Míriam Leitão: Refis beneficia os maus pagadores do país
A novela do projeto de ajuda aos devedores de impostos chegou ao fim ontem quando o Refis foi aprovado no Senado e agora vai para a sanção. Neste meio tempo, o que ficou claro é que o governo nem deveria ter mandado uma proposta assim numa hora destas. Na Câmara, o projeto foi tão desvirtuado que ontem na Fazenda não se sabia ao certo o quanto vai se arrecadar.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel acha que o projeto de renegociação de dívidas é ruim desde o seu início. Não deveria nem ter sido proposto pela Fazenda. Maciel avalia que o Congresso tem desvirtuado grande parte dos textos enviados pelo Executivo e desta vez não foi diferente. Ele foi o autor do primeiro Refis da era do real, no ano 2000, logo após a desvalorização da moeda, e diz que esta proposta nem deveria receber esse nome.
— Refis foi só o primeiro. Isso que foi aprovado não deveria nem ser chamado assim. No meu projeto, houve parcelamento de dívidas. Neste, há parcelamento e desconto de dívidas. Nunca existiu os dois ao mesmo tempo. O risco moral é muito alto porque mais uma vez o empresário que não paga será beneficiado, e o governo perderá receita futura — afirmou.
O governo apresenta o dado de quanto ele vai arrecadar, mas isso esconde o quanto ele vai deixar de arrecadar. Todo refis é renúncia fiscal. O governo informa aos devedores que eles terão novos prazos e, agora, também descontos. E o pior é que a Câmara escalou essa benesse e transformou uma redução em praticamente perdão de juros e multa.
O senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), relator do projeto no Senado, reduziu alguns dos problemas. Ele é contra as renegociações de dívida, mas pondera que neste momento de crise a proposta se justifica. Argumenta que a recessão derrubou a arrecadação das empresas, que tiveram que optar entre pagar impostos ou folha de salários e fornecedores:
A recessão foi muito forte e muitas empresas não tiveram escolha. Entre pagar salário e imposto, elas pagaram salários, o que é o correto. Agora, elas precisam se regularizar, para terem novamente todas as certidões negativas e terem acesso ao mercado de crédito. Isso vai ajudar na recuperação e na própria arrecadação do governo.
Ainda assim, Oliveira admite que não é possível para o governo separar quem são os empresários honestos que sofreram os efeitos da crise — que ele acredita serem mais de 90% — dos maus empresários que já apostavam em um projeto de renegociação. Por isso, quer encaminhar uma proposta ao Congresso para impedir que novos Refis sejam aprovados no país pelos próximos 10 anos e que se coloquem normas e regras para a sua implementação.
— Temos que acabar com isso e estabelecer os critérios que podem levar a uma renegociação de dívida, como por exemplo, uma crise longa e profunda como a atual. No Senado, conseguimos impedir vários pontos que foram alterados na Câmara, que levariam a perdas muito maiores para o governo. Se esses artigos não saíssem, eu deixaria a MP caducar — disse.
As principais mudanças em relação ao projeto original, explica Oliveira, são que o desconto total da multa, que antes era de 50%, subiu para 90%. Já o desconto nos juros saltou de 20% para 70%. Uma aberração incluída pelo relator na Câmara, Newton Cardoso Jr., foi retirada na própria Câmara: a que beneficiaria empresas e empresários flagrados em crimes de corrupção. No Senado, caiu a isenção às igrejas e escolas vocacionais do pagamento de contribuição social.
Em São Paulo, o ministro da Fazenda estimou que as perdas com o projeto ficarão em torno de R$ 3 bilhões, mas os técnicos do Ministério falam em uma perda muito maior. Ataídes Oliveira acha que o governo conseguirá arrecadar algo em torno de R$ 9 bilhões este ano. A Fazenda ainda vai analisar o projeto aprovado para recomendar ao presidente a sanção integral ou com vetos.
Agora há pouco a fazer. Projetos como este são um presente para o mau pagador e um aviso aos contribuintes de que leva vantagem quem não paga. Na quarta-feira da semana que vem, dia 11, o Orçamento revisado vai para o Congresso e poderá se saber o quanto caiu em relação à expectativa original de receita. O que nunca se saberá é quanto custou ao país o perdão a quem não pagou seus impostos.
Míriam Leitão: Balcão do Planalto. Para se manter, Temer deprecia a política e eleva risco fiscal
Para ficar no cargo, Temer deprecia a política e aumenta o risco fiscal. O Brasil vive pela segunda vez a exibição vergonhosa do balcão de negócios do Planalto. O presidente, a cada denúncia, abre as portas para parlamentares que vão, com maior ou menor grau de despudor, vender seus votos em troca de alguma moeda: o apoio a projetos, a liberação de recursos, a defesa de interesses. O presidente dá a desculpa de que receber políticos é sua forma de governar.
Isso deprecia ainda mais a política e reduz a confiança na economia. Como o mercado tem estado em alta, o governo Temer acha que tudo o que fizer para se manter no poder não vai provocar uma onda negativa nos preços dos ativos. Está enganado. Há fatores externos, muito autoengano, e especulação na elevação da bolsa e na valorização do real. Mas, se houver algum evento que reduza a liquidez internacional, o mercado muda de humor e passa a ver os problemas aos quais está indiferente agora.
Na política, às vezes há pequenos avanços, como a aprovação da minirreforma com o fim das coligações proporcionais e cláusula de barreira. Mas, em geral, o que se vê é uma sucessão de absurdos em sequência, como a tentativa de usar o Refis para parcelar o pagamento das dívidas de investigados da Lava-Jato. Não fosse derrubada, passaria a ser conhecida como Refis da Corrupção.
Quando começa a caravana ao Planalto, o risco fiscal aumenta. Propostas que elevam gastos ou a renúncia fiscal começam a andar, como a de não cobrar dívidas do setor rural junto à Previdência. O presidente tem se comprometido com questões e projetos sem qualquer transparência. E assim o país acaba sendo surpreendido por decisões como as que são tomadas de forma atabalhoada na área ambiental. Ontem mesmo o “Estadão” noticiou um acordo entre governo e ruralistas para editar uma MP e regularizar o arrendamento de terras indígenas ao agronegócio. Um duplo ataque, aos índios e à floresta. O governo, mais tarde, negou.
