para casa. E eu vou fazer um decreto acabando com o seu sigilo de 100 anos para saber o que tanto você quer esconder", disse Lula.
Fugindo de questionar Lula diretamente na escolha de adversários, Bolsonaro tentou usar outros candidatos para lançar ataques ao petista. Um deles foi Felipe D'Avila, do Novo. Bolsonaro questionou o liberal sobre se ele ficaria preocupado "se o governo cair na mão da esquerda". D'Avila prontamente aceitou fazer tabelinha com o presidente, criticando Lula e o PT.
O presidente tentou repetir a tática com Simone Tebet, trazendo o tema Celso Daniel para o debate. O assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) em 2002 é um tema que costuma ser explorado em círculos conspiracionistas de direita, que 20 anos depois ainda promovem acusações de que a cúpula do PT teve relação com o crime – algo descartado nas investigações.
Tebet, no entanto, não mordeu a isca lançada por Bolsonaro, e lançou uma provocação: "Falta ao senhor coragem para perguntar isso ao candidato do PT, que, segundo você, está envolvido no caso. Ele está aqui. Por que não pergunta a ele?".
A fala de Bolsonaro levou a um novo pedido de resposta de Lula. "Não é possível conviver com alguém com a cara de pau", disse o ex-presidente. "O Celso Daniel era meu amigo e foi o melhor gestor público que esse país já teve. A Polícia Civil e o MP já deram por encerrado [o caso], decidiram que é crime comum. Eu procurei o Fernando Henrique Cardoso e pedi para ele procurar a Polícia Federal, e você vem culpar o Lula pela morte de Celso Daniel? Seja responsável. Você tem uma filha de dez anos vendo o programa que você está fazendo, pare de mentir, o povo não suporta mais".
"Padre de festa junina" tumultua debate e irrita candidatos
Substituto do ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson, que teve sua candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, "padre" Kelmon tumultuou o debate em diversas oportunidades, evitando sistematicamente seguir as regras e lançando provocações para outros presidenciáveis.
Descrevendo todos os adversários de Bolsonaro como membros da "esquerda" – inclusive o liberal D'Avila –, Kelmon explicitou sua dobradinha com o presidente ao repetir, a exemplo do debate anterior, que o encontro consistia um "cinco contra dois".
Kelmon protagonizou dois bate-bocas: com o ex-presidente Lula e com a senadora Soraya. A candidata do União Brasil chamou Kelmon – que se apresenta e se veste como sacerdote ortodoxo mesmo não pertencendo a nenhuma igreja de comunhão ortodoxa no Brasil – de "padre de festa junina" e de "cabo eleitoral de Bolsonaro". Ela ainda perguntou se ele "não tem medo de ir para o inferno".
"O senhor está parecendo mais o seu candidato, que é nem-nem: Nem estuda e nem trabalha. O senhor não estudou. E dizer mais, não deu extrema-unção (para vítimas da pandemia) porque o senhor é um padre de festa junina. Não sabe nem o que é direita ou esquerda. Não sabe!", afirmou Soraya. Sem esconder seu desprezo pelo candidato do PTB que insistia em provocações, Soraya errou diversas vezes o nome de Kelmon, chamando-o de "Kelvin" e "Kelson".
Em outro momento, Kelmon protagonizou um bate-boca com Lula, com o petista se irritando com o candidato do PTB. "O senhor é um descondenado. Não deveria nem estar aqui como candidato", disse o candidato do PTB ao petista.
Os microfones chegaram a ser cortados e as câmeras evitaram mostrar a discussão, mas era possível ouvir Lula ao fundo dirigindo críticas ríspidas ao adversário.
"Não dá para debater com uma pessoa que tem um comportamento de um fariseu e se veste de padre. Não dá. Ou você aprende a respeitar e fecha a boca quando alguém estiver falando", disse Lula, ao recuperar o microfone. Ele também chamou Kelmon de "candidato laranja" e de "impostor". O mediador do debate, o jornalista William Bonner, demonstrou exasperação com o comportamento do "padre", pedindo que ele se calasse e apontando que ele deveria se ater às regras do debate. "Candidato Kelmon, não consigo entender. O senhor compreendeu que tem regras o debate?", disse o jornalista.
Nas redes sociais, usuários criticaram a participação de Kelmon, questionando por que a legislação eleitoral permite que um candidato substituto que registra traço nas pesquisas possa participar dos debates.
Embates secundários
Ciro, que ficou apagado ao longo dos diversos embates ao longo do encontro, chegou a ter um momento com ares de acerto de contas com Lula no início do debate. Em uma pergunta dirigida ao petista, Ciro perguntou sobre o endividamento das famílias durante o governo do ex-presidente. "Ciro, estou achando você nervoso", provocou Lula na resposta. "Você saiu do governo porque quis ser candidato federal contra minha vontade. Eu queria que você fosse para o BNDES. Você viveu no período do meu governo no momento de maior conquista social desse país", disse Lula na resposta.
"O mais grave é que parece que o presidente Lula não quis aprender nada com as amargas lições que tomou. Não dá para aceitar esse tipo de nonsense de que não aconteceu nada [fazendo referência à corrupção]. Não dá para fazer de conta que não aconteceu. Esse paraíso que ele descreve quando vem aqui resultou na tragédia do Bolsonaro", rebateu Ciro, que nas últimas semanas tem multiplicado ataques a Lula e ao PT e feito acenos para o eleitorado de direita.
Nos ataques de Ciro ao PT, sobrou até mesmo para o cantor Caetano Veloso, que recentemente declarou que havia desistido de votar no pedetista e que passaria a apoiar Lula. "Se nós pegarmos artistas, cientistas, e tal, todo mundo passando pano, e juntando Caetano com Geddel para ficar em dois baianos, esse país está mergulhado num conchavo absolutamente mortal", disse Ciro, colocando na mesma cesta o cantor com o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que foi flagrado escondendo R$ 51 milhões em espécie no caso do "bunker da propina" durante o governo Michel Temer.
Outro embate ocorreu entre Bolsonaro e a senadora Soraya. A candidata do União Brasil foi a única que questionou o presidente se ele pretende respeitar o resultado eleitoral caso seja derrotado. Bolsonaro evitou responder. A senadora ainda questionou o presidente se ele se vacinou. "Se o senhor se vacinou, qual foi a vacina e quantas doses?", perguntou a senadora.
