Míriam Leitão: Além da Lava-Jato

Estamos há três anos e oito meses vivendo diariamente os efeitos da Lava-Jato. Ela tem números impressionantes e uma coleção de fatos inéditos, mas o país foi se acostumando com as operações frequentes, as revelações e as prisões. Esta semana, os procuradores federais em três estados alertaram que será preciso mais do que o trabalho que eles estão fazendo para o país ter sucesso no combate à corrupção.

Do encontro das forças-tarefas da Lava-Jato de Curitiba, Rio e São Paulo surgiu uma carta e manifestações públicas dos procuradores com vários recados. Um deles é que nenhum integrante da Lava-Jato pensa em se candidatar a cargo algum. Isso não foi escrito, mas foi dito e serve para tirar a sombra que de vez em quando é levantada contra eles.

O recado mais importante é que não basta tudo o que aconteceu para que o país vença o crime que contamina a política brasileira. Não basta que 416 pessoas tenham sido acusadas pelo crime de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa e que 144 réus tenham sido condenados a penas que, se forem somadas, dão 2.130 anos. Não basta a investigação ter atingido pessoas icônicas, ou ter colocado na cadeia líderes empresariais e políticos. Não basta terem sido deflagradas 64 fases da Operação. É preciso mudar as leis para prevenir a continuidade do crime.

Em todos os países onde houve avanço no combate à corrupção, leis foram mudadas. As investigações mostraram as brechas e as maneiras pelas quais o sistema se corrompia, os culpados foram punidos, e a legislação foi alterada para se impedir a repetição. No Brasil, por mais eloquentes que sejam os números, a proposta assinada por dois milhões e trezentas mil pessoas foi rejeitada pelo Congresso e são frequentes as tentativas de piorar as leis, em vez de aperfeiçoá-las.

Na entrevista conjunta dada no Rio, as forças-tarefas do Ministério Público Federal no Rio, São Paulo e Curitiba avisaram que estão unidas e farão operações conjuntas em 2018. A notícia é auspiciosa. No ano que vem haverá a “batalha final”, nas palavras do procurador Deltan Dallagnol. Ele se referia às eleições, porque “lideranças corruptas são incapazes de fazer reformas anticorrupção”. Mas contra esse inimigo não existe uma batalha final.

O Rio conhece o resultado dessa união. Foi exatamente da colaboração entre o MPF em Curitiba e o MPF no Rio que saiu a Operação Calicute, depois deixada por conta da equipe fluminense. No dia 17 de novembro do ano passado, a Polícia Federal bateu na porta do ex-governador Sérgio Cabral com dois mandados de prisão, cada um assinado por um juiz: Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Foi exatamente porque os procuradores souberam superar o jogo de vaidades, ou de disputa territorial que às vezes dividem as forças do Estado, que tudo deu tão certo. A Calicute nasceu da Lava-Jato e se tornou uma força em si. Se tudo dependesse apenas de um grupo do MP, no caso o de Curitiba, o país não iria muito longe, porque o crime está disseminado e com focos importantes em alguns estados, como o Rio.

Essa demonstração de união é importante diante da sequência de tentativas de enfraquecer a operação. Os procuradores lembraram que apesar de tudo o que aconteceu, de todas as revelações e denúncias, os partidos não afastaram os políticos envolvidos. “Pelo contrário, a perspectiva de responsabilização de políticos influentes uniu grande parte da classe política contra as investigações e os investigadores", diz a Carta. Aliás, esse é o único tema capaz de unir políticos da oposição e do governo.

O procurador Carlos Fernando falou em “macro” corrupção. Na hiperinflação aprendemos que ela não era só uma inflação mais alta, era outro fenômeno. A escala muda a natureza e a resistência do problema. Por isso faz todo o sentido o chamado do Ministério Público na Carta do Rio. Eles quiseram dizer que, por mais unidas que estejam as forças-tarefas, a renovação da política será feita pelo voto e não pelos próprios políticos ou partidos, que é preciso com normas legais fechar algumas brechas pelas quais o problema se reproduz, e é fundamental a sociedade estar atenta a cada movimento que tenta paralisar o processo de combate à corrupção. A Lava-Jato já fez muito, mas o país terá que fazer ainda mais se quiser avançar. Esse foi o recado dos procuradores.

 

 


Míriam Leitão: O interior das despesas

Primeiro gasto a cortar é o subsídio ao capital. Este ano, em viagens pelo Brasil, encontrei duas vezes inovações resultantes de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina, uma em energia e outra em tecnologia para a agricultura. Recorri a professores de universidades públicas em questões ambientais, tanto no Nordeste, quanto no Sul, porque eles tinham pesquisas sobre cada um dos biomas. Difícil encontrar isso nas universidades privadas.

A universidade pública sempre teve mais alunos ricos e da classe média, mas comparar gasto de universidades privadas e públicas por aluno tem uma distorção: no Brasil são as públicas que fazem pesquisa. A pergunta que o Banco Mundial faz, em relatório sobre as despesas federais, é essencial para um país desigual como o nosso: a quem se destina o dinheiro público? Este é o principal mérito do estudo. No caso do ensino superior público, o estudo alerta que 65% dos alunos estão entre os 40% mais ricos. Universidades Federais custam 0,7% do PIB ao ano, e o Banco Mundial propõe reduzir 0,5% do PIB. Evidentemente isso não é realista. A proposta de ampliar o Fies para as públicas não funciona. Este programa de crédito está sendo contido porque cresceu demais. Os alunos de escolas particulares pagam pelo ensino médio e podem pagar pelo ensino superior. Não resolveria o financiamento, mas reduziria a regressividade.

O relatório do Banco Mundial é resultado de uma análise das contas brasileiras pedida pelo governo Dilma. O olhar profundo sobre os números ajuda o país a fazer escolhas em época de escassez. Não exatamente as que foram propostas. Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil, e Antonio Nucifora, economista-chefe, me disseram que esses estudos serão detalhados ao longo de 2018 por áreas específicas. Haverá tempo para novos debates. A reação ideológica ao estudo, como se ainda vivêssemos na era do monitoramento da economia brasileira pelos gêmeos de Bretton Woods, é desatualizada. A aceitação acrítica das propostas do Banco Mundial é igualmente sem sentido.