Como o GLOBO publicou, em menos de 12 horas de audiências, Temer recebeu mais de 50 deputados e alguns disseram explicitamente que estavam ali para trocar o seu voto na manutenção do presidente no cargo por alguma demanda. É natural que políticos defendam os interesses dos seus eleitores, mas não é normal esse mercado de votos pelo mandato presidencial.
Um governante com 5% ou menos de popularidade aproveita-se do cargo para comprar com favores públicos a sua permanência no cargo. É o que o país está vendo neste momento em mais um dos tantos episódios que abastarda a política.
Não satisfeito com o escandaloso caso de troca de representantes da Comissão de Constituição e Justiça na primeira denúncia, o presidente Temer prepara-se para fazer tudo de novo agora. O relator foi escolhido sob medida para elaborar o relatório que o Planalto quer. Isso para evitar o absurdo da primeira vez, em que o texto do deputado Sérgio Zveiter foi rejeitado e em questão de horas estava aprovado o novo relatório, favorável ao presidente, do tucano aliado Paulo AbiAckel. Num enredo que se repete, foi escolhido outro tucano aliado para fazer o trabalho ao agrado do governante. Isso deixa o PSDB mais uma vez em sua interminável crise de identidade. O partido tem servido a todos os propósitos do presidente Temer, ocupa pastas no governo, na hora do voto se divide ao meio. Consegue cair para os dois lados do muro, ao mesmo tempo.
O presidente pode considerar que a denúncia é “inépta e sem sentido”. Afinal, é o denunciado e tem o direito de se defender. A Câmara pode votar em sua maioria por não conceder a licença para o processo contra o presidente. Tudo isso é normal. O que não é natural é ver o presidente à luz do dia nesse compra e vende de votos e favores para seu próprio interesse. E Michel Temer tem sido reincidente. Tudo o que ele faz agora já fez da primeira vez em que foi denunciado. O país sabe o final dessa história.
O problema não é nem o tamanho do mandato do presidente Temer. Se dura semanas, meses ou até o final do próximo ano. É em que estado institucional estará o Brasil quando ele acabar. A ex-presidente Dilma criou uma devastação na economia e legou ao país, ao ser deposta, uma economia em escombros. O presidente Temer está agora atacando o que resta da estrutura política apenas pelo desejo de ficar até o fim deste período.
Míriam Leitão: No chão
Economia melhora, mas apoio ao governo diminui. É até inacreditável que um governante chegue ao ponto em que o presidente Michel Temer chegou. Apenas 3% de brasileiros acham que seu governo é bom ou ótimo. É um número tão ínfimo e, como a margem de erro é de dois pontos, pode-se dizer sem medo de errar que ninguém o apoia a esta altura. Mesmo assim, as notícias econômicas têm melhorado, o que mostra que o país sabe por que o rejeita.
A melhora da economia reduz o desconforto econômico. A inflação está bem baixa, alguns alimentos tiveram queda de preço, houve queda dos juros, está havendo uma redução no endividamento das famílias, e até os números do desemprego mostram uma pequena melhora nos últimos tempos. O governo Temer tomou medidas acertadas que produziram efeitos concretos na vida das pessoas, como a liberação de R$ 40 bilhões em contas inativas no FGTS e agora outros R$ 15,9 bilhões do PIS/Pasep. Mesmo assim, enquanto a liberação do FGTS fazia diferença na vida de milhões de famílias, aumentou de 70% para 77% os que consideram que o governo é ruim ou péssimo.
As quedas da taxa de aprovação sempre aconteceram no passado nas pioras do quadro econômico, principalmente as súbitas. A recessão começou no final de 2014, mas com toda a campanha publicitária da eleição, o governo Dilma terminou aquele ano com 40% de ótimo e bom e três meses depois estava com apenas 12%. Caiu mais um pouco e chegou a 9% no final de 2015 quando começou a tramitar o impeachment. Uma das razões foi o aumento súbito da inflação. Isso, somado à recessão, derrubou o apoio ao seu governo. Neste ambiente, criaram-se as condições para o afastamento da presidente.
Sempre que há uma piora do quadro econômico, principalmente quando há alta súbita de inflação, a popularidade do governante cai. Foi assim também com o presidente Fernando Henrique em janeiro de 1999.
Com Temer, a situação econômica até melhorou. A inflação que estava perto de 10% está abaixo de 3%. A recessão foi atenuada nos últimos trimestres. Mesmo assim, sua popularidade permanece em queda e chegou a um ponto inimaginável para qualquer governante. Quem pode presidir um país com apenas 3% de aprovação, que pode ser 1%, com a margem de erro? Esse patamar é inédito no Brasil, mas provavelmente deve ser um recorde no mundo.
Nesse quadro de absoluta rejeição, o presidente Temer empreende sua luta para se manter no poder. A população não se deixa levar pela tal agenda positiva. Mesmo quando a notícia é boa, como a da liberação de dinheiro que fica fora do alcance do seu dono, como o do FGTS e o do PIS/Pasep, a população a vê como deve ser vista: uma boa notícia que não altera a avaliação que se faça do governo ou do governante.
O governo entrou de novo em modo de denúncia, quando passa a tramitar pela segunda vez na Câmara um pedido para processar o presidente. Em ambiente assim, a administração piora um pouco mais. E saem coisas como o que saiu ontem no Diário Oficial, em que 70 funcionários do antigo território de Rondônia foram transformados em servidores da União. Essa transposição de funcionários bate de frente com tudo o que se falou até agora de atrasar reajustes salariais de funcionários ou fazer um ajuste na folha de servidores. Só toma uma decisão contraditória assim um governo que, sem qualquer apoio na população, briga para permanecer no poder.
As notícias mais lembradas pelos entrevistados da pesquisa CNI/Ibope foram, pela ordem: “notícia sobre corrupção”, “Lava-Jato", e a terceira é o dinheiro do ex-ministro Geddel encontrado no apartamento do seu amigo. Ou seja, grande parte da rejeição vem da corrupção.
Como um governo assim, mal avaliado, ligado às notícias de corrupção, com um percentual mínimo de pessoas que o qualificam como “bom ou ótimo” pode se manter? A única explicação é a da corrente formada pelos políticos que se sentem diante da mesma ameaça que paira sobre o governo: as denúncias do Ministério Público. Mesmo assim, eles cobram caro pelo apoio que dão. E isso continuará ocorrendo nos próximos dias na relação entre o governo e a Câmara dos Deputados. Eles tirarão das gavetas os pedidos encalhados porque consideram que agora o governo vai atendê-los em troca do voto na Câmara.