Bolsonaro se esquivou novamente da pergunta e aproveitou para lançar ataques contra a senadora, lançando a acusação de que ela estaria insatisfeita com o governo por não ter conseguido emplacar aliados em cargos. "A senhora seria muito dócil comigo se eu tivesse atendido a senhora em todos os cargos que a senhora pediu para mim por ofício: Iphan, Ibama. O negócio da senhora gosta de cargos, deitar e rolar. Como não conseguiu, basicamente virou uma inimiga nossa", disse Bolsonaro.
Soraya reagiu e afirmou que seus indicados não foram efetivados porque não aceitaram ceder parte de seus salários, numa referência ao escândalo das rachadinhas que assombra a família Bolsonaro. "Dentro de apenas três cargos que eu pedi ajudar o meu Estado, consegui dois, mas eles (os indicados) não aceitaram fazer rachadinha", disse. Bolsonaro também acusou Soraya de ser uma "candidata laranja".
"Não sou candidata laranja, o senhor me respeite. Nem respondeu se tomou a vacina ou não, seu governo não é transparente. Saímos do seu governo porque o senhor não cumpriu as bandeiras que te elegeram", rebateu a senadora.
Matéria publicada originalmente no portal DW Brasil
Nas entrelinhas: Há duas hipóteses (e não quatro) para Lula e Bolsonaro no primeiro turno
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A pesquisa DataFolha divulgada ontem pôs fogo no debate entre presidenciáveis da TV Globo, como vocês verão nas páginas do Correio Braziliense e do Estado de Minas de hoje. Com 50% dos votos válidos, como no levantamento anterior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está com a bola na marca do pênalti para voltar ao poder, porém, pode chutá-la na trave e ter que encarar um segundo turno. O presidente Jair Bolsonaro (PL), com 36% de intenções de votos, subiu um ponto nas pesquisas. Com 6%, Ciro Gomes (PDT) caiu um ponto por causa da campanha do voto útil, e Simone Tebet (MDB), com 5%, manteve-se na mesma posição que estava. Soraya Thronicke (União Brasil) também manteve-se no 1%.
Esses resultados expurgam votos nulos, brancos e abstenções, como determina a lei eleitoral na hora de proclamar o vencedor. A pesquisa estimulada aponta Lula com 48%, um ponto a mais do que na semana passada; Bolsonaro com 34%, um a mais também. Ciro Gomes com 6%, um a menos; Simone, com os 5% da pesquisa anterior; e Soraya Thronicke (União Brasil), com 1%. Felipe d’Avila (Novo), Sofia Manzano (PCB), Vera Lúcia (PSTU), Léo Péricles, Constituinte Eymael (DC) e Padre Kelmon (PTB) não pontuaram. Votos branco/nulo/nenhum somam 3%, um a menos em relação à pesquisa anterior. Não sabe manteve 2%. Na simulação de segundo turno, Lula derrotaria Bolsonaro por 54% a 39% dos votos, sendo que o presidente da República cresceu um ponto e o ex-presidente parece que bateu no teto. A aprovação do governo caiu 1%, estando em 31%; esse ponto se deslocou para os que consideram o governo regular, que são 24%. A reprovação do governo manteve-se em 44%.
As duas hipóteses (e não, quatro) lembram a famosa teoria do humorista Barão de Itararé. Apparício Torelly era um otimista inveterado, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. O escritor Graciliano Ramos relata essa teoria em Memórias do Cárcere (Record). A tese fundamental era a seguinte: todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. O relato do autor de Vidas Secas, que foi prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas, serve como uma luva para os paranoicos que temem ser presos num golpe de Estado, caso Bolsonaro perca as eleições:
“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela”.
Segundo turno
Por que as duas hipóteses e não quatro? Porque as pesquisas estão mostrando que não há possibilidade de Bolsonaro passar Lula no primeiro turno, muito menos vencer as eleições já no domingo. Neném Prancha, Antonio Franco de Oliveira, falecido em 1976, que foi roupeiro, massagista, olheiro e técnico do Botafogo, era um filósofo do futebol, segundo o jornalista Armando Nogueira, um botafoguense doente. Dizia que o futebol era um jogo muito simples: “Quem tem a bola ataca; e quem não tem, defende”. Foi o que fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas duas últimas semanas, ao mobilizar apoios de intelectuais, economistas, artistas, empresários e juristas, com o objetivo de levar de roldão a eleição, já no primeiro turno. Com 50% dos votos válidos, essa seria a hipótese mais provável, não houvesse o imponderável nos três dias que antecedem o pleito. Não se pode descartar a hipótese do segundo turno.
Por quê? Primeiro, porque o debate na TV Globo de ontem à noite terá impacto no cenário eleitoral, dependendo do desempenho de cada candidato. Segundo, em razão das abstenções, que podem ter causas espontâneas, como os insatisfeitos e desesperançosos com o fracasso da chamada terceira via viajarem no fim de semana, sem a preocupação de voltar a tempo de votar, ou induzidas, por medidas com o objetivo de dificultar o acesso dos eleitores aos locais de votação, reduzindo a circulação ou coibindo o acesso gratuito aos transportes coletivos. Terceiro, a resiliência eleitoral de Ciro, Tebet e Soraya. Quarto, a defasagem da base de dados do IBGE utilizada na montagem do modelo das pesquisas. E se houver segundo turno? Nesse caso, é melhor deixar acontecer para analisar.
Nas entrelinhas: Centrão sai de fininho da campanha de Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Alguém viu o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acompanhando o presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral fora de seu estado? Claro que não, ele está fazendo campanha em Alagoas para se reeleger. Saiu de cena de fininho, para articular a sua própria reeleição ao comando da Casa, mesmo que venha a ter de enfrentar um governo eventualmente hostil, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja eleito. Digo eventualmente porque Lira nunca dinamitou suas pontes com a bancada do PT.
O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente do PP, bem que tentou um movimento semelhante, ao se licenciar do cargo para fazer campanha no Piauí, mas houve pronta reação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL), que interpretou o gesto como uma deserção, até porque Nogueira não é candidato. Mesmo Valdemar Costa Neto, presidente do PL, legenda que abriga a candidatura à reeleição de Bolsonaro, não queimou os navios com Lula. Seu objetivo é eleger de 60 a 75 deputados federais para ter condições de negociar com quem vencer a eleição e ser o fiel da balança nas votações da Câmara. Nas eleições proporcionais, vale tudo; predomina o pragmatismo.
