Míriam Leitão: Transição argentina
A economia da Argentina está em recuperação e pode crescer 3% este ano e 4% no ano que vem. Isso explica em parte a vitória do presidente Mauricio Macri nas eleições do último final de semana. O ajuste promovido pelo governo já traz resultados concretos que começam a ser percebidos pela população. A recuperação do Brasil também tem ajudado, pelas fortes relações comerciais entre os dois países.
Assim como o Brasil, a Argentina vive um período de transição na economia. O governo Kirchner entregou o país com o PIB em queda, inflação alta e represada pela manipulação das tarifas públicas e falsificação dos índices de preços. Com Macri, a conjuntura piorou antes de começar a melhorar. No ano passado, o PIB afundou 2,2% e a inflação chegou a 41%, como resultado do ajuste promovido pelo governo. Este ano a economia voltou a crescer, mas lentamente.
Mesmo assim, há previsões de especialistas e economistas de bancos, como os do BNP Paribas, de um crescimento de 3% do PIB em 2017 e de 4% em 2018. O brasileiro Itaú Unibanco estima que a taxa de inflação poderá recuar para 22% e 16% nesses dois anos. Ainda longe da meta de 5% do governo, para 2019, mas claramente em tendência de queda. Outro ponto positivo de Macri foi ter reformulado o índice de preços, que hoje tem números com credibilidade. O governo kirchnerista fez uma intervenção no Indec e passou a manipular os índices econômicos.
Para Florencia Vazquez, economista do BNP Paribas na Argentina, a melhora dos indicadores já começou a ser percebida no dia a dia dos argentinos, ao contrário do que acontece aqui no Brasil.
— A situação que se vive hoje no Brasil, de ter indicadores melhores mas sem a sensação nas ruas, é a que se vivia na Argentina há seis meses atrás. A vitória neste final de semana é sinal de que isso está mudando. A recuperação foi guiada por investimentos, mas agora está mais focada no consumo e se espalhando por outros setores. Isso faz com que mais pessoas percebam a recuperação. A confiança dos consumidores teve alta de 20% nos últimos três meses — explicou Florencia em entrevista por telefone.
O melhor desempenho do Brasil também está ajudando a Argentina, diz Florencia, pelos fortes laços comerciais entre os dois países. A corrente de comércio está tendo um crescimento de 20% de janeiro a setembro de 2017, em relação ao mesmo período do ano passado. O Brasil está comprando mais produtos argentinos, e eles estão importando mais do Brasil.
Na política argentina, o fortalecimento do presidente Mauricio Macri é uma novidade. Por ter sido o primeiro presidente eleito que não é nem peronista nem radical, em 70 anos, havia dúvidas sobre sua capacidade de manter base de apoio. Por isso, e pelos planos da ex-presidente Cristina Kirchner de preparar sua volta ao poder, essa eleição parlamentar representava mais do que as cadeiras que eram disputadas na Câmara e no Senado da Argentina.
Se a ex-presidente tivesse tido uma vitória consagradora, seus planos se fortaleceriam. Mas sua eleição não convenceu. Ela disputou pela província de Buenos Aires, principal colégio eleitoral, mas ficou em segundo lugar, com 37% dos votos, e o candidato macrista Esteban Bullrich venceu com 41%. Vai para o Senado sem a força necessária para seus planos de volta. O peronismo conseguiu mandar para o parlamento três ex-presidentes — Cristina Kirchner, Carlos Menem e Rodriguez Saá — mas continua sem uma liderança que costure as muitas divisões do partido. Além da força de Macri, cujo grupo “Cambiemos” teve 40% dos votos nacionais, outra política sai fortalecida, a governadora da Buenos Aires, María Eugenia Vidal, que jogou-se na campanha de Bullrich num duelo com Cristina. Mesmo sem ser candidata, ela fez campanha como se fosse, como informou em O GLOBO de sábado a correspondente Janaína Figueiredo. Vidal pensa em voos mais altos.
Macri anunciou que continuará com suas reformas e vai reduzir impostos para estimular o crescimento. Dará novos passos no seu realismo tarifário, aumentando o preço da gasolina. E diz que tentará reduzir a pobreza que chega a quase 30%. Com isso, quer diminuir a resistência a algumas de suas políticas, como a de estabelecer um teto de gastos, semelhante ao aprovado no Brasil.
- O Globo
Míriam Leitão: O acerto não abona
Nesta quarta-feira, o presidente Michel Temer estará diante do melhor e do pior do seu governo. Na política, responderá à segunda denúncia de crime em três meses e usando as armas que usou da primeira vez: políticas e recursos públicos. Na economia, o Banco Central deve levar a 7,5% a taxa de juros que estava em 14,25% no começo do seu governo. O acerto na economia não abona o erro no resto.
Como na primeira denúncia, o presidente tem usado o seu poder de comando do país para socorrer-se dos apuros em que entrou. No fim de semana, um dos seus decretos perdoou 60% das multas ambientais das empresas. E o que não foi perdoado poderá ser usado pelos empresários em investimentos para recuperação ambiental. O temor é que eles acabem usando os recursos que terão que pagar em projetos do seu interesse ou que eles tenham mesmo que fazer para respeitar as leis ambientais. De novo, o governo estará premiando quem desrespeitou a lei.
Em artigo intitulado “Riqueza Ambiental”, publicado na “Folha de S.Paulo”, o presidente distorce o que acabou de acontecer e afirma que assinou “a maior e mais inovadora iniciativa ambiental do governo”. Desconto do valor de multas e dívidas de empresas sempre foi concedido. Entra governo e sai governo. A atual administração reduziu e parcelou dívidas previdenciárias do setor rural. Não há nada de inovador em dar um desconto de 60% em multa ambiental. Usar os restantes 40% em projetos ambientais também não é novo. “Tal volume de recursos, que não dependerá do Tesouro Nacional, é uma verdadeira revolução no setor”, escreveu Temer, em outro argumento sem sentido. Ora, se as multas fossem pagas, os recursos, 100% deles, iriam para o setor público, ou seja, para o Tesouro. Temer tenta dourar a pílula de mais uma concessão feita pelo seu governo.
O momento mais estranho do artigo, contudo, é quando ele afirma que seu governo tem uma lista extensa de realizações na área ambiental. “Ampliamos áreas de reservas e parques nacionais...” O governo reduziu a área da Floresta Nacional de Jamanxin. No mesmo decreto, ele ampliou uma área de proteção ambiental com menor poder de proteção, mas o que se perdeu na Flona perdido ficou.
