Simone Tebet: Manifesto ao povo brasileiro
Decisões Interativas
O MDB, o seu partido, liberou os seus membros para optar entre Lula ou Bolsonaro, tirou nota, onde diz, de acordo com sua tradição histórica:
“Em respeito ao cenário, o MDB deixa claro que cobrará do vencedor o respeito ao voto popular, ao processo eleitoral como um todo e, sobretudo, a defesa intransigente da Constituição de 19888 e do Estado Democrático de Direito”.
Simone, ao começar a campanha não era conhecida por 70% dos brasileiros; agora somente 30% não a conhecem. Fez uma campanha digna e propositiva. As mídias sociais a apontaram como a melhor avaliada nos três debates, o da BAND, o do SBT e o da Globo.
Simone saiu maior da campanha do que entrou. Agora, é uma liderança nacional emergente; e, por sua personalidade corajosa e competente tornou-se uma alternativa para a renovação da política brasileira.
Neste momento concreto ela nos alerta para a questão fundamental desta eleição: o risco que significa Bolsonaro à nossa democracia. E de que todos devemos nos unir para derrotá-lo no 2º turno desta campanha eleitoral. E diz: estará nas ruas em luta por esta missão.
Simone Tebet é a melhor intérprete, simultaneamente, do Brasil moderno e do Brasil profundo e conservador que emergiu com toda a nitidez nesta eleição. Sua presença chegou como que para nos alertar que estão errados os que identificam esse eleitor conservador com o Bolsonaro reacionário, que tem como sonho dourado governar como ditador e regredir as instituições democráticas brasileiras.
Com ela a palavra. Abaixo, na íntegra, o seu manifesto ao povo brasileiro, com o legítimo direito de cidadã, mulher e política vinda lá do interior do Brasil, do Estado do Mato Grosso do Sul:
MANIFESTO AO POVO BRASILEIRO (*)
Apresentei minha candidatura à Presidência da República diante de um país dividido pelo discurso do ódio, da polarização ideológica e de uma disputa pelo poder que não apresentava soluções concretas para os problemas reais do povo brasileiro. Minha intenção foi construir uma alternativa a essa situação de confronto, que não reflete a alma e o caráter da nossa gente.
As urnas falaram. O povo brasileiro fez sua voz ser ouvida. Cumpriu-se o rito da Constituição, que hoje completa 34 anos. Venceu a democracia. Tive 4.915.423 votos, pelo que agradeço, do mais fundo do coração, por cada um deles.
Aprendi, ao longo de minha vida política, que não se luta apenas para vencer, mas para defender projetos, disseminar ideias, iluminar caminhos, plantar boas sementes para uma colheita coletiva.
O eleitor optou por dois turnos.
Em face de tudo o que testemunhamos no Brasil dos últimos tempos e do clima de polarização e de conflito que marcou o primeiro turno, não estou autorizada a abandonar as ruas e praças, enquanto a decisão soberana do eleitor não se concretizar.
A verdade sempre me foi companheira, não será agora que irei abandoná-la. Critiquei os dois candidatos que disputarão o segundo turno e continuo a reiterar as minhas críticas. Mas, pelo meu amor ao Brasil, à democracia e à Constituição, pela coragem que nunca me abandonou, peço desculpas aos amigos e companheiros que imploraram pela neutralidade neste segundo turno, preocupados que estão com a eventual perda de algum capital político, para dizer que o que está em jogo é muito maior que cada um de nós. Votarei com minha razão de democrata e com minha consciência de brasileira. E a minha consciência me diz que, neste momento tão grave da nossa história, omitir-me seria trair minha trajetória de vida pública, desde quando, aos 14 anos, pedi autorização à minha mãe para ir às ruas lutar pelas Diretas Já. Seria desonrar a história de vida pública de meu pai e de homens históricos do meu partido e da minha coligação. Não anularei meu voto, não votarei em branco. Não cabe a omissão da neutralidade.
Há um Brasil a ser, imediatamente, reconstruído. Há um povo a ser, novamente, reunido. Reunido na diversidade, antes (e sempre) a nossa maior riqueza, agora esmigalhada por todos os tipos de discriminação.
Neste ponto, um desabafo: de que vale irmos às nossas igrejas, proclamar a nossa fé, se não somos capazes de pregar o evangelho e respeitar o nosso próximo nos nossos lares, no nosso trabalho, nas ruas de nossa pátria?
Nos últimos quatro anos, o Brasil foi abandonado na fogueira do ódio e das desavenças. A negação atrasou a vacina. A arma ocupou o lugar do livro. A iniquidade fez curvar a esperança. A mentira feriu a verdade. O ouvido conciliador deu lugar à voz esbravejada. O conceito de humanidade foi substituído pelo de desamor. O Brasil voltou ao mapa da fome. O orçamento, antes público, necessário para servir ao povo, tornou-se secreto e privado.
Por tudo isso, ainda que mantenha as críticas que fiz ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em especial nos últimos dias de campanha, quando cometeu o erro de chamar para si o voto útil, o que é legítimo, mas sem apresentar suas propostas para os reais problemas do Brasil, depositarei nele o meu voto, porque reconheço seu compromisso com a Democracia e a Constituição, o que desconheço no atual presidente.
Meu apoio não é por adesão. Meu apoio é por um Brasil que sonho ser de todos, inclusivo, generoso, sem fome e sem miséria, com educação e saúde de qualidade, com desenvolvimento sustentável. Um Brasil com reformas estruturantes, que respeite a livre inciativa, o agronegócio e o meio ambiente, com comida mais barata, emprego e renda.
Meu apoio é por projetos que defendo e ideias que espero ver acolhidas. Dentre tantas que julgo importantes, destaco cinco, tendo sempre a responsabilidade fiscal (âncora fiscal) como meio para alcançar o social:
- Educação: ajudar municípios a zerar filas na educação infantil para crianças de três a cinco anos e implantar, em parceria com os estados, o ensino médio técnico, com período integral e conectividade, garantindo uma poupança de R$ 5 mil ao jovem que concluir o ensino médio, como incentivo para que os nossos jovens voltem à escola;
- Saúde: zerar as filas de cirurgias, consultas e exames não realizados no período da pandemia, com repasse de recursos ao SUS;
- Resolver o problema do endividamento das famílias, em especial das que ganham até três salários mínimos mensais;
- Sancionar lei que iguale salários entre homens e mulheres que desempenham, com currículo equivalente, as mesmas funções. Esse projeto já foi aprovado no Senado Federal e encontra-se parado na Câmara dos Deputados;
- Um ministério plural, com homens, mulheres e negros, todos tendo como requisitos a competência, a ética e a vontade de servir ao povo brasileiro.
Até o dia 30 de outubro, estarei nas ruas, vigilante; meu grito será pela defesa da democracia e por justiça social; minhas preces, por uma campanha de paz.
Com os meus mais sinceros agradecimentos ao povo brasileiro,
Simone Tebet
(5/10/22)
Manifesto publicado no portal Decisões Interativas
Entrevista | Simone Tebet: 'Não estou pensando em 2026, nem em cargos'
O GLOBO
Horas depois de declarar apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), terceira colocada na disputa, afirmou, no podcast "Dois+Um", do GLOBO, que o petista não entendeu que o eleitor estava esperando dele o "mínimo de propostas" para "temas básicos" como fome, miséria, desemprego, pauta econômica e social e segurança pública, e por isso "decidiu levar a eleição para o segundo turno". Tebet também foi bem direta sobre a decisão: "Não estou pensando em 2026, nem em cargos."
Na entrevista à CBN, a emedebista disse que a equipe da campanha de Lula presente no almoço de hoje na casa da ex-prefeita Marta Suplicy reconheceu que é preciso dar um sinal mais claro em relação à pauta econômica e se "posicionar mais ao centro". A senadora disse ainda que não deseja cargos ou ministérios e que sua entrada na campanha depende do quanto Lula está disposto a incorporar o projeto de país que ela afirma sonhar.
Por quais razões a senhora tomou a decisão de apoiar Lula?
Pelo meu histórico, pela minha vida pública. Primeiro que não cabe a neutralidade num momento tão importante da História do Brasil. E, segundo, que não há escolha: reconheço (em Lula) um democrata que serve à Constituição Federal e respeita a Constituição. E não encontro no atual presidente da República alguém que eu entenda que vá cumprir a Constituição e defender os valores democráticos. Não há opção a não ser ter coragem. Não cabe voto branco neste momento. Não vale voto nulo. O que vale é escolhermos de acordo com a nossa consciência. Minha consciência de brasileira e a minha razão de democrata me trazem a apoiar e declarar meu voto ao atual candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Como a senhora vê os apoios que foram quase incondicionais a Bolsonaro?
Os apoios que são dados são do jogo do campo democrático e da política. Só, lamentavelmente, quero dizer que eu não acredito que um lobo se transforme em cordeiro da noite para o dia. Eu conheci o presidente como senadora nesses três anos e meio. Eu vi o que foi feito e o que deixou de ser feito na CPI (da Covid). Lamentavelmente, quantos perderam as vidas porque ele não acreditou na pandemia, negou vacina no braço do povo brasileiro e atrasou a compra dessas vacinas em 45 dias? Só por isso já me impediria (de declarar voto em Bolsonaro) e acho que impede os grandes homens públicos do Brasil a aceitarem, de novo, apostar as suas fichas em nome de um candidato que flerta com o autoritarismo, não respeita as instituições democráticas e virou as costas para o povo brasileiro no momento em que o povo brasileiro mais precisava. Por saber de tantos retrocessos, saber que o que está em jogo são os avanços que a democracia tem condições de garantir ao povo brasileiro no futuro, que fiz a minha opção. É uma opção pela democracia, pela Constituição e por políticas públicas. Acredito que estou do lado certo da história e isso me basta.
O apoio da senhora consiste numa declaração de voto ou num compromisso de participação ativa na campanha?