Na noite de terça-feira, num jantar com Lula, os pesos-pesados da economia brasileira derivaram em direção à oposição. O stablishment econômico já havia mandado sinais de fumaça no manifesto pelo Estado democrático de direito, organizado pela poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Alguns bolsonaristas graúdos da Paulista e Faria Lima disputaram convites para participar do encontro, com a desculpa de que é preciso manter o diálogo. Quando Bolsonaro se queixa de que está sendo traído, com certeza se refere aos grupos econômicos que lhe prometeram apoio e agora estão desertando.
O café já está sendo servido frio no Palácio do Planalto. Bateu um desânimo em razão da estagnação de Bolsonaro nas pesquisas, apesar dos duros ataques a Lula e ao fato de que sua rejeição continua acima dos 50%, ao passo que a do petista permanece alta, mas não a ponto de inviabilizar sua eleição. Números recorrentes nas duas últimas semanas de campanha são um sinal de que dificilmente haverá uma viragem. Bolsonaro está estacionado num terreno adverso, que não era previsto por seus estrategistas. Supunha-se que a melhoria no ambiente econômico o levaria à reeleição, mas não é o que está ocorrendo.
A campanha do voto útil, depois da adesão de artistas, intelectuais e economistas, ganhou o apoio de ex-presidentes do Supremo, de Carlos Velloso a Joaquim Barbosa. Numa situação como essa, a máquina do governo entra em “operação-padrão”, o que não é bom para quem precisa alavancar sua candidatura e imaginava que faria isso por meio da estrutura do Estado. Um bom exemplo é o Itamaraty. O ministro de Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, recentemente, seguiu o regulamento e não considerou os pleitos dos bolsonaristas ao promover os diplomatas em serviços no exterior. O chororô é grande. Outros setores do governo entraram em “operação-padrão” ou simplesmente se fingem de mortos, esperando o resultado das urnas.
Debate na tevê
Na verdade, Bolsonaro está perdendo a eleição em razão de diferenças abissais a favor de Lula no Nordeste, entre os eleitores que percebem menos de dois salários mínimos e junto às mulheres. O corte geográfico e de renda possibilita ajustes na campanha do presidente em busca dos eleitores indecisos, mirando algumas regiões e alguns segmentos populares. Entretanto, o corte de gênero é terrível para Bolsonaro, que está perdendo onde pais e filhos são bolsonaristas, mas as esposas e filhas preferem outros candidatos, principalmente Lula. Quanto mais agressivo for o marido bolsonarista, mais convicta fica sua companheira de que não deve votar em Bolsonaro. É uma faixa de eleitores na qual a campanha desagrega a família, mas o voto não muda.
Lula e Bolsonaro se digladiarão hoje à noite, no debate de presidenciáveis da TV Globo, considerado por ambas as campanhas como um evento que pode garantir a vitória de Lula no primeiro turno ou levar a disputa para o segundo. Os dois se prepararam muito para esse enfrentamento, Lula advertido de que não deve ser tão apático quanto fora no debate da Band, Bolsonaro convicto de que precisa partir para a ofensiva contra o petista, com objetivo de aumentar sua rejeição, mas sem perder as estribeiras.
O problema de ambos é que não vai dar para combinar com Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Ávila (Novo) para que sejam meros coadjuvantes; ou seja, que não roubem a cena, como aconteceu nos debates anteriores. Desses quatro, o fio mais desencapado é Ciro, alvo principal da campanha de voto útil do PT. Entretanto, a esta altura do campeonato, não resta dúvida de que quem mexer com Soraya e/ou Simone pode gerar um curto-circuito no debate. D’Ávila não é um político profissional, acostumado aos embates eleitorais, é um empresário que se lançou à Presidência idealizando a política. Sua tendência no debate é se comportar como um lorde inglês e defender suas teses. É um político sem carisma.
Cidadania assina carta compromisso com a liberdade de imprensa e a segurança de jornalistas nas eleições
Cidadania23
O Cidadania subscreveu ‘A Carta Compromisso com a Liberdade de Imprensa e a Segurança de Jornalistas nas Eleições 2022’ (veja abaixo) lançada em agosto por 11 por organizações ligadas à liberdade de imprensa: Artigo 19, ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Ajor (Associação de Jornalismo Digital), CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas), Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Intervozes, Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, RSF (Repórteres sem Fronteiras) e Tornavoz.
A carta foi enviada aos candidatos e candidatas à presidência da República e faz um apelo aos postulantes ao Palácio do Planalto, seus partidos e coligações se comprometam com a defesa de condições livres e seguras para a atividade jornalística durante o período eleitoral.
Além de assinar o documento, o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, vai remeter a carta aos candidatos do partido (veja abaixo o documento) para que também subscrevam o compromisso com o respeito ao trabalho jornalístico e à liberdade de imprensa nesta reta final da campanha eleitoral.
A carta ressalta que o País vive um cenário preocupante de crescentes ameaças à liberdade de imprensa e recomenda sete posturas que as candidaturas devem assumir até o fim do segundo turno:
• Adotar em eventos públicos, atividades de campanha e no ambiente digital um discurso público que contribua para prevenir a violência contra jornalistas e comunicadores/as;
• Condenar publicamente qualquer forma de violência ou ataque contra jornalistas, comunicadores/as e a imprensa em geral;
• Respeitar o sigilo da fonte e as garantias constitucionais que vedam a censura;
• Garantir o acesso igualitário de jornalistas e comunicadores/as a dados, informações, atividades de campanha e a coletivas de imprensa, para que possam realizar a cobertura do processo eleitoral;
• Não estimular, direta ou indiretamente, que apoiadores/as ofendam, ataquem ou agridam jornalistas, comunicadores/as e trabalhadores/as da imprensa;
• Não utilizar processos judiciais contra jornalistas e comunicadores/as como forma de retaliação a seu exercício profissional, nem com objetivo de inibir a cobertura jornalística do processo eleitoral.
CARTA DE COMPROMISSO COM A LIBERDADE DE IMPRENSA
Matéria publicada originalmente no portal do Cidadania23
Eurodeputados pedem ação da UE caso Bolsonaro tente golpe
DW Brasil
Parlamentares europeus enviaram nesta quarta-feira (28/09) uma carta à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e ao chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, pedindo que o bloco pressione o governo brasileiro a respeitar a Constituição no caso de uma derrota nas urnas do presidente Jair Bolsonaro.