O pior do toma-lá-dá-cá que o governo conduz para manter o presidente no cargo foi o decreto que muda o conceito de trabalho escravo. O presidente tem dito que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, negocia modificações no texto com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Se a procuradora-geral está nessa negociação com o ministro do Trabalho acabará sendo usada mais uma vez. A primeira foi quando ela aceitou encontrar-se com o presidente fora do expediente. Isso virou argumento da defesa de Temer, para dizer que nada houve de errado quando ele recebeu o empresário Joesley Batista fora de hora e agenda. Seria “hábito” da sua gestão. Se ela aceitar agora fazer consertos numa portaria sem conserto, acabará virando coautora de algo que deveria ser simplesmente revogado.
Usando de forma desabrida as mais variadas moedas de troca o presidente caminha para ter mais uma vitória na sua faina para permanecer no poder. Na quarta-feira, ele terá os votos necessários para ficar na cadeira. Seu governo, no entanto, permanecerá sendo um mandato instável, impopular, e sujeito a novas surpresas como as que o levaram às duas denúncias da PGR.
Na mesma quarta-feira, o Copom fará o nono corte na taxa de juros. Ela começou a cair em outubro do ano passado, quando estava em 14,25% e deve ir para 7,5%. Para se ter uma ideia de como mudou para melhor: há uma ano a previsão do mercado financeiro era de que se chegaria ao fim de 2017 com 11% de Selic. Nos últimos 12 meses, o custo de carregamento da dívida brasileira caiu dois pontos percentuais segundo os dados divulgados ontem pelo Tesouro Nacional, de 12,5% para 10,5%, isso é uma redução de R$ 80 bilhões, segundo a coluna publicada pelo jornalista Ribamar Oliveira do “Valor”, citando estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Esse custo vai continuar caindo, porque é gradual o repasse das novas taxas ao estoque da dívida. Os juros em queda mostram os acertos da política econômica. Esses acertos, no entanto, não são um salvo-conduto para o presidente tomar as decisões que tem tomado na condução do país.
O Globo
Míriam Leitão: Viagem ao passado
A sensação triste de “volta à quadra um” ocupou boa parte da semana passada a partir do momento em que surgiu no Ministério do Trabalho a portaria que redefinia o trabalho escravo e dava poderes de censura ao ministro. O presidente Temer admitiu na sexta-feira que pode fazer alterações e se o fizer será apenas para tirar algum bode da sala, porque o único destino correto dessa portaria é sua revogação.
O Brasil discutiu intensamente este assunto no começo dos anos 2000 e o resultado do debate, naquela época, foi a formação de um pacto nacional contra o crime. A fiscalização se aparelhou, empresas se comprometeram com o boicote econômico aos que estavam na lista suja e o país demonstrou querer, enfim, se atualizar. Um dos avanços foi superar a desculpa de que é preciso definir melhor o que é o crime, porque as avaliações dos fiscais seriam subjetivas.
Não há subjetividade quando se fala de trabalho análogo à escravidão. Basta ler o Código Penal, analisar os autos dos flagrantes dados pelos auditores do Ministério do Trabalho ou acompanhar a literatura que existe no mundo sobre o tema. O Código Penal inclui jornada exaustiva, trabalho degradante, servidão por dívida, trabalho forçado, restrição à locomoção como parte da lista de condições desumanas a serem erradicadas.
O ministro Gilmar Mendes falou de forma irônica e superficial sobre o assunto, dizendo que faz trabalho exaustivo mas não é um trabalhador escravo. Ninguém da elite o é. O ministro falou o que não devia, o que no caso dele já virou um pleonasmo.
Quando o Brasil debateu mais o assunto, na primeira década deste século, acompanhei em detalhes alguns casos envolvendo políticos que tiveram suas fazendas flagradas praticando o crime. O exdeputado Inocêncio Oliveira, que foi duas vezes presidente da Câmara, foi um desses. No processo do caso dele estava registrado o seguinte: “Que os trabalhadores não tinham conhecimento dos valores que seriam descontados de sua remuneração, os quais eram anotados em um caderno.” Na fazenda Caraíbas, no Maranhão, que era de sua propriedade à época, foram encontrados 53 piauienses em péssimas condições de trabalho. O flagrante foi em 2002. Um dos intermediários de mão de obra para o deputado disse que os trabalhadores foram contratados “mediante pagamento por produção, com desconto de despesas de alimentação, ferramentas ou botas; que os trabalhadores deveriam trabalhar na fazenda, sem dela poder se ausentar, enquanto a diferença entre o valor do seu salário e da sua dívida não fosse quitada”.
Condenado em duas instâncias, o então deputado conseguiu que o crime fosse “rebaixado”. Em vez de trabalho escravo virou “apenas” trabalho degradante. Quem pediu sua condenação foi a procuradora Raquel Dodge, e o procurador-geral Claudio Fonteles endossou o pedido. O antecessor de Fonteles, Geraldo Brindeiro, pediu que fosse arquivado porque não viu “dolo”.
Quando chegou ao Supremo, a ministra Ellen Grace considerou que não era trabalho escravo porque não havia “algemas”. Numa entrevista para mim, o deputado lavou as mãos: “Eu nem falava com esse pessoal. De vez em quando um me perguntava alguma coisa e eu dizia: ‘não sei quanto é não, pergunta lá.” O processo acabou arquivado no Supremo Tribunal Federal, em 2006.
Mesmo com retrocessos, o pacto foi se formando e houve um avanço quando as grandes redes de supermercados se comprometeram a não comprar de quem estivesse na lista suja ou tivesse entre seus fornecedores alguma dessas empresas. A lista passou a ser a grande arma na luta contra esse crime, por isso ela começou a ser combatida.
Um dos casos impressionantes, da época, foi o de uma fazenda, Gameleira, de um irmão do senador Armando Monteiro. Foi flagrada quatro vezes. Por fim, trocou o nome da firma. Monteiro sempre afirmou que nada tinha com os problemas do irmão, mas pelo menos uma vez foi ao Ministério do Trabalho defender os interesses fraternos.
Assim era o Brasil que se tentava deixar para trás no começo do século 21, mas que reapareceu semana passada. A portaria do ministro Ronaldo Nogueira teve o apoio de empresários da indústria, agricultura e construção civil. Assim é o Brasil.
Míriam Leitão: Horizonte curto na economia
Na próxima semana o Brasil voltará a ter juros na casa dos 7% depois de mais de quatro anos. Na última vez que chegou a esse patamar, foi uma queda forçada e que não se sustentou. Apesar da boa notícia, os indicadores divulgados nos últimos dias mostraram que o mês de agosto teve uma sucessão de quedas. A conjuntura dessa saída da recessão continua assim, com melhoras a conta-gotas e alguns sustos.