O meu voto já está dado. Eu fiz um manifesto ao povo brasileiro dizendo que incondicionalmente, sem qualquer condição, o meu voto é pela democracia e pela Constituição. Eu não fiz um voto de adesão, eu fiz um voto de projetos para o país. Apresentei ao ex-presidente Lula, atual candidato, cinco propostas. Agora vão ser analisadas pela equipe econômica e do programa de governo. O meu voto o ex-presidente Lula já tem. Se vamos entrar na campanha, depende do quanto ele está disposto a incorporar um projeto de país que eu sonho. A bola está com a equipe de campanha do atual candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
A senhora coloca a necessidade de uma âncora fiscal. Encontrou acolhida na proposta?
É preciso uma ancoragem fiscal. Qual vai ser? Não me interessa. Não me preocupa se vai ser teto de gastos, se vai ser a meta de superávit. O meu projeto é de país. Não estou aqui para impor nada, nem a minha vontade, até porque serei uma crítica construtiva do futuro governo se o presidente Lula ganhar as eleições. Quis deixar o mais amplo possível.
A senhora, uma vez acolhido esse conjunto de propostas, consideraria a hipótese de compor num eventual ministério do governo Lula?
A minha adesão é por projeto de país e eu quero estar no Brasil, servindo ao Brasil, nos próximos quatro anos onde quer que eu seja necessária. Eu não quero cargos, eu não quero ministério, quero ter liberdade para que depois, com uma ampla reflexão, as pessoas que me ajudaram possam dizer: "Simone, o melhor caminho é aqui." Eu não sei qual é o papel, mas sei que tenho um papel hoje importante. Quero servir ao Brasil, não preciso de cargos, graças a Deus eu tenho profissão, então posso me dar ao luxo de andar o Brasil sem precisar de ministério ou cargo para precisar fazer aquilo que precisa ser feito. Há um Brasil a ser reconstruído e há um povo a ser novamente reunificado. Quero poder só fazer parte desse processo.
No almoço que a senhora e esses outros líderes tiveram na casa da ex-ministra e ex-senadora Marta Suplicy, ela ergueu um brinde e depois disse ao ex-presidente Lula: "Você agora não é mais o candidato do PT, da coligação. Você é candidato do Brasil”. A senhora entendeu isso como um recado pela necessidade de ampliar o palanque, as propostas, trazer mais clareza no que se pretende fazer? Isso é necessário?
Ele (Lula) não entendeu que o eleitor estava esperando dele o mínimo de propostas. O que fazer no futuro para temas básicos, como fome, miséria, desemprego, pauta econômica, educação, saúde, segurança pública. Faltaram pequenos pontos a serem colocados. Quando o ex-presidente Lula não apresentou, a população falou: preciso de mais tempo, então vou levar essa eleição para o segundo turno. Foi aí que nós desidratamos, eu e Ciro. Foi aí que houve uma movimentação do eleitor até acho que a favor do atual presidente e o jogo não acabou no primeiro tempo, ele foi para o segundo tempo, e agora é uma nova eleição. Então, sim, acho que é isso. Vi da equipe que estava ali (no almoço) um reconhecimento de que agora eles precisam apresentar propostas, eles estão prontos para apresentar, e esperou que estejam prontos para receber as nossas sugestões também.
Na conversa, houve algum aceno, alguma projeção de apresentação de um plano econômico, voltado para a classe média que está massacrada no Brasil?
Houve, sim, uma sinalização de que eles precisam sinalizar em relação à pauta econômica e à pauta de políticas públicas alguma coisa mais objetiva. A sensação que tive quando saí ali é que há, sim, o entendimento de que é preciso se posicionar mais ao centro e que o mundo mudou, a economia mudou, e é preciso evoluir em relação a esse sentido. Não cheguei a pregar uma economia liberal, como eu defendo, é óbvio, mas falei da importância da livre iniciativa, de se valorizar o agronegócio, ao mesmo tempo o meio ambiente, ou seja, um desenvolvimento sustentável.
A senhora pensa numa candidatura a presidente novamente, em 2026?
Eu aprendi na minha vida pública que a gente não vai para as eleições apenas para vencer, embora essa seja a prioridade absoluta. Mas para apresentar projetos, disseminar ideias, iluminar caminhos, para plantar a boa semente para uma colheita coletiva, foi o que coloquei no meu manifesto que eu mesma redigi nas 48 horas que tive sem dormir pela primeira vez desde que começou a campanha. A minha campanha foi muito tranquila, mas as últimas 48 horas foram muito difíceis, porque eu sabia e sei o que estava e está em jogo, e eu estou preparada para essa perda do capital político, se ela vier, porque é a minha verdade, a minha certeza. A democracia é algo muito maior do que cada um de nós que está em jogo. Diante de tudo isso, eu estou pronta para defender o Brasil, eu não estou pensando em 2026, nem em cargos. Acho que temos um longo caminho antes, eu quero servir ao Brasil. Há um Brasil para ser reconstruído, eu não sei onde eu me encaixo nisso, vocês me ajudem a me fazer útil dentro desse processo..
Dá para fazer um governo Lula com orçamento secreto e essa bancada ideológica que foi eleita? Como desarmar essas duas bombas-relógios?
Conheço bem o Congresso. Dá exatamente, pois dentro dessas bancadas fisiológicas nós temos os partidos de Centro que estão prontos, para numa análise crítica, num apoiamento crítico, avançar e dar os votos necessários para as reformas estruturantes e bons projetos do próximo presidente da República. O Congresso tem essa consciência, a responsabilidade, porque nós estamos no fundo do poço. Precisou ir para o fundo do poço para a gente agora tentar emergir com projeto que gere emprego e renda, garanta a dignidade, tire o Brasil do mapa da fome e miséria.
Senadora, sem falsa equivalência, no começo da campanha a senhora fez críticas duras ao candidato Lula, muitas vezes centradas em corrupção, que houve naquele período. Isso foi tratado na conversa? É um compromisso?
Sim. E, colocando na balança, corrupção por corrupção, a hora que abrirem a caixa preta do orçamento secreto, ela vai se mostrar infinitamente maior do que o petrolão, o que não isenta. Corrupção é corrupção. Quem rouba um, rouba 1 milhão. As duas coisas têm que ser rechaçadas. E eu coloquei (como compromisso) o ministério competente e ético. Eu deixei muito claro essa questão.
Acho que falta ao PT um mea-culpa de reconhecer que no seu governo houve corrupção?
Nesse ponto eu fui dura. E vou repetir, triste Brasil que tem que escolher entre dois grandes escândalos: escândalo do mensalão e do petrolão do passado, (ou) o escândalo do “vacinaço”, da tentativa de superfaturar vacinas, do “ônibuzaço” no Ministério da Educação, e do orçamento secreto desse governo. Dizer que esse governo não tem indícios de corrupção? Por favor, é desconhecer o dia a dia da política brasileira e não ter capacidade de fazer a leitura certa através dos grandes veículos de comunicação. Mas isso a história dirá.
A senhora acha que os 51 milhões de votos dados a Bolsonaro mostram que o país normalizou o que aconteceu na pandemia?
Os retrocessos são tamanhos que o que mais me assusta como cidadã, como brasileira e como cristã, é o quanto o brasileiro conseguiu dos últimos três anos e meio normalizar os absurdos. Como a gente chegou ao ponto de normalizar tragédias, retrocessos. Ver uma criança na rua pedindo um prato de comida e virar o rosto, ver um negro ser espancado e achar que isso é natural. Normalizar as grosserias. Como nós podemos ir às nossas igrejas, fazer a leitura do evangelho e não conseguir pregar o evangelho na rua, nos nossos lares, nos nossos ambientes de trabalho?
O presidente fez muitas críticas à CPI da Covid, em que a senhora foi protagonista. Eu queria que a senhora fizesse um balanço dos efeitos da CPI, considerando que ela não prosperou em termos de denúncias formais, em grande parte devido ao procurador-geral da República. Qual o balanço que se faz agora?
Não com meu voto na recondução. Eu votei na primeira vez, dei um voto de confiança. E, na segunda vez, eu fui até indelicada e sequer o recebi no meu gabinete, porque já tinha visto nele traços de alguém tendencioso que estava ali para servir o presidente e não para servir como órgão de fiscalização e controle ao povo brasileiro.
A CPI cumpriu duas grandes missões: ajudou a colocar vacina no braço do povo brasileiro, portanto, salvar vidas; e, depois, como um grande inquérito concluiu que há denúncias gravíssimas de tentativa de corrupção. Isso a história vai contar e vai ficar claro a partir de primeiro de janeiro do ano que vem se o povo brasileiro escolher como presidente Lula, porque a partir daí nós teremos um outro procurador-geral da República, e as coisas se tornarão públicas.
Senadora, os apoios me parecem ter dois tipos: os apoios como o da senhora e o do PDT, que condicionam esse apoio a alguma assumpção de compromissos; e os apoios recebidos pelo Bolsonaro mais incondicionais, apoios que tem uma máquina pública por trás. Por que de Bolsonaro não se cobra esses compromissos? E o que essas máquinas podem fazer de diferença?
Sinceramente, acho que não vai fazer diferença nenhuma. O eleitor agora vai colocar a mão na consciência e decidir de acordo com o que ele acha que é mais importante para sua vida e para o Brasil. Ele está atento.O povo brasileiro sabe votar. Vota naquele menos pior dentro das circunstâncias. E ele não é tutelado. O voto é dele. É claro que um apoio meu pode fazer um eleitor meu refletir. Mas ninguém é dono do voto do eleitor.
E as pessoas estão colocando na balança: o porquê alguém está dando apoio e colocando propostas, e o outro está apoiando simplesmente por apoiar. O que está por trás? Está por trás discussão de cargos, de ministérios, de manutenção de benesses, de orçamento secreto? O eleitor está atento.
Reprodução do blog Democracia Política e novo Reformismo
Religião dominou as fake news no período eleitoral, afirma especialista em redes
Katia Marko | Brasil de Fato
As redes sociais seguem cada vez mais no centro das estratégias eleitorais. E o fenômeno das fake news manteve sua relevância no primeiro turno de 2022. Essa é a avaliação do analista de redes sociais Lúcio Uberdan. Segundo ele, as principais mentiras divulgadas no pleito trazem abordagens de cunho religioso.
