Míriam Leitão: Mistério e risco

Há uma velha máxima de que ministro da Fazenda só é popular se estiver fazendo alguma coisa errada. Portanto, quem ocupa esta pasta nem deveria querer a popularidade, porque isso certamente afetaria a tinta da sua caneta, com a qual ele toma decisões necessárias, mesmo que impopulares, e rejeita os muitos pedidos de vantagens com o dinheiro público.

Oministro Henrique Meirelles tem 75% de desaprovação e apenas 6% de aceitação, segundo o barômetro político Estadão/Ipsos. E pertence a um governo cuja aprovação se aproxima de zero. Sua candidatura pelo PSD, assumida claramente no programa partidário desta semana, e na entrevista que concederá na sede do partido hoje, é um mistério e um risco.

Mistério é em que se sustenta uma candidatura assim tão sem perspectivas? O que leva Meirelles a pensar que ele conseguirá vencer as barreiras praticamente intransponíveis da impopularidade do atual governo? Se ele fosse uma pessoa com carisma e capaz de inspirar empatia natural, mas entre os seus atributos não estão estes.

O risco é maior do que o mistério, porque o país está numa situação complexa. Tem um enorme déficit primário, o Orçamento de 2018 está sem bases porque não foram aprovadas as medidas de ajuste fiscal, que estão sendo barradas na Justiça, como a do adiamento do reajuste salarial do funcionalismo federal. Há uma reforma da Previdência que precisa ser defendida. E talvez seja preciso subir impostos. Um ministro da Fazenda com uma agenda de candidato poderá se equilibrar por mais de três meses nesse duplo papel? Como ministro, ele precisa ter rigor, dizer muito “não” aos lobbies, defender medidas amargas e rejeitar os pedidos dos seus colegas dos ministérios setoriais. Se ficar bem falado pelos colegas da Esplanada dos Ministérios estará fazendo algo errado, para atrair o apoio de eleitores terá que tomar decisões perigosas.

Ontem, o ministro disse que não está descartado o aumento de impostos. Isso provoca antipatia geral do público pagante de impostos porque a carga tributária já é alta. Quando fez essa declaração, talvez mirasse as agências de risco que estão ameaçando mais um rebaixamento do Brasil, pelo fato de não haver perspectivas de aprovação da reforma da Previdência, o que piora as projeções do déficit público e da dívida. Mas o que agrada à S&P ou à Moody's não tem capacidade de atrair votos numa disputa presidencial.

O ministro pode estar pensando no precedente criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que saiu do Ministério da Fazenda para uma candidatura bem sucedida. Mas FH fez a primeira campanha no meio da implantação do Plano Real e aquela conjuntura não pode ser reproduzida.

Meirelles quer capitalizar os avanços que este governo conseguiu na economia, ao tirar o país da recessão e da inflação de dois dígitos deixadas pela expresidente Dilma. Mas essas conquistas não levaram a um aumento significativo do bem-estar econômico, porque o clima ainda é recessivo, e o desemprego, alto demais. A cesta de Natal está mais barata, alimentos estão com preços menores, caíram os aluguéis, mas a população ainda tenta esticar o orçamento após um período de queda forte da renda e aumento do endividamento e do desemprego. O que foi conseguido pela atual política econômica, e por uma safra espetacular, não teve o mesmo efeito de mudança da água para o vinho que se conseguiu em 1994 com o Plano Real que derrubou a inflação. A taxa acumulada foi de 258% no primeiro semestre daquele ano eleitoral, e de 17% no segundo semestre. Na travessia de um para outro ambiente econômico, o eleitor foi às urnas.

Eu ouvi a frase que abre esta coluna do economista Mário Henrique Simonsen. E ele se referia à popularidade de Dilson Funaro, em 1986. Funaro era aplaudido nas ruas de todo o país, no auge do Plano Cruzado, que levou à maior vitória do PMDB no país. O tamanho do erro da Fazenda pôde ser medido na volta da hiperinflação. Agora o contexto é outro. Nada haverá que por um passe de mágica alavanque a candidatura do ministro da Fazenda. O risco é ele usar os próximos três meses para, com cabeça de candidato, tomar decisões populistas na cadeira onde deveria estar pensando em medidas que ajudassem à estabilização fiscal, mesmo que fossem impopulares.

 

 


Míriam Leitão: Aperto no cinto

O adiamento da reforma da Previdência e de outras medidas do ajuste fiscal vai levar o governo a apertar ainda mais o cinto em 2018. A aprovação da reforma traria uma economia em torno de R$ 5 bilhões no ano que vem, o mesmo valor estimado para o adiamento do reajuste dos servidores. Como o governo precisa cumprir o teto de gastos, isso quer dizer que R$ 10 bilhões de outras despesas terão que ser cortados.