Na quarta-feira o Banco Central vai anunciar o novo corte de juros e isso levará a Selic, que está em 8,25%, para outro patamar. O Bradesco acredita que a redução será de 0,75%, segundo relatório divulgado ontem. Isso significa uma diminuição do ritmo, em relação aos cortes de um ponto que vinham acontecendo.
A inflação subiu um pouco pelo IPCA-15 de outubro e ficou em 0,34%. Parece que agora tudo se encaminha para que a taxa em 12 meses, que está em 2,71%, fique em 3%. O BC não terá que se explicar por ter furado o piso da meta. Só esse “problema” a menos mostra o que mudou radicalmente na economia brasileira em pouco mais de um ano e meio. De qualquer maneira, se o Banco Central reduzir o ritmo dos cortes, estará fazendo isso com a inflação abaixo do piso. Uma contradição.
Os últimos dados de atividade do mês de agosto foram divulgados esta semana e todos foram negativos. A indústria teve queda de 0,8%, o comércio, de 0,5%, os serviços, de 1%, e o IBC-Br, de 0,4%. Sempre quando comparado com o mês anterior, julho. Quando comparado com o mesmo mês do ano anterior, o IBC-Br tem alta de 1,64%, o comércio, de 3,6%, a indústria, de 4%. Só os serviços, com -2,4%, permanecem em queda nas duas comparações. Os primeiros dados divulgados de setembro são positivos.
O mercado de trabalho continua melhorando lentamente e esta semana foi divulgado mais um dado positivo na criação de empregos formais. Em setembro, foram 34 mil empregos criados. No pior momento, em abril do ano passado, o país estava com uma destruição de quase dois milhões de empregos em 12 meses. Agora o saldo permanece negativo, mas em 466 mil. No acumulado de janeiro a agosto, já há geração líquida de 208 mil vagas com carteira assinada. Mesmo com essa melhora, o país tem 13 milhões de desempregados e em curto prazo não voltará ao nível em que estava, de seis milhões, antes de começar esta crise.
A oscilação dos números lembra em que condições internas adversas a economia brasileira tenta encerrar o ciclo recessivo. A crise política mantém a incerteza nos cenários das empresas que, nesta época de fim de ano, fazem seus planejamentos.
Esta recessão é diferente das outras, até para se sair dela. Foi mais prolongada, mais severa, com mais desemprego. O estudo do Iedi, publicado pelo GLOBO, mostrou que a queda do investimento foi de espantosos 29%. A saída das duas outras recessões grandes que o Brasil teve, a de 1981-1983, no governo militar, e a de 1990-1992, no governo Collor, foi para um crescimento de 5% no primeiro ano, e dois outros anos de forte alta. Desta vez, o país sai com números positivos fracos. A crise política e o colapso fiscal deixam a economia sem energia para uma retomada forte.
Mas a chegada da taxa Selic a 7,5% na semana que vem, se a redução for mesmo de 0,75%, será uma vitória no país dos juros altos. Ainda não voltará ao nível de 2012, quando esteve em 7,25%, mas é uma conjuntura totalmente diferente. Naquele momento, a inflação estava subindo e aquele corte teve vida curta e preço alto. Agora, os juros devem permanecer caindo e ficarão baixos por algum tempo. Isso tem impactos fortes na redução do custo da dívida pública e é um estímulo econômico. Há outros fatores positivos na conjuntura: a inflação baixa, as famílias voltando a consumir, o crédito para pessoa física aumentando. E a economia internacional continua com surpresas positivas, como a do crescimento chinês de 6,8% anunciado esta semana.
O problema é que o horizonte da economia é curto. As projeções de crescimento para depois de 2018 são apenas o cálculo linear feito pelos economistas. Eles sabem, e dizem quando perguntados, que o que vai acontecer em 2019 é um mistério.
Míriam Leitão: concentração bancária atinge recorde no Brasil
O mistério dos juros altos no Brasil, mesmo com a queda da Selic, pode ser desvendado por um indicador que o Banco Central acaba de divulgar: a concentração bancária no país atingiu recorde histórico. Juntos, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica e Itaú Unibanco detêm 72,98% de todos os ativos financeiros. Em 2007, a taxa era de 52,58%. O sistema financeiro andou para trás nos últimos 10 anos.
Em evento esta semana em São Paulo, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, foi perguntado sobre o motivo de a Selic ter caído 600 pontos e as taxas bancárias terem continuado elevadíssimas para empresas e famílias. O BC nunca tem uma resposta clara para essa pergunta. De forma geral, economistas culpam as taxas de risco, inadimplência, impostos e o recolhimento compulsório pelos spreads elevados. Mas talvez a melhor explicação seja, na verdade, a concentração bancária, que cresceu muito nos últimos anos, como se pode ver no gráfico abaixo.
A concentração aumentou 38% desde 2008. Juntos, os quatro maiores bancos do Brasil, dois estatais e dois privados, têm 16.937 das 21.579 agências do país, ou seja, 78% do total.
No Relatório de Estabilidade Financeira, divulgado ontem, o BC disse que os testes de estresse indicaram que os bancos tiveram um aumento da sua resiliência. Estão mais preparados para enfrentar crises. O que é bom, porque bancos com fragilidades podem produzir uma crise generalizada. Mas é ruim quando bancos não cumprem bem seu papel de intermediação financeira, principalmente em períodos de recessão. Os bancos brasileiros, além de não reduzirem os juros, estão elevando a restrição de crédito, em pleno período de recuperação econômica. É como se os departamentos de crédito das instituições não falassem com os departamentos econômicos, que andam revendo para cima as previsões de crescimento.
De acordo com o BC, os testes de estresse têm nova metodologia e agora estão mais capazes de detectar fragilidades. Mesmo assim, ficou claro que os bancos brasileiros estão preparados para absorver choques porque têm “confortável nível de capitalização” e baixo nível de insolvência. Isso é bom, claro, já que o Brasil está saindo de um período de três anos de recessão. Além disso, o combate à corrupção revelou esquemas criminosos em grandes empresas que tiveram, em consequência disso, graves perdas econômicas. Isso elevou o número de grupos com desequilíbrios financeiros e até em recuperação judicial. Se, mesmo assim, os bancos estão sólidos, com capacidade de absorver choques, alta capitalização, grande resiliência e baixa inadimplência, é prova de eficiência.
O problema todo é constatar que os bancos tiveram queda no nível de oferta de crédito mesmo em época de recuperação, e seus juros não foram reduzidos de forma significativa, apesar do grande corte na taxa básica do Banco Central. No mínimo, se pode dizer que não estão fazendo bem seu papel na economia.