Miriam Leitão: Entendimento geral
Todo mundo entendeu, perfeitamente, que o fim da Renca significaria aumento do risco de destruição na Amazônia
Ao desistir de extinguir a Renca, o governo disse que houve uma “incompreensão geral da sociedade”. Não. Todo mundo entendeu muito bem e isso é que foi um problema para o governo. Como apenas uma parte pequena do território estava fora das áreas de conservação, o que ficou claro é que o fim da reserva mineral era o começo do desmonte das reservas ambientais na região.
O governo deve ter pensado que algo com o nome estranho de Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados) não teria apelo algum para mobilizar a opinião pública, ainda mais sendo uma reserva mineral e criada na época do governo militar. Mas o problema foi a compreensão geral da sociedade sobre o que significava tudo aquilo para a Amazônia: um risco.
Primeiro, está em andamento uma escalada de desmonte de legislação ambiental, como concessão para grupos de interesse contrários à conservação. Segundo, muito recentemente o governo tomou a insensata decisão de reduzir o tamanho da Floresta Nacional de Jamanxin, em mais um sinal de incentivo aos grileiros. Jamanxin é um ícone da luta do Estado contra os desmatadores ilegais. Ela fica ao lado da BR-163 e desde que foi criada, em 2006, há pressão para que o governo recue. Os grileiros optaram pela técnica do fato consumado: entraram depois da criação e alegam que estavam lá muito antes. Mas os arquivos das imagens de satélite de como era em 2006, e como é agora, confirmam que a invasão ocorreu após a área ser oficialmente destinada à conservação. Quando o governo aceitou a pressão para refazer os limites da Floresta Nacional, ele estimulou esta e outras invasões.
A Renca é um mosaico de nove unidades de conservação que foram sendo criadas nos últimos 40 anos. E isso fez com que uma reserva que era inicialmente apenas mineral, ou seja, para evitar que houvesse mineração privada por lá, acabasse se transformando numa das áreas mais protegidas. Fica na Calha Norte, região de pouquíssima densidade populacional e grandes áreas preservadas.
O governo disse, no primeiro decreto de extinção da Renca, que já está havendo garimpo ilegal por lá e que, portanto, se trata apenas de legalizar o que está sendo feito ilegalmente. O especialista em Amazônia Beto Veríssimo, do Imazon, que fez vários estudos e trabalhos na Calha Norte, conta que os garimpeiros estão em torno do Rio Jari apenas e que o problema é de fácil solução. Na Renca, só 0,3% da floresta está desmatado. O grande perigo com o garimpo é o de contaminação dos rios por mercúrio.
O temor do pesquisador Beto Veríssimo e do procurador da República Daniel Azeredo era que o governo estivesse criando o ambiente para mudar o marco regulatório das unidades de conservação, ou alterar os limites das reservas que estão dentro da Renca. Em entrevistas que me concederam, os dois disseram isso. Essa ideia fica ainda mais sólida diante da reportagem publicada ontem no GLOBO, dos repórteres Francisco Leali e Manoel Ventura, mostrando que o governo sabia desde o começo que para viabilizar a mineração na região teria que mudar as unidades de conservação ou os planos de manejo de algumas delas, como a Floresta Estadual do Paru, a Reserva Biológica de Maicuru e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Iratapuru. Os documentos do Ministério das Minas e Energia apontavam a existência de minerais nessas reservas.
O conflito entre o meio ambiente e a mineração ficou mais agudo após o desastre da Samarco em Mariana. Recentemente, o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse que foi um “acidente”, uma “fatalidade”. A maior tragédia ambiental do país provocada pela mineração foi fruto do descuido e do não cumprimento de regras mínimas de segurança e precaução. Depois disso, em vez de elevar os níveis de segurança, o setor da mineração aumentou a intensidade do lobby por uma legislação ainda mais flexível.
A Amazônia vive, desde 2013, um retrocesso no movimento que vinha reduzindo o desmatamento. Todo mundo entendeu, perfeitamente, que o fim da Renca significaria aumento do risco de destruição na Amazônia. E por isso a reação foi tão forte.
Míriam Leitão: Otimismo pontual
Pela primeira vez desde o início da era do real, o Brasil pode ter alguns anos seguidos de inflação baixa e juros em níveis que quebram o recorde. Isso está na base do otimismo que cerca a conjuntura brasileira, apesar das ameaças econômicas e políticas. Na semana passada, alguns bancos e consultorias refizeram os cálculos das projeções de crescimento para este ano e o próximo.
O mercado oscila em fases de otimismo e pessimismo. Não por ciclotimia, mas por interesse. Os ganhos se realizam muito mais nas mudanças de humor do que nas fases de alta. Mas desta vez os economistas apontam os fatos que não são comuns na vida brasileira. Normalmente, a inflação caía para logo em seguida subir. Com os juros, acontecia o mesmo sobe e desce. Agora muitos calculam que há uma grande chance de se quebrar esse paradigma.
A inflação caiu de forma impressionante e puxada pelos alimentos. Houve uma reversão de mais de 16 pontos na inflação de alimentos quando se compara o ano passado, em agosto, com o agosto deste ano, em que o Brasil está com deflação em alimentos. A queda não foi causada pela recessão, mas sim por uma extraordinária oferta neste ano em que o país está tendo a vantagem de um crescimento de 13% no PIB agrícola e abundância de safra.
Em setembro, a prévia ficou abaixo do que se esperava, em 0,11%, e o IPCA cheio pode ser próximo de zero, apesar da alta da gasolina. Tudo isso empurra o Banco Central para a política estimulativa, ou seja, os juros terão que cair mais e buscar patamar abaixo de 7%, apesar de o Relatório de Inflação ter falado em “redução moderada da magnitude da flexibilização monetária”, o que quer dizer que, em vez de reduzir em um ponto percentual a taxa, o corte deve ser de 0,75% na próxima reunião. O BC falou também que o Copom “antevê encerramento gradual do ciclo”. Ele vai gradualmente parar de reduzir as taxas.