Outros assuntos presentes são a situação dos processos de Lula, o combate ao "comunismo" e todo um grande leque de questões morais - como aborto, relações homoafetivas e família.
"É importante entendermos que no mínimo um terço do eleitorado de Bolsonaro é neopentecostal. É uma concentração enorme e também uma dependência enorme de um ator político com um único grupo social e os valores impostos internamente, muitas vezes deturpados por líderes inescrupulosos", destaca.
Brasil de Fato RS – Qual tua avaliação do uso das redes das campanhas de Lula e Bolsonaro?
Lúcio Uberdan – Uma questão inicial importante é reconhecer que as campanhas de Lula e Bolsonaro colocaram a internet, em especial as redes sociais, no centro da estratégia eleitoral. Imagino que muito pela constatação da diminuição da importância da propaganda política na TV e também pela crescente invisibilidade de rua com as novas regras eleitorais.
Dito isso e reconhecendo o destaque estratégico da campanha digital, minha avaliação é que as campanhas de Lula e Bolsonaro desenvolvem, cada um do seu jeito, uma comunicação digital muito tradicional, focada prioritariamente no conteúdo, na maioria das vezes básico. Isso não quer dizer que não sejam efetivas em relação a alcance e projeção de marca, objetivos iniciais de uma campanha online, mas não vejo o uso das redes sociais pelas campanhas oficiais dos líderes com inovação a ponto de superar o que já foi feito em campanhas anteriores, em especial as de 2010, 2014 e 2018.
Quais as diferenças básicas no uso das redes da campanha de 2022 para a de 2018?
Existem muitas diferenças nas campanhas digitais de 2018 para 2022. Poderia enumerar mais de uma dezena de questões, mas acho que tem umas quatro que são as centrais:
1) O posicionamento mais efetivo da Justiça e das plataformas em relação à produção e propagação de informações falsas, que começou com a perseguição de youtubers bolsonaristas e ameaça de banimento do Telegram. Esse posicionamento mostrou que a desinformação ia ter consequências nessa eleição;
2) O uso massivo do impulsionamento por parte das candidaturas. Se em 2020 o uso da tática foi muito pontual, em 2022 ela alcançou boa parte das candidaturas majoritárias e proporcionais. Na última vez que consultei, o montante passava de R$ 250 milhões entre os candidatos e com casos curiosos para além dos candidatos, como o Brasil Paralelo aparecendo como o maior anunciante depois das próprias plataformas, gastando mais de R$ 3 milhões;
Gráfico com engajamento no Instagram: 1º turno / Reprodução
3) O papel dos influencers "não políticos". Esses atores já foram presentes em outras eleições, mas não na diversidade, disposição e conexão com a campanha oficial como em 2022. Anitta talvez seja o exemplo mais citado, mas a lista é longa: da música, atores de TV até streamers. Os influenciadores assumiram um papel de destaque em muitas campanhas. Na de Lula parece que se tornaram inclusive a principal tática;
4) A perda de força do Facebook e o crescimento exponencial do papel do Instagram, em especial com uso do Stories e do Reels. Se na campanha presidencial passada ainda estávamos muito no Facebook e preocupados com o WhatsApp, nesta o Instagram foi o grande protagonista a meu ver. Lula, por exemplo, acumulou no Instagram o dobro do engajamento do Facebook e Twitter somados.
O bolsonarismo é uma organização política formada em sua grande maioria por pessoas não nativas digitais, mas a sua organização política é nativa digital
O bolsonarismo cria uma realidade paralela nas redes? Podemos dizer que existe uma campanha oficial e outra no submundo das redes sociais?
Não acredito que exista uma realidade paralela nas redes, acho que existe uma campanha apenas, assim como não existe uma campanha digital e uma campanha na rua totalmente desassociada. O bolsonarismo é uma organização política formada em sua grande maioria por pessoas não nativas digitais, mas a sua organização política é nativa digital.
A espinha dorsal do seu ativismo não é orientada por um partido ou organizado em um movimento social hierarquizado, mas em uma miríade diversa e complexa de grupos digitais e chats. Essa gênese sem dúvida produz uma forma de fazer política diferente, em muitos casos problemática, mas não desconectada da campanha pública de Bolsonaro no Twitter ou no cercadinho. Ali se vê claramente uma campanha muito similar, com leve adequações.
Nessa rede de fake news, a "mamadeira de piroca" este ano foi que o Lula vai fechar igrejas?
As fake news seguem presentes e muito usadas esse ano, sem dúvida. Entre elas, abordagens de cunho religioso são as principais, assim como a situação dos processos de Lula, o combate ao "comunismo" e todo um grande leque de questões morais, com temas como aborto, relações homoafetivas e família. É importante entendermos que no mínimo um terço do eleitorado de Bolsonaro é neopentecostal. É uma concentração enorme e também uma dependência enorme de um ator político com um único grupo social e os valores impostos internamente, muitas vezes deturpados por líderes inescrupulosos.
Apesar da falta de uma gestão de crise mais técnica nas instituições políticas de esquerda, acredito que o impacto das fakes news em 2022 é menor que em 2018. A ação mais ativa da Justiça e das plataformas, o clima maior de olhar para o futuro pós uma dramática pandemia e o próprio cidadão que já começa a entender a existência da desinformação proposital, diminuiu muito o efeito dessa tática.
O que deu errado com as pesquisas? Por que não enxergamos o crescimento de Onyx e Mourão no Rio Grande do Sul?
Apesar de não ser minha área, acho que esse é um tema complexo que atinge em cheio os institutos, lança dúvidas sobre a metodologia, mas também a forma de divulgação das pesquisas e a legislação. Talvez a questão seja mais dramática do que se pensa e, no fundo, a média dos institutos pode ter acertado mais do que se imagina.
Explico: se por um lado os institutos deveriam vir a público de forma mais cotidiana, explicando seus processos, métodos e ajustes, por outro os meios de comunicação, os grandes compradores desse tipo de pesquisa, deveriam rever sua forma de divulgação, com foco nos votos válidos e abordagem de "previsão" do resultado eleitoral futuro. É como se apagassem a ideia de que existem votos incertos e deslocamento do voto até o último minuto. A legislação também deveria se debruçar novamente sobre esse tema, revendo o papel da divulgação de pesquisas, em especial na véspera de um pleito.
Além disso, outra questão a se pensar é que o grau de negação em responder uma pesquisa por parte de um grupo político pode ser maior que se imagina. Pesquisas medem o que é respondido, se um grupo se nega a responder em grande escala, o resultado pode surpreender.
Apesar da falta de uma gestão de crise mais técnica nas instituições políticas de esquerda, acredito que o impacto das fakes news em 2022 é menor que em 2018
Na tua opinião, qual será a melhor estratégia de redes neste segundo turno?
É muito difícil dizer sem acompanhar por dentro as ações que estão sendo feitas e os objetivos definidos. É possível eu citar algo e isso já está sendo feito e apenas não chegar até o meu feed, chat ou caixa de e-mail, ou, até mesmo, ter sido desconsiderado por algum motivo. Ainda assim, parece que a campanha de Bolsonaro se concentra muito no marketing de comunidades e de Lula no marketing de influenciadores digitais, secundarizando dezenas de outras táticas de marketing político digital que são muito efetivas também.
Mas respondendo à pergunta, acho que a busca por uma maior efetividade nesse segundo turno, em especial para campanha Lula, sem deixar de fazer o que já está em curso, passa por: a) dar maior prioridade para o Instagram, plataforma que entrega o maior alcance e engajamento; b) qualificar o conteúdo da interface oficial ao máximo, com base nas melhores práticas de cada plataforma, com objetividade visual na mensagem; c) apostar mais no formato vídeo, de forma mais espontânea, humanizada e informal. Usar Reels e Tiktok, respeitar as melhores práticas daquele formato; d) cruzar o mapa eleitoral (georreferenciado) com uma campanha de impulsionamento de conteúdo geolocalizado; e) desverticalizar os grupos digitais criados, em especial no Telegram e WhatsApp, e avançar em relacionamento e chamadas de ação e f) mapear e avançar no diálogo com micro influenciadores e ativistas com redes sociais locais em áreas de maior interesse.
Matéria publicada no portal Brasil de Fato
Ainda falta a travessia
Alberto Aggio | Horizontes Democráticos
O resultado das eleições presidenciais de 02 outubro de 2022 surpreendeu pela vitória exígua de Lula (48%) sobre Bolsonaro (43%), quando todas as pesquisas oficiais apontavam uma diferença muito maior e algumas até mesmo a vitória de Lula no primeiro turno. A disputa agora vai se estender até o próximo dia 30, quando será realizado o segundo turno. O desejo de ultrapassar um governo que se apresentou como uma ameaça na trajetória da democratização que a sociedade vinha estabelecendo por mais de 30 anos foi adiado e agora não se sabe se, de fato, será concretizado.
Lula chegou em primeiro lugar porque não permitiu que sua campanha eleitoral se esquerdizasse e porque conseguiu alguma agregação de apoio de personalidades da sociedade civil, do mundo da cultura, empresarial e sindical. Atraindo Geraldo Alckmin para ser seu vice, Lula iniciou um movimento de enfraquecimento orgânico de um tradicional adversário, o PSDB, já cambaleante por problemas e divisões internas. Foi um tiro certeiro, comprovado pelo resultado. Mas isso não tem nada a ver com a ideia de “frente ampla” contra o fascismo, como se alardeou a cada apoio que a candidatura Lula recebia. Com Bolsonaro radicalizando suas posições e ameaçando as eleições e seus resultados diuturnamente, o que ocorreu foi que Lula manteve-se como um polo de atração a partir de sua expectativa de poder, que se manteve firme nas pesquisas. Mas isso foi insuficiente para consumar sua vitória.