A avaliação de uma fonte da equipe econômica é de que ainda há grande chance de aprovação da reforma em fevereiro. Apesar da volatilidade na bolsa e no câmbio, a visão é que o mercado financeiro segue dando um voto de confiança ao governo. A bolsa e o dólar caíram menos de 1%, e o risco-país ainda permanece muito abaixo dos piores momentos da crise (veja o gráfico).

Um dos argumentos usados pelo governo para tentar convencer a base aliada a aprovar a reforma é que o cenário de rejeição do texto será de enorme estresse na economia em pleno ano eleitoral. Ou seja, se aprovar a mudança nas aposentadorias pode ser impopular, um quadro de piora na recuperação também terá efeito adverso sobre as urnas. Muito além do impacto no mercado financeiro, o aumento do contingenciamento irá paralisar obras, adiar investimentos, e prejudicar o funcionamento de diversos órgãos que prestam serviços diretos à população, como a Receita e a Polícia Federal, que faz a emissão de passaportes.

— O ano eleitoral já não será de aumento de gastos públicos, como tradicionalmente acontece no Brasil. O Orçamento de 2018 prevê uma queda na despesa primária do governo, de 19,9% do PIB para 19,1%. Sem a aprovação da reforma da Previdência, haverá estresse forte, que vai afetar a recuperação da economia — afirmou.

Uma boa notícia é que os sinais são de recuperação da arrecadação neste segundo semestre. Se de janeiro a julho só não houve frustração de receitas em um único mês, desde agosto está acontecendo o contrário, com crescimento real em torno de 3% a 4% sobre o ano anterior, acima do esperado.

Mesmo assim, a preocupação continua grande entre especialistas em contas públicas. Fábio Klein, da Tendências Consultoria, teme que o governo não consiga cumprir a regra do teto no ano que vem, por causa do adiamento das medidas de ajuste. Se isso acontecer, o Orçamento de 2019 sofrerá uma série de restrições, que vão praticamente paralisar o início do novo governo eleito.

Voto de confiança
Apesar das incertezas, o risco-país não sofreu grandes oscilações. O CDS de cinco anos, espécie de seguro contra maus pagadores, estava ontem em 167,4 pontos, pouco acima do menor nível no ano, os 162 pontos registrados semana passada. Nos piores momentos de 2015, o CDS chegou a 533 pontos.

No meio do caminho
Um dos temores do economista Fábio Giambiagi, especialista em contas públicas, é que a reforma seja aprovada apenas em uma das duas Casas do Congresso no ano que vem. “O calendário é apertado para passar na Câmara e no Senado. Em fevereiro há carnaval, em março, haverá muita troca de partidos com a janela partidária e a reforma como está apresentada não vai resolver os problemas da Previdência. Então, em 2019, um novo governo eleito poderia apenas concluir esta votação, e o desequilíbrio continuaria”, explicou.

ACELERADO. Giambiagi diz que o número de mulheres que se aposentam por tempo de contribuição tem crescido 6% ao ano. Acha inevitável igualar as regras. “Em 1994, eram 300 mil. Hoje, há 1,8 milhão de mulheres aposentadas por contribuição”, disse.


Míriam Leitão: Lenta e gradual

O ano de 2017 terá mais crescimento e menos inflação do que se previa até recentemente, mas a recuperação continuará lenta e gradual. Isso ficou claro mais uma vez com a forte queda do comércio em outubro. As vendas voltaram ao nível de janeiro e estão 9,6% abaixo de outubro de 2014, maior ponto da série. Com o adiamento da reforma da Previdência, a economia terá mais dificuldade em ganhar tração.

A expectativa do mercado financeiro era de alta de 0,2% nas vendas em outubro, e o IBGE divulgou um forte recuo de 0,9% em relação a setembro. Com a pequena alta de 0,2% na indústria, o quarto trimestre começou sem demonstrar a força que se esperava. Ainda assim, nas últimas semanas as estimativas de crescimento do PIB subiram pelo Boletim Focus e a tendência é que encostem em 1% nas próximas divulgações.

A economia continua presa em várias travas. A principal delas é a crise fiscal. As projeções mostram que o governo continuará com déficit primário pelo menos até 2021. O governo não tem votos para aprovar a reforma da Previdência, mesmo tendo feito concessões que enfraqueceram o projeto. O senador Romero Jucá afirmou que a votação ficará mesmo para fevereiro do ano que vem, informação que já havia sido divulgada na coluna de ontem. Outro problema é a incerteza política, com candidatos que não defendem a agenda de reformas bem posicionados nas pesquisas eleitorais.

A inflação abaixo de 3% este ano, o piso da meta, fará o Banco Central escrever uma carta na qual terá que se justificar. A grande pergunta é se os juros poderiam ter sido cortados antes e mais rapidamente. O BC tem dito que houve um fato inesperado, um choque positivo, dado pela alta produção agrícola, que levou à deflação de alimentos. De fato, o grupo alimentos e bebidas registra queda nos preços de 2,4% de janeiro a novembro. A alimentação em domicílio ficou 5,25% mais barata. Muitos itens do dia a dia da mesa do brasileiro tiveram quedas de dois dígitos, como arroz, feijão, açúcar, mandioca entre vários outros produtos.