De qualquer maneira, já se aproxima da menor taxa da era do real. A última vez que se chegou em 7,25%, em 2012, foi da maneira errada e no momento impróprio. A ex-presidente Dilma exigiu a queda dos juros, o BC aceitou a intervenção, apesar de a inflação estar subindo. Ficou pouco tempo nesse patamar. Agora a avaliação dos economistas é que a inflação pode permanecer em torno de 4% nos próximos dois anos pelo menos, depois de um índice que corre o risco de ficar abaixo do piso da meta. Isso permitirá a taxa de juros mais baixa, o que ajuda no ponto mais nevrálgico dos indicadores fiscais: a dívida pública.
A agricultura começou esse círculo virtuoso, depois de o Brasil ter vivido ao fim do governo Dilma o maior surto inflacionário desde a eleição de Lula. Naquela época, em 2003, era o temor do desconhecido pela chegada do PT ao poder e foi enfrentado com sucesso pelo então ministro Antonio Palocci. O retorno da confiança derrubou o dólar, que permitiu a queda da inflação. O surto inflacionário de Dilma foi provocado pela manipulação dos preços que precisaram ser corrigidos. As decisões acertadas do Ministério da Fazenda e do Banco Central no governo Temer e a safra recorde viraram o jogo e derrubaram a taxa de inflação para níveis recordes. Isso permitiu o aumento do rendimento real e da renda disponível dos trabalhadores, mesmo numa conjuntura de alto desemprego. E o ciclo bom começou.
A agricultura não repetirá no ano que vem o desempenho deste ano, mas deve crescer 4% na previsão da MB Associados, que tem tradicionalmente excelente acompanhamento do setor agrícola. Não haverá o fenômeno de 2017, mas continuará numa onda boa.
Outra área que alimenta o otimismo é a externa. O país está com um déficit mínimo na conta-corrente e com uma balança comercial que na terceira semana de setembro havia acumulado no ano US$ 51 bilhões. O capital estrangeiro reduziu sua aposta na dívida brasileira. Era detentor de 23% dos títulos públicos e agora está com 13%. Mesmo assim, o real se valorizou.
Por tudo isso os economistas fazem previsões otimistas, mas sabem que a disputa eleitoral de 2018 é a mais imprevisível desde 1989. Não se tem a mais remota ideia de que projeto econômico vencer.
Míriam Leitão: O mais provável é que STF encaminhe à Câmara a denúncia contra Temer
A sessão de hoje do STF é uma das mais imprevisíveis e é nela que a nova procuradora-geral vai fazer sua estreia no cargo. A segunda denúncia contra o presidente Temer está na primeira parada, mas há uma grande dúvida sobre o que acontece em seguida. Ministros do STF admitem que na sessão tudo pode acontecer, mas que o mais provável é que ela seja encaminhada à Câmara.
A Procuradoria-Geral da República já fez a sustentação oral em defesa da tese da validade das provas mesmo em caso de rescisão do acordo de delação. Quem falou na ocasião foi o procurador Nicolau Dino. Por isso, Raquel Dodge pode falar sobre os outros itens da pauta, mas não fazer nova defesa do ponto de vista da PGR, porque passou o momento processual.
A convicção de dois ministros do STF com os quais conversei é que a denúncia tem que ser enviada imediatamente à Câmara porque, se o Supremo fizer qualquer movimento para analisar a validade das provas, já está se adiantando à investigação e, portanto, desrespeitando o preceito constitucional de que o presidente só pode ser investigado com a permissão da Câmara.
E lá o que acontece, quando chegar? O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) faz um paralelo com a temporada de furacões:
— Se a primeira denúncia foi um furacão nível 5, a atual é tempestade de nível 1,5.
A convicção no governo é que a atual é menos preocupante do que a primeira, mas que também vai interromper a tramitação de assuntos que estavam na pauta para serem votados.
— Em 17 de maio estávamos a duas semanas de votar a reforma da Previdência. Depois daquele dia, tudo o que conseguimos com muita dificuldade foi votar a reforma trabalhista. A tramitação da denúncia interrompe o ritmo das votações inevitavelmente — diz o ministro Antonio Imbassahy.
A reforma política será resumida à proibição pelo STF das coligações, a reforma da Previdência não tem a menor chance de ser aprovada agora. A arrecadação melhorou em agosto, mas como a queda de julho foi grande demais, essa elevação não reduz muito a frustração de receita no ano, tornando difícil o cumprimento da meta, mesmo depois da sua ampliação. Neste contexto, o governo tem pouca moeda de troca para usar no esforço de vencer a segunda denúncia. Ainda assim, há riscos de novas concessões como a que está sendo feita aos ruralistas na dívida tributária que eles têm em relação ao Funrural. Quanto mais ameaçado o presidente Temer estiver, mais ele fará concessões, mesmo as que impliquem em aumento do gasto ou da renúncia fiscal.
A oposição ainda acha possível vencer o presidente Michel Temer na Câmara, mas diz que para isso o pivô central teria que ser o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se ele fizesse algum movimento para aglutinar apoios, o presidente cairia, na visão de dois senadores da oposição. Mas o deputado Rodrigo Maia não tem participado de qualquer movimento para se colocar como opção para a Presidência.
Ontem, o presidente Temer teve um dia para falar como estadista, através do discurso na ONU, com o qual, tradicionalmente, o Brasil abre a sessão anual da Assembleia-Geral. Aproveitou para fugir de toda a realidade. Negá-la. Nenhuma palavra sobre o que nos consome os dias no Brasil, a luta contra a corrupção, na qual ele é um dos alvos. E na questão ambiental, deu uma fakenews: a de que está combatendo o desmatamento.
Temer não tem do que se vangloriar na área ambiental. Pelo contrário. Se o dado da queda do desmatamento se confirmar, quando for divulgado o número do Prodes, do INPE, será mais um ponto fora da curva do que a reversão da tendência iniciada no governo Dilma, que já elevou em 27% o desmatamento. Temer tem usado suas sucessivas concessões ao lobby contra o meio ambiente como parte do negócio de permanecer no poder. E esses sinais vão todos na direção de estimular a grilagem e o desmatamento.