A resiliência de Bolsonaro demonstrou ser maior do que se previa e foi sobretudo uma demonstração de força comprovada pela vitória que obteve nas eleições para diversos governos estaduais, para o Senado da República e pela ampliação da bancada de apoiadores na Câmara dos deputados – seu partido, o PL, avançou para quase 100 deputados que, somados aos seus aliados do Centrão, seguramente irão compor uma maioria expressiva no Congresso. O fato notável é que Bolsonaro consegue um êxito significativo elegendo apoiadores mais afins a seus propósitos ideológicos do que em 2018, quando se registrou um apoio ainda rarefeito.
Se computados todos os resultados, fica claro que a extrema-direita ficou raízes no cenário político brasileiro, uma situação historicamente nova. Caso Lula vença no segundo turno, as dificuldades de governança serão enormes em função da composição do Congresso, que certamente terá uma maioria inclinada ao bolsonarismo e ao Centrão. Em sentido contrário, caso Bolsonaro vença, o caminho em direção a mudanças de caráter iliberal nas instituições políticas do país terá o seu percurso facilitado. Portanto, não foi de pouca monta os resultados que saíram das urnas.
A votação de Lula expressa, certamente, sua sagacidade política e popularidade. Contudo, mostra também um líder que é imensamente maior do que seu partido e fixado num tipo de política “fulanizada”, pouco afeita a articulações montadas em cima de programas partidários ou de coalizões amplas. Nesse ponto, apresenta uma coincidência com Bolsonaro, que não acredita em partidos políticos, foi incapaz de construir um que pudesse controlar integralmente, mas demonstrou habilidade para fazer a política típica do Centrão que opera alianças pontuais independentemente de qualquer critério que não seja a obtenção e voto, garantindo benefícios subsequentes.
Se pela direita Bolsonaro faz uma política de “vale tudo”, no campo da esquerda, a proposição de uma “frente democrática” nunca se estabeleceu como uma fórmula produtiva do ponto de vista eleitoral, permanecendo no âmbito da retórica e alcançando um único ponto positivo, qual seja, a identificação entre “frente democrática” e a defesa da democracia. Lula e o petismo fizeram apenas discurso eleitoral com essa fórmula política. O pluralismo político que a sociedade carrega, a adesão à competitividade política como uma esfera democrática legítima e a predominância da chamada “democracia de audiência”, são alguns dos elementos que obstaculizaram a possibilidade de êxito à fórmula da “frente democrática” do ponto de vista eleitoral. Foi nessa impossibilidade que naufragou a candidatura do centro político, facilitando a Lula trabalhar com a ideia de identificação entre sua candidatura e a “salvação” da democracia frente a ameaça de continuidade de Bolsonaro. Mas, por outro lado, fez com que esse mesmo centro político perdesse qualquer condição de ampliar sua ascendência sobre o eleitorado de centro-direita ou direita moderada que se inclinou para Bolsonaro ampliando sua votação.
Como afirmei em artigo anterior, o retorno de Lula e a polarização que se estabeleceu com Bolsonaro acabou condicionando os termos da disputa eleitoral a opções estanques: “nós contra eles”; “bem contra o mal”. Com isso, a única alternativa das forças do centro político estaria na estruturação de um “novo polo” eleitoral que alterasse o sentido da disputa política. E isso não significava, como alguns entenderam, se afastar da defesa da democracia. Esse “novo polo” poderia representar uma “alternativa democrática e progressista” real à atual polarização que é entendida como nefasta à democracia brasileira.
Um polo ao centro que fosse, em certo sentido, “excêntrico”, com resultados administrativos distintos para mostrar e atrair os eleitores por meio de uma projeção desses resultados para um futuro imediato. E mais: deslocar o discurso e o embate político para um terreno que não fosse apenas democracia versus fascismo e apresentasse temas mais afeitos à valorização objetiva e subjetiva dos avanços do capitalismo brasileiro e suas potencialidades conectadas com as dimensões do compromisso social, da inovação tecnológica e da modernidade ecológica. Nesses três campos Bolsonaro e Lula aparecem como lideranças precárias e inconvincentes.
Mas nada disso aconteceu e a disputa eleitoral acabou se reduzindo ao embate de dois mitos, Lula e Bolsonaro. De acordo com o colunista político Luiz Carlos Azedo, Lula “é o líder metalúrgico que chegou lá, passou o pão que o diabo amassou após deixar o poder e renasceu das cinzas, como fênix. Bolsonaro é o ‘mito’ que desafiou o sistema, construiu uma carreira política na contramão, lançou-se à disputa pela Presidência com a cara e a coragem, sobreviveu ao atentado que o deixou entre a vida e a morte na reta final da campanha de 2018”. O primeiro busca sua “voltar ao poder, com o passivo dos escândalos de seu governo e um legado de realizações sociais” enquanto o segundo, tenta a reeleição, “com uma agenda conservadora e o fardo de um governo desastrado, da falta de empatia e das suas grosserias misóginas”.
Tal polarização acabou se tornando uma condenação que agora carregamos para o segundo turno. O país que Lula e Bolsonaro estão disputando vive uma crise que se expressa a olho nu. Conforme o editorial do Estado de São Paulo, “a fome voltou a assombrar milhões de brasileiros. Nossa imagem internacional é um desastre. O arcabouço fiscal foi devastado. Programas de assistência social foram substituídos por arremedos eleitoreiros. A inflação só recuou à base de marretadas para conter o preço dos combustíveis. Políticas públicas na área de saúde, educação, meio ambiente, cultura e ciência foram destroçadas para acomodar bilionárias emendas eleitoreiras de parlamentares”.
E não serão palavras ao vento que irão produzir convencimento nos eleitores que retornarão às urnas no final desse mês. Por essa razão, como afirma Marcelo Godoy, jornalista do Estado de São Paulo, é inquietante verificar que ninguém sabe o que Lula, diferentemente de 2002, pretende lidar com a economia em um mundo afetado por novos conflitos geopolíticos e antigos desafios, como a desigualdade no país; ou como será seu comportamento no sentido de impedir a corrupção e se relacionar com um Congresso hostil, que domina 50% dos investimentos do orçamento. Essas são apenas algumas dúvidas, mas há outras inquietações. Até o momento as alianças indicadas pelo petismo permanecem no interior do campo tradicional da esquerda. Basta ter olhos para ver que, agora no segundo turno, Lula e o PT estarão desafiados a pensar a construção de uma coalizão ampla se quiserem vencer as eleições.
Os eleitores colocaram à esquerda brasileira um desafio insólito que só poderá ser desvendado indo além do famoso dilema socrático que vaticinava “conheça-te a ti mesmo”, atualizando-o para uma fórmula mais simples: “reinventa-te” aqui e agora.
Artigo publicado originalmente no portal Horizontes Democráticos
Em nota, Freire defende apoio a Lula no 2º turno
Cidadania23
Como presidente nacional do Cidadania, saúdo o processo democrático que culminou na ida de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro para o 2º turno das eleições presidenciais, que ocorreram de forma pacífica.
Contra a descrença de muitos, nossa candidata, Simone Tebet, cumpriu o papel de discutir o Brasil e as soluções para os problemas que afligem os brasileiros: fome, desemprego, inflação alta, estagnação econômica, entre outros.
Simone emerge como uma liderança nacional que terá voz ativa e participação nos processos decisórios que terão desenlace a partir desta terça-feira e se aprofundarão a partir de 31 de outubro de 2022. A Justiça Eleitoral e nossas instituições saem fortalecidas.
Informo ainda que encaminhei à Executiva Nacional, que se reúne nesta terça-feira, às 12h00, posicionamento a favor de que o partido declare apoio a Lula no 2º turno.
Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania
Nota publicada no portal do Cidadania23
Pretos e pardos na Câmara dos Deputados: negros ocuparão apenas 26% das cadeiras
Igor Carvalho | Brasil de Fato
Apesar de representarem 47% das 10.629 candidaturas a deputado federal, negros – a junção de pretos e pardos, foram eleitos para ocuparem apenas 135 cadeiras da Câmara dos Deputados, 26% do total, a partir de janeiro de 2023.
O número representa um aumento de 9%, em relação a eleição de 2018, quando 124 candidatos negros foram eleitos. Na legislatura eleita em 2014, esse número era ainda menor, apenas 102, dos 513 deputados federais, eram pretos ou pardos.
Contexto: Partidos incham participação de negros na eleição em cargos legislativos
No Brasil, 56% da população se autodeclara negra, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistícas (IBGE). Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 52% dos eleitores são pretos ou pardos.
Os candidatos brancos garantiram 370 cadeiras na Câmara dos Deputados, 72% das 513 vagas. Em 2018, eram 387, 75% do total. Quatro anos antes, em 2014, esse grupo representava 80% da ocupação da Casa.
Partidos
As siglas de direita ou extrema-direita elegeram mais candidatos negros, em comparação com os partidos de esquerda, que pregam a inclusão de pretos e pardos no Congresso Nacional. Serão 60 pretos ou pardos conservadores em PL, Republicanos e PP.
Relembre: SC e SP são os únicos estados que só terão brancos disputando os governos estaduais
O PL, sigla de Jair Bolsonaro, de extrema-direita, será o partido com mais deputados federais que se autodeclaram negros, 25, o que representa 25% dos 99 eleitos pela legenda.
Ainda no espectro de direita, está o Republicanos, que elegeu 20 negros, 49% do total de eleitos do partido. Em seguida, o PP, que levou 15 pretos ou pardos para o Congresso Nacional, 32% de suas candidaturas vitoriosas.
Entre os partidos de esquerda, 34 candidatos negros foram eleitos. O PT puxa a fila, com 16 candidaturas pretas ou pardas consagradas nas urnas, 23% dos 68 eleitos pelo partido.
Seis candidaturas de negros, entre as 14 eleitas pelo PDT, saíram vitoriosas da corrida eleitoral e chegaram à Câmara dos Deputados. Em seguida, aparecem PCdoB (4), PSOL (3), PSB (2), PV (2) e Rede (1).