O que parece muito sólido pode se dissolver no ar porque novas tecnologias estão permitindo outras formas de intermediação financeira. Essa concentração toda e esse comportamento defensivo podem ampliar a força que as Fintechs começam a ter na economia. O jornal “O Estado de S. Paulo” publicou na segunda-feira, 16, reportagem mostrando que o crédito para as empresas está atingindo o menor nível dos últimos oito anos e que em agosto a carteira de crédito teve a vigésima queda consecutiva. Bancos sólidos deveriam emprestar mais e não menos.
Míriam Leitão:assim como Dilma, Temer se isenta de culpa e diz que há conspiração
A carta enviada por Temer ao Congresso cria mais um ponto de conexão entre o atual e a antiga ocupante da Presidência: tanto Michel Temer quanto Dilma Rousseff têm visões persecutórias e culpam outros pelos seus erros. Dilma arruinou a economia, Temer envolveu-se por vontade própria em uma relação indefensável com um dos investigados da Lava-Jato. Os dois acreditam em conspirações.
“Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis.”
Dilma alegou que houve um golpe contra ela e até hoje o Partido dos Trabalhadores repete isso publicamente. Os efeitos dos seus erros econômicos continuam. A dívida pública brasileira voltou, depois de duas décadas, a ser uma ameaça à estabilidade, o Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de confirmar a constatação de que os R$ 500 bilhões transferidos ao BNDES tiveram um custo de mais de R$ 100 bilhões e formaram um orçamento paralelo, o país saiu de 16 anos de superávit primário para o déficit. E, além de tudo isso, ela usou truques para esconder os números fiscais. Tudo isso elevou a inflação, jogou o país na recessão e a tirou do cargo. Mas ela se diz vítima.
O presidente Michel Temer encontrou-se furtivamente com Joesley Batista em prédio público para uma conversa que levanta óbvias suspeições. Isso foi divulgado em maio, período em que ele acha que começaram os ataques a ele. A participação do ex-procurador Marcelo Miller, que está sendo investigado e processado pelo que fez, não apaga o que o presidente falou. E ele falou espontaneamente com Joesley Batista, na época investigado em cinco operações. A partir daí, Temer passou a usar os poderes da Presidência para se manter no cargo como se vê em bases diárias. O balcão de negócios da primeira denúncia custou caro ao país. Agora, está aberto o segundo balcão e nele, ontem, foi oferecida à bancada ruralista uma portaria do ministro do Trabalho que dificulta o trabalho dos fiscais que combatem o trabalho escravo e ainda põe um filtro político na divulgação das empresas flagradas.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi a autoridade que se envolveu na década passada no esforço para que o país adotasse modelos internacionais de combate ao crime do trabalho análogo à escravidão. O país avançou muito a partir desse esforço conjugado de uma parte da burocracia do Ministério do Trabalho, e o Ministério Público representado pela então subprocuradora Raquel Dodge. Com a lista, houve o boicote econômico, em que empresas se comprometiam a não comprar de quem praticasse trabalho análogo à escravidão. Formou-se um pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo.
De lá para cá, os ruralistas tiveram várias vitórias, inclusive um controverso voto do ministro do STF Ricardo Lewandowski que proibia a divulgação da lista. A lista passou a ser combatida e não o trabalho escravo em si.
Ontem foi uma vitória e tanto dos representantes do agronegócio. Com uma única portaria, se impôs um filtro político à divulgação das empresas flagradas, só o ministro poderá divulgar, e os fiscais do Trabalho perderam sua autonomia porque só poderão dar o flagrante se a polícia estiver junto. Além disso, trabalho análogo à escravidão será apenas quando houver limitação de ir e vir.
Há muitas formas de se prender o trabalhador na teia de um trabalho análogo ao de escravo. Como as supostas dívidas que os vão enredando, como a distância de outros centros. O trabalho em condições degradantes, a submissão à jornada excessiva são igualmente crimes, mas a partir de ontem isso será mais difícil punir. E isso foi moeda de troca do voto contra a denúncia.
Na área econômica, todas as providências para o andamento do ajuste fiscal estão paradas para não atrapalhar a votação da denúncia: das medidas de corte de gastos à revisão no Orçamento. Na visão do presidente Michel Temer, ele está sendo injustamente afetado por uma conspiração, quando se afunda cada vez mais por seus próprios atos e palavras.
- O Globo
A carta enviada por Temer ao Congresso cria mais um ponto de conexão entre o atual e a antiga ocupante da Presidência: tanto Michel Temer quanto Dilma Rousseff têm visões persecutórias e culpam outros pelos seus erros. Dilma arruinou a economia, Temer envolveu-se por vontade própria em uma relação indefensável com um dos investigados da Lava-Jato. Os dois acreditam em conspirações.
“Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis.”
Dilma alegou que houve um golpe contra ela e até hoje o Partido dos Trabalhadores repete isso publicamente. Os efeitos dos seus erros econômicos continuam. A dívida pública brasileira voltou, depois de duas décadas, a ser uma ameaça à estabilidade, o Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de confirmar a constatação de que os R$ 500 bilhões transferidos ao BNDES tiveram um custo de mais de R$ 100 bilhões e formaram um orçamento paralelo, o país saiu de 16 anos de superávit primário para o déficit. E, além de tudo isso, ela usou truques para esconder os números fiscais. Tudo isso elevou a inflação, jogou o país na recessão e a tirou do cargo. Mas ela se diz vítima.
O presidente Michel Temer encontrou-se furtivamente com Joesley Batista em prédio público para uma conversa que levanta óbvias suspeições. Isso foi divulgado em maio, período em que ele acha que começaram os ataques a ele. A participação do ex-procurador Marcelo Miller, que está sendo investigado e processado pelo que fez, não apaga o que o presidente falou. E ele falou espontaneamente com Joesley Batista, na época investigado em cinco operações. A partir daí, Temer passou a usar os poderes da Presidência para se manter no cargo como se vê em bases diárias. O balcão de negócios da primeira denúncia custou caro ao país. Agora, está aberto o segundo balcão e nele, ontem, foi oferecida à bancada ruralista uma portaria do ministro do Trabalho que dificulta o trabalho dos fiscais que combatem o trabalho escravo e ainda põe um filtro político na divulgação das empresas flagradas.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi a autoridade que se envolveu na década passada no esforço para que o país adotasse modelos internacionais de combate ao crime do trabalho análogo à escravidão. O país avançou muito a partir desse esforço conjugado de uma parte da burocracia do Ministério do Trabalho, e o Ministério Público representado pela então subprocuradora Raquel Dodge. Com a lista, houve o boicote econômico, em que empresas se comprometiam a não comprar de quem praticasse trabalho análogo à escravidão. Formou-se um pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo.