Para o ano que vem, o quadro deve ser outro. Na terça-feira, o IBGE divulgou a estimativa de safra de 2018, e a expectativa é de queda de 9,2%. Se a agropecuária em 2017 ajudou a derrubar a inflação e a impulsionar o PIB, deve ter efeito inverso no ano que vem. Segundo relatório anual do banco Credit Suisse, o PIB do setor deve cair 2,4% em 2018, e os preços dos alimentos devem subir 5%. Por isso, essa inflação abaixo do piso da meta não preocupa. O país não corre o risco de entrar em um longo período de deflação.

As projeções indicam uma aceleração gradual do crescimento no ano que vem, para a casa de 2,5%. Uma taxa ainda baixa, diante de tudo que se perdeu. Na visão do Credit Suisse, a economia vai crescer pelo consumo das famílias e pela volta dos investimentos. A redução dos juros irá destravar o crédito, que deve saltar 6,3%, depois de ficar estagnado este ano. O que chama atenção na análise do banco é que o olhar para 2019 é de nova desaceleração do PIB, para 2,3%.

A crise diminuiu o potencial de crescimento do país, e ainda não há garantia de aprovação das reformas.

 

 


Míriam Leitão: À espera da reforma

A reforma da Previdência ficará para o ano que vem. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) será lido em plenário nesta quinta-feira e discutido no início da próxima semana. A avaliação feita na Câmara é de que não há tempo nem apoio para aprovação. O governo acredita que ao voltar para suas bases os parlamentares encontrarão mais apoio à reforma e que isso pode elevar o número de votos favoráveis.

O Brasil precisa da reforma da Previdência. Todo partido no governo sabe disso. É por isso que todos propõem mudanças. O PT no poder aprovou uma reforma, na oposição faz proselitismo com o assunto para atender a grupos de interesse, trabalhadores de maiores salários e servidores públicos. O PSDB fez a primeira reforma, votou na do ex-presidente Lula, mas agora está dividido. Certas mudanças têm sido feitas a várias mãos por adversários políticos.

A proposta do governo Temer é uma tentativa de fazer valer e ampliar as reformas dos governos Lula e Dilma. Lula estabeleceu que servidor público federal que entrasse a partir de 2003 não teria paridade nem integralidade. Por trás desses nomes há absurdos que não existem no mundo, ou seja, o direito de o servidor se aposentar com o último salário e ter reajustes de acordo com quem está na ativa.

Lula acabou com isso e estabeleceu que o servidor também ganharia pelo teto do INSS e acima disso por um fundo. Mas houve dois problemas: primeiro, só estabeleceu a regra para servidores federais, e não para os de outras esferas administrativas. Segundo, o fundo de pensão dos servidores, proposto pela reforma lulista, não foi regulamentado e por isso não ficou valendo. A ex-presidente Dilma complementou a reforma de Lula e em 2013 criou o Funpresp. Foi por lei complementar, então tem sido contestado. O ex-presidente Lula também estabeleceu a idade mínima para funcionário público. O problema é que foi aprovada uma lei complementar que permitiu o desconto de um ano nessa idade mínima, a cada ano a mais trabalhado além dos 30 e 35 anos de contribuição. Na prática, os servidores têm se aposentado com idade abaixo da mínima.

A reforma do governo Temer, para os servidores, completa as mudanças de Lula e Dilma. Confirma o fim da paridade, integralidade, e a idade mínima, e a estende para os estados e municípios. Isso ajuda muito nos sistemas estaduais. As Forças Armadas, PMs e Bombeiros não entram na reforma. Professor tem idade mínima de 60 anos. No geral, o que faz a proposta de Temer é ampliar e confirmar o que havia sido decidido nos governos dos seus, hoje, arqui-inimigos.

No segundo mandato, a ex-presidente Dilma também tentou fazer mudanças no sistema de aposentadorias, quando propôs através da MP 664 reduzir o valor recebido pela viúva ou viúvo. Foi muito alterado no Congresso e foi usado como veículo para acabar com o fator previdenciário, que fora criado no governo tucano e, ao ser derrubado, contraditoriamente, teve o voto tucano. Na reforma de Temer esse assunto voltou. A proposta agora é que a pensão seja a metade do valor do benefício com o acréscimo de 10% do dependente. A reforma proíbe acumulação de pensão e aposentadoria que juntas somem mais do que dois salários mínimos. Esse valor cobre 65% dos aposentados do INSS.

Para os trabalhadores do setor privado, a reforma de Temer continua o que o governo Fernando Henrique tentou e não conseguiu: estabelecer a idade mínima. A de agora começa a valer em 2020, com 53 anos e 55 anos, e só chegará aos 62 e 65 dentro de 20 anos.