Qualquer daqueles costumeiros tumultos no Supremo hoje será bom para Temer. Quanto mais tempo a denúncia demorar a chegar à Câmara, melhor para ele. O atraso o favorece, mas em algum momento ele terá que travar nova batalha na Câmara. Mesmo se vencer na segunda votação, continuará sendo um presidente fraco, refém dos grupos de interesse no Congresso.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: MP vai combater em duas frentes
A gestão de Raquel Dodge terá preocupação com direitos humanos, desmonte da Funai, minorias e meio ambiente. E manterá o combate à corrupção, ou a “depuração do país”, como a nova procuradora-geral disse. Assuntos que estavam fora do foco passarão a ter. “Mesmo que nossa ação não tenha destaque na imprensa, nós olharemos para estes temas”, promete o vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia.
Aposse foi marcada pelo conflito explícito entre as duas lideranças do Ministério Público, mas a transição foi tranquila, disseram fontes dos dois lados. Procuradores ligados a Janot e ligados a Raquel contam que o clima no grupo de transição, que trabalhou nos últimos dias, foi colaborativo, mas nenhuma informação sigilosa da Lava-Jato foi passada:
— Ela dizia que só seria a procuradora-geral quando fosse a procuradora-geral. E, enquanto isso, ela só poderia ter acesso a informações sigilosas por decisão judicial. Como não houve, nem ela pediu, só agora é que começaremos a tomar conhecimento dos assuntos — disse um dos seus assessores diretos.
Além do mais, havia uma preocupação entre assessores da nova procuradora: se ficassem a par de tudo antes, as confusões de uma gestão poderiam contaminar a outra. Há uma impressão entre o grupo da procuradora-geral de que haverá daqui para a frente menos eventos na Lava-Jato. Mas não é verdade, segundo dizem alguns procuradores que lidam com o tema. Ainda há muito a se revelar e muitas providências para serem tomadas. Assessores do ex-procurador-geral Rodrigo Janot negam que houve correria no fim do mandato para enviar a segunda denúcia, apenas uma decisão coerente:
— Os quatro processos — do PT, PP, PMDB do Senado e PMDB Câmara — devem ser lidos juntos, porque são, na verdade, os mesmos delitos. Por isso Janot precisava enviar a denúncia contra o PMDB da Câmara antes de sair, para fechar esse ciclo — disse um assessor do ex-procurador-geral.
Por que Janot não foi? Essa era uma pergunta frequente entre as mais de 600 pessoas presentes na posse da nova procuradora-geral. Os dois lados admitem que Janot e Raquel nunca se entenderam, que houve brigas pessoais e diferenças fortes de estilo. Mas houve também complicadores. Todo o credenciamento ficou a cargo da presidência e era um funil ao qual Janot não queria se submeter. Se ele fosse, não estaria na mesa, apenas na plateia, em algum ponto de destaque longe o suficiente do seu duplamente denunciado Michel Temer.
Raquel Dodge estava na Procuradoria-Geral dos Direitos Humanos quando houve um esforço forte no combate ao trabalho escravo. Sua atuação provocou um recuo da prática e punição aos culpados, como, por exemplo, no processo que condenou o ex-presidente da Câmara Inocêncio Oliveira. Raquel Dodge estava no comando da Operação Caixa de Pandora, primeira operação de combate à corrupção a prender um político no exercício do cargo, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.
O que ela quer é permanecer no esforço da Lava-Jato e ao mesmo tempo abrir o leque das outras questões que na visão do seu grupo foram deixadas de lado. É isso que ela quis dizer quando afirmou no discurso que o Ministério Público tem “a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a de defesa dos direitos humanos”. Fontes da Lava-Jato garantem que não há preocupação de que a gestão dela reduza o combate à corrupção. Mas só um integrante da Força-Tarefa de Curitiba esteve presente ontem na posse.
Seja como for, em qualquer das duas áreas, o MP terá que confrontar o presidente Temer. Na área criminal, ele é hoje um denunciado pelo Ministério Público. Nas outras questões, o governo Temer tem sido marcado por ameaças ao meio ambiente, como a desafetação da Floresta de Jamanxin, por nomeações polêmicas para a direção da Funai. “É a maior agência de proteção dos direitos dos indígenas no mundo”, define o vice-procurador-geral.
A nova procuradora-geral será mais discreta em tudo, falará menos com a imprensa, terá menos frases-flecha, tem uma equipe mais fechada. Mas é impossível fazer com discrição o trabalho de “depuração” de um país, por isso suas ações acabarão tendo repercussão. Portanto, não haverá paz entre Ministério Público e o governo Temer.
Míriam Leitão: Joesley tenta enganar
O empresário Joesley Batista ainda não entendeu o que fez de errado e o que o levou à prisão. Ele disse na sexta-feira que está preso porque delatou o poder. Joesley está preso por corrupção, por ter comprado políticos para usufruir de vantagens. Se não confessasse, quando o fez, seria preso de qualquer maneira porque estava sendo investigado em cinco operações.
Além disso, ele teve ganhos indevidos até com a delação, o que levou seu irmão Wesley à prisão. Só se explica isso por alguma compulsão de querer levar vantagem em tudo, inclusive na tormenta em que o país entrou após a sua delação. Eles sabiam que o dólar subiria e que as ações iriam cair. E fizeram suas apostas no cassino em que sempre estiveram acostumados a jogar. O Ministério Público e a Polícia Federal calculam que eles ganharam US$ 100 milhões com as operações. Para eles, isso é ninharia, mas está cobrando um alto preço.
Joesley dizia que a hipótese de sua prisão ou do seu irmão iria ser uma tragédia para a empresa, porque sem eles não seria possível administrar a companhia. O mercado financeiro reagiu com alta nas ações quando eles foram presos, derrubando a ideia de serem insubstituíveis.
Eles continuaram ganhando fortunas mesmo no meio dessa confusão. A decisão de vender os ativos é correta porque essa é a forma de tirar a empresa do risco. Mas é curioso pensar na origem dos bens que estão sendo negociados. Recentemente, o grupo fechou negócio para a venda da Eldorado para o grupo indonésio Paper Excelence. Ela foi um investimento feito com pouco capital próprio, e muito empréstimo do BNDES, compra de debêntures pelo banco, e crédito do FI-FGTS. Esse último, sabe-se agora, o grupo conseguiu da forma mais tortuosa. O valor total da empresa no negócio foi de R$ 15 bilhões, mas foi vendida apenas a parte do JBS. A família Batista recebeu o valor inicial de pelo menos R$ 2,2 bilhões. Nada mal para um empreendimento alavancado principalmente com recursos públicos, pelos quais, aliás, ele confessou que pagou propina.