De lá para cá, os ruralistas tiveram várias vitórias, inclusive um controverso voto do ministro do STF Ricardo Lewandowski que proibia a divulgação da lista. A lista passou a ser combatida e não o trabalho escravo em si.
Ontem foi uma vitória e tanto dos representantes do agronegócio. Com uma única portaria, se impôs um filtro político à divulgação das empresas flagradas, só o ministro poderá divulgar, e os fiscais do Trabalho perderam sua autonomia porque só poderão dar o flagrante se a polícia estiver junto. Além disso, trabalho análogo à escravidão será apenas quando houver limitação de ir e vir.
Há muitas formas de se prender o trabalhador na teia de um trabalho análogo ao de escravo. Como as supostas dívidas que os vão enredando, como a distância de outros centros. O trabalho em condições degradantes, a submissão à jornada excessiva são igualmente crimes, mas a partir de ontem isso será mais difícil punir. E isso foi moeda de troca do voto contra a denúncia.
Na área econômica, todas as providências para o andamento do ajuste fiscal estão paradas para não atrapalhar a votação da denúncia: das medidas de corte de gastos à revisão no Orçamento. Na visão do presidente Michel Temer, ele está sendo injustamente afetado por uma conspiração, quando se afunda cada vez mais por seus próprios atos e palavras.
Míriam Leitão: País dos privilégios
O Brasil cria mais privilégios a cada semana. Na quarta-feira, o STF demonstrou que, se for o senador Aécio Neves que estiver em questão, pode-se ter uma interpretação ambígua até sobre os poderes do Supremo. Na sexta-feira, o Planalto pediu ao STF para revogar a prisão após a condenação em segunda instância, um dos raros avanços nos últimos anos sobre o velho problema do país.
O tratamento desigual é o centro dos erros brasileiros, mas isso é reafirmado constantemente. Pobres e anônimos vão presos após qualquer condenação, ou passam anos detidos sem sequer culpa formada. Ricos e famosos só iam para a prisão após a longa tramitação do processo. O caso Pimenta Neves é o exemplo. Um dos muitos. Assassino confesso, em crime premeditado, ficou anos fora da prisão — mesmo após dupla condenação — pela força das estratégias recursais dos seus advogados. No ano passado, o STF decidiu que, após ser condenado por um órgão colegiado, portanto em segunda instância, o réu começa a cumprir a pena. Isso, hoje, ameaça diretamente muitos integrantes da elite política brasileira processados pela Lava-Jato. Alguns ministros do STF ficaram inconformados com a decisão e iniciaram o bombardeio para que o entendimento fosse revisto. Agora, a Advocacia-Geral da União enviou ao STF manifestação a favor da revisão.
No Brasil, se o criminoso fez ensino superior tem direito à cela especial. Se for político, pode cometer crime comum porque é protegido por imunidade parlamentar. Se for militar, cumpre pena e fica ao abrigo da Justiça Militar, aquela mesma que ameaçou e condenou civis durante a ditadura, mas que protege os seus na democracia. O almirante Othon Luiz Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, condenado a 43 anos por corrupção, exigiu ficar preso em estabelecimento militar e conseguiu. Agora, já está solto na onda recente que houve de liberação de condenados nos vários processos contra a corrupção que o país tem assistido.
O que houve no STF na quarta-feira mostrou até que ponto pode chegar o contorcionismo jurídico no país para se confirmar a ideia da “A revolução dos bichos”, de George Orwell, de que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros. Parlamentares já foram afastados de seus mandatos por decisão do STF, como Delcídio Amaral e Eduardo Cunha, como deve ser. Nessa semana, um Supremo dividido decidiu de maneira diferente. Se a medida cautelar, mesmo que não seja a prisão, afetar o mandato, o Congresso tem que ser ouvido antes. A última palavra cabe ao Congresso e não ao Supremo Tribunal Federal.
A ideia de que “o mandato é o que está sendo protegido e não o parlamentar" é balela. O voto é para que o político represente o seu estado ou sua região, e não para que cometa crimes. A imunidade foi pensada para proteger a atividade parlamentar. Por isso tudo, o que se relaciona ao exercício dessa representação está protegida. E assim foi escrito na Constituição, porque, em períodos autoritários, os parlamentares eram cassados por suas palavras, ideias, e atividades de representação. Quando se escreveu na Constituição o princípio da imunidade parlamentar, não se pensava, evidentemente, em crime comum.
A questão da quarta-feira não era sobre o senador Aécio Neves oficialmente, mas de fato era. Com ele em mente, e o voto da presidente do Supremo, o STF errou. Minas Gerais votou para que o senador representasse os interesses do estado, e defendesse as ideias que apresentou na campanha. Ele não foi eleito para pedir dinheiro a um investigado em cinco operações anticorrupção. Dinheiro que seria entregue em espécie a um enviado especial, desses que “a gente mata antes". Não foram esses os poderes que Minas delegou ao senador quando o elegeu. A tese de que “o mandato é do povo, e o povo, soberano” só pode ser defendida se vier com a pergunta: qual poder foi delegado pelo povo ao seu representante? Certamente não foi o de cometer crimes.
Esse tem sido nosso vício desde o início. O país dos fidalgos, do “sabe com quem está falando", não aceita o “erga omnes". A revolução que está sendo feita no processo de combate à corrupção é a de que a lei é universal. Mas o velho país dos privilégios resiste.
Míriam Leitão: Chamada de risco
Solução para a Oi não pode envolver recurso público. Qualquer solução para a Oi que signifique colocar dinheiro público ou vantagens especiais no pagamento de dívidas com credores estatais é inaceitável. A empresa tem no seu DNA o intervencionismo estatal e isso é parte do problema. Apesar de a companhia estar arruinada, salários e bônus de diretores superam os de concorrentes mais saudáveis. Sua dívida é tal que estoura qualquer limite aceitável.
O assunto se arrasta. A quem interessa tanta demora? Nos formulários que a companhia entrega à CVM há alguns indícios. Os ocupantes das três diretorias estatutárias receberão neste ano R$ 45,8 milhões, incluídos aí R$ 21,6 mi em bônus. Levarão para casa 50% a mais do que no ano passado, quando a Oi registrou prejuízo líquido de R$ 7 bilhões. A Telefonica, dona da líder Vivo, pagará bem menos, R$ 10,9 mi. Uma mudança na gestão da Oi é uma medida tão urgente quanto o acordo com credores.
A dívida é astronômica: R$ 64,5 bilhões contando os cerca de R$ 20 bi devidos a bancos públicos e à Anatel. Para honrar os compromissos, a companhia precisa de 10 anos de geração operacional de caixa, que está em R$ 6,5 bi, nos números da consultoria Economatica. Em empresas saudáveis, a relação entre dívida e Ebitda chega a, no máximo, três vezes.