Outra mudança proposta é a do valor do que vai ser recebido por quem estiver se aposentando no regime geral. Antes era a média dos 80% dos salários, o que excluía os menores, do começo da vida profissional. Agora é média de 100% dos salários recebidos. Com 15 anos de contribuição, o benefício será 60% desse valor, e só se chega ao valor integral com 40 anos de contribuição.

A reforma foi reduzida mas ainda permanece importante para indicar a tendência das contas públicas. Quem hoje faz oposição à reforma, quando for governar o Brasil, fará proposta parecida. Os políticos de oposição sabem disso, mas têm preferido a incoerência com o que fizeram no passado, e a demagogia.

 


Míriam Leitão: A firmeza da esperança

A Petrobras recebeu, dias atras, mais uma parte do dinheiro que tem sido devolvido pela Lava-Jato. Um ato concreto que reforça a esperança de que o combate à corrupção nos leve a um país melhor. Dias antes, a Polícia Federal cometera uma desastrada ação na UFMG, numa investigação que repetiu alguns dos erros da operação na UFSC, que levou à morte do reitor Luiz Cancellier.

A Polícia Federal cometeu evidentes abusos e truculência ao executar a ordem de levar o reitor Jaime Ramirez e a vice-reitora Sandra Goulart para depor. A PF está investigando dúvidas sobre a obra do Memorial da Anistia Política. E por isso estendeu a operação a outras pessoas que estão dentro do projeto da pesquisa do acervo, além das obras físicas.

O Ministério Público foi contra o pedido de condução coercitiva, aprovando apenas a busca e apreensão de documentos. Mesmo assim, a juíza substituta Raquel Lima aprovou o pedido da Polícia Federal. A PF diz que a obra está paralisada e que gastou R$ 20 milhões. E ainda teria feito uma exposição irregular de documentos em outro lugar apenas para constar.

O fato é que a decisão, tomada na gestão anterior da direção da UFMG, foi de construir esse memorial aproveitando um antigo prédio da universidade, chamado de coleginho, porque abrigou o colégio de aplicação. A construtora JRN, contratada para fazer a obra, na qual constava também um prédio de dois andares, para a parte administrativa, cometeu um erro grave. Não avaliou se a fundação do coleginho suportava a obra. Quando colocou o novo telhado, as paredes começaram a ruir. A UFMG entrou na Justiça contra a construtora. Aí veio a mudança para o governo Temer, e o repasse dos recursos do Ministério da Justiça foram suspensos e, por isso, a obra está parada.

Nesse meio tempo, a pesquisa que havia sido contratada, de documentos para o acervo, que seria exposto no museu, já estava bem adiantada. A decisão foi montar a exposição temporária em outro lugar. A PF achou isso suspeito e disse que o Ministério da Justiça vetou a exposição temporária, mas dois representantes do Ministério estiveram na inauguração da mostra.

O nome que a Polícia Federal deu à operação é um acinte e um alerta. Parece apenas um detalhe, mas é revelador. A expressão “esperança equilibrista”, para batizar a operação, remete à música hino de uma geração na luta contra o arbítrio que se abateu por duas décadas sobre o Brasil e tem um tom inequívoco de fazer blague com questão séria. Aldir Blanc, um dos autores da música, repudiou seu uso indevido. O que quiseram dizer os policiais ao usar esse nome? Foi entendido pela Comissão da Verdade em Minas Gerais, que não está ligada ao que está sendo investigado, como um “evidente ataque de setores conservadores e autoritários contra a Universidade brasileira e tudo o que essas instituições representam para o Brasil".

O combate à corrupção está em momento decisivo. De um lado alimenta a esperança de enfrentamento de um problema que ameaça a própria democracia. Por outro lado, não pode ceder ao oportunismo de uma época em que há um fortalecimento do conservadorismo social e político do país. De um lado, tem sido atacada por poderosos que se sentem ameaçados por ela, por outro, pode perder o apoio da opinião pública se repetir erros como os que levaram à morte o reitor da UFSC.

Todos são iguais perante a lei, mas um Geddel é diferente de um Cancellier. É preciso entender isso. É legítimo que os órgãos de controle tenham dúvidas sobre o uso do dinheiro público e que as investiguem. Mas a maneira de atuar na apuração de crimes cometidos por pessoas sobre as quais pesam dúvidas sólidas e recorrentes, e que tenham poder de influir na própria investigação, é necessariamente diferente da apuração de dúvidas existentes em decisões de funcionário público sem qualquer histórico de comportamento indevido. O que houve em Belo Horizonte não é Lava-Jato. É uma investigação corriqueira que poderia ter sido feita de outra maneira. Escolhendo a truculência, a Polícia Federal começa a trilhar um caminho perigoso que pode quebrar a confiança em todo o delicado processo no qual o país se equilibra.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 


Míriam Leitão: Fora da hora e lugar

O governo está em plena temporada de fazer mais concessões e renúncias fiscais a grupos empresariais. Uma parte, com o pretexto de aprovar a reforma da Previdência, o que é uma contradição. Outra parte é renúncia fiscal fora de hora e lugar, como as que subsidiam petrolíferas ou a que pode renovar o programa de subsídio às montadoras. O governo quer gastar ou economizar?