Na semana passada, com Joesley já preso, foi feita uma operação em que a Pilgrim's Pride, uma das maiores processadoras de frango dos Estados Unidos, e do grupo JBS, comprou a operação do grupo na Europa, a Moy Park. Eles compraram a si mesmos para melhorar a sinergia e a estrutura do envidamento. Quando foi comprada, a Pilgrim's Pride foi um ativo adquirido integralmente com o dinheiro do BNDES, conseguido através da venda de debêntures. Não houve capital próprio. E assim eles ficaram ainda mais ricos do que já eram. Mas a ganância desmedida fez os irmãos Batista irem cada vez mais fundo no negócio da corrupção que os levou à prisão.
O grupo está sendo reestruturado e sairá de tudo isso bem menor. Pelo menos, há uma boa chance de que sobreviva a essa vendaval. O economista Fábio Astrauskas, professor do Insper e CEO da consultoria Siegen, especializada em reestruturação de empresas no Brasil, avalia que a resposta da JBS à crise de confiança que se abateu sobre a empresa foi rápida e eficiente. O grupo foi ágil em vender os bons ativos para fazer caixa, e, na visão de Astrauskas, terá condições de seguir o negócio mesmo com o afastamento da famílias Batista do comando da empresa.
— Acho que a JBS teve uma visão muito pragmática, profissional, muito similar ao que aconteceu com o BTG. Hoje, ninguém mais se lembra do banco como sinal de problemas. Acho que pode acontecer o mesmo com a JBS daqui a alguns meses. Estar no segmento de varejo também ajuda. É diferente do que vejo, por exemplo, com as grandes construtoras investigadas na Lava-Jato, que dependem de obras e contratos públicos — afirmou.
A empresa pode ter uma nova chance se a resposta continuar ágil. Em relação aos irmãos Batista, o futuro imediato é mais opaco. Uma coisa já se sabe: a dissimulação não os levará a lugar algum. Frases como “estou pagando por ter delatado o poder” ou “estou preso porque mexi com os donos do poder” não convencem ninguém. Esse tipo de defesa, de se fazer de inocente perseguido por poderosos, não tem qualquer credibilidade, porque o país que eles enganaram durante tanto tempo já não se deixa mais enganar.
Míriam Leitão: Dia de ontem derrubou a tese de que acusados são perseguidos
O dia de ontem derrubou o argumento de todos os acusados de que são perseguidos. O presidente Temer foi ao Supremo Tribunal Federal com sua tese de ser alvo de perseguição pelo procurador-geral. E seu agravo não foi acolhido. O ex-presidente Lula e seus seguidores continuam defendendo a teoria da perseguição. Mas o fato é que ontem havia fatos acontecendo contra pessoas em campos opostos na política.
O dia começou com a prisão preventiva de Wesley Batista decretada pela Justiça por insider trading (informação privilegiada). Na mesma ação, seu irmão Joesley passou à prisão sem data para terminar. É a primeira vez que alguém é preso no Brasil por manipulação de mercado, e o fato inicia uma outra frente de combate ao crime no país. Sempre houve rumores de compra e venda de ação por vários agentes quando há uma grande operação de mercado. Investiga-se, mas ou não se chega a nenhum resultado ou o suspeito recebe punição leve. Usar informação privilegiada para manipular o mercado ou ter lucro indevido são crimes punidos pesadamente em países em que o mercado de capitais é levado a sério. A Polícia Federal e o MPF se basearam em relatórios da CVM e da PF que constataram a venda e compra atípica de dólar e ações.
O JBS, dias antes da divulgação da delação dos seus donos, fez uma compra alta de dólar e vendeu ações. O dólar disparou e as ações caíram, o grupo então recomprou as ações a um preço bem menor. Com as operações, eles tiveram um lucro indevido de US$ 100 milhões pelos cálculos da PF e do MPF. Essa foi a primeira suspeita de que eles haviam quebrado as regras do acordo de delação, porque quem assina uma colaboração premiada se compromete e não cometer mais nenhum crime sob pena de perder os benefícios. Enquanto assinavam a colaboração, a empresa já manipulava o mercado usando essas informações. A pena de prisão, por ser inédita, leva a outro patamar a repressão ao crime de insider trading. Eles ainda respondem a processo na CVM e podem ter que pagar multas altas e que foram recentemente majoradas. Mas agora ficou claro para os espertos do mercado que a Polícia Federal pode investigar, e o crime, levar à prisão.
A coincidência do presidente Temer estar no STF pedindo a suspeição de Janot, no mesmo dia em que o ex-presidente Lula está de novo no banco dos réus, mostra que ambos não têm razão de se dizer perseguidos políticos. O que está em andamento desde o começo da Operação Lava-Jato é um processo de combate ao crime de corrupção.
O chefe da delegacia de crime financeiro, Vitor Hugo Alves, explicou que, ao venderem suas ações antes da delação para recomprar por preço menor, os irmãos Batista empurraram o prejuízo para os outros acionistas:
— Os Batista detêm 42% da JBS: a maior parte do prejuízo portanto ficou com outros acionistas. O BNDESpar, inclusive, que detém 30% da JBS. As ações caíram até 37% e houve a maior desvalorização do dólar desde 1999, 9%.
Em Curitiba, o ex-presidente Lula chegou de carro, em vez do avião do ex-ministro Walfrido dos Mares Guia. Seus seguidores acorreram em menor número mas sustentaram a mesma tese de que Lula é um perseguido político. Outro argumento une os defensores de Lula e Temer. No Palácio se diz que as acusações contra o presidente podem atrapalhar a recuperação econômica, em Curitiba um dirigente da CUT sustentou o argumento, não se sabe baseado em que, de que cada prisão da LavaJato leva à perda de 22 mil empregos.
A monótona repetição dos acusados, quaisquer que eles sejam, de que são vítimas de perseguição do Ministério Público, do próprio Rodrigo Janot, dos procuradores de Curitiba, ou do juiz Sérgio Moro, foi sendo desmontada a cada nova etapa das investigações. Hoje a Lava-Jato se expandiu por várias cidades e varas, está nas mãos de outras forçastarefas, decisões são tomadas por outros juízos. Como disse a presidente do STF, Cármen Lúcia, quem conduz as investigações não são as pessoas, mas as instituições.