Ontem, credores contestaram os termos do acordo apresentado. O plano é que um grupo, que detém R$ 32,5 bi em dívidas da Oi, troque seus títulos por ações. Se a proposta prosperar, o grupo terá que aportar R$ 3,5 bi para investimentos, e os atuais acionistas investiriam apenas R$ 2,5 bi. A crítica é que, desse modo, os acionistas atuais seriam beneficiados. A assembleia decidirá sobre a proposta dia 23. Se aprová-la, os que detém ações serão diluídos. Nesse grupo está a BNDESPar, que ainda mantém 4,6% do capital da operadora. O BNDES, o BB e a Caixa tinham créditos de R$ 10 bi com a Oi no início da recuperação judicial; a empresa responde por 17,8% de todo o saldo inadimplente no banco de fomento. Um movimento de acionistas pressiona o Planalto para transformar as multas de R$ 11 bi com a Anatel em investimentos. A Advocacia Geral da União diz que nenhuma hipótese foi descartada, nem a intervenção. Fundos acompanham o caso.
O uso de dinheiro público seria mais uma vez para proveito privado. Tem sido assim na longa história de erros da Oi. Ela começou apelidada de “Telegangue” quando foi arrematada no leilão por um consórcio formado às pressas por empreiteiras e empresas que não eram do ramo. Depois, no governo Lula houve um esforço direto para transformá-la na grande tele brasileira. Foi o pior erro. Em 2008, o governo mudou a lei que impedia a concentração e empurrou bancos públicos para financiar a compra da Brasil Telecom. Em 2010, a Portugal Telecom comprou parte da companhia e levou seus próprios problemas para dentro da Oi. A dívida continuou a crescer e no ano passado foi feito o pedido de recuperação judicial, o maior da história do Brasil.
— A reestruturação não deve se resumir à dívida. A Oi precisa melhorar sua operação. Hoje, ela é uma fábrica de prejuízos. A demora no acordo faz a dívida aumentar e deixa o plano de recuperação ainda mais caro — diz Luiz Alberto de Paiva, da Corporate Consulting.
Uma das possibilidades seria a venda de ativos, de partes da Oi. A lei de recuperação judicial, inclusive, prevê que “unidades produtivas isoladas” possam ser negociadas no processo, sem carregar as dívidas trabalhistas e tributárias da empresa em apuros. Mas nada parecido foi proposto até agora.
— Ao menos dessa vez, a solução tem que passar longe do dinheiro público. Ajuda do governo já não é recomendável em tempos de bonança. Hoje não há sequer espaço fiscal — alerta Sergio Lazzarini, do Insper.
A empresa ainda é grande, mas tem perdido participação no mercado e é campeã de reclamações. Perdeu a liderança na rede fixa para a Vivo. Em São Paulo, tinha 17% das linhas móveis e agora tem 12,5%. Mesmo assim a companhia é relevante em vários mercados. Entre as 10 maiores capitais, a Oi é líder na telefonia móvel em Salvador, Fortaleza e Recife. Pelo interior, há centenas de cidades só atendidas por sua rede. Mas a crise ameaça a qualidade do serviço. Na tecnologia moderna de internet móvel, a 4G, a Oi atende a apenas 284 cidades, pouco mais de 10% da líder TIM. Em um mercado tão competitivo, a necessidade de investimento é intensa. E a empresa está parada no tempo.
Míriam Leitão: Os custos da violência
Nesta semana blindados das Forças Armadas voltaram a circular pela cidade e houve novos tiroteios na Rocinha. O custo da violência para o Rio e o país é incalculável, mas o economista Daniel Cerqueira, do Ipea, avalia que nacionalmente se perde pelo menos R$ 362 bilhões ao ano. A economista Joana Monteiro, presidente do ISP do Rio, lembra que o “Brasil vive uma tragédia do ponto de vista dos jovens".
Há prejuízos que se pode calcular, há outros que se pode apenas imaginar. Há custos econômicos e há perda para as famílias que ficam além de qualquer conta. A tragédia maior, diz Joana, é a dos jovens negros e pobres.
— Grande parte dos custos da violência está sobre as comunidades pobres e os que vivem nas áreas que são disputadas pelas facções. O Rio sofre com isso desde meados dos anos 1980, foi muito forte nos anos 1990. Houve esperança de melhora no final dos anos 2000, agora estamos de novo nesse cenário. A sociedade não tem muito claro o custo da violência — diz Joana.
Mesmo assim, os dois especialistas admitem que é preciso contabilizar, calcular os prejuízos tangíveis, porque a violência afeta a atividade econômica de diversas formas, na redução do turismo, produção, consumo. E, principalmente, nas mortes.
— O investimento feito em educação se perde se os jovens morrem. Tem o custo da despesa financeira do Estado, seja para manter o sistema de segurança, seja para manter o sistema prisional, seja para atender as vítimas da violência no sistema de saúde. A economia é atingida de diversas formas, porque as pessoas deixam de consumir produtos mais caros pelo medo de serem roubadas. No estudo que fizemos, a estimativa que chegamos, conservadora, é de que o custo da violência a cada ano é de 6% do PIB, algo em torno de R$ 362 bilhões em 2016. Claro que a tragédia é imensurável — diz Daniel Cerqueira, autor de um livro exatamente sobre o custo da violência.
O que explica o Rio, segundo Joana Monteiro, é que a cidade sempre esteve sob o controle de três facções criminosas que lutam entre si. Recentemente tudo isso piorou como reflexo do colapso financeiro estadual. Daniel acha que não houve trabalho de inteligência prévio à ação das Forças Armadas e das forças de segurança.
— Tudo que está sendo feito é uma reação midiática. Teria que ter um trabalho de inteligência para identificar os paióis de armas para ter efetividade. O que a gente viu foi o Exército fazendo perímetro, a PM entrou, mas o efeito não foi duradouro.
Joana acha que é muito forte afirmar que não houve trabalho de inteligência.
— Foi muito questionado por que não se agiu antes, por que não houve intervenção. Havia indicação de que haveria ocupação. É muito difícil, do ponto de vista operacional, ter certeza de quando vai acontecer um conflito. Até porque a Rocinha não é a única favela do Rio, e há vários indicativos disso em vários pontos da cidade.
A conversa com os dois especialistas com os quais gravei o programa dessa semana na GloboNews mostra o quanto é complexa a crise de segurança no Brasil e no Rio. A política das polícias pacificadoras deixou lições porque deu certo por algum tempo e é preciso refletir sobre o que levou a esse sucesso momentâneo para se construir uma proposta permanente.