A lista das despesas tem sido enorme. O Refis que virou um quase perdão de dívidas tributárias acabou sendo aprovado para que o presidente Temer escapasse da segunda denúncia. Agora, foi o parcelamento das dívidas dos empresários rurais com o Funrural, o Refis dos que não pagaram o Simples, um regime tributário já muito favorecido. As medidas juntas terão impacto maior do que o ganho que se terá se houver a aprovação da reforma da Previdência. É um contrassenso gastar tanto para se economizar.

Mas há nessa farra dos gastos do governo com os empresários muito mais do que a tentativa de comprar a aprovação da reforma. Tanto que estão sendo negociadas ou propostas mudanças no sistema de tributação das petrolíferas e das automobilísticas que não têm relação com o que está sendo votado. É apenas o atendimento dos velhos e conhecidos lobbies que rondam qualquer governo e que encontram mais respaldo em alguns deles.

É o caso do Rota 2030. O programa é para substituir o Inovar Auto do governo Dilma que foi condenado pela Organização Mundial do Comércio. Agora foi refeito para que o incentivo dure até 2030. O argumento dos empresários em defesa do subsídio que custa R$ 1,5 bi é que eles precisam se ressarcir dos investimentos em pesquisa. Antes de tudo é preciso saber que pesquisas são essas, porque a última novidade que foi desenvolvida no Brasil foi o carro flex e isso faz muito tempo. A chamada MP do Bem já continha o incentivo à pesquisa e desenvolvimento. O país tem barreiras à entrada do carro importado e além disso dá anualmente recursos públicos para as montadoras. Isso nunca fez sentido e menos sentido faz agora em que o país está em dificuldades fiscais e a tecnologia do carro está transitando do motor à combustão para o veículo elétrico.

O desconto de impostos para que as empresas invistam em pesquisa pode terminar com o contribuinte ludibriado e em mais uma anistia governamental, como está acontecendo agora com o setor de eletroeletrônicos. E pior: essa indústria recebe muita dedução na Zona Franca de Manaus.

No setor de petróleo há um mistério. O governo enviou a MP 795 que dá isenção na produção e importação de máquinas e equipamentos para a exploração de petróleo nos campos do pré-sal até 2040. É o Repetro, feito no governo Dilma mas que expiraria em 2019. Agora está sendo postergado por mais 20 anos. A Consultoria Legislativa da Câmara soltou um estudo do consultor Paulo César Ribeiro Lima falando que essas renúncias fiscais poderiam passar de R$ 1 trilhão.

“Nos vários campos do pré-sal, a redução de receita tributária de IRPJ e CSLL poderia ser superior a R$ 1 trilhão”, diz o texto.

Pouco tempo depois, o número foi contestado pelos consultores Francisco José Rocha de Souza e Cesar Costa Alves de Mattos, também da Consultoria da Câmara, que afirmaram haver “dois grandes equívocos” no estudo de Paulo Lima.

“Os cálculos apresentados no estudo técnico em avaliação que apontaram perda tributária de R$ 1 trilhão com a aprovação da Medida Provisória nº 795, de 2017, estão incorretos.”

A Receita Federal afirmou à coluna que não comenta projetos em tramitação. Só faz as contas quando eles são aprovados, porque podem sofrer alterações antes das votações. Deveria fazer, porque isso ajudaria o debate. O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), relator do projeto na Câmara, disse que o texto recebeu parecer favorável da Receita — em nota conjunta com o Ministério da Fazenda — e que não há renúncias fiscais à indústria de petróleo:

— Pelo contrário, o projeto vai atrair investimentos na área e aumentar a arrecadação do governo.

A divergência vai do zero ao trilhão. A questão é como aprovar renúncia fiscal quando falta dinheiro nos cofres públicos e ainda beneficiar a indústria de energia de origem fóssil. A soma de tantos benefícios aumenta o descontrole fiscal em momento de penúria.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 


Míriam Leitão: A busca dos juros baixos

Foi longa a luta do país por juros mais baixos. Em 11 de maio de 1988, a Constituinte aprovou uma lei que deixou a esquerda entusiasmada e o sistema financeiro apavorado: os juros reais foram limitados a 12%. Ontem a Selic caiu para 7%. Na véspera do Plano Real, superou 15.000%. O Banco Central tem criticado há anos a diferença entre a Selic e a TJLP e agora elas estão juntas pela primeira vez em sua longa relação de distanciamento.

Na busca por juros mais baixos, ontem foi um dia importante. A outra forma que se tentou na Constituinte não daria certo. O objetivo era bom, mas o caminho estava errado, tanto que nunca entrou em vigor. Não é assim que se resolve o problema, ainda mais naquele 1988 em que a inflação anual foi de 980%.