O dia ontem que levou à prisão o ex-governador Anthony Garotinho mostrou mais uma vez que não se trata de ataque a um partido, a um político, ou a uma empresa, mas do combate à prática que inundou as relações entre o setor público e o setor privado e dominou a política brasileira.
Míriam Leitão: Cercado por furacões na política, Temer tenta refúgio na economia
Foi mais um dia de alguma notícia boa na economia e muita turbulência na política. O presidente Temer será novamente investigado, desta vez com autorização do ministro Luís Roberto Barroso. Na economia, o Banco Central avisou que os juros vão cair mais devagar, mas permanecerá sendo usado o estímulo monetário. Isso pode levar os juros ao menor nível da era do real já em dezembro deste ano.
Também aumentaram as chances de a Selic chegar a 6,75% em janeiro. Como a projeção de inflação para 2018 está em 4,15%, o país pode iniciar o ano com juros reais de 2,6%, uma taxa baixa para os nossos padrões. O comércio em julho ficou parado, mas no acumulado do ano teve a primeira alta desde 2014.
Pelo que disse na Ata do Copom, divulgada ontem, o Banco Central vê a economia em recuperação gradual, mas com alta capacidade ociosa, seja na indústria, seja no mercado de trabalho. Isso favorece a retomada do crescimento do PIB sem pressionar a inflação. O mercado prevê o IPCA em torno de 4% para o ano que vem, o próximo, e o seguinte. Ou seja, acha que a inflação caiu e lá permanecerá. Ao mesmo tempo, o BC diz que o cenário externo é favorável, com baixas taxas de juros no mundo, muita liquidez e apetite por risco, o que ajuda na vinda de dólares para o Brasil. Tudo somado, a Selic poderá ter mais três cortes de juros antes que se encerre o ciclo atual.
Para os membros do Copom, grande parte da queda da inflação é explicada pela forte redução dos alimentos, que ficaram 5,2% mais baratos nos 12 meses até julho. Um recuo nesses preços já era esperado, mas não nessa intensidade. Com os alimentos mais baratos, o orçamento das famílias fica menos pressionado, e isso ajuda na recuperação do comércio.
O IBGE divulgou ontem que houve estagnação nas vendas em julho, mas isso depois de três altas consecutivas, quando acumulou 2,2%. No ano, de janeiro a julho, o volume de vendas teve crescimento de 0,3%, a primeira alta desde 2014. Quando a comparação é feita sobre os mesmos meses de 2016, são quatro altas seguidas, com crescimento de 3,1% em julho, o melhor resultado desde maio de 2014.
Alguns setores estão ainda em queda e outros em alta. Nos números do varejo há o forte crescimento do setor de eletrodomésticos. No acumulado do ano, o crescimento chega a 7,2%, a maior taxa entre todos os grupos que compõem o índice do IBGE. O setor de vestuário, calçados e tecidos também cresceu forte nos sete primeiros meses de 2017: 7,1%. O segmento de supermercados teve leve recuo, de 0,3%, com quatro altas e três quedas no ano. Como a recuperação ainda está longe de apresentar vigor, há setores caindo bastante, como o de móveis, que recuou 10%, o de livros, jornais, revistas e papelaria, que caiu 3,3%, e o de combustíveis e lubrificantes, com -3,1%.
A temperatura da economia está apenas morna, não se pode falar nem de reaquecimento porque os números bons são tímidos. Mas perto da série de furacões que se abate sobre a política, parece até um refúgio seguro. Por isso, o presidente Temer tenta fugir para a economia, atribuindo a si mesmo todos os sucessos. Ele teve algum mérito ao escolher uma boa equipe econômica e tomar decisões certas antes da crise que engoliu o rumo do seu governo.
Depois de 17 de maio, quando foi divulgada a delação de Joesley Batista, a principal meta de seu governo passou a ser manter-se no poder. Só isso explica por exemplo concessões políticas que vão representar perda de arrecadação em momento em que o país está com uma meta de déficit fiscal de R$ 159 bilhões e ainda correndo risco de não cumpri-la.
O Copom avisou que na inflação há riscos “em ambas as direções”. O que é curioso, porque normalmente o risco inflacionário era sempre de alta. Desta vez, pode cair mais se continuar a deflação de alimentos. Mas, segundo avisou, há risco de novas altas se houver “frustração das expectativas sobre a continuidade das reformas e as medidas de ajuste”. Neste momento em que a crise política volta a se intensificar, o governo diz que aprovará as reformas e as medidas de ajuste, mas sabe bem que não teria 308 votos agora.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Os pontos positivos que sustentam o crescimento da economia
Há vários pontos na economia que sustentam a recuperação este ano e no próximo. Porém, não há garantia de que é o início da retomada sustentada do crescimento depois da grande queda. Mas os bons indicadores alimentam o otimismo que se refletiu no recorde histórico do Ibovespa ontem, apesar da continuação da crise política e da enorme incerteza sobre o que vai acontecer no Brasil depois de 2018.
O economista José Roberto Mendonça faz uma lista do que pode sustentar o crescimento no ano que vem. A MB Associados está com uma das previsões mais altas do mercado para o PIB: de 0,7% este ano e de 3% em 2018. Mas ele também tem uma lista de pontos obscuros na conjuntura.
Ele liga, por exemplo, a delação da JBS com a piora fiscal que levou à revisão da meta. O escândalo em que o presidente se envolveu o enfraqueceu politicamente e isso foi cobrado em gasto público.
— A delação enfraqueceu o governo, o centrão entrou em cena e mudou vários projetos que tinham receitas previstas. O Refis tinha a proposta de pagamento de 20% à vista. A mudança no Congresso eliminou isso, e a receita prevista de R$ 13 bilhões desapareceu. O STF decidiu que os produtores rurais tinham que pagar o Funrural, o que significava a entrada de R$ 5 bilhões. Mas o governo aceitou uma proposta que pode fazer desaparecer essa receita. Tudo é decorrente da crise após a delação do JBS — disse o economista.
A dívida dos produtores ao Funrural é muito antiga e vem da decisão de cobrar a contribuição patronal do empresário rural como parte da receita líquida. A mecanização reduziu o número de trabalhadores nas empresas e eles quiseram pagar sobre a folha, entraram na Justiça e pararam de pagar. O STF decidiu que eles deveriam pagar os últimos cinco anos e como percentual da receita. Isso dá uns R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões e os maiores devedores são exatamente a JBS e a Marfrig. A JBS, mais de R$ 1 bilhão. Mas tramita no Congresso um projeto para reduzir esse pagamento e a concessão do governo foi feita exatamente no início do debate sobre a aceitação ou não da primeira denúncia.