— Não existe saída para a violência do Rio enquanto a gente tiver áreas conflagradas, com domínio de grupos criminosos armados. A nossa cidade nunca deixará de ser partida enquanto houver territórios que o Estado não controla, não detém o monopólio da força — diz Joana.
A economista acha fundamental entender as políticas, avaliar o que foi feito e voltar atrás quando for o caso. Para ela, além das UPPs, foi fundamental para o sucesso que houve tempos atrás o sistema integrado de metas. A informação e as metas são essenciais, diz ela.
Daniel lembra que as estatísticas mostram a queda de homicídios em alguns estados nos últimos anos: no Rio antes da última piora, em São Paulo e em Pernambuco no meio de um Nordeste em que as mortes aumentaram muito. É preciso avaliar o que deu certo e os erros, olhar dados, compartilhar números, ter metas. Pode ser o começo do avanço nessa área onde tudo, às vezes, parece perdido.
Míriam Leitão: STF se enfraquece e vota para evitar crise entre poderes
Mais importante do que o resultado da decisão do Supremo Tribunal Federal na discussão de ontem é constatar o nível de tensão institucional a que o país chegou. O Supremo está dividido, o Senado fez alertas prévios ao STF sobre a natureza do que ele não aceitaria. O relatório em defesa do presidente Temer acusou o Judiciário de se “mancomunar” com o Ministério Público contra os políticos em geral.
Houve um tempo em que se tinha a impressão, na economia, de que o fundo do poço não chegava nunca. O PIB caía em queda livre e não parecia ter piso. Na política, a sensação que se tem é de que a tensão se eleva cada vez mais. Não parece haver teto. Políticos estão se alinhando, por cima até das mais graves divisões, para construir uma coalizão contra as investigações de corrupção.
O deputado Bonifácio de Andrada não tem maior expressão, portanto, o que ele disse no relatório não teria peso se não fosse o fato de que representa também o pensamento do próprio presidente. E lá foi feita a acusação de que o Poder Judiciário conspira com o MP contra os políticos. É mais um dos sinais de esgarçamento da relação entre os poderes.
O que estava em debate ontem era uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada pelo PP, PSC, Solidariedade, de 2016, sobre o poder de o STF decretar medidas cautelares contra parlamentares sem ouvir o Congresso. Não era o caso Aécio. Mas teria repercussão direta sobre o presidente do PSDB. Por isso, o que estava em jogo era se o Supremo daria, ou não, mais um passo em direção ao confronto com o Senado.
Quando o ex-senador Delcídio do Amaral, então líder do PT, foi preso, o Senado protestou, mas autorizou. Quando o próprio senador Aécio foi afastado em maio, pela decisão do ministro Edson Fachin, houve protestos mas a decisão foi acatada. Em junho, o ministro Marco Aurélio acabou revogando essa decisão de Fachin. Outros episódios foram absorvidos, como o que aconteceu com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
O caso mais estranho de todos foi o da decisão do ministro Marco Aurélio Mello de afastar Renan Calheiros da Presidência do Senado em dezembro do ano passado. Renan desacatou o Supremo, e o STF recuou da decisão na votação do plenário. Naquele momento, como agora, a Corte temia provocar crise institucional e preferiu se dividir e recuar. Naquele episódio, o ministro Marco Aurélio tinha tomado uma decisão sob um argumento cristalino: o presidente do Senado está na linha de sucessão presidencial, um réu não pode ocupar a Presidência, logo, Renan, depois de ter se tornado réu, não poderia mais ocupar o cargo. O STF fez um estranho contorcionismo e optou por mantê-lo na Presidência da Casa, mas retirando dele a possibilidade de vir a ocupar a presidência da República. Fez uma cirurgia impossível nas atribuições do cargo.
Agora em setembro, a primeira turma decidiu novamente pela suspensão do mandato do senador Aécio, seu recolhimento noturno e a apreensão do passaporte. Elevou-se então a tensão com a reação forte do Senado. Em sua defesa, o senador tem dito que na conversa gravada pelo empresário Joesley Batista ele estava apenas negociando a venda de um apartamento. Existem empresas especializadas em vendas de imóveis e corretores para isso, mas mesmo quando se dá uma transação direta não se paga em dinheiro vivo, nem o pretenso vendedor avisa que o intermediário tem que ser um “que a gente mate antes”. Enfim, aquela conversa é absolutamente explícita. Não se trata de um negócio comum entre vendedor e comprador de imóvel. E a imunidade do mandato não pode ser invocada em indícios de crime comum. O mesmo Senado que protege o senador Aécio Neves não protegeu o ex-senador Delcídio do Amaral. A ordem judicial que tem que ser cumprida por qualquer cidadão pode ser desrespeitada se o cidadão se chamar Renan Calheiros.
Mais relevante do que o resultado da votação de um dia no STF é constatar que a interpretação da lei no país muda conforme a pessoa em questão. O STF votou ontem temendo uma crise institucional, e com o voto de minerva da presidente do Supremo. Essa não é a melhor forma de fazer prevalecer o Direito.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: relator tucano inocenta Temer, Lula e Dilma
Não bastou ao relator propor a rejeição da denúncia contra Temer. Ele estendeu sua defesa a Lula e Dilma. Disse que não há nada contra nenhum dos três. Culpados, na visão do deputado Bonifácio de Andrada, são apenas o Ministério Público e a Polícia Federal. Formou-se uma grande aliança em que um tucano tenta criar uma barreira de proteção em torno do presidente e dos ex-presidentes.
A se fiar no relatório do deputado Bonifácio, que vem prestando serviços aos governos desde o regime militar, tudo o que o Brasil tem vivido nos últimos tempos são apenas “ações espetaculosas”. Segundo ele, na denúncia, “a Presidência não é tratada com referida deferência que o cargo requer”. Quem não tratou a Presidência com o respeito que o cargo exige foi quem teve com um investigado pela Justiça, Joesley Batista, uma conversa como a que o presidente Temer teve naquela noite. Em mais uma inversão dos fatos, os investigadores é que são acusados de não respeitar a Presidência, e não o ocupante do cargo.
Num dia em que a Segunda Turma do Supremo conduziu uma libertação serial de presos investigados por corrupção, o Ministério Público em São Paulo denunciou os irmãos Joesley e Wesley por informação privilegiada e manipulação de mercado. Com as operações no mercado de câmbio, os irmãos Batista tiveram um ganho de R$ 100 milhões. Com a venda e recompra de ações da sua própria empresa, evitaram um prejuízo de R$ 138 milhões. Eles operaram no mercado logo após fecharem o acordo de delação premiada e durante o vazamento das informações. As denúncias contra diversas autoridades do país, incluindo o presidente da República, eram a própria informação privilegiada, porque sabidamente teria impacto sobre o preço dos ativos, como dólar e ações da própria JBS, de acordo com a denúncia. O dólar teve a maior alta em um dia desde 1999. A denúncia do MP foi apresentada pelos procuradores Thaméa Danelon e Thiago Lacerda Lopes.