O texto pede que, diante da proximidade do primeiro turno das eleições brasileiras, a UE atue para impedir uma possível ruptura institucional provocada por Bolsonaro. "Tememos que ele possa impedir uma transferência pacífica de poder caso perca", diz a carta.
"Considerando as ameaças sem precedentes às eleições gerais do Brasil, pedimos que os senhores tomem medidas adicionais para deixar inequivocamente claro para o presidente Bolsonaro e seu governo que a Constituição do Brasil deve ser respeitada e que tentativas de subverter as regras da democracia são inaceitáveis. Também é crucial dissuadir a liderança militar brasileira de qualquer tentação de apoiar um golpe", dizem os parlamentares.
"A UE deve declarar que usará diferentes mecanismos, incluindo o comércio, para defender a democracia e os direitos humanos do Brasil", pede a carta.
O texto é assinado por um grupo de 51 eurodeputados, que dizem ter "profunda preocupação" com os "ataques sistemáticos às instituições democráticas no Brasil".
"O sistema brasileiro de votação eletrônica, em vigor desde 1996 e considerado seguro e confiável, tem sido alvo de repetidos e infundados ataques do presidente Jair Bolsonaro", afirma a mensagem. O texto menciona a reunião de Bolsonaro com embaixadores em julho em Brasília, na qual o presidente questionou o sistema eleitoral e atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
"Terror entre a população"
A carta também lembra da afirmação de Bolsonaro durante uma entrevista na TV em 19 de setembro, em que insinuou que haveria fraude caso ele não vença com cerca de 60% dos votos no primeiro turno.
"Ameaças, intimidação e violência política, incluindo ameaças de morte contra candidatos, continuam a aumentar online e offline. Desde julho, dois petistas foram assassinados por bolsonaristas e foram feitas ameaças de morte contra o candidato socialista Guilherme Boulos", ressalta a missiva.
"Esses atos criam terror entre a população e impedem potenciais candidatos de concorrer a cargos públicos. Especialistas da ONU apontam que essas ameaças atingem principalmente mulheres, povos indígenas, afrodescendentes e pessoas LGBTI e limitam suas oportunidades de representação nas decisões que os afetam, perpetuando o devastador ciclo de exclusão", acrescenta.
Os eurodeputados pedem que a delegação da UE no Brasil, assim como o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), "acompanhem de perto a situação e apoiem as instituições brasileiras e organizações da sociedade civil que defendem a democracia".
Matéria publicada no portal DW Brasil
Ucrânia acusa Rússia de 'terrorismo' por vazamentos misteriosos em gasodutos no Mar Báltico
BBC News
O governo ucraniano afirmou que os vazamentos foram causados pela Rússia em um "ataque terrorista", enquanto os governos de vários países da União Europeia falaram em "sabotagem".
O operador do Nord Stream 1 informou na segunda-feira que as linhas submarinas sofreram simultaneamente danos "sem precedentes" em um único dia, enquanto os operadores do Nord Stream 2 alertaram para uma perda de pressão na tubulação.
"Não há dúvida de que foram explosões", declarou Bjorn Lund, do Centro Sismológico Nacional da Suécia, segundo a imprensa local.
Isso levou a um alerta das autoridades dinamarquesas de que os navios deveriam evitar a área perto da ilha de Bornholm. Eles também publicaram imagens dos vazamentos mostrando bolhas na superfície do Mar Báltico perto da ilha.
'Ataque terrorista'
A Ucrânia acusou a Rússia na terça-feira de causar vazamentos de gasodutos para prejudicar a Europa.
"O vazamento de gás do NS-1 [Nord Stream 1] nada mais é do que um ataque terrorista planejado pela Rússia e um ato de agressão à União Europeia. A Rússia quer desestabilizar a situação econômica na Europa e causar pânico antes do inverno", tuitou o assessor da presidência da Ucrânia, Mykhaylo Podolyak.
Ele também pediu aos aliados europeus, particularmente à Alemanha, que aumentem o apoio militar à Ucrânia.
"O melhor investimento em resposta e segurança são os tanques para a Ucrânia. Especialmente os alemães", afirmou.
Outros líderes europeus aventaram a ideia de que os danos aos gasodutos foram infligidos deliberadamente.
O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, falou de sabotagem e disse que o incidente provavelmente estava relacionado à guerra na Ucrânia.
A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, sugeriu, por sua vez, um "ato intencional" como causa dos vazamentos detectados em gasodutos russos nas zonas econômicas exclusivas da Dinamarca e da Suécia.
"São buracos tão grandes que não podem ter sido um acidente", declarou na mesma entrevista coletiva o ministro de Energia dinamarquês, Dan Jorgensen.
Ao mesmo tempo, notícias não confirmadas oficialmente publicadas na imprensa alemã diziam que as autoridades não descartavam um ataque à rede de gás submarina.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou estar "extremamente preocupado" com o incidente — e que a possibilidade de um ataque deliberado não podia ser descartada.
A União Europeia acusou anteriormente a Rússia de usar a redução no fornecimento de gás como arma econômica, em resposta às sanções europeias impostas pela guerra na Ucrânia.
Mas Moscou nega, dizendo que as sanções tornaram impossível manter adequadamente a infraestrutura de gás.
Funcionamento
Qualquer que seja a causa do dano, não afetará imediatamente o abastecimento de gás da Europa, uma vez que nenhum dos gasodutos estava operacional.
O gasoduto Nord Stream 1, que consiste em dois ramais paralelos, não transporta gás desde agosto, quando foi desligado pela Rússia para manutenção.
Ele se estende por 1.200 km submerso no Mar Báltico, da costa russa perto de São Petersburgo até o nordeste da Alemanha.
Já as operações do seu gasoduto irmão, o Nord Stream 2, foram interrompidas após o início da invasão russa na Ucrânia.
Embora nenhum dos gasodutos esteja em funcionamento, ambos ainda contêm gás.
Autoridades alemãs, dinamarquesas e suecas estão investigando os incidentes.
A autoridade de energia dinamarquesa disse à agência de notícias Reuters que o vazamento pode continuar por vários dias — e talvez até uma semana.
Os operadores do gasoduto afirmaram que era impossível estimar quando a infraestrutura seria reparada.