— Só com esses dois casos, o do Refis e o do Funrural, o governo está tendo uma frustração de receita não recorrente de quase o tamanho do aumento da meta, R$ 20 bilhões — disse José Roberto.
A deterioração fiscal e a incerteza sobre 2018 mostram que nenhum otimismo em relação à situação econômica tem um horizonte amplo. Bate nestes dois pontos. Por outro lado, há nos indicadores atuais muitas razões para crer que o país sai da recessão este ano e cresce no ano que vem.
Entre as razões, José Roberto relaciona a queda da inflação e seu efeito na melhoria da capacidade de compra do consumidor:
— Em agosto do ano passado, o custo da alimentação havia subido 14% nos 12 meses anteriores. Em julho deste ano, há uma queda de 2% nos últimos 12 meses. Isso permitiu a recuperação da renda das famílias. E por isso o rendimento real começou a subir forte. Os salários não aumentam, mas melhorou o poder de compra e por isso o rendimento real está com alta de quase 3% de julho a julho — diz o economista.
Essa melhoria da capacidade de compra, apesar do desemprego, é ajudada pelos dados que mostram a queda do endividamento das famílias. O Banco Central mede isso de duas formas: o total da dívida pelo rendimento anual das famílias, que caiu de 46% para 42%, e o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas mensais, que caiu de 23% para 21%. Além disso, a inadimplência da pessoa física caiu de 6,3% para 5,7%. Isso está elevando a concessão de crédito:
— O desemprego está alto, mas no último dado a queda foi maior do que todos esperavam. E um milhão quatrocentos e trinta e nove mil pessoas passaram a ter alguma renda do trabalho.
Ele acha que todas essas razões levarão o consumo das famílias a aumentar este ano. Além disso, as projeções mostram inflação estável. As previsões da MB Associados são de que o saldo comercial este ano será de US$ 71 bilhões, mais do que a média do mercado prevê. Ou seja, na visão de Mendonça de Barros, o país não terá o problema que sempre ampliou as crises: a falta de dólar. O otimismo existe, mas é de curto prazo.
Míriam Leitão: Erros de análise
A semana passada terminou com sinais ainda mais contraditórios do que o normal nesta conjuntura brasileira. A bolsa só não bateu seu recorde histórico por causa do Irma, mas tem subido com os nossos furacões. As análises equivocadas no mercado financeiro são de que o autogrampo de Joesley enfraquece a PGR e que isso fortalece o presidente Temer, o que pode levar à aprovação de reformas.
A economia só vai se fortalecer de forma sustentada quando o país tiver um quadro político estável decorrente do sucesso no combate à corrupção. E um governante tão dependente, para permanecer no poder, dos lobbies e grupos de interesse não fará reformas consistentes. Ainda andamos sobre os escombros produzidos por essa luta intensa na qual o Ministério Público e o Judiciário estão no papel central, além da Polícia Federal.
Era para ser uma semana política enforcada, com o feriado da independência na quinta-feira, mas foi mais uma de revelações sobre o tamanho do fosso em que nos encontramos. Um apartamento com R$ 51 milhões com as digitais do ex-ministro de Lula e Temer, Geddel Vieira Lima, o notório Geddel; a divulgação de conversa sórdida do empresário Joesley Batista; o depoimento de Antonio Palocci contra os ex-presidentes Lula e Dilma foram alguns dos espantos da semana. Como começou-se a revisão do acordo do JBS, após a divulgação dessa conversa entre Joesley e seu executivo Ricardo Saud, algumas análises sustentaram que Temer, acusado com base nas delações dos dois, estaria mais forte.
Não há o que fortaleça o presidente Temer e seu grupo político, nem mesmo um suposto enfraquecimento da Procuradoria-Geral da República. A PGR errou, como disse aqui neste espaço desde o início do acordo com o JBS, ao aceitar a imposição dos delatores pela imunidade penal. Quando Joesley disse na gravação o “nóis não vai ser preso”, era a explicitação do que já se sabia, mas veio no meio de outras revelações que abriram para o Ministério Público a possibilidade de fazer a cirurgia necessária: rever os benefícios e manter as provas que ele entregou. Isso não atinge o instituto da delação porque, por mais injusto que tenha sido o acordo costurado por Rodrigo Janot com Joesley e Wesley Batista, ele seria mantido. Quem rompeu as cláusulas foi Joesley.
Saíram certos bons indicadores e de novo o equívoco visitou as análises com a tese de que está ocorrendo um descolamento entre política e economia. Ainda há um longo caminho antes que se possa comemorar a recuperação do PIB perdido nos últimos dois anos e meio. Há melhoras pontuais e isso é um respiro saudável, mas o Brasil perdeu 10% do PIB per capita na pior queda que já tivemos. Nos últimos dias, o IBGE divulgou que o segundo trimestre teve alta de 0,2%, a produção industrial começou o segundo semestre com crescimento de 0,8%, a inflação caiu ainda mais do que se esperava, com a deflação de alimentos, e os juros foram cortados para 8,25%. Os sinais são de que a inflação ficará muito baixa em setembro, apesar das altas sequenciais da gasolina, e os juros vão a 7,5% e podem, no fim do ciclo, chegar à casa dos seis. Fez bem o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, ao ignorar as sugestões feitas por diversos economistas de que divulgasse logo que assumiu uma alteração da meta para mais. Hoje, o problema é o risco de a inflação ficar abaixo do piso. Os sinais bons, contudo, não garantem a recuperação do PIB perdido, nem a redução do déficit fiscal do governo.
O depoimento de Palocci atinge diretamente a viabilidade da candidatura de Lula para 2018 e talvez leve o partido a pensar no plano B a ser construído em torno de Fernando Haddad. Mas a troca de nomes significará um ajuste nas ideias do PT? Pelo visto, não. Os outros partidos vivem também seus dilemas. A incerteza em relação ao ano que vem permanece e com isso um horizonte de aprovação das reformas fica mais imprevisível.
Tudo isso faz com que a recuperação econômica esteja ocorrendo em terreno minado. As comemorações do mercado financeiro e as apostas de que as reformas tornam-se mais viáveis são derivadas de erros de análise.