O ponto alto do estudo é mostrar que o Brasil transferiu, em 2015, 4,5% do PIB para o capital. Isso dá em dinheiro perto de R$ 269 bilhões. Antes do governo do PT, eram 3%. O que era excessivo ficou extravagante. Grande parte desse dinheiro vai para empresas sem exigências de contrapartida e sem transparência. Para que mesmo dar dinheiro para multinacional do setor automobilístico? Por que o governo deu tanto subsídio para um frigorífico comprar outros frigoríficos e se expandir no mundo, enriquecendo uma família rica? Mesmo se não tivesse ocorrido o que sabemos hoje sobre o grupo de Joesley Batista, já seria absurda essa opção preferencial pelos ricos nos aportes de recurso no governo de um partido que se diz de esquerda. Os subsídios ao capital, eis o primeiro ponto a ser atacado. O curioso é que no relatório se coloca “incerto” na avaliação sobre se a redução desses subsídios melhorará a equidade.

O Banco Mundial propõe fundir os programas sociais como BPC, aposentadoria rural e salário-família com o Bolsa Família. E diz que esta proposta aumenta a equidade. Eles constatam que, de todos os programas, o Bolsa Família é o mais eficiente e chega realmente aos mais pobres. Fazer essa fusão melhora os outros ou reduz a qualidade do Bolsa Família? Entre seus méritos está o de ser um benefício com contrapartida, que é o de manter a criança na escola. O programa piorou quando relaxou com essa exigência. Misturar tudo pode tirar esse mérito.

Outra proposta é a de que a pessoa demitida saque primeiro o seu Fundo de Garantia em parcelas mensais e só depois receba o seguro-desemprego. O cálculo do Banco Mundial é que isso diminui em 95% esse gasto. Reduzir tanto assim é, na prática, acabar com o programa. Essa proposta exigiria também controlar ainda mais o acesso do trabalhador ao FGTS. O seguro-desemprego é um direito de apenas parte dos trabalhadores. Os que estão no mercado formal. Ele é desigual porque reflete a desigualdade do mercado de trabalho. Mas acabar com ele não é a resposta.

O Brasil cria e reproduz desigualdades nas escolhas que têm feito nas despesas públicas. Esse é um bom diagnóstico. Mas é preciso cuidado na hora de escolher receitas para enfrentar esse velho mal.

 


Míriam Leitão: O terceiro passo

O resultado do PIB do terceiro trimestre se saberá na próxima sexta-feira e há uma expectativa entre quem acompanha os dados de que a economia tenha crescido 0,3%. Mas o mais importante é que as projeções indicam que o investimento voltou a crescer, apesar de todas as incertezas políticas. A alta do PIB pelo terceiro trimestre será puxada pela compra de máquinas e pelo consumo das famílias.

O Banco Central divulgou, dias atrás, um resultado positivo para a atividade no terceiro trimestre, mas há vários outros sinais de recuperação em vendas do varejo, emprego formal e, principalmente, arrecadação. Com os dados antecedentes disponíveis, os economistas acreditam que haverá um novo número positivo no PIB, após as altas de 0,2% no segundo trimestre e de 1% entre janeiro e março. No começo de ano o protagonismo esteve com a agropecuária, agora a reação da economia é mais abrangente. Pelo índice de difusão da consultoria GO Associados, 77,1% das séries acompanhadas pelo IBGE estão no terreno positivo. Inclusive o investimento no período entre julho e setembro, após uma sequência de 14 quedas em 15 trimestres. No ano passado, ele havia encolhido 10,2% depois de ter retraído 14% em 2015. A estimativa da GO é que a Formação Bruta de Capital Fixo tenha crescido 2,2% na comparação com o segundo trimestre.

— Esse avanço não é sazonal, parece mais consistente. As vendas de máquinas e equipamentos estão crescendo. A construção, que é outro segmento relevante do investimento, ainda não reagiu porque os estoques estão altos. Mas a queda nos juros tende a destravar as obras. Os setores de energia e de óleo e gás já têm dados interessantes — conta Gesner Oliveira, da GO.

Essa saída da recessão é lenta, mas tem ficado mais consistente, apesar de ter sido um trimestre conturbado na política. O governo dedicou seu tempo e sua influência para barrar as denúncias contra o presidente Michel Temer. A primeira delas foi rejeitada pela Câmara em agosto. O Planalto continuou fazendo concessões nos meses seguintes para travar as investigações da segunda ação da Procuradoria-Geral da República. Esse foi o foco do governo até outubro. Apesar disso os indicadores apontam que a economia real conseguiu reagir.

O Santander espera alta de 0,3% do PIB na comparação com o segundo trimestre. A virada fica mais clara quando se compara com o mesmo período de 2016. Por esse recorte, a economia avança a um ritmo mais forte, de 1,4% pela estimativa do banco. No segundo trimestre, pela mesma comparação, a alta foi de apenas 0,3%.

Os especialistas explicam que a economia teve uma reação em cadeia neste ano, daí vem o otimismo com os próximos meses. O clima ajudou e a supersafra de grãos derrubou a inflação. Isso provocou um ganho real de renda e os consumidores foram às compras, impulsionadas também pela liberação do FGTS. Estima-se que o consumo das famílias, responsável por mais de 60% do PIB, avançou ao ritmo de 2% no terceiro trimestre. A demanda maior aqueceu o mercado de trabalho; a massa de rendimentos cresceu 2,4%. E o IPCA comportado permitiu ao BC reduzir os juros.

— O efeito dos juros menores ainda não foi totalmente refletido na economia. A redução vai continuar ajudando às empresas e famílias. E já é possível ver pequenos pontos de melhora. A parcela da renda dedicada ao pagamento de juros, por exemplo, caiu de 24% para 23%. Mas é como se a renda dos consumidores tivesse crescido 1% nos últimos meses — conta Mauricio Molan, economista-chefe do Santander.

Os dados da atividade levaram especialistas a rever estimativas. A consultoria Tendências agora espera alta de 0,4% no PIB do trimestre, mais que o 0,2% original. O diagnóstico é semelhante ao de outras consultorias. O consumo reagiu e os investimentos pararam de cair. A expectativa para o PIB do ano está sendo revista para algo próximo a 0,9%.

— A economia começa a pegar tração. No último trimestre do ano, a taxa deve chegar a 2% na comparação com 2016, e vai continuar subindo em 2018. Trimestre a trimestre, as estimativas são revisadas para melhor — conta Bruno Levy, da Tendências.

Há projeções mais otimistas para 2018, de até 3,2% de alta no PIB. O problema continuará sendo a absoluta incerteza política.