A grande questão agora é quanto tempo a Selic permanecerá neste patamar baixo? O comunicado do Copom de ontem teve um tom surpreendente. Alguns analistas achavam que o BC não seria claro sobre o próximo movimento porque a nova reunião acontecerá apenas daqui a 60 dias. Mas ele indicou que a redução pode continuar, ainda que em intensidade menor. “O comitê vê como adequada uma nova redução moderada na magnitude da flexibilização monetária.” O entendimento geral foi de outro corte, no começo de fevereiro, de 0,25 ponto percentual, o que levaria a taxa a 6,75%.

Uma Selic em patamar historicamente baixo, do ponto de vista nominal, poderá atravessar um ano de instabilidade política e de oscilação nos ativos que será 2018? A resposta é sim. A situação cambial está confortável, as reservas são altas, e isso dá munição ao Banco Central para enfrentar picos de incerteza. Mas tudo ficaria mais fácil se a reforma da Previdência fosse aprovada. A reforma não é panaceia, mas concretamente a dívida pública subiu muito e, com a reforma, o cálculo do aumento futuro da dívida passa a ser mais favorável. Quem vive de comprar e vender títulos dessa dívida precisa saber se ela terá uma trajetória segura ou não.

O fato de a Selic e a TJLP serem iguais reduz uma outra fonte de gastos que no ano passado foi de R$ 29 bilhões, pelos cálculos do secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto de Almeida, no “Valor” de ontem. O BC sempre criticou essa diferença de taxa de juros porque isso faz com que a ação da política monetária tenha efeito apenas numa parte do crédito.

Os juros precisam ser mais baixos no Brasil de forma permanente. A taxa alta é uma distorção que ficou do período inflacionário e aumenta os gastos do governo. Mas só pode cair quando as condições permitem e não por determinação legal ou vontade de um governante. A última vez que a Selic ficou em 7,25% era artificial, porque a inflação estava subindo. Caiu para atender a então presidente Dilma. Mas logo depois teve que voltar a subir.

Outra questão importante neste momento é saber como vão se comportar os bancos com suas taxas. Essa queda chegará à ponta final, de quem vai pegar empréstimos para as empresas ou para as pessoas? A Selic foi reduzida a menos da metade, de 14,25% para 7%, e a redução dos juros bancários foi proporcionalmente menor. Para as pessoas físicas, os juros médios do crédito livre, sem subsídios do governo, caíram de 74% para 59% em um ano. Já para as empresas, a redução foi de 29% para 23%.

Os bancos alegam que o spread é alto porque os custos no país são mais elevados do que em outros países, seja com inadimplência, impostos e operação. E além disso o recolhimento compulsório é muito alto. De fato, isso tudo pressiona as taxas, mas os juros seriam menores se a concentração bancária não estivesse recorde, com 70% de todos os ativos nas mãos dos quatro maiores no país.

O Brasil viveu tempos de loucura econômica como revela a série histórica das taxas de juros. Antes da estabilização, a forma de calcular era diferente e não havia a Selic como nós a entendemos hoje. Era uma taxa diária anualizada. Mas, no dia anterior ao Plano Real, o que os dados mostram é que os juros foram de 15.405%. Ontem, eles chegaram a 7% e isso deixaria feliz o constituinte Fernando Gasparian, autor da proposta dos juros reais limitados a 12%. Porém para uma economia tentando sair de uma recessão de três anos, e com inflação de 2,7% nos últimos doze meses, 7% ainda é uma taxa alta.

 


Míriam Leitão: O começo da volta

A economia está se recuperando. Há indicadores positivos mostrando que o país saiu do fundo do poço, mas há ainda um grande caminho a andar até chegar ao ponto do qual o país caiu na recessão. A produção industrial em outubro ficou 5,3% maior do que a de outubro do ano passado, mas ainda esta 17% abaixo do melhor momento, em 2013. A queda já chegou a ser de 21%. O caminho de volta só está começando.

Nada será como em outras recuperações. A volta será trilhada passo a passo e no meio do caminho haverá não apenas uma, mas várias pedras. Esta recessão não foi provocada por uma crise externa, foi feita aqui mesmo. Quando começou, o país já estava em desordem fiscal e ela se aprofundou pela queda forte da arrecadação. A dívida bruta subiu 20 pontos percentuais do PIB, desde o começo do governo Dilma. O cenário político é confuso, o governo não inspira confiança. Tudo isso é fator desestabilizador que dificulta o crescimento. Mesmo assim, há dados mostrando que a recuperação já começou.

No final de 2016, a economia estava 9,2% menor do que no final de 2014. Com os três trimestres consecutivos de alta este ano, ela está 5,8% menor, na mesma comparação. Ou seja, ainda não é o que era, mas está reduzindo o PIB perdido. O consumo das famílias está em queda de 6,6%, e os investimentos, apesar de terem voltado a crescer, estão 22% menores.