Os partidos de centro também elegeram mais deputados federais negros, em comparação com a esquerda. Entre os vitoriosos do União Brasil, 17 são pretos e pardos, 29% do total. Em seguida, aparecem MDB (8), PSD (6), Podemos (5), Avante (2), Pros (2) e Solidariedade (1).
Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato
Brasilianistas admitem surpresa com resultado das eleições e avaliam estratégias
Rodrigo Craveiro | Correio Braziliense
O historiador político James Naylor Green, professor da Universidade Brown (em Rhode Island) e discípulo do brasilianista Thomas Skidmore, afirmou ao Correio que as pesquisas da Datafolha e do IPEC estavam corretas sobre o peso do petista Luiz Inácio Lula da Silva. "Ele chegou à margem de erro de 48%. O surpreendente é que o presidente Jair Bolsonaro ganhou 8 pontos a mais do que se esperava. Existe um setor da população, que apoia Bolsonaro e não se revela; eles mentem para os pesquisadores quando fazem as entrevistas. As projeções talvez estejam equivocadas, pois não temos informações exatas sobre quantas pessoas ganham um ou dois salários mínimos. Isso pode distorcer os resultados", explicou.
Green crê que a eleição de ontem indica que o Brasil segue o caminho da polarização e da aliança de forças conservadoras neoliberais com os evangélicos e com a Igreja Católica. "Agora, eles estão muito fortes no Congresso. Se Lula ganhar as eleições, será muito difícil para ele governar", avaliou. De acordo com o brasilianista, Lula tem capacidade de construir uma aliança com o MDB, de Simone Tebet. "O partido sempre tem a tendência de apoiar o lado vitorioso. Um setor do MDB o apoiava no Nordeste. No último debate da Globo, Tebet parecia ensaiar para ser ministra da Agricultura", lembou.
Em relação a Ciro Gomes (PDT), Green contou que esperava um declínio de votos do candidato de 9 pontos percentuais para 4 pontos. "Ao finalizar a eleição com pouco mais de 3%, ele teve um rendimento muito fraco. Trata-se de uma derrota, e provavelmente Ciro nunca mais será candidato. Acho que o PDT apoiará Lula e o endossará, mas duvido que Ciro, pessoalmente, o faça", disse. Para o estudioso, o ex-presidente petista precisará ganhar alianças, mobilizar os simpatizantes e tentar uma vitória no segundo turno, enquanto Bolsonaro intensificará os ataques contra Lula. "Será uma campanha pior do que a de 2018. A questão, depois, é saber se Bolsonaro adotará uma ação militar. Nesse momento, isso não é de interesse dele", acrescentou Green.
Turbulência
Presidente emérito do think tank Diálogo Interamericano (em Washington) e ex-professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Columbia, Peter Hakim disse ao Correio acreditar que Lula precisa estar preocupado. "Os apoiadores de Bolsonaro ficarão encantados com o resultado das eleições de hoje (ontem), enquanto os de Lula sentem desânimo. Os bolsonaristas desfilarão vitória. Os números do primeiro turno também levantam a questão sobre se uma vitória apertada de Lula fomentará um grupo de bolsonaristas altamente mobilizado, nervoso, e talvez violento, que poderia causar turbulência em caso de derrota em 30 de outubro", alertou.
Hakim admitiu ter ficado muito surpreso com a voz das urnas. "Esperava que Lula ganhasse por pelo menos 10 pontos percentuais. Vale observar que ele não ficou longe das previsões do IPEC e do Datafolha, mas Bolsonaro tirou entre 6% e 7% dos candidatos menores. Não posso explicar isso a não ser pensar que alguns eleitores simplesmente esconderam a preferência por Bolsonaro", disse.
Ainda segundo Hakim, Lula terá que mover rumo ao centro, além de indicar um economista respeitado para o Ministério da Fazenda. Ele aposta que Bolsonaro adotará uma abordagem binária para manter os simpatizantes mobilizados, enquanto buscará meios de mostrar aos mercados que ele persegue uma estratégia de crescimento sensível. "Bolsonaro, agora, se focará mais em ganhar a eleição do que em ameaçar frustrar uma vitória de Lula. É difícil prever o que os seus seguidores farão", observou. "O Brasil será mais difícil de governar do que se pensava. O país está dividido e polarizado ao meio."
Matéria orginalmente publicada no Correio Braziliense
Carandiru: 30 anos da maior chacina numa prisão brasileira
Edison Veiga | DW Brasil
Oficialmente, foram 3,5 mil tiros disparados em cerca de 20 minutos. Era uma sexta-feira, 16h20 do dia 2 de outubro de 1992, quando 341 policiais da Tropa de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo foram enviados para conter uma rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru. Entraram com cães, bombas e armas pesadas.
O saldo da operação, 111 mortos, todos detentos, fez com que o episódio entrasse para a história com o nome de Massacre do Carandiru. Evidências posteriores confirmaram que presos foram fuzilados com armas como fuzis AR-15 e submetralhadoras HK e Beretta. Não raras vezes, aquele dia é lembrado como o ápice da falência do sistema prisional brasileiro.
Três décadas depois, a chacina protagoniza uma guerra de narrativas, tem consequências tanto na reorganização do sistema prisional como na atividade criminosa e está presente no imaginário coletivo por meio de livros, filmes e músicas.
Mais violenta ação policial em penitenciária brasileira
O verbete dedicado ao tema na Wikipedia, por exemplo, foi alvo recente de vandalismo virtual. No último dia 26 de setembro, a descrição do evento na enciclopédia colaborativa estava editada como "A Limpeza do Carandiru foi uma entrega de 111 alvarás celestiais que ocorreu no Brasil". O texto foi corrigido no mesmo dia.
Em 1997, o grupo Racionais MC's gravou o rap Diário de Um Detento, contando sobre o massacre. Em Haiti, de 1993, Caetano Veloso fala sobre "ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina: 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres".
Considerado a mais violenta ação policial dentro de uma penitenciária brasileira, o massacre ocorreu após uma rebelião dos presos, em que colchões foram incendiados e celas depredadas. Depois da repercussão da chacina e muita pressão de ativistas de direitos humanos, houve uma revisão da política prisional, sobretudo no estado de São Paulo.
"Quando o novo governador assumiu [Mario Covas, em 1995], sua gestão iniciou projetos de reforma do sistema penitenciário. Foram então construídos mais presídios com menos quantidade de vagas, um limite de 800 pessoas por unidade", explica o jornalista, economista e cientista político Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e autor de, entre outros, A Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil.
O Carandiru tinha 7 mil presos. Com a nova política, São Paulo passou a ter unidades prisionais espalhadas por todo o estado. O número de presídios saltou de pouco mais de 30 para os atuais 179. "Também houve uma terceirização gradual da gestão interna dos presídios", acrescenta Paes Manso.
PCC, uma das consequências
Na outra ponta da história, os criminosos também passaram a se unir mais, seja por receio de novos massacres, seja por sede de vingar o sistema. A proliferação de estabelecimentos prisionais, se diminui o tamanho dos grupos, ao mesmo tempo favorece a criação de mais lideranças, fortalecidas frente a suas comunidades pequenas.
"Em 1993 foi criada a facção paulista, o PCC [Primeiro Comando da Capital], justamente com um discurso oficial de proteção dos presos, 'aqueles que o Estado quer exterminar, massacrar'", pontua o pesquisador. "No discurso estava presente a ideia de que, 'para que eles não nos matem, vamos fortalecer o crime e bater de frente contra nosso inimigo maior: o sistema'."
Paes Manso vê no fenômeno o surgimento de "um novo modelo de profissionalização do crime". E o sucesso do PCC, que em poucos anos se tornaria a maior facção criminosa do país, seria a prova de que essa união de criminosos conseguiu o que almejava. Uma organização que funciona ao mesmo tempo como um sindicato e uma cooperativa do crime.
"O PCC não é o resultado direto do massacre do Carandiru, mas usou o massacre para elaborar seu discurso, seu estatuto", contextualiza ele.
Repercussão na formação da PM
Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel reformado da Polícia Militar (PM) de São Paulo e consultor de segurança José Vicente da Silva Filho discorda dessa ideia. "Não se pode dizer que o massacre resultou em maior união dos presos. Qualquer estabelecimento prisional do mundo acaba, inevitavelmente, propiciando um processo de socialização e de agrupamento, de autoproteção ou para disputar alguns privilégios dentro do sistema. Facções sempre existiram", comenta ele, que atua como professor na Polícia Militar e é conselheiro da USP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.
Silva Filho analisa que uma importante consequência do episódio foi um maior investimento na formação dos quadros, sobretudo de gestão, da PM paulista. "A polícia foi alvo de críticas tão intensas, severas e contínuas [depois do ocorrido], não só sobre aquela tropa… [As críticas eram quanto ao] seu despreparo, violência, descontrole, diziam a academia e diversos órgãos, que isso acabou impactando nos policiais, que acabaram se inibindo e passando a operar com mais cautela", defende ele.
O coronel argumenta que, alguns anos mais tarde, isso influenciou no investimento em melhor formação da gestão das tropas. "Foi um grande impulso, intensificou-se a preparação dos policiais, com revisão da estrutura, dos valores, da formação. Hoje a PM instituiu um mestrado e um doutorado para seus quadros", comenta. "Melhorou substancialmente a capacitação da alta gestão em um organismo complexo como é a PM."
Disparos com intenção de matar
O massacre provocou a queda do então secretário de segurança pública de São Paulo, Pedro Franco de Campos, apontado como o responsável pela ordem de invasão do presídio — ele foi substituído por Michel Temer no cargo. O então governador Luiz Antônio Fleury Filho reconheceu, na ocasião, que a ação policial havia sido criminosa.
A repercussão internacional fez com que o Brasil fosse denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA).
O coronel Ubiratan Guimarães (1943-2006), que comandou a operação, foi a julgamento em 2001, depois de um processo de 8 anos e mais de 20 mil páginas. A perícia deixou evidente que 75% dos presos mortos estavam dentro das celas, e os tiros haviam sido disparados de fora para dentro, evidenciando que os disparos haviam sido feitos fora de situação de confronto e com intenção de matar.