 


Míriam Leitão: Contrarreforma

Concessões para convencer deputados a aprovar a reforma podem elevar o gasto. É preciso definir qual o propósito da reforma da Previdência. Se é para começar a reorganizar as contas públicas, ou se a mudança é apenas para dar ao presidente Michel Temer um argumento para ser chamado de reformista. Se for o primeiro motivo, não se pode fazer concessões exatamente na área fiscal porque isso elevaria gastos, dentro de um projeto que é para reduzir despesas. É contraditório.

Uma negociação política envolve moeda de troca, mas qual moeda é aceitável? É possível fazer mudanças no projeto, mesmo que ele se torne menos efetivo, como acabou acontecendo ontem. Isso significa economizar menos. É ruim, mas aceitável. O que não faz sentido é aumentar gastos. É isso que corre o risco de acontecer.

Dentro das mudanças aceitáveis o governo alterou as aposentadorias rurais, manteve o BPC como está e tirou a DRU da Previdência. Já a idade mínima começará a valer em 2020. Em 2037 chegará nos 62 anos para mulher e 65 anos para homem. Com isso, daqui a 20 anos o Brasil terá a idade mínima praticada hoje em países como Chile, México, Argentina. É ruim, mas isso já é concessão antiga que foi consolidada ontem na apresentação do texto enxuto da reforma.

O que não faz sentido algum é, para aprovar a reforma, fazer concessão a quem deve à Previdência, como, por exemplo, os empresários do setor rural. Essa negociação começou quando o presidente quis se livrar da segunda denúncia do Ministério Público Federal. Temer deu o sinal verde para negociar, postergar e dar desconto na dívida de R$ 17 bilhões das grandes empresas do agronegócio com a Previdência. Um dos beneficiários foi o JBS. Claro que não se podia vetar apenas um grupo, mas não deixa de ser contraditório a empresa receber descontos e refinanciamentos neste momento de denúncias e acordos de leniência. As mudanças feitas no Congresso reduziram a dívida dos ruralistas para R$ 2 bilhões e agora falase que está sendo reaberto o balcão em torno desse passivo.

A “Folha de S. Paulo” de ontem trouxe a informação de que o ajuste fiscal está sendo comprometido para se aprovar a reforma. A negociação incluiria até a revogação do adiamento do reajuste ao funcionalismo. Ou seja, o governo aceitaria “recuar do recuo” do aumento que ele próprio concedeu logo que assumiu. Já havia concordado em tirar as Forças Armadas desse adiamento do reajuste, com o argumento de que os militares estão negociando uma reforma da Previdência só deles e por isso teriam que ter o aumento agora. É desconhecida a relação entre uma coisa e outra, mas foi esse o argumento à época. Agora, o reajuste para os civis também seria mantido para ajudar a aprovar a reforma.

A equipe econômica naturalmente é contra essa decisão porque desveste um santo para cobrir outro. Se o reajuste não for adiado, será necessário encontrar outra forma de arrecadar, ou cortar, perto de R$ 5 bilhões para se manter o déficit do ano que vem em R$ 159 bilhões.

De que vale a reforma se ela é ao mesmo tempo descaracterizada por dentro, pelas mudanças sequenciais na substância, e tem seus efeitos anulados por concessões fiscais em outras áreas? Se for a esse preço, o sentido da reforma passa a ser apenas o de criar a impressão de que foi feita para, assim, ser parte de um marketing político.

O trabalho de quem no governo está sinceramente tentando fazer a reforma da Previdência é muito dificultado pela atitude dos deputados. Eles sequer querem ouvir os argumentos racionais em favor da reforma porque ou estão prisioneiros dos seus guetos ideológicos ou estão apenas contando os possíveis votos da próxima eleição. Neste caso, o exercício do mandato se resume apenas a lutar por outro mandato, e perde a função de representação para o qual o parlamentar foi eleito.

O país está diante de uma situação complexa na Previdência. O déficit aumenta em escalada, estamos no início da onda de mudanças demográficas que a tornarão ainda mais cara e deficitária, o governo é fraco, mas a reforma é necessária. O problema é que para aprovar a reforma — mesmo esse projeto que foi bem reduzido — o Planalto está negociando concessões que podem, no final, tornar inútil todo o esforço de aprovação das mudanças.

 


Míriam Leitão: Tempo sem trégua

O Rio está no meio de uma estrada pedregosa, em que é preciso andar com cuidado. A cada passo há uma nova pedra. A situação é tão grave que estão presentes condições que poderiam justificar uma intervenção. O impasse acontece quando se pergunta quem poderia ser o interventor. O governo federal? Neste tempo e nestes costumes políticos não há saída. Seria a intervenção do roto no rasgado.

O estado amanheceu ontem com três ex-governadores presos, o presidente e o ex-presidente da Assembleia também detidos, e um conflito entre o Judiciário e o Legislativo. É mais um dia normal no Rio de Janeiro. A tendência é concluir que diante desse quadro, de terra arrasada, nada há a fazer a não ser lamentar mais uma vez esse fim de mundo. Contudo, há uma agenda que se pode seguir para começar a reconstrução.

Já houve outros dias assim, ultimamente, que são emblemáticos de um tempo sem trégua. Vivemos uma sucessão de momentos difíceis. Escrevi aqui na semana passada que a votação da Assembleia Legislativa libertando os deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi não era o fim da história e que os absurdos do processo naquela sessão da Assembleia mostravam a fraqueza dos que haviam vencido. Esses absurdos é que anularam a sessão e agora eles voltaram à prisão. Haviam cometido também erros processuais básicos.

É estranha, de qualquer forma, a sensação de viver num estado assim com tantos eventos extremos. Em que três ex-governadores, o presidente e o ex-presidente da Assembleia estão presos, e logo depois de cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado terem passado uma temporada na cadeia. E um quase ex-conselheiro do TCE, indicado pelo atual governador, também estar detido. Além disso, as finanças estaduais estão arruinadas pela ação dessas pessoas que se sucederam no poder e, em vários momentos, estiveram juntos, em aliança.

O ex-governador Garotinho atribuiu sua prisão ao fato de ter denunciado Sérgio Cabral. Duas correções históricas: Cabral foi denunciado pelo Ministério Público, diante de evidências investigadas pelo MP e pela Polícia Federal, em processo conduzido pela Justiça Federal. Ele não está preso pelas fotos da festa dos guardanapos, divulgadas por Garotinho, por mais grotescas que elas tenham sido.