No mercado de trabalho, a situação é mais preocupante. O Brasil chegou a ter apenas 6 milhões de desempregados em 2013, mas viu o número disparar para 14,1 milhões no pior momento deste ano, em março. Em outubro, havia diminuído para 12,7 milhões. Mesmo assim, ainda é muita alta a quantidade de brasileiros procurando empregos sem encontrar.

O mercado financeiro vem revisando para cima as projeções para o PIB deste ano e do ano que vem. O chefe de economia e estratégia do Bank of America no Brasil, David Beker, passou de 0,6% para 1% a estimativa para 2017 e prevê alta de 3% em 2018, puxada pelo consumo. Mas ele define a recuperação como gradual e diz que há vários fatores impedindo uma retomada mais forte.

— Esta não é uma recuperação como as outras. Temos uma crise fiscal ainda não solucionada, com endividamento crescente do governo, desemprego alto, e muitas empresas também endividadas. Além disso, o Brasil perdeu produtividade. Nossa capacidade de crescer hoje é menor — explicou.

Ontem, o Bank of America lançou um relatório anual com perspectivas para a economia mundial em 2018. De um lado, a expectativa é de mais um ano de forte crescimento, o que ajudará o Brasil. Mas, por outro, o banco espera condições financeiras mais apertadas, com aumento de juros nos Estados Unidos e diminuição dos estímulos monetários na Europa. Com isso, os mercados emergentes, e principalmente os países com risco fiscal, como o Brasil, poderão ter mais dificuldades para atrair investimentos.

— A reforma tributária de Trump vai pressionar os gastos do governo americano. Com isso, o Banco Central dos EUA pode ter que elevar mais os juros do que o mercado previa. Isso afetará os emergentes — disse.

Uma das mudanças favoráveis do quadro brasileiro é o ajuste externo. O país chegou a ter um déficit em conta-corrente de 4% do PIB e hoje é de 0,4%. O Banco Central tem alto volume de reservas e o Investimento Estrangeiro Direto continua forte. Por isso as oscilações externas poderão ser enfrentadas. O Bank of America acredita que o Banco Central poderá manter os juros baixos durante todo o ano que vem. A expectativa dos economistas para hoje é que o Copom reduzirá a Selic para 7%, a menor taxa da série histórica. Dependendo do comunicado, o Banco Central poderá indicar novas quedas, para a casa de 6% no ano que vem.

— O Brasil poderá ter juros menores do que os do México, que está com a taxa em 7%. Isso vai ajudar na recuperação — explicou Beker.

A percepção da população é diferente da visão do mercado financeiro e do que dizem os índices. Apesar da melhora nos indicadores, a sensação de crise permanece porque o país melhorou mas está distante ainda do ponto em que estava. Quando um indicador sobe, como a produção industrial de outubro, divulgada ontem, consegue apenas reduzir a dimensão da queda.

 

 


Míriam Leitão: Volatilidade política

A dez meses das eleições, há tempo para muita mudança no quadro eleitoral porque os processos eleitorais brasileiros são voláteis. Ciro Gomes, Garotinho, Roseana, nas disputas presidenciais, Celso Russomanno e Francisco Rossi, em São Paulo, conheceram esses movimentos que os levaram a ter altos índices de preferência em ondas que quebraram antes. Lula e Bolsonaro são eventos de natureza diferente.

Lula conhece a volatilidade da intenção de votos, nas duas eleições que perdeu para Fernando Henrique. Agora, o que o mantém na liderança é o recall e a campanha que tem feito com sua experiência e a estratégia de fugir da Justiça. Quando ele deixou o governo, o país estava crescendo 7,5% e a inflação era baixa. A recessão foi provocada pelo governo Dilma, mas Lula pode dizer que nos seus oito anos as famílias estavam usufruindo do aumento da renda e do consumo. Principalmente no Nordeste, endereço de 27% do eleitorado brasileiro. Ao mesmo tempo, Lula segue a estratégia de se fortalecer nas intenções de voto para acuar a Justiça. O Judiciário terá coragem de vetar o candidato que estiver na preferência do eleitorado?

Jair Bolsonaro é outro em campanha intensa e isso explica em parte sua pontuação nas pesquisas. Ele tenta usar o sentimento anticorrupção e tem sido beneficiado pelo pensamento de direita extremada que sempre existiu no Brasil, mas que agora se sente liberado para se assumir. Sua tentativa de se apresentar como um candidato liberal na economia não tem qualquer correlação com tudo o que ele disse e votou ao longo da sua vida pública. Ele sempre seguiu às cegas o que foi feito pelo governo militar na área econômica. Às cegas porque Bolsonaro é incapaz de aprofundar qualquer pensamento econômico. Agora, socorrido por economistas liberais, tenta justificar frases como a ameaça de fuzilar Fernando Henrique pelo programa de privatização. Ao contrário do que supõe seu novo guru, Paulo Guedes, a ordem não vai se encontrar com o progresso na campanha de Bolsonaro. E isso porque a ordem autoritária nunca foi capaz de encontrar o progresso no Brasil. Os principais avanços ocorreram na democracia.