Guimarães acabou condenado a 632 anos de prisão, mas teve o direito de recorrer em liberdade. Ele foi eleito deputado estadual em 2002 (com o número 14.111, evidenciando os 111 presos executados) e, em 2006, teve sua sentença anulada e foi absolvido pela Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. O coronel foi assassinado em setembro de 2006, encontrado morto em seu apartamento com um tiro no abdômen.
Muitos condenados, mas ninguém preso
Outros policiais envolvidos também foram a julgamento, em grupos distintos. Em 2013, 23 militares foram condenados a 156 anos de prisão. Depois, 25 outros policiais receberam a sentença de 624 anos. No ano seguinte, 10 outros oficiais acabaram condenados: nove a 96 anos, e um a 104 anos de detenção. Em seguida, na última etapa, 15 policiais foram sentenciados com 48 anos de prisão.
Todos puderam recorrer em liberdade. "Percebeu-se a dificuldade de individualizar a participação [de cada um no episódio]. Os crimes vão acabar prescrevendo", analisa o coronel Silva Filho. "Fato é que, até hoje, ninguém foi preso ainda", lembra Paes Manso.
Estudioso de fenômenos de violência urbana, o jornalista diz que o Carandiru deixa um lição: a de que não está no sistema prisional a solução para conter a criminalidade. "Em determinado momento, cidades superpovoadas acreditaram que prisões iriam resolver o problema, que quanto mais pessoas presas menos riscos a gente ia ter de andar na rua. Mas isso começou a se mostrar uma solução furada, que cria outros problemas", aponta Paes Manso.
"Temos 900 mil presos [no país] e a sensação de insegurança continua grande, com conflitos e a cena criminal muito forte. E o Brasil continua insistindo nesse modelo, dobrando a dose do remédio que está sendo nosso veneno", acrescenta.
Para ele, é preciso agir de "forma mais estratégica" e "com inteligência" para reduzir a criminalidade, e não adotar uma postura de "guerra contra o crime". "Mas não se consegue evitar essa dinâmica", afirma.
Nas entrelinhas: O imponderável nas eleições em dois turnos
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense
Com 200 anos de Independência, o Brasil tem instituições historicamente constituídas. Já houve muitas controvérsias sobre isso, uma das maiores foi na década de 1920, quando Oliveira Viana lançou Populações Meridionais do Brasil (Senado Federal), obra na qual dizia que o nosso sistema político era uma cópia barata dos regimes republicanos norte-americano e europeus. Viana distinguia três tipos diferentes no país — o sertanejo, o matuto e o gaúcho. Os principais centros de formação do matuto são as regiões montanhosas do estado do Rio, o grande maciço continental de Minas e os platôs agrícolas de São Paulo, região de influência hegemônica na História do Brasil.
“O sentimento das nossas realidades, tão sólido e seguro nos velhos capitães gerais, desapareceu, com efeito, das nossas classes dirigentes: há um século vivemos praticamente em pleno sonho. Os métodos objetivos e práticos de administração e legislação desses estadistas coloniais foram inteiramente abandonados pelos que têm dirigido o país depois da independência. O grande movimento democrático da Revolução Francesa; as agitações parlamentares inglesas; o espírito liberal das instituições que regem a república americana, tudo isso exerceu e exerce sobre nossos dirigentes, políticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação magnética que lhes daltoniza completamente a visão nacional dos nossos problemas. Sob esse fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial e peregrino, um Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europa, sorte de Cosmorama extravagante. Sobre o fundo de florestas e campos, ainda por descobrir e civilizar, passam e repassam cenas e figuras tipicamente europeias.”
A partir dessa conclusão, Oliveira Viana concebeu o seu “autoritarismo instrumental”, na visão do falecido cientista político carioca Wanderley Guilherme dos Santos: militares e elite agrária deveriam promover radical intervenção do Estado na vida política e social do país e criar bases sociais culturalmente aptas a sustentar um regime liberal. Não por acaso, tornou-se o ideólogo do Estado Novo de Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930, e do futuro regime militar, que vigorou no Brasil de 1964 até a eleição de Tancredo Neves, em 1985.
As ideias de Oliveira Viana foram muito aclamadas na época. Somente o jornalista Astrojildo Pereira, fundador do Partido Comunista, teve a ousadia de criticá-lo. Seu pensamento teve notável influência na “modernização conservadora” do país e merece ser estudado até hoje, pois é a matriz mais autêntica das ideias de direita que estão aí vivíssimas, nas escolas militares e no chamado bolsonarismo. Trata-se de uma vertente autoritária do pensamento positivista, que serviu como uma luva para a projeção nacional do “castilhismo” de Getúlio Vargas como alternativa de poder.
Nos meios acadêmicos, existe um amplo consenso sobre o caráter nefasto do Estado Novo, mas não em relação à Revolução de 1930, saudada como a ruptura que concluiu a nossa “revolução burguesa” e abre-alas da modernização do Estado e da economia. No livro História da Riqueza do Brasil, Cinco séculos de pessoas, costumes e governos (Estação Brasil), Jorge Caldeira nos mostra que a República Velha também teve o seu valor, principalmente a partir do Acordo de Taubaté, que mudou a política de exportação e teve notável papel na formação de capital para a nossa modernização, sem falar no fato de que havia uma economia de sertão, grande responsável pela existência de nosso mercado interno.
Maioria silenciosa
Chegamos ao ponto. Nosso progresso depende de um justo e democrático equilíbrio entre o Estado e a sociedade. Essa é a chave para entender a importância da Constituição de 1988 e do voto popular na construção desse equilíbrio. Nosso Estado democrático de direito, com toda as suas vicissitudes, garante a democracia brasileira e suas instituições políticas, algumas das quais seculares, como o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF). E busca superar fatores que serviram de instrumentos para crises e rupturas da ordem democrática, entre os quais, dois têm a ver com a eleição que se realiza hoje: a existência de uma só votação para presidente da República e vice e a realização de dois turnos, caso nenhum dos candidatos alcance mais de 50% dos votos no primeiro turno.
A eleição de João Goulart como vice de Jânio Quadros, graças a uma manobra de sindicalistas paulistas, que fizeram uma dobradinha pirata, a chapa Jan-Jan, foi um dos fatores que nos levaram ao golpe de 1964, porque havia uma situação na qual o presidente que renunciou havia sido eleito pela direita e seu sucessor, que assumiu legitimamente o poder, pela esquerda. Agora, ambos são eleitos pelos mesmos eleitores. Outro fator de instabilidade era o fato de o presidente eleito por ser o mais votadonnão representar maioria dos votantes. Mesmo Getúlio Vargas, em 1950, por exemplo, teve 48% dos votos. Agora, não; precisa da maioria dos votantes, no primeiro ou no segundo turno.
O imponderável é o voto secreto, direto e universal, em urna eletrônica, à prova de fraudes. Em momentos como os que estamos vivendo, de radicalização política, o voto que decide é o mais silencioso. A alternância de poder é um dos princípios da democracia; o outro, o respeito aos direitos da minoria, principalmente ao dissenso. Vale a vontade do eleitor. Quem ganhar, leva. Seja agora ou no segundo turno.
Datafolha: 53% admitem ter mudado de comportamento nas redes sociais por motivos políticos
G1*
A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%
Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (30), encomendada pela Globo e pelo jornal “Folha de S.Paulo”, aponta que 53% dos eleitores com contas em redes sociais ou em aplicativos de mensagens dizem que já mudaram de comportamento por conta de divergência política nos últimos meses.
Para os eleitores do ex-presidente Lula (PT), o índice é mais alto: 57%. Já para os eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL), é mais baixo: 46%.
Os índices são os mesmos que os encontrados no levantamento anterior, divulgado em 31 de julho.
O Datafolha apresentou três situações vividas entre quem tem redes sociais:
- Deixou de comentar ou compartilhar alguma coisa sobre política em grupo de Whatsapp para evitar discussões com amigos ou familiares;
- Deixou de publicar ou compartilhar alguma coisa sobre política nas suas redes sociais para evitar discussões com amigos ou familiares;
- Saiu de algum grupo de Whatsapp para evitar discussões políticas com amigos ou familiares.
No WhatsApp, 44% deixaram de falar sobre política (eram 43% em julho). Além disso, 15% já saíram de algum grupo para evitar discussões políticas com amigos ou familiares - eram 19%. Já na segunda situação, 42% já deixaram de publicar ou compartilhar algum conteúdo sobre política (eram 41%).
As taxas de mudança de comportamento são mais altas entre os eleitores de Lula que entre os de Bolsonaro. Na primeira situação, entre os eleitores do petista, o índice é de 48%, ante 38% entre os eleitores de Bolsonaro. Já na segunda situação, 45% ante 36%. Na terceira, 21% ante 8%.
Quando são consideradas as três situações, o índice de eleitores com conta em redes sociais ou em aplicativos de mensagens que já mudaram de comportamento alcança 53% no total (57% entre eleitores de Lula e 46% entre eleitores de Bolsonaro, como já dito).
Acesso a redes sociais
A pesquisa ainda apontou que oito em cada dez eleitores brasileiros (82%) possuem conta em alguma das redes sociais (Facebook, Instagram, Tik Tok e Twitter) ou aplicativos de mensagens pesquisados (WhatsApp e Telegram).
O alcance é mais elevado entre os seguintes grupos:
- têm entre 16 e 24 anos (97%), 25 e 34 anos (95%) e 35 e 44 anos (89%);
- são mais instruídos (96%);
- possuem renda familiar mensal de mais de 2 a 5 salários mínimos (89%), 5 a 10 salários mínimos (94%) e mais de 10 salário mínimos (97%);
- e moradores das regiões metropolitanas (87%).
Entre os eleitores de Jair Bolsonaro, o índice de usuários é mais alto que entre os eleitores de Lula -- 88% ante 78%.
Das redes sociais pesquisadas, o WhatsApp tem o maior índice de usuários (80%). Na sequência, estão: Facebook (64%), Instagram (56%), Tik Tok (29%), Telegram (21%) e Twitter (18%).