A mais importante contradição do pensamento do ex-governador Garotinho é que se o ex-governador Sérgio Cabral tivesse força para perseguir seu suposto denunciador ele não estaria na situação em que se encontra. Para que estivesse certa a tese de Garotinho, seria preciso que o aparato que o prendeu estivesse sob o comando de Cabral. Ele pode dar qualquer explicação para a sua prisão ontem. Mas ele e sua mulher, Rosinha, são acusados de fazerem parte de uma organização que arrecadava dinheiro ilícito para campanhas junto a empresários.

Há, contudo, uma agenda que se pode seguir para começar a reconstrução. Não será imediata, porque terá que passar por uma mudança no poder durante as próximas eleições. E será possível a partir dessa agenda começar a refazer o estado. Não haverá ajuste fiscal sem encaminhar uma solução para a questão previdenciária. O Rio segue os passos do Rio Grande do Sul, em que 54% da folha de pessoal são de inativos. Não basta aumentar a contribuição de quem está na ativa, é preciso reduzir o custo dos benefícios já concedidos.

A reforma da Previdência sozinha não resolve o problema do estado. O Rio tem que se preparar para o futuro, desenvolvendo novos projetos econômicos, que não dependam do petróleo. A boa notícia é que a volta dos investimentos no setor, com as rodadas de áreas do pré e pós-sal, e a alta dos preços de petróleo podem dar um aumento de arrecadação neste primeiro momento. O tempo curto de melhora das receitas de petróleo pode ser usado para reduzir a dependência da commodity sob pena de repetir a mesma montanha russa fiscal e econômica. A tragédia da segurança é tão grande que não poderá ser resolvida apenas pelo Estado.

Há caminhos para sair da crise em que o Rio está. Mas não haveria qualquer esperança para o estado se ele continuasse sendo governado, alternativamente, pelos que estavam ontem na prisão. Eles são sócios no projeto que nos trouxe a esse tempo sem trégua.

 

 


Míriam Leitão: Gasto alto e injusto

Qualquer família ou empresa que tivesse de consultores o diagnóstico de que “gasta mais do que pode e gasta mal” estaria a caminho da bancarrota. O Brasil recebeu do Banco Mundial este atestado junto com uma série de números e propostas. Ele pode recusar todas as sugestões. Mas é fundamental admitir que o país está arruinado e que isso piorou nos últimos anos. A realidade precisa ser encarada.

O Banco Mundial já fez estudos como esse, de análise do gasto público, em diversos países e a radiografia é sempre importante para orientar escolhas. Mesmo que seja a de deixar tudo como está e depois pagar o preço, ou procurar um resultado parecido por outros meios. Só não é possível ignorar os dados. Eles mostram que de 2012 para cá a dívida pública saltou de 51% do PIB para 74%, e desde 2015 o governo gasta 8% do PIB a mais do que arrecada. As sugestões feitas, caso aplicadas, gerariam uma economia de 7% do PIB até 2026.

Se todo esse gasto estivesse alavancando o crescimento, alguém poderia dizer que há mérito porque mais tarde o país aumentaria a receita. Mas não. Estamos cavando mais fundo o poço no qual caímos. E para tornar a sociedade brasileira mais injusta.

Na Previdência, os 20% mais ricos ficam com 35% do que é pago; os 40% mais pobres, com 18%. Os subsídios às empresas custaram 4,5% do PIB em 2015 e, segundo o banco, não há evidência de que impulsionaram a produtividade e o emprego. Na verdade, é pior. Esse dinheiro todo foi transferido a empresas e houve queda do emprego e da produtividade. Alguns desses programas nos causaram embaraço internacional, como o Inovar-Auto. E as montadoras estrangeiras já estão de novo bajulando o governo para recriar o mesmo programa, com outro nome, até 2030.

O Brasil gasta mais em Educação que a média dos países da OCDE, em percentual do PIB. O aumento foi rápido na última década. A questão é a eficiência. O desempenho avançou, mas a um ritmo menor do que o necessário. As matrículas de curso superior triplicaram nos últimos 15 anos, e apenas um quarto delas é atendida por universidades públicas. Dos oito milhões de universitários, dois milhões estão nas faculdades públicas. A despesa com universidades federais saltou 7% em termos reais e as matrículas aumentaram 2%. Cresceu a presença de estudantes pobres no ensino superior, mas a participação ainda é pequena. Em 2002, 4% dos estudantes eram dos 40% mais pobres, agora são 15%. Em universidades públicas, 20% dos estudantes estão entre os mais pobres. É um avanço. Porém, 65% dos alunos estão entre os 40% mais ricos.

Por isso o Banco Mundial sugeriu cobrar pelo ingresso. E cobrar de maneira diferente, dando subsídios maiores aos mais pobres. “O ensino superior pode estar perpetuando a desigualdade brasileira", diz o estudo. A sugestão é cobrar dos mais ricos, financiar quem não puder pagar, e dar bolsa integral para os mais pobres. O sistema universitário público continuaria, mas receberia parte do seu financiamento dessa forma de tarifa. É um assunto tabu, claro, mas por que não discutir?

A transferência de dinheiro para empresas aumentou 50% entre 2006 a 2015; saiu de 3% do PIB para 4,5%. O aumento aconteceu no governo petista, que se define como de esquerda. O ideário da esquerda, como se sabe, é a redução das desigualdades. Essa política faz o oposto. Pior, a maior parte do dinheiro para as empresas não passa pelo Orçamento. É menos transparente. A parcela mais relevante é dada através de desconto no pagamento de impostos, com programas como o Simples, a Zona Franca de Manaus, a desoneração da folha, o Inovar-Auto e o Programa de Sustentação do Investimento. O crédito subsidiado para capitalistas, através de bancos públicos, custou 1,2% do PIB em 2015, mais do que todo o gasto com universidades federais. E se era para sustentar o crescimento, fracassou porque o país entrou na pior recessão da nossa história.

Ontem, o que o Banco Mundial divulgou foi, na verdade, o resumo de estudos. As 150 páginas formam apenas o sumário executivo. O Banco soltará avaliações setoriais aprofundando as análises e propostas em cada área. Pode-se ignorar tudo ou encarar a realidade de um país que gasta mais do que pode e ainda desperdiça. Mesmo que não sejam os caminhos sugeridos, alguma solução o Brasil precisa encontrar para esse impasse nas contas do governo.

 


Míriam Leitão: Caso de estudo

O presidente Temer é um caso de estudo. Ele é o único governante brasileiro que não tem aumento de popularidade quando a inflação está em queda. Desde o início da era do real há uma correlação entre inflação e aprovação presidencial, quando ela sobe a rejeição aumenta, e quando desce a imagem do governo melhora. Temer tem uma espécie de fator teflon ao contrário, o que é bom não gruda nele.