Não é a primeira vez que os irmãos Batista aproveitam uma informação no mercado para as suas operações. O mercado sempre esteve cheio de histórias envolvendo o grupo em operações espertas no mercado de câmbio. Essa é a primeira vez que eles são apanhados por isso e que os indícios estão sendo investigados. Só mesmo a sensação de que ficariam impunes mais uma vez é que explica eles terem operado no mercado de câmbio imediatamente antes de circularem as informações de que o presidente Temer fora gravado.
“Assim, sabedores dos impactos que tais informações causariam na economia — quais sejam, uma inevitável queda nos valores das ações da JBS e alta do dólar — os réus resolveram se beneficiar financeiramente da instabilidade econômica que seria ocasionada com a divulgação dos termos de Colaboração Premiada e das provas apresentadas”, dizem os procuradores.
Os dois irmãos quando fecharam o acordo de colaboração eram investigados pela Sépsis, Greenfield, Cui Bono, Carne Fraca, Bullish e Lama Asfáltica. Por isso, Joesley decidiu executar o plano de gravar o presidente e assim negociar a impunidade que buscava. A motivação da pessoa que gravou já se sabe, mas isso não explica por que o presidente Michel Temer decidiu receber fora de hora e agenda uma pessoa que nem precisou se identificar na entrada de um palácio governamental. Além disso, teve com esse visitante noturno uma conversa suspeita.
Enquanto os irmãos Batista ficam um pouco mais cercados, outros começam a se safar devagar da prisão e de acusações. Já o governo continua funcionando apenas em torno do esforço de barrar essa denúncia. É enorme a lista das medidas necessárias para organização do Orçamento que estão paradas na Casa Civil à espera do fim da votação da denúncia: aumento da alíquota previdenciária do funcionalismo, cancelamento do reajuste dos cargos comissionados, limitação da ajuda de custo e auxílio-moradia, adiamento dos aumentos salariais para o funcionalismo.
E como tudo está parado lá, o Ministério do Planejamento não consegue terminar a revisão do Orçamento. O governo ficará este mês de outubro com tudo engavetado para que nada perturbe o projeto do presidente Temer de sobreviver a mais uma denúncia.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Miriam Leitão: O campo e o tempo
O agronegócio brasileiro precisa entender o século XXI. Nele, para ser global, é indispensável não ter a marca de quem produz destruindo o meio ambiente. Essa ideia tão cristalina ainda não foi entendida, como mostram as propostas defendidas pelos seus representantes no Congresso. A última é de uma Medida Provisória para arrendar terras indígenas.
O governo nega que fará a MP, mas a pressão dos ruralistas está crescendo. Imagine se um dos muitos concorrentes que o Brasil tem na sua bem sucedida expansão internacional fizer sua campanha contra nós explorando esse ponto? O agronegócio brasileiro exporta US$ 100 bilhões. É fundamental para a economia brasileira. Mas no setor convivem a lavoura arcaica e a agricultura de precisão. Seus porta-vozes, lobbistas e parlamentares não representam a parte moderna da agropecuária. Insistem em demonstrar pelas ideias, projetos e discursos que estão ainda nos clubes da lavoura do século XIX.
A proposta de arrendamento de terra indígena é péssima. As TIs são unidades de conservação, como os parques nacionais e as florestas nacionais. Quem se dispuser a acompanhar as imagens de satélites verá que os índios prestam um serviço ambiental ao país porque as suas áreas têm se mantido preservadas. Um ou outro caso que fuja dessa regra não confirma coisa alguma, porque em sua maioria as áreas ocupadas por indígenas, e demarcadas, estão entre as mais preservadas.
Se isso for oficializado haverá um ataque do agronegócio a essas terras. Os indígenas, que são hoje ameaçados por grileiros, passarão a ser assediados por compradores, ou arrendatários, de terras com um risco enorme para a preservação da sua cultura e identidade. Imagine-se por exemplo a terra dos Awá Guajá. Quando estive lá, em 2013, pude ver a pressão dos grileiros e produtores em torno da terra, uma das poucas áreas remanescentes de floresta amazônica no Maranhão. Foi quando escrevi a reportagem “Paraíso sitiado". Eles foram contactados a partir de 1979, a maioria nem fala português e o povo está totalmente despreparado para negociar arrendamentos. Eles são poucos e estão extremamente ameaçados de extinção. A proteção de suas áreas têm permitido o crescimento populacional. Só na aldeia Juriti nasceram este ano seis crianças. Para um povo de 400 pessoas, isso faz diferença. Fico tentando imaginar o líder Piraima’á ou o jovem Juí’í enfrentando a volta dos grileiros, que foram tirados de suas terras, agora com dinheiro na mão propondo um “arrendamento". Será um atentado duplo: à identidade de um povo que fugiu do contato por quase 500 anos e à floresta que eles têm defendido. Ainda ouço o que eles me disseram quando estive lá: “eles estão matando as árvores, eles estão nos matando".
O Brasil não precisa disso. O agronegócio pode ampliar-se por terras hoje disponíveis e que já foram usadas na agricultura ou pecuária e podem ser recuperadas para seu uso produtivo. O cálculo dos especialistas é que há 60 milhões de hectares disponíveis. A pecuária extensiva é improdutiva e deveria adotar novas formas de produção. Alguns já estão fazendo isso na Amazônia. É preciso usar melhor a terra disponível.
Os ruralistas têm aproveitado momentos que eles acham oportuno para apresentar suas propostas indefensáveis. Quando foi aprovada a reforma trabalhista, a bancada apresentou um projeto de mudança das leis rurais que permitiria o desconto do salário dos trabalhadores da moradia e alimentação. Era tão absurdo, em vários detalhes, que o próprio autor do projeto, o deputado Nilson Leitão, o recolheu. Agora aparece essa nova ideia exatamente quando o presidente Temer está com seu balcão de negócios aberto no Planalto. Tentam ver se emplacam. Por enquanto, o governo nega. Até quando?
É espantoso e cansativo que o setor do agronegócio, tão importante para o Brasil, não tenha aprendido o básico sobre o tempo que estamos vivendo. Nele, a produção de alimentos tem que ser feita com alta tecnologia, respeito às leis trabalhistas, compromisso com o meio ambiente, cumprimento das normas sanitárias, rastreabilidade. O que se flagrou no escândalo da carne fraca é que a prática de comprar fiscais era adotada até em grandes frigoríficos. Quando o século XXI chegará ao campo brasileiro?