Matéria publicada originalmente no portal BBC News Brasil
Artigo: O Brasil não se tornará uma Argentina
Benito Salomão | Correio Braziliense *
Nossa distribuição populacional no território contrastada com uma representação política na Câmara e no Senado é capaz de produzir freios ao poder eleito
Este artigo tem um significado simbólico, pois se trata do meu artigo de número 200 para diversos jornais para os quais contribuí desde 2010. O título é provocativo, já que no embate político local, apoiadores de uma das candidaturas postas argumentam que caso a outra candidatura seja vitoriosa nas eleições do próximo dia 2, o Brasil tenderá a replicar o fracasso econômico da Argentina.
Escrevo este artigo da Cidade de Córdoba, na Argentina, onde passei a semana participando de um seminário acadêmico, a 55ª Jornada Internazionale de Finanzas Públicas, evento anual que há mais de meio século contribui para a fronteira do conhecimento na área das finanças públicas. Participo ininterruptamente deste encontro desde sua 49ª edição, em 2016.
O argumento utilizado na eleição deste ano associa o fracasso econômico argentino a governos de esquerda. O diagnóstico, evidentemente, está equivocado. Participando do encontro e conversando com os amigos argentinos, pude identificar claramente que a raiz dos seus problemas econômicos é a captura do Estado por elites políticas. Há uma vasta literatura que disserta sobre a qualidade institucional e os incentivos por ela criados, que levam os países à prosperidade ou ao fracasso. Portanto, governos de esquerda ou direita podem performar bem diante de instituições de boa qualidade.
O livro Why the nations fail? (Por que as nações fracassam?), de Daron Acemoglu e James Robinson, corrobora com o meu argumento. Os autores dissertam sobre modelos institucionais que podem ser: i) inclusivos; ou ii) extrativistas. No primeiro caso, as instituições garantem aos cidadãos colherem os frutos dos próprios trabalhos, há incentivos à competição e à inovação que geram crescimento econômico. Já no caso de instituições extrativistas, o fruto do trabalho alheio é capturado pelo Estado, que é dirigido por elites (políticas, produtivas, financeiras, burocráticas e sindicais).
Esse segundo caso parece se adequar mais ao exemplo da Argentina, que flagrantemente vem empobrecendo diante de crises sistêmicas e de uma inflação crônica. O país vive desequilíbrios fiscais crônicos, que estão associados, por sua vez, com a concentração de poderes nas mãos de seus governos (federal; provinciais e locais). A elevada concentração demográfica na província e na Cidade Autônoma de Buenos Aires, torna o modelo político argentino rígido.
Em 2003, Néstor Kirchner ascendeu ao poder no país, sendo sucedido, em 2007, por sua esposa, Cristina Kirchner, que exerceu o poder até 2015. Após um mandato de Maurício Macri entre 2016 e 2019, Cristina Kirchner retorna ao governo exercendo a função de vice-presidente.
Em outras palavras, há um problema de alternância de poder na Argentina, que está relacionado com vários fatores: i) demográficos, tornar-se presidente na Argentina requer vencer as eleições na província de Buenos Aires, que concentra aproximadamente 36% do eleitorado do país.
No que se refere ao parlamento, Buenos Aires mostra novamente sua importância, a província possui 70 deputados na Câmara Federal, enquanto a Cidade Autônoma de Buenos Aires possui 25 deputados, de um total de 257 cadeiras. Ou seja, mais de 36% da Câmara Federal argentina é composta por parlamentares de uma única região.
Esse excesso de poder político dá ao presidente e à sua base de apoio no Congresso e nas elites a capacidade de mudar regras discricionariamente, de acordo com suas conveniências. Recentemente, se discute no país a mudança do número de juízes em tribunais superiores, obviamente isso não está sendo pensado com o nobre intuito de aprimorar o sistema judicial do país, mas sim de submetê-lo.
O Brasil não vai se tornar uma Argentina caso um governo de esquerda saia eleito do próximo dia 2 de outubro. Nossa distribuição populacional no território contrastada com uma representação política na Câmara e no Senado é capaz de produzir freios ao poder eleito.
Freios estes que funcionaram relativamente bem, ajudados por um Supremo Tribunal Federal independente, a impedir parte dos retrocessos tentados pelo governo atual. Durante a pandemia, prefeitos e governadores tiveram autonomia para adotar suas políticas de saúde, ainda que o governo federal as sabotasse.
Isso não significa que o Brasil, como qualquer outro país, esteja imune à decadência política. Vigilância quanto ao modelo institucional vigente, reforçar as amarras sobre o poder e reformas que favoreçam à competição e à inovação, devem ser pensadas.
*Artigo de Benito Salomão - Economista chefe da Gladius Research, doutor em economia PPGE UFU, publicado no Correio Brasiliense
Em reunião com Moraes, centrais sindicais pedem segurança e propõem suspensão de clubes de tiro
Cristiane Sampaio | Brasil de Fato*
Representantes de seis centrais sindicais se reuniram no final da tarde desta terça-feira (27), em Brasília (DF), com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, para apresentar um conjunto de demandas relacionadas à segurança nas eleições. A agenda foi motivada pela preocupação com a escalada da violência política no país, que tem assistido a uma multiplicação de casos do tipo.
"Foi importante a conversa com o ministro porque nós saímos tranquilos de que todas as questões de segurança foram tomadas. Então, as eleições de domingo são pra ser uma grande festa da democracia, e é o momento mesmo. As eleições servem pra isso, pra que as pessoas possam expressar livremente as suas posições políticas, vestir a camisa do seu candidato, debater", disse o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre.
Além da CUT, estiveram presentes líderes da Força Sindical, da União Geral dos Trabalhadores (UGT), da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), que entregaram ao presidente da Corte uma carta de duas páginas com demandas definidas de forma conjunta pelas entidades.
As organizações propuseram, por exemplo, que clubes de tiro sejam temporariamente suspensos três dias antes e três dias depois das eleições. "Nós estamos propondo que sejam suspensos e ele falou que isso está em discussão e que vai ser decidido nas próximas horas", disse Nobre.
Segundo as lideranças, Moraes garantiu que está sendo articulado um grande esquema para reforçar a segurança nas eleições. "Ele demonstrou os caminhos que estão sendo feitos, inclusive com os secretários de Segurança de cada estado e também com a Polícia Militar de cada estado. O setor de inteligência está integrado, tanto os das secretarias de segurança pública como os das polícias estaduais", afirmou o presidente da Força Sindical, Miguel Torres.