Mesmo o avanço em outros indicadores da economia não tem tido impacto na imagem do governo. Só ontem foram dois dados positivos. O IBC- Br, índice de atividade econômica do Banco Central, e o Caged, que mede os empregos formais criados a cada mês.

A melhora na economia tem aparecido em vários indicadores. A atividade cresceu em setembro, como se esperava, e fechou o terceiro trimestre com alta de 0,58% no cálculo do BC. Na comparação com o mesmo período de 2016, o IBC- Br agora marca alta de 1,4%, após cair 0,2% no segundo trimestre. O PIB mesmo, dado oficial, só será divulgado dia 1 º pelo IBGE.

Os empregos com carteira estão sendo gerados a uma velocidade muito abaixo da necessária. Mas o número divulgado ontem, de criação de 76 mil vagas, marca o sétimo mês consecutivo de saldo positivo e é o melhor resultado para outubro desde 2013. Naquele mês de 2015, para se ter uma ideia, o país perdeu 169 mil vagas com carteira.

O IBGE divulgou na semana passada um dado favorável no consumo. As vendas de comércio em setembro subiram 6,4% quando comparadas com setembro de 2016. Isso já sem o efeito da liberação do FGTS, que manteve as vendas nos meses anteriores. O consumo está sempre ligado ao humor do consumidor. O país amargou nove trimestres de queda nas vendas. A inflação é baixa, e a dos mais pobres é ainda menor, segundo o novo indicador do Ipea. Isso tem a ver com a grande produção agrícola por causa do clima favorável. Como o peso dos gastos com alimentação é duas vezes e meia maior entre famílias de menor renda, a inflação dos pobres está em 2% este ano.

Mesmo assim, nada promove a aceitação de Temer em nenhuma classe social. Pode- se pensar numa série de razões políticas e sociais, mas ele é um ponto fora da curva nessa relação entre economia e política. Mesmo se melhorar, está num nível tão baixo que não fará muita diferença. Um caso que precisa ser estudado.

Há outros fatores que produzem queda da popularidade, claro, e podem ser parte da explicação desse baixo desempenho. Todos os governantes desde a era do real tiveram altas ou quedas de popularidade conforme as oscilações do nível de preços. Só para ficar no último exemplo: em 2014 a presidente Dilma foi reeleita, mas a disparada da inflação em 2015, provocada pelos reajustes que estavam represados, e agravada pela recessão, derrubaram as avaliações de ótimo e bom no início do segundo mandato. Quando ela saiu, a aprovação estava em 10% pelo CNI/ Ibope. Com Temer, a situação econômica melhora, mas nada influencia os seus índices de popularidade. Ele caiu ao nível mais baixo da história: entre 5% e 3%, dependendo da pesquisa.

Uma das razões da persistente rejeição certamente é o alto nível do desemprego. Melhora houve, mas insuficiente. O problema permanece enorme e angustiando as famílias. A revelação das conversas do presidente com Joesley Batista e a sensação de crise política permanente — com as denúncias da PGR e as manobras feitas por Temer para se livrar delas — também ajudam a explicar. Haverá outros motivos. Mas o fato é que a ajuda que a economia costuma dar aos governantes impopulares não está acontecendo com Temer.

A dúvida é a quem a economia vai ajudar — ou prejudicar — no ano que vem? Os cenários mais comuns adiantam que o nível de atividade vai continuar melhorando moderadamente, a inflação vai subir um pouco mas ficará na meta, o desemprego terá queda bem lenta. A economia estará morna. Neste caso, a tendência é não provocar qualquer efeito positivo. Quando se tem que explicar que a economia melhorou é porque ela não influenciará o voto. As pessoas precisam sentir. E tudo o que sentirão será pouco para produzir o efeito de satisfação que leva ao voto situacionista. Outros fatores vão influenciar a decisão do eleitorado. Dois assuntos, corrupção e desemprego, certamente estarão no centro do debate do ano que vem.

 

 


Míriam Leitão: Depois da tempestade

Eletrobras se ajusta, e ação sobe 173%. A Eletrobras está mudando. A dívida líquida caiu, o número de funcionários foi reduzido, a administração foi reorganizada, e a ação já se valorizou em 173% até agosto. Estão sendo vendidas 77 SPEs no valor de R$ 4,6 bi. A devastação causada pela ex-presidente Dilma Rousseff impressiona: a Eletrobras perdeu de 2011 a 2015 quase a metade do patrimônio líquido e acumulou prejuízo de R$ 31 bi.

“Acompanhia tem 55 anos. Em quatro anos, só quatro, ela perdeu 40% do seu patrimônio líquido. Quase metade do patrimônio esfacelado em um prazo muito pequeno. Ao mesmo tempo ela aumentou muito a dívida para fazer frente a isso e aos planos enormes de investimento. Esse era o tamanho do problema 14 meses atrás” conclui Wilson Ferreira, olhando para os gráficos da companhia que preside.

Essa destruição de valor na Eletrobras aconteceu pelo mesmo motivo que houve um mar de prejuízos em todas as empresas do setor: a Medida Provisória 579. Dívidas e brigas judiciais ainda se acumulam entre os diversos segmentos do mercado por causa da MP. Com ela, a ex-presidente Dilma achou que estava reinventando a roda. Deu errado. Entre outras razões porque ela reduziu na marra o preço pago às geradoras, diminuindo em 20% a receita da Eletrobras. Mas a seca se agravou, tornando o valor pago ainda mais irreal.

A dívida comparada à sua geração operacional de caixa em um ano, a medida mais importante de endividamento — dívida líquida/Ebitda — era 8,8 vezes em setembro de 2016. Agora está em 4,1 e a meta é terminar este ano com 3,3, chegando a 2,4 em 2018.

— A empresa aumentou o endividamento e o país perdeu o grau de investimento. Uma combinação diabólica porque o banco te cobra mais caro e encurta a dívida. A Eletrobras chegou a tomar dinheiro a 16%, a 19%. O serviço da dívida aumentou 60% — explica Wilson Ferreira.