A pesquisa ouviu 6.800 pessoas, entre 27 e 29 de setembro, em 332 municípios. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%. A pesquisa está registrada no TSE com o nº BR-09479/2022.
Matéria publicada originalmente no G1
Fome e crise estão abrindo 'hiperperiferias' em São Paulo
Leandro Machado | BBC News Brasil
Todo destino é incerto na Terra de Deus. Onde estarão os moradores no próximo mês? Em outra ocupação? Em outra cidade? Na rua? Em breve eles terão de sair, mas a vida errante não dá respostas fáceis. Uma das lideranças explica o nome da comunidade: "Quando a gente ocupou, um cara perguntou que lugar era esse. Respondi: 'só Deus sabe'. Se só Ele sabe, é Terra de Deus."
A ocupação Terra de Deus é exemplo de uma nova fronteira para onde a periferia paulistana está avançando. Ou, segundo alguns urbanistas, uma "hiperperiferia". A área nasceu há dois anos no bairro do Grajaú, extremo da zona sul de São Paulo, distrito mais populoso da cidade, com 360 mil habitantes.
Ela é uma das 516 ocupações de movimentos de habitação monitoradas pela Prefeitura de São Paulo. Em fevereiro de 2020, pouco antes do início da pandemia no Brasil, eram 218 dessas áreas na capital — uma alta de 136% em dois anos e meio.
O cenário do entorno é típico das periferias paulistanas: ruas estreitas, sobrados colados uns aos outros, dezenas de prédios de moradia popular e um comércio efervescente nas avenidas maiores. Na Terra de Deus, contudo, predominam os barracos de madeira e as ruas de terra; não há pontos de ônibus ou comércio. Canos e fios expostos mostram que água e energia elétrica só chegam por meio de gambiarras clandestinas.
O assentamento abriga pessoas em situação de ainda maior vulnerabilidade do que as que habitam as periferias da capital. São os chamados "nômades habitacionais", muitos dos quais em situação de fome, desempregadas e desamparadas, com acesso escasso a políticas e serviços públicos como saúde e transporte.
"Eu amo esse lugar", diz Aldenira Amarante, de 50 anos, que chegou há dois anos com o marido e dois filhos. "Foi onde construí minha casa, meus filhos moram do meu lado", conta, enxugando as lágrimas em frente à casa de alvenaria erguida a duras penas.
Antes da pandemia, a família pagava R$ 800 de aluguel em outro bairro da zona sul. Mas seu companheiro perdeu o emprego de serviços gerais. "Era comer ou pagar o aluguel. Um amigo disse que estavam vendendo um terreno aqui e decidimos tentar comprar", diz.
Como muitos na Terra de Deus, a família pagou pela terra e pela esperança da casa própria — no caso, dinheiro que não tinha.
Aldenira e o marido pegaram um empréstimo no banco e deram R$ 6 mil para um vendedor que circulava pela região. O restante foi usado para erguer a residência, que será demolida nas próxima semanas. Da casa só vai ficar a dívida.
O problema é que o terreno da Terra de Deus era particular e foi recentemente adquirido pela prefeitura para a construção de conjuntos habitacionais (prometidos para 2024) e para o prolongamento de um parque linear ao lado do Córrego Ribeirão-Cocaia.
"Não quero nem olhar quando vierem derrubar. Não sei como vai ser, para onde vamos... É voltar para o aluguel, mas é difícil arrumar casa com R$ 400 por mês do auxílio", diz a dona de casa, que vai receber o auxílio-moradia da prefeitura e entrou na fila da habitação social do município - atualmente com 166 mil pessoas.
Hoje, o assentamento tem algumas dezenas de famílias, mas chegou a abrigar 1.200 no auge da pandemia. Quem saiu foi para outras ocupações ou para a rua.
Nos últimos meses, um a um, os barracos e casas de alvenaria estão sendo derrubados pela construtora responsável pelos novos prédios, deixando montes de tijolos, madeira e móveis.
Quem ficou convive com caminhões e tratores avançando com a terraplanagem e as demolições. Segundo a prefeitura, os moradores cadastrados vão receber auxílio-moradia e foram incluídos em programas sociais de transferência de renda e doação de cestas básicas.
Aldenira já viu muitos vizinhos deixarem o terreno. "A pessoa saía para procurar emprego e, quando chegava, a casa dela estava no chão", conta. Agora, ela espera que um dos futuros apartamentos daqui seja destinado à sua família. "Sonho com isso, mas se vai acontecer mesmo, só confiando em Deus."
Nômades habitacionais
Esse cenário de migrações constantes por parte de famílias pobres foi descrito pela urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, como "transitoriedade permanente" no livro Guerra dos Lugares (Editora Boitempo).
"São centenas de milhares de pessoas que são removidas, excluídas e despejadas, seja por incapacidade de pagar o aluguel ou por processos de remoção e reintegração de posse. São pessoas eternamente jogadas para fora, inclusive por políticas públicas", diz Rolnik à BBC News Brasil.
Um dos principais fatores que contribuem para isso são os despejos. Levantamento da campanha Despejo Zero apontou que 125 mil pessoas - entre elas 21,4 mil crianças - foram removidas de suas casas no Brasil entre março de 2020 e maio deste ano.
Em 2020, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu despejos e desocupações na pandemia, embora eles tenham continuado a acontecer. Em agosto, a maioria do plenário do STF prorrogou a suspensão até 31 de outubro - só votaram contra os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Áreas como a Terra de Deus se tornaram refúgio para o contingente de despejados. Em suma, esses locais ficam em bairros dos extremos do município, como Grajaú e Campo Limpo, ou da região metropolitana, em cidades como Itapecerica da Serra e Carapicuíba.
Podem ocupar áreas com risco de deslizamento, mananciais e pontos de preservação ambiental. Mas, ao contrário da periferia "mais antiga", sofrem mais com a precariedade e falta de serviços públicos, e têm uma população mais vulnerável e com renda mais baixa. Alguns pesquisadores chamam esses lugares de "hiperperiferia".
"A hiperperiferia pode ser caracterizada por aquelas áreas de periferia que, ao lado das características mais típicas destes locais, apresentam condições adicionais de exclusão urbana", escreveram os pesquisadores Haroldo da Gama Torres e Eduardo Cesar Leão em um estudo dos anos 2000.
Para Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as hiperperiferias "são núcleos de ocupação recente, mais distantes e precárias, nas franjas da região metropolitana".
"Elas retomam esse padrão de casas de madeira, rua de terra e sem infraestrutura básica. É como se fosse a periferização da periferia", diz o urbanista.
Expulsão dos pobres
Para Talita Anzei Gonsales, pesquisadora do Laboratório Justiça Territorial da Universidade Federal do ABC, "as cidades brasileiras se estruturam por meio da expulsão dos mais pobres de bairros valorizados pelo mercado imobiliário" — e isso acontece até em pontos historicamente conhecidos como periféricos.
"Itaquera (zona leste) já foi periferia, mas hoje há um interesse muito grande do mercado para a construção de prédios. Isso aumenta os preços da terra e do aluguel, expulsando as pessoas mais pobres", diz.
Já a pesquisadora Gisele Brito, coordenadora de direito a cidades antirracistas do Instituto de Referência Negra Peregum, explica que "a crise econômica e a falta de políticas públicas de habitação e de desenvolvimento das cidades levam as pessoas para áreas onde elas conseguem pagar".
Ela ressalta que a maior parte dessa população é negra e ainda enfrenta processos de estigmatização quando os lugares onde vivem são classificados pelo poder público como "áreas de risco".
"Do que adianta reconhecimento do risco se não existe alternativa habitacional e oportunidades de aumento da renda? E isso tudo é pior com a população negra, que historicamente enfrentou mecanismos de impedimento de acesso à terra. Dificilmente uma pessoa negra recebe um pedaço de terra de herança", diz.
Umas das críticas de Brito aos programas de habitação, como o Casa Verde e Amarela, lançado pelo presidente Jair Bolsonaro em substituição ao Minha Casa, Minha Vida, é que "eles não priorizam famílias com faixa de renda entre um e dois salários mínimos", dando ênfase à população com um poder aquisitivo maior.
E essa situação pode piorar. No orçamento enviado ao Congresso, o governo Bolsonaro reduziu para apenas R$ 34,1 milhões o montante destinado ao Casa Verde e Amarela em 2023, redução de 95% do valor deste ano.
Já a Prefeitura de São Paulo afirma que, desde 2017, foram entregues mais de 33 mil moradias à população, feitas por programas que envolvem o município e os governos estadual e federal.
'Enganado do começo ao fim'
Na Terra de Deus, o pedreiro Paulo Duarte, 50, é um desses "nômades habitacionais". Morou por quatro anos com a mulher e o filho na periferia do Recife, em Pernambuco, mas faltava trabalho para ele na cidade. Deixou a família e voltou a São Paulo para procurar emprego e enviar o dinheiro à esposa.
"Fui para São Mateus (zona leste) no ano passado, mas não consegui emprego nem casa", conta ele, que se cadastrou no Auxílio Brasil, mas não sabe por que ainda não recebeu o benefício.
A maior parte dos moradores diz receber o auxílio, mas ressalta que, embora ajude na alimentação, ele não garante melhora significativa na renda. Alguns afirmam enfrentar problemas burocráticos para acessar o benefício.
Sem esperança ou qualquer centavo, Duarte se mudou para a Terra de Deus na virada do ano.
"Acreditei em uma coisa, mas estou vivendo outra. Não consigo comer direito, peço as sobras dos restaurantes. Perdi 10 quilos. Não tenho dinheiro nem para procurar trabalho", conta ele, que, ao final da entrevista, pede à reportagem algumas moedas para tomar café e comprar um cigarro.
O artesão Janesson Santiago, 42, também enfrenta mudanças constantes desde que saiu de Salvador, na Bahia, há três anos. Desembarcaram na favela de Paraisópolis, mas não conseguiram bancar o aluguel de R$ 600 na comunidade.