As centrais mencionaram ainda preocupação com a especulação de que muitos bolsonaristas teriam se inscrito como mesários para trabalhar no domingo de eleição e tumultuar o processo. O boato correu nos bastidores do mundo político nos últimos dias.
"O presidente disse que não acredita nessa tese. Pelo contrário, ele acha que, pelo perfil dos mesários, que são jovens e muitas mulheres, não tem tanto o perfil bolsonarista. Nós questionamos isso e falamos também de uma questão de que algumas empresas estariam exigindo que [trabalhadores] fotografassem o seu voto. Esse voto não pode ser vendido, não pode ser regido pelas empresas. O voto é o voto do coração, da mente do eleitor", disse o presidente da UGT, Ricardo Patah.
Patah disse que o movimento de empresas que estariam exigindo imagens do voto dos funcionários já teria sido "estancado". "Não vai ocorrer. Eu tenho certeza. Nós todos das centrais estamos irmanados na confiança do que nos foi passado pelo presidente do TSE: [teremos] eleições limpas, transparentes e eleições que vão dar ao povo brasileiro com certeza absoluta tranquilidade."
Segundo ele, foi enfatizado no encontro que as eleições "serão muito tranquilas, idênticas às anteriores". "Com um diferencial, porque estamos no mundo da internet, das redes sociais, e muitas vezes essas redes não colocam a realidade do que será esse movimento, que será um movimento cívico e muito bonito no nosso país", finalizou o dirigente.
Edição: Thalita Pires
Matéria publicada originalmente no portal Brasil de Fato
Eleição no DF terá esquema de segurança reforçado nos locais de votação
Para garantir a segurança dos eleitores no próximo dia 2 de outubro, quando a população vai às urnas em primeiro turno, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) traçou um planejamento com ações de policiamento e proteção das 610 escolas que funcionarão como locais de votação e apuração de votos. Além disso, haverá a segurança de juízes eleitorais e a prevenção e monitoramento de crimes eleitorais.
Outros pontos trabalhados no esquema reforçam as equipes de atendimentos de emergência, de delegacias e de batalhões, e a escolta de promotores públicos e juízes eleitorais, bem como ações de segurança em vias e rodovias. Definido pela secretaria e pelas forças de segurança do DF, o protocolo será colocado em prática também nos dias que antecedem a votação. Todo o efetivo disponível estará atuando, ou de sobreaviso, no dia do pleito.
Segundo a pasta, o documento foi elaborado com base em levantamentos de inteligência, segurança, mobilidade urbana e preservação do patrimônio público. “Todo o processo será monitorado por meio de servidores em campo e câmeras de videomonitoramento, com imagens que serão encaminhadas ao Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob)”, destaca o secretário de Segurança Pública, Júlio Danilo.
O titular da pasta de segurança ressalta também que o esquema terá um gabinete de gestão estratégica composto por representantes da SSP-DF, do alto comando das forças de segurança e de setores estratégicos do governo local e federal. “A atuação conjunta e próxima possibilita a tomada de decisões mais ágeis e efetivas, com possibilidade de ajustes no planejamento prévio, quando necessário”, afirma Danilo.
A pasta ressalta que todas as unidades das forças de segurança que ficam próximas aos locais de votação estarão com efetivo reforçado e de prontidão para atuar, caso necessário. Unidades especializadas das Polícias Militar e Civil, como Choque, Cavalaria, Operações Aéreas, Policiamento com Cães e unidades de operações especiais (Bope e DOE), trabalharão de sobreaviso.
Dando apoio à segurança na capital, a Polícia Federal (PF) terá equipes em cada uma das 19 zonas eleitorais, composta por delegado, escrivão, agente e papiloscopistas, para atuar em casos de crimes eleitorais no dia do pleito. Os casos possíveis de crimes eleitorais serão avaliados pela equipe e, caso seja confirmado, os envolvidos serão direcionados à superintendência da PF, localizada no Setor Policial Sul.
O Ciob, destacado pelo secretário, terá uma atuação conjunta ao Centro Integrado de Comando e Controle Nacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que irá operar em nível nacional com apoio dos Centros Integrados de Comando e Controle estaduais.
Segurança das urnas
Desde a última quarta-feira (21/9), as urnas eletrônicas estão alocadas em local provisório e sob vigilância e monitoramento da Polícia Militar do DF (PMDF). Os agentes da corporação também farão a escolta das urnas até às 610 escolas, que funcionarão como locais de votação no dia do pleito.
No dia da eleição, os locais serão monitorados pela PMDF, assim como as 20 juntas de apuração e os 20 cartórios eleitorais, que contarão, ainda, com o reforço da Polícia Judicial. A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) será responsável pela escolta de juízes eleitorais e promotores no dia 2 de outubro. Enquanto o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) estará de prontidão para atuar em situações de emergência e incêndios, caso seja necessário. O Detran atuará no controle e organização do trânsito nas proximidades de pontos de votação em todo DF.
Intervenções no trânsito
De acordo com SSP-DF, a Esplanada dos Ministérios permanecerá sem intervenções de trânsito ou pedestres no dia da votação, o que ocorrerá somente em caso de necessidade, conforme avaliação do gabinete de gestão estratégica.
Avenidas, ruas e rodovias distritais e federais serão monitoradas pelos órgãos de trânsito locais — departamentos de Trânsito (Detran/DF) e Estradas de Rodagem (DER/DF) e batalhões da PMDF — e, ainda, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Intervenções pontuais nesses locais poderão ser feitas para melhor fluidez do trânsito. Para isso, equipes de atuação semafórica estarão de prontidão.
De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF), não há previsão de proibição do comércio de bebidas alcoólicas no dia da eleição. No entanto, a pasta da segurança destaca que os órgãos de trânsito estarão atuando, em todo o DF, na fiscalização da alcoolemia ao volante.
Matéria publicada originalmente no Correio Braziliense
Nas entrelinhas: Soraya e D’Ávila, dois pontinhos que podem fazer falta na eleição
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A senadora Soraya Thronicke (União Brasil) e o candidato do Novo, Felipe D’Ávila, ficaram com 1% na pesquisa Ipec divulgada na segunda-feira; um percentual de votos que mais ou menos se repete em todos os levantamentos. A pesquisa mostrou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chances reais de vencer no primeiro turno, com 48% das intenções de voto. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece com 31%. A diferença entre os dois é de 17 pontos percentuais. Ciro Gomes (PDT) tem 6% e Simone Tebet (MDB), 5%. Os demais candidatos foram citados, mas não alcançam 1% das intenções de voto.