O ajuste pelo qual a estatal está passando mexe com tudo. Para se ter uma ideia, além de todas as controladas, ela tinha também 178 Sociedades de Propósito Específico. Para cada novo negócio que o governo decidia que a Eletrobras iria entrar, criava-se uma SPE, que tinha que ter uma estrutura administrativa. A nova gestão decidiu vender 77, ao valor de R$ 4,6 bi. Outras foram encerradas e algumas incorporadas ao negócio porque não havia razão para não fazerem parte da estrutura. Com o plano de aposentadoria incentivada, a companhia reduziu em 2.100 o número de funcionários, e diminuiu em R$ 900 milhões o custo. Além disso, restringiu níveis administrativos, cortou 600 cargos de gerente, e eliminou 60% dos cargos de assessor. O plano de demissão incentivada deve despedir 2.300 funcionários até o ano que vem.

— Não faz sentido ter quatro níveis hierárquicos numa holding, ou ter 2.200 caras gerenciando 15.000. Parece muito cacique.

Tudo está sendo mexido na Eletrobras, que se prepara para a privatização. Mas esta palavra Wilson Ferreira não fala.

— Haverá uma democratização do capital, e com regras para evitar que haja concentração das ações, no modelo de grandes empresas do mundo.

Ferreira não acha um mau negócio a estatal ficar com as dívidas das seis distribuidoras que controla, e vendê-las por um preço mínimo. São as companhias do Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia, Alagoas e Piauí. A de Goiás já foi vendida.

— A Eletrobras perde muito dinheiro com essas distribuidoras. Nos últimos 10 anos foram R$ 20 bilhões. Só no ano passado foram R$ 6 bilhões de prejuízo. Ao vender, de largada, vamos reduzir em R$ 2,4 bilhões o custo de pessoal, material e serviços de terceiros.

A dívida de R$ 11 bilhões dessas companhias será transferida para a Eletrobras para tornar viável a venda das distribuidoras. Mas Wilson Ferreira diz que tudo já foi provisionado. A companhia tem apenas que usar o dinheiro, ou reverter a provisão. Por isso, ele acha que o impacto será “zero", e que o maior ganho é sair de um negócio que a estatal nunca dominou.

Para vender parte do capital da Eletrobras será preciso aprovar o projeto de lei no Congresso, e resistir à pressão dos grupos políticos em torno de cada uma das controladas. Mas, se conseguir, o maior ganho será proteger a companhia do enorme prejuízo que tem sido a persistente interferência dos políticos que sempre controlaram a estatal.

 

 


Míriam Leitão: No Rio é pior

O Rio é o estado onde tudo aconteceu da pior forma. A crise econômica é mais profunda e prolongada, o assalto aos cofres públicos foi mais violento e disseminado, a crise da Petrobras o atingiu mais fortemente do que a qualquer outro estado. A deterioração fiscal tem sido mais aguda, com a aflição interminável do servidor público e seus salários atrasados.

Ontem foi mais um dia histórico no Rio, com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, depois da decisão unânime dos desembargadores do TRF. Eles votaram pela prisão do deputado, do líder do governo Edson Albertassi e de Paulo Melo, outro parlamentar.

Há uma semana Albertassi estava com um pé no Tribunal de Contas do Estado, apesar de todas as dúvidas que pesavam sobre ele. Tanto tempo depois de iniciado o mais sério combate à corrupção no Brasil e no Rio, o governador Luiz Fernando Pezão se considerou no direito de o indicar para a vaga e demitir o procurador- geral Leonardo Espíndola, que se recusou a defender a nomeação. As instituições tiveram que travar uma luta, a começar da ação popular do PSOL, para evitar que o deputado fosse para o TCE. Ontem, Picciani, Albertassi e Melo foram detidos.

O PMDB é o maior partido do Estado e há anos governa o Rio. As dúvidas sobre o enriquecimento rápido de deputados estaduais é assunto antigo. A memorável reportagem “Os homens de bens da Alerj", que ganhou prêmios no Brasil e no exterior, foi publicada há 13 anos.

Houve um dia em que o Rio tinha, ao mesmo tempo, dois ex- governadores presos. Garotinho foi solto, mas o conselheiro que ele indicou para o TCE, Jonas Lopes, que havia virado um dos líderes do esquema de corrupção, se tornou o grande delator. Confessou seus crimes e contou o que acontecia no TCE. Cinco conselheiros foram presos. Tiveram o mesmo destino do ex-governador Sérgio Cabral e alguns ex- secretários, como Sérgio Côrtes.

Cabral foi condenado em três dos 16 processos a que responde a penas somadas de 72 anos de prisão. As descobertas de como ele se apropriava do dinheiro público são de embrulhar o estômago, com aquelas extravagantes compras de joias, ouro, mansões e viagens internacionais.

Tudo tem sido mais escancarado no Rio. Empresas que lavavam dinheiro do esquema recebiam — e ainda recebem — benefícios fiscais milionários. E não há um fim nesse sofrimento estadual. Há uma continuidade delitiva, tanto que foi a tentativa de nomear o conselheiro do TCE que precipitou a operação “Cadeia Velha".

A dimensão da crise do Rio precisa ser entendida pela cúpula do Judiciário. Empresários do setor de transportes envolvidos em desvios foram soltos por decisão do ministro Gilmar Mendes. Agora alguns voltam à prisão por novas denúncias. Inclusive, há o temor de que o precedente do caso do senador Aécio Neves seja invocado em sessão marcada para hoje na Assembleia, e os deputados sejam liberados pelos seus pares.

No Rio, os crimes foram constantes, sérios. Endêmicos. Não foram casos isolados. Por muito tempo ele foi saqueado. É preciso enfrentar a crise com a certeza de que estamos diante da necessidade de reconstrução. O estado não pode mais viver situações como a que acaba de acontecer: numa semana Albertassi estava com um pé no tribunal que julga as contas dos órgãos públicos, e na outra semana ele está preso. Até a semana passada Picciani era um dos maiores centros de poder do Rio, ontem estava na cadeia. No Rio, as investigações não são sobre fatos passados apenas, mas também sobre o presente. Um presente contínuo.

Não por outra razão, o Rio tem sofrido mais na crise econômica. É o único estado do Sudeste que continua perdendo empregos de carteira assinada este ano. Foram fechadas 81 mil vagas até setembro, enquanto São Paulo criou 111 mil. No desemprego geral, o Brasil está em 13% e o Rio, 15%. Nos anos anteriores à crise, o estado teve a enorme vantagem dos royalties do petróleo em tempo de preços em alta. Esses recursos foram mal geridos e hoje a crise fiscal é maior e mais difícil de tratar do que a da maioria dos estados brasileiros. A esperança é de que tudo o que tem acontecido ajude o estado a fazer a travessia para uma outra estrutura de poder no Executivo e Legislativo. O Rio precisa recomeçar.