"E também tinha conta de água e de luz, que pesam muito. Um mês eu pagava o aluguel, no outro a comida. Até que o dono não aceitou mais, e tivemos que sair. Quisemos tentar algo nosso, porque faz diferença morar naquilo que é seu", conta ele, que cria três crianças com a esposa — ambos estão desempregados.
Santiago soube da venda de lotes na Terra de Deus em um anúncio no Facebook. Pediu dinheiro emprestado a amigos e pagou R$ 20 mil pelo terreno, onde construiu uma casa, que também será demolida em breve.
"Me sinto enganado do começo ao fim. Estamos à deriva, sem futuro. Nem os agentes de saúde entram aqui, nem o Censo quis entrar", diz.
Influências
As hiperperiferias são loteadas de maneira irregular por diversos vendedores — em alguns casos, gente que diz pertencer ao crime organizado, segundo relatos ouvidos pela reportagem em bairros da zona sul.
Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz ter realizado dezenas de operações para combater ocupações ilegais e crime organizado em áreas de mananciais junto ao Ministério Público e à Polícia Civil.
Por outro lado, o extremo sul tem a influência e serve como reduto eleitoral de vários políticos, como os vereadores petistas Donato e Alfredinho, além de membros da família Tatto, também do PT.
Outro nome influente é o vereador Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal, cujos filhos também atuam na política.
O próprio prefeito, Ricardo Nunes, tinha a região como base eleitoral quando era vereador.
O Grajaú foi uma das poucas zonas eleitorais de São Paulo onde o petista Fernando Haddad ficou à frente de Bolsonaro no pleito de 2018 — teve 57% dos votos, ante 43% do rival.
No último sábado, o bairro foi palco de um comício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial de domingo.
'Minha vida melhorou aqui'
A hiperperiferia também cresce em cidades da Grande São Paulo.
A ocupação Parque União, em Itapecerica da Serra, avança há dois anos às margens do trecho sul do Rodoanel, complexo viário que interliga as principais rodovias do Estado.
A liderança do assentamento diz abrigar 5 mil pessoas — cerca de 300 crianças. Ele se tornou um pequeno bairro periférico com mais de mil barracos, ligações de água e energia elétrica clandestinas e 11 ruas de terra — a principal tem um 1 km de extensão.
A ocupação fica em uma área de proteção ambiental. Na entrada, uma clareira foi aberta para abrigar uma sede e um futuro ponto de ônibus - a população só consegue sair dali a pé ou de carro, pois não há transporte coletivo próximo.
A prefeitura de Itapecerica afirma que o terreno pertence a uma empresa e que há a previsão de reintegração de posse em breve. Também diz que a população é atendida por "políticas públicas de saúde, educação, assistência social, entre outras".
Segundo uma das lideranças, Luzicléia Jesus, um levantamento mostrou que 80% dos moradores estão desempregado. "Olha aqui esse vídeo", diz, e mostra a imagem de um homem tentando ligar um fogão em um barraco, mas o fogo não acende porque o gás acabou.
"Todos os dias recebo uns quatro ou cinco desses aqui, gente me pedindo comida, criança com fome. É com isso que tenho de lidar", diz Luzicléia, que faz parte de um movimento de moradia e vive em outra área ocupada recentemente.
Caminhando pelo Parque União, ela promete comida e cobertores aos recém chegados e mostra alguns barracos que já estão virando casas de alvenaria. Em um deles mora Tamili dos Santos, 32, faxineira desempregada, mãe de cinco crianças.
Depois de ter o último filho, há um ano e 9 meses, ela foi despedida do emprego e despejada de Embu das Artes. Ela e o marido só encontraram abrigo no Parque União, onde estão construindo uma casa com o dinheiro arrecadado na venda de produtos para reciclagem.
"Minha vida melhorou muito aqui. Só de não ter de pagar aluguel, água e luz, já é uma grande coisa. Comida a gente corre atrás... Só peço a Deus uma casinha para criar os filhos", afirma ela, sorridente, comemorando a laqueadura que iria fazer no dia seguinte no SUS.
Na mesma rua, o motorista Alexandre de Morais, 55, reclama do frio na comunidade cercada por uma mata. "Você daria um cobertor para mim?", pede à Luzicléia, que promete um edredom.
Morais foi despejado de uma casa em Cotia. Passou a viver no caminhão onde trabalhava, mas seu patrão vendeu o veículo com ele dentro — chegou à ocupação dois dias antes da reportagem.
No barraco, sofre com as dores de um câncer terminal no estômago. "Parei de me tratar, porque não tenho como ir nas consultas", diz. Ainda não tinha almoçado por volta das 17h. "Não consigo tomar os remédios, porque eles doem com a barriga vazia."
Mas uma criança de repente aparece com um pote de arroz, salada e bife. "Minha mãe mandou para o senhor", diz o menino. "Agradeça a ela, meu filho", responde Morais.
Enquanto come, pede que sua história seja contada nesta reportagem: "Pode colocar meu nome, sim, mostra isso aqui para eles... Sei que estou morrendo, mas queria morrer com dignidade, não desse jeito, magro, longe do meu filho. Essa é a realidade do Brasil que jogam para debaixo do tapete. Morrendo à míngua, no frio e com fome."
Matéria publicada originalmente no portal BBC News Brasil
Pesquisa eleitoral para o Senado aponta que PT, PL e PSD devem eleger mais parlamentares
Glauco Faria | Brasil de Fato
Segundo as pesquisas realizadas pelo instituto Ipec no mês de setembro, o PT, PL e PSD são as legendas que devem eleger mais senadores nas vagas em disputa nos 26 estados e no Distrito Federal. Levantamento do Brasil de Fato realizado com as sondagens mais atuais publicadas desde o dia 9 de setembro mostram que as eleições devem modificar o posicionamento das maiores bancadas na Casa.
O PT hoje tem atualmente uma bancada de sete senadores e duas vagas em disputa, contando com quatro candidatos que lideram as disputas além da margem de erro. A situação mais confortável é no Ceará, onde o ex-governador Camilo Santana tem 66%, enquanto a segunda colocada, Kamila Cardoso, tem 13%. No Piauí, o ex-governador Wellington Dias aparece com 46%, enquanto Jair Rodrigues (PP) aparece com 26%, em pesquisa divulgada no dia 12.
Em Pernambuco, Teresa Leitão tem 32%, à frente dos adversários Gilson Machado (PL), André de Paula (PSD) e Guilherme Coelho (PSDB), todos com 10% cada um. De acordo com o último levantamento do Ipec no Rio Grande do Sul, divulgado na segunda-feira (26), Olívio Dutra (PT) oscilou dois pontos para cima e lidera com 30% de intenções, seguido por Ana Amélia Lemos (PSD), com 24%, e Hamilton Mourão (Republicanos), com 21%.
Outros dois petistas estão em empate técnico na liderança. Ricardo Coutinho (PT) está com 27% na Paraíba, enquanto Efraim Filho (União Brasil) chega a 25%. O embate é ainda mais acirrado no Pará, onde Beto Faro (PT) e Mário Couto (PL) aparecem com 20% cada.
Futuras bancadas no Senado
De acordo com esta projeção, o PT, que tem hoje 7 senadores, passaria a uma bancada entre 9 e 11 parlamentares. Atualmente, o MDB e o PSD têm as bancadas mais numerosas, com 13 e 11 cadeiras respectivamente, mas, segundo o Ipec, a situação deve mudar com a eleição de 2 outubro.
A renovação de um terço da Casa pode fazer com que os emedebistas, que têm quatro vagas em jogo, passem a ter 10 a 11 parlamentares. O único favorito absoluto da legenda é Renan Filho (MDB), que tem 59% em Alagoas, superando Davi Davino Filho (PP), que alcança 21%. No Espírito Santo, Rose de Freitas tem 31% de intenções de voto, ainda empatada com Magno Malta (PL), mas em ascensão segundo os últimos levantamentos, em que ultrapassou numericamente o bolsonarista.
As perspectivas para o PSD são de manter a bancada. Em três estados a legenda lidera: com Raimundo Colombo, em Santa Catarina; Omar Aziz, no Amazonas, e Otto Alencar, na Bahia. Como são três os senadores da legenda que finalizam o mandato agora, os pessedistas ficariam do mesmo tamanho.
O PL, de acordo com as pesquisas do Ipec, deve aumentar sua representação. O partido tem sete senadores, mas duas das suas vagas estão em disputa. Dois candidatos da legenda estão na liderança além da margem de erro e outros cinco estão em situação de empate técnico na liderança. Os favoritos da sigla são Romário, no Rio de Janeiro, e Wellington Fagundes, ambos candidatos à reeleição e com vantagem que supera a casa dos vinte pontos percentuais sobre os segundos colocados.
A legenda tem chances ainda no Distrito Federal, onde Flávia Arruda está empatada numericamente com Damares Alves (Republicanos), cenário similar aos de Pará, Sergipe, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
:: Datafolha: Lula tem 50% dos votos válidos e pode vencer no primeiro turno; Bolsonaro tem 36% ::
Com oito senadores, o União Brasil tem somente um mandato vencendo no final do ano, o de Davi Alcolumbre, que lidera a corrida pelo Amapá, situação similar à de Alan Rick, no Acre. A legenda ainda pode eleger Professora Dorinha, que está à frente no Tocantins, no limite da margem de erro com Kátia Abreu (PP), numericamente em segundo lugar. Na Paraíba, Efraim Filho também disputa a dianteira.
Como ficariam as bancadas
Segundo as pesquisas do Ipec, as bancadas do Senado em 2023 ficariam:
PSD - 11
MDB - 10 a 11
PL - 7 a 12
PT - 9 a 11
União Brasil - 9 a 11
Podemos - 7
PP - 6 a 7
PSDB - 5
PDT - 2 a 3
PSB - 2 a 3
Republicanos - 2 a 3
Pros - 1
PSC - 1
Cidadania - 1
Rede - 1
Edição: Thalita Pires
Matéria publicada originalmente no portal Brasil de Fato