A existência ou não de segundo turno depende da eficácia da campanha do voto útil a favor de Lula e do desempenho de Bolsonaro nestes últimos dias de campanha, na qual o clímax será o embate entre os dois no debate de presidenciáveis na TV Globo. A candidata da União Brasil, porém, vem roubando a cena nos debates, principalmente em razão da “viralização”, nas redes sociais, de seus enfrentamentos com Bolsonaro. Felipe D’Ávila faz uma campanha mais formal e menos agressiva, focada num posicionamento claramente ideológico: a defesa programática do liberalismo. Sua tendência é confrontar as posições do governo Lula do ponto de vista da economia.
Tanto D’Ávila quando Soraya são personalidades políticas que emergiram durante o governo Dilma Rousseff, a partir das manifestações de 2013, que tinham um forte caráter antissistema. A diferença principal entre ambos é que Soraya se elegeu na aba do chapéu de Bolsonaro, liderando a transição das manifestações difusas de 2013 para os protestos em apoio à Lava-Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff em seu estado, o Mato Grosso do Sul; o empresário, porém, apostou na criação de um novo partido político, ortodoxamente liberal, que fizesse a crítica do patrimonialismo, do fisiologismo e do clientelismo, bem como ao nacional-desenvolvimentismo e à presença do Estado na economia.
O União Brasil, resultado da fusão do antigo DEM com o PSL, pelo qual Bolsonaro concorreu em 2018, é um dos maiores partidos do país, muito próximo ao Centrão, sob comando do deputado Luciano Bivar (PE) e do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, que lidera a disputa pelo governo da Bahia. A candidatura de Soraya foi lançada para defender a bandeira do imposto único e deixar o partido à vontade nos estados, sem ter de se vincular a Lula ou Bolsonaro.
Serviria também para conter o crescimento da candidata do MDB, Simone Tebet (MS), principalmente no seu estado. Empresária, dona de uma rede de hotéis, Soraya começou a se descolar do governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19, ao atuar na CPI que investigou a crise sanitária a partir da falta de oxigênio nos hospitais de Manaus.
Mercado e liberdade
D’Ávila é outra história, substituiu João Amoedo, candidato nas eleições passadas, na tarefa de dar visibilidade ao Novo, cuja bancada federal precisa ser reeleita. Com oito deputados, o Novo foi o único partido que se posicionou contra o Auxílio Brasil na votação do pacote de bondades do governo, em pleno calendário eleitoral.
A grande referência teórica da legenda é o economista austro-britânico Friedrich Hayek, que polemizou com John Maynard Keynes durante a Grande Depressão. No pós-Segunda Guerra Mundial, evoluiu da crítica puramente econômica ao keynesianismo para uma visão político-ideológica de que o planejamento econômico era a forma de controle sobre a vida das pessoas e uma ameaça à liberdade.
Hayek fez uma crítica permanente e implacável a socialistas e social-democratas, e não apenas do comunismo. Segundo ele, “uma reivindicação por igualdade material só pode ser satisfeita por um governo com poderes totalitários”.
A consagração das suas ideias se deu quanto Margareth Thatcher, recém-eleita líder do Partido Conservador, transformou as propostas de Hayek num programa de governo, com o qual assumiu o poder e se tornou, como primeira-ministra, a “Dama de Ferro”. A série britânica Crow, sobre a rainha Elizabeth II, recém-falecida, que está por lançar sua quinta temporada, mostra bem esse período da política do Reino Unido.
Para Hayek, o papel central do governo é manter o “Estado de direito”, com o mínimo possível da vida de pessoas. No Brasil, muita gente pensa dessa forma, ou seja, como D’Ávila e, em menor escala, Soraya. Por que então eles não saem de 1% nas pesquisas? No caso do candidato do Novo, pode-se dizer que não tem um partido forte o suficiente para dar sustentação a uma candidatura a presidente da República. Não é o caso de Soraya, que é candidata de um grande partido, que não leva a sério sua candidatura.
A resposta talvez esteja na campanha de 2018, quando Bolsonaro entregou a condução de seu projeto econômico ao economista Paulo Guedes, egresso da Escola de Chicago, que foi aluno de Milton Friedman e trabalhou na equipe econômica do ditador chileno Augusto Pinochet, que também foi assessorado por Hayek.
No poder, Guedes esvaziou completamente possibilidade de uma alternativa neoliberal à margem do governo Bolsonaro, até que veio a pandemia de covid-19 e, nela, o “Posto Ipiranga” perdeu o bonde do equilíbrio fiscal e da não intervenção na economia. Passou a fazer tudo ao contrário do que havia prometido.
Precisamos falar da Câmara
*Júlio Martins
Os velhões do Partidão, o antigo PCB, diziam que política é correlação de forças. Já os coronéis do Nordeste repetiam o ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Hoje o jornal "O Globo" publicou um estudo sobre a futura composição da Câmara dos Deputados. Os seis maiores partidos em número de representantes, à exceção do PT, serão partidos notoriamente fisiológicos, atrasados e conservadores.
Segundo a projeção, o PT obterá no máximo 65 cadeiras, ou seja, 12,7% do total. Na Europa seria um pequeno ou no máximo um médio partido. Lembremo-nos de que o PS de Portugal tem 120 cadeiras da Assembleia da República de um total de 230. Isto é, 52% dos deputados.
Com a federação com PSOL e PCdoB, ambos com 8 deputados cada, o bloco liderado pelo o PT terá um total de 71 parlamentares, ou seja, 13,9% do total de 511 deputados.
O PSB deverá ter 24 deputados, 4,7% do total. Na Alemanha, ficaria fora do Parlamento por não atingir a cláusula de desempenho de 5%. O mesmo aconteceria com a federação PSDB-Cidadania e os seus prováveis 24 deputados. O MDB, com seus possíveis 40 deputados, escaparia do corte ao atingir 7,8% das vagas.
No presidencialismo brasileiro, as atenções dos partidos e dos eleitores se concentram nas eleições para presidente e governador, em detrimento das eleições parlamentares.
Creio ser uma tarefa urgente melhor organizar o sistema político-partidário e eleitoral do país. Acredito que o melhor sistema é o da Alemanha.
A cláusula de desempenho de 5% contribui para evitar a fragmentação e o troca-troca partidários, além de ampliar as possibilidades de maior fiscalização dos eleitores sobre apenas seis partidos com representação no Bundestag, enquanto a nossa Câmara terá 22 partidos representados.