 

 


Míriam Leitão: O preço do populismo

A Venezuela desce a ladeira há tantos anos que ninguém se surpreendeu pelo fato de três agências de risco terem declarado que o país está em default, e o Brasil ter reclamado junto ao Clube de Paris por não estar recebendo do país vizinho. O populismo, seja de esquerda ou de direita, sempre termina em desastre, que aprisiona o país por anos, como ocorre na Venezuela.

O encontro com a verdade, que o populismo adia com discursos de ódio contra os supostos inimigos, algum dia chega. E na Venezuela tem estado presente há muitos anos, mas agora está num ponto de não retorno. Nesta quinta-feira, os credores reunidos na Isda, uma associação internacional de detentores de títulos, ainda conversarão com o governo, mas a tendência é a de se juntarem às agências Standard&Poors, Moody's e Fitch e também declararem que a Venezuela não paga dívidas. O acordo fechado ontem com a Rússia não ajuda muito. A dívida total do país é de US$ 150 bi, e a parte renegociada é de US$ 3,1 bi. Rosamnis Marcano, da consultoria venezuelana Econometrica, conta que a negociação pouco tem avançado. Os EUA determinaram que credores americanos não devem negociar sem a presença da Assembleia Nacional, controlada pela oposição e que, depois do plebiscito, perdeu poderes.

— É preciso mais que uma revisão da dívida. O normal nesses processos é o devedor apresentar um plano de ajuste que convença os credores sobre a capacidade de pagamento. Mas o governo não apresentou nada capaz de equilibrar as contas — diz.

Um dos pontos de desequilíbrio é o controle de câmbio. Empresas que têm boas relações com o governo conseguem o câmbio super artificial de 10 bolívares por um dólar; no paralelo, a cotação passa de 10.000. As reservas venezuelanas são mínimas, em torno de US$ 10 bi. No Brasil, são de US$ 380 bi.

Caso o default se torne oficial, os credores poderão requisitar as garantias. Isso atingiria em cheio a indústria petroleira, praticamente o único setor em que a Venezuela é competitiva. Os navios da estatal PDVSA em águas internacionais poderão ser tomados. A petroleira também é dona da Citgo, que detém refinarias nos EUA e teve metade das ações colocada em garantia aos empréstimos venezuelanos. A situação é dramática. O default atingiria em cheio a indústria que é responsável por mais de 90% das exportações do país.

A produção de petróleo, intensiva em investimento, já definha. Pelos dados da Opep, em outubro o país extraiu menos de 2 milhões de barris por dia. Há 28 anos a Venezuela não produzia tão pouco. A empresa de petróleo sempre foi ordenhada pelo chavismo e não tem conseguido investir em novos campos. Neste momento em que o petróleo sobe no mercado internacional, o país não é capaz de se aproveitar dos preços porque tem produzido cada vez menos. Até parte da produção futura já foi negociada em contratos de empréstimos, especialmente com os russos. Eles, inclusive, usam esses títulos para negociar com os EUA, driblando o embargo imposto desde o conflito na Ucrânia.

A maior atingida, claro, é a população. Com o petróleo trazendo cada vez menos dinheiro, a crise de abastecimento se agrava. A Venezuela produz pouco, importa até gasolina. A Econometrica divulga um índice de escassez da economia, que hoje está em 50%. A cada dois produtos, um está em falta. No caso dos produtos de higiene, como os desodorantes, a escassez é de 80%. A pior situação é nos medicamentos. Falta desde amoxicilina, para inflamações de garganta, a remédios para o tratamento da Aids, passando pela insulina. Rosamnis conta que na terça-feira havia uma fila de um quarteirão no caminho do seu trabalho. No mercado, havia chegado farinha de milho, também escassa, que os venezuelanos usam para fabricar a arepa, onipresente na dieta local.

Essa mesma farinha eu vi sendo negociada em comércio paralelo no canto de um corredor do Palácio Miraflores, em 2003, quando fui entrevistar Hugo Chávez. O desabastecimento é crônico. O caso da Venezuela tem inúmeras lições sobre o que se deve evitar em qualquer país. Políticas públicas, sejam quais forem, se não tiverem uma base de sustentação fiscal acabam desmontando a economia. O país vive há anos um quadro de recessão, inflação e crise cambial. Foi levado a isso pelo populismo chavista. O longo retrocesso da Venezuela mostra o que não fazer com a economia e a democracia.

 


Míriam Leitão: Efeito colateral

 

Toda reforma ministerial mais divide que agrega. O governante começa a mudança dizendo que quer aumentar a unidade da coalizão, mas acaba provocando novas resistências. Em cada cargo preenchido há uma pessoa satisfeita e muitas outras preteridas, um grupo atendido e vários contrariados. Mudança no Ministério agora pode reduzir a chance de aprovação da reforma da Previdência e não o contrário.

Se o presidente Temer pensa em fazer uma reforma ministerial para aumentar o apoio à reforma da Previdência, corre o risco de derrota, mesmo com uma proposta que foi emagrecida para ser aceita. Dos ministérios que estavam com o PSDB, o que atiçava mais a cobiça dos políticos era exatamente o que acaba de ficar vago com a saída de Bruno Araújo. O Ministério das Cidades tem recursos e toca projetos nos estados e nos municípios. Por isso, em época pré-eleitoral, é olhado com interesse porque pode alavancar candidaturas. O PP lançou num primeiro momento o nome de Gilberto Occhi, da Caixa. Se ele for aceito pelo presidente Temer, voltará ao cargo que ocupava no governo Dilma. Mais uma ironia da política de hoje.

Há quem, dentro do Planalto, defenda a reforma ministerial com o argumento de que se ela vai mesmo ser inevitável em março, por que não fazer agora? Naquele mês, sairão os que tiverem que se desincompatibilizar para se candidatar. Mas, agora, nem todas as candidaturas estão colocadas e decididas. Este é o pior momento para enfraquecer grupos que estão almejando vagas nas chapas regionais no ano que vem.

É por essas leis não escritas da política que reformas ministeriais são anunciadas com antecedência, em todos os governos, e são sempre adiadas. Ou vão emagrecendo ao longo do tempo até terminarem muito menores do que inicialmente imaginadas. Há vários precedentes, em todos os governos, de reformas anunciadas como amplas e imediatas e que foram adiadas e reduzidas.