O voto distrital misto alemão determina que o eleitor vote duas vezes. Uma, no deputado do distrito e outra, num partido. Assim, metade das cadeiras do parlamento é preenchida pelos deputados eleitos em disputa majoritária nos distritos. A outra metade é preenchida proporcionalmente ao número de votos obtidos pelos partidos, conforme as listas partidárias aprovadas em convenção.
Na mais rica economia da Europa vigora o sistema parlamentarista puro, no qual tanto o chefe de governo (o primeiro-ministro) como o chefe de Estado (o presidente da República) são escolhidos pelo Parlamento. No parlamentarismo português, o presidente da República é eleito pelo voto dos cidadãos.
No parlamentarismo desses dois países, o governo tem mandato de quatro anos, podendo ser abreviado por um voto de desconfiança ou renovado seguidamente pelos eleitores a cada quatro anos, como aconteceu por quase 60 anos com o governo do Partido Social Democrata na Suécia, com breves interrupções de vitória de partidos liberais.
Se o Brasil adotasse os dois primeiros mecanismos, cláusula de desempenho de 5% e voto distrital misto, teríamos um grande avanço institucional na organização da nossa democracia. A democratização e o melhor funcionamento do Estado brasileiro, ao meu ver, são fundamentais para que políticas públicas em benefício da maioria da sociedade sejam adotadas. Sigamos os bons exemplos.
* Jornalista. Coautor, com Francisco Almeida, de "O reencontro da esquerda democrática e a nova política" (Fundação Astrojildo Pereira, 2014)
Texto publicado no Facebook da Esquerda Democrática
Nas entrelinhas: A “sombra de futuro” de Simone Tebet
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A pesquisa Ipec divulgada na noite de segunda-feira (26/9) mostra que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chances reais de vencer no primeiro turno, com 48% das intenções de voto. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece com 31%, uma diferença entre os dois é de 17 pontos percentuais. Ciro Gomes (PDT) tem 6% e Simone Tebet (MDB), 5%. A senadora Soraya Thronicke (União Brasil) e o candidato do Novo, Felipe D’Ávila, ficaram com 1%. Os demais candidatos foram citados, mas não alcançam 1% das intenções de voto. Até domingo, teremos chuvas de pesquisas, com diferentes metodologias e resultados contraditórios, porque o ambiente é muito volátil, com um contingente de 11% de eleitores dispostos a mudar de voto.
Para não chover no molhado, vamos tratar da disputa pelo terceiro lugar nas pesquisas, entre Ciro Gomes e Simone Tebet, que é muito importante, mesmo que a eleição não tenha segundo turno. É aí que entra a “sombra do futuro”, um conceito desenvolvido pelos militares britânicos para explicar o comportamento dos soldados ingleses e alemães nas trincheiras da I Guerra Mundial, que durou quatro anos. Começou em 28 de julho de 1914 e terminou em 11 de novembro de 1918, com a vitória da Tríplice Entente, formada por França, Inglaterra e Estados Unidos.
A Grande Guerra envolveu 17 países dos cinco continentes: Alemanha, Brasil, Áustria-Hungria, Estados Unidos, França, Império Britânico, Império Turco-Otomano, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino da Romênia, Reino da Sérvia, Rússia, Austrália e China. Deixou 10 milhões de soldados mortos e outros 21 milhões de feridos, além dos 13 milhões de civis que perderam a vida. O conflito ganhou proporções catastróficas quando o Exército alemão, o mais moderno à época, rumou em direção à França, passando pela Bélgica, que era neutra. Isso fez com que a Inglaterra, aliada da Rússia, declarasse guerra à Alemanha.
O uso de novas armas, como o avião e os tanques, provocou uma carnificina. Milhares de homens morreram em bombardeios ou nuvens de gás tóxico. Em 1917, a Rússia se retirou do fronte de batalha, e os revolucionários bolcheviques, com apoio de soldados e marinheiros, tomaram o poder. No mesmo ano, os Estados Unidos entraram na guerra ao lado da Inglaterra e da França e contra a Alemanha. A “Grande Guerra” chegou ao fim em 1918, com vitória dos aliados. A Alemanha foi obrigada a ceder territórios e ressarcir os países vencedores, sobretudo a França.
Guerra de posições
As principais táticas empregadas eram a guerra de trincheiras, ou guerra de posição, que tinha por objetivo a proteção de territórios conquistados; e a guerra de movimento, ou de avanço de posições, que era mais ofensiva e contava com armamentos pesados e infantaria motorizada. O conceito de “sombra de futuro” surge principalmente em razão do Natal de 1914, quando soldados alemães e britânicos interromperam os combates para comemorar o Natal, trocaram presentes e jogaram futebol.
A trégua espontânea ocorreu em vários pontos das frentes de batalha. O estado-maior britânico estudou o fenômeno e chegou à conclusão de que os episódios ocorreram porque a “sombra de futuro” dos soldados, que sonhavam com o fim da guerra e a volta à vida civil, era maior do que a de seus governantes e comandantes militares. Mais importante do que ganhar a guerra era sobreviver nas trincheiras, até o armistício.
Podemos aplicar o conceito à disputa pela Presidência da República. A “sombra de futuro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, é menor do que a dos demais candidatos, embora sua expectativa de poder seja maior até do que a do presidente Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição. Às vésperas de completar 78 anos, se perder a eleição, Lula deixará de ser uma alternativa de poder; se ganhar, pode até não concorrer à reeleição. Bolsonaro, que tem 67 anos, se perder poder, poderá liderar uma oposição radical e robusta, com sede de vingança.
Ciro Gomes, que fará 65 anos em novembro, embora mais novo, corre o risco de ser marginalizado da política, caso sua candidatura seja volatilizada pelo “voto útil” a favor de Lula, pois será a quarta vez que disputa a Presidência, sem sucesso. Já Simone Tebet, com 52 anos, terá a maior “sombra de futuro”, porque é mais jovem. A senadora emergirá das urnas como a nova cara do MDB no plano eleitoral, mesmo “cristianizada” pelos velhos caciques da legenda. Será uma liderança natural da oposição moderada, em condições de construir um projeto para 2026, caso Lula vença no primeiro turno; se houver segundo turno, pode ter um papel ainda mais importante, inclusive na definição do novo governo.