Na área econômica, a tese defendida é que o governo deve se esforçar ao máximo para aprovar a reforma da Previdência, mesmo após tanta desidratação da proposta original. Argumenta-se que, se a idade mínima for aprovada, haverá uma redução do fluxo de aposentadorias, ainda que a regra de transição seja tão suave. E isso terá um efeito também no caixa dos estados. Mobilizar os governadores, portanto, pode ser uma forma eficiente de aumentar a chance de aprovação.

A esta altura é difícil até mensurar o impacto de uma mudança nas regras de aposentadorias e pensões porque foram muitas as concessões. Mesmo assim, a proposta é defendida internamente como uma forma de começar a desarmar a bomba-relógio fiscal do país.

O governo Temer tem falado em fazer uma reforma ministerial para agradar ao centrão e fortalecer os mais fieis nas votações recentes das denúncias. Pode ser um tiro pela culatra. Se o PSDB sair do governo, serão abertas vagas para agradar aliados. Mas, de todos os Ministérios ocupados pelos tucanos, o que mais interessava aos partidos da base era exatamente o que ficou desocupado. O que significa que o ex-ministro Bruno Araújo acabou facilitando a vida do governo. Mas, como foi ato isolado, não resolveu a crise do PSDB.

O partido dos tucanos continua perdido no seu labirinto, aprofundando as divisões internas que podem, muito provavelmente, acabar em cisão. O PSDB entrou no governo com o argumento de que seria cobrado se não ajudasse a encontrar uma saída no meio da crise do impeachment, e que defenderia reformas necessárias para estabilizar a economia. Não teve os ministérios econômicos, desgastou-se, dividiu-se na hora de votar as denúncias e não consegue tomar a decisão de sair, nem de ficar. Este, é bom lembrar, foi o partido que, em sete eleições presidenciais do período democrático, venceu duas no primeiro turno e disputou o segundo turno em outras quatro. Tem pouco tempo para se reorganizar para as próximas e difíceis eleições presidenciais.

O presidente Temer deu duas declarações infelizes: que sozinho não faria a reforma da Previdência e que iniciaria a reforma ministerial para concluí-la em dezembro. Pareceu jogar a toalha no primeiro caso e, por isso, teve que voltar atrás. E, no segundo, deixou o governo em suspenso e as ambições aguçadas.

 

 


Míriam Leitão: Candidatos e mercado

Nem um transplante salva o pensamento econômico de Jair Bolsonaro, e as ideias de Lula variam conforme o ambiente. Mercado financeiro não ganha eleição e agradá-lo, ou não, faz efeitos apenas na oscilação dos ativos. Bancos costumam convidar candidatos para encontros e eles vão como se isso fosse relevante. Jair Bolsonaro foi perguntado sobre o que pensa da dívida pública. Respondeu que chamaria os credores para conversar. Essa resposta é tão sem noção que deixou os interlocutores mudos.

É preciso desconhecer coisa demais para dar uma resposta dessas. Todos os brasileiros que aplicam em títulos da dívida são credores. Todos os bancos, empresas, órgãos governamentais, não governamentais, cotistas de fundos, compradores de Tesouro Direto, investidores estrangeiros e locais, grandes e pequenos são credores da dívida pública. Imagina o governo fazendo a convocação geral a tão grande multidão para uma reunião de rediscussão da dívida. Seria a senha para uma corrida bancária de dimensões apocalípticas.

O fato foi contado por quem fala seriamente sobre eleição no mercado financeiro, e mostra o grau de incerteza de 2018. Não bastará um economista liberal fazer um transplante de ideias no candidato. Ter um economista que se disponha a representar um candidato não é o mesmo que ter um programa econômico. Em outro contato, perguntado sobre retomada de crescimento, o deputado fez um longo discurso sobre o nióbio. É importante, tem aplicações diversas, o Brasil tem reservas estratégicas, mas o elemento representa apenas 0,7% das exportações brasileiras. Enéas era grande defensor do nióbio. Com ele não se movimenta uma economia complexa como a brasileira.

O candidato da extrema-direita pode ser aceito por corretores desavisados, mas nenhum analista sério se deixa convencer apenas pelo fato de que agora ele tem ao lado dele um economista que está falando em privatização. Suas verdadeiras crenças na economia são mais bem definidas como o nacional-estatismo dos governos militares. Isso põe o deputado próximo ao pensamento de raiz do PT.

Lula não foi eleito porque agradou o mercado com a Carta aos Brasileiros, mas porque prometeu defender a estabilidade monetária que havia sido conquistada oito anos antes. O temor era da volta da inflação. Esse compromisso de Lula foi parte da estratégia para conquistar os votos da classe média. Ela sim ganha eleição.

É muito cedo para os cenários eleitorais, mas essa é certamente a disputa presidencial mais difícil da redemocratização pelo nível impressionante de incertezas. A grande questão que permanece aberta é a situação jurídica de Lula. A Justiça está diante de uma falha no Direito brasileiro: um réu não pode ser presidente, mas pode ser eleito presidente. Contradição insanável. Lula sabiamente tem executado a estratégia de fazer campanha com a ideia de quanto maior for sua chance eleitoral mais difícil será o dilema da Justiça Eleitoral e do STF em relação a ele. O pensamento de Lula na economia é mutante, como se sabe. Ele defendeu na campanha de 2002 algo diferente do que implementou e que é diferente do que está dizendo agora. Lula defenderá qualquer proposta que achar mais conveniente para seus propósitos eleitorais e certamente terá mais de um ideário durante a campanha.

Esse é o quadro das propostas econômicas dos candidatos que estão na frente na disputa eleitoral. Lula já governou o Brasil e sabe-se que ele tem opiniões mutantes sobre economia e tudo o mais. Neste começo de campanha tenta reconstituir a aliança com suas bases e por isso volta ao velho discurso. Já Bolsonaro tem um entendimento raso sobre o tema. A avaliação de que ele possa defender um pensamento liberal porque teve quatro aulas com um economista com essa crença só pode ser feita por quem tenha uma capacidade de análise igualmente superficial.

Estamos a um ano das eleições num país em que os cenários eleitorais são voláteis, e há inúmeros casos de candidatos que pareciam viáveis até que perderam o pleito ou deixaram de estar na disputa. É cedo ainda. O ideal seria que os candidatos e suas equipes não formatassem ideias artificiais para receber elogios do mercado financeiro. É preciso muito mais do que isso para tirar o país da crise e levá-lo a um ciclo de crescimento sustentado.