Lula pode estar com o nome na urna. Ou não. Se não estiver, será um grande influenciador. A capacidade de transferência de votos é um dos maiores mistérios da política. Lula conseguiu transferir para Dilma, mas jamais elegeu alguém para o governo de São Paulo. Quem atrair os eleitores de São Paulo tem uma grande alavanca, porque o estado representa 22% do eleitorado brasileiro. Lula terá chances — na hipótese de se livrar da Justiça — se conseguir atrair de novo a classe média e por isso está tentando com uma nova Carta ao Povo Brasileiro. Provavelmente uma parte da classe média ele perdeu definitivamente.

O PSDB, que pode ter boa votação em São Paulo na hipótese da candidatura Alckmin, tem uma infinidade de contradições e fraturas a superar. O partido está em frangalhos, o discurso anticorrupção é difícil após o caso Aécio Neves e a maneira como o partido se portou diante dele. Além disso, sua identidade, como partido da modernização econômica, se perdeu em parte nas contradições da atividade parlamentar.

Marina tem as dificuldades de tempo de TV e de clareza do discurso. Em várias votações a Rede atuou como linha auxiliar do PT. O discurso que Marina sustentou em outras eleições foi o de consolidar ganhos de governos do PSDB e do PT para garantir novos avanços. Isso bate de frente com o histórico de escolhas dos seus poucos parlamentares.

O governo acha que pode ter um candidato porque aposta no cenário de melhora da economia no ano que vem. A economia deve melhorar sim, mas não a ponto de produzir um conforto tal que influencie a massa dos votantes a favor de um governo altamente impopular. O ministro Henrique Meirelles se posiciona para ser esse candidato. O mais importante é que ele tome o cuidado de não usar a força da cadeira na qual está sentado para favorecer esse projeto, porque isso seria irregular e comprometeria o pouco de ajuste fiscal que está propondo.

A eleição ainda está longe, todos os candidatos têm problemas, há parcelas grandes do eleitorado sem preferência, as pesquisas captam apenas as intenções. E elas são voláteis.

 


Míriam Leitão: Conflitos do Brasil

Exposição revela a memória dos conflitos da República. Deixe do lado de fora do Instituto Moreira Salles, no Rio, qualquer ideia que você tenha sobre o Brasil ser um país pacífico, sem guerras, e prepare-se para ver a história em fotos e ângulos inesperados. Em Ponta Grossa, em abril de 1894, o cabo Sebastião Juvêncio, ao lado de superiores, faz pose para o fotógrafo Affonso de Oliveira Melo, minutos antes de degolar um rebelde.

Era a Revolução Federalista, no Sul do Brasil, uma guerra civil que deixou dez mil mortos, mil deles degolados. A Kodak havia acabado de chegar ao Brasil, e “as partes em luta contratavam estúdios fotográficos para retratar líderes, tropas, acampamentos e vitórias", diz o texto da curadora Heloisa Espada. Algumas fotos são de arquivos públicos, outras são de coleções pessoais, e houve um esforço de procura de documentos inéditos.

A exposição conta com imagens a História do Brasil através dos seus conflitos, do início da República até 1964. Trata do golpe, mas não da ditadura militar, porque aí seria uma outra história, explica Heloisa Starling. Ela e Angela de Castro Gomes são as organizadoras. A exposição exibe imagens de uma sequência impressionante de revoltas, motins, guerras sangrentas ao longo de 75 anos da República, dissolvendo a ideia de que o Brasil resolveu desavenças apenas na negociação.

A maioria das fotos expostas é de fotógrafo desconhecido, mas algumas têm autoria. Marc Ferrez e Juan Gutierrez registram a Revolta da Armada, no Rio. Anos depois, em 1923, os gaúchos se envolvem em nova peleja. Marcante a foto feita por fotógrafo desconhecido do general Zeca Netto andando entre o povo com seu chapéu, durante a ocupação em Pelotas. Neste e em outros conflitos, os brasileiros com sombreiros se parecem com mexicanos.

A guerra do Contestado, de 1912 a 1916, na região de Paraná e Santa Catarina, deixou dez mil mortos. Os registros são do fotógrafo Claro Jansson contratado pela Southern Brazil Lumber & Colonization, empresa que recebera do governo terras das quais os posseiros foram deslocados, iniciando a revolta.

A foto de dois jovens numa sala em meio a escombros, imagens de fábricas destruídas por bombardeio aéreo. É São Paulo em 1924, na Revolta Tenentista. As tropas do governo com 18 mil homens bombardearam a cidade para reagir ao governo provisório que havia sido instalado pelos rebeldes. Em 1932, na Revolução Constitucionalista, chamada de guerra civil na exposição, há uma foto de paulistas, derrotados, presos e amontoados em vagões de gado. Na frente do trem, tropas do Exército e em cima do vagão a figura solitária de um homem com capa e quepe.

A espessa fumaça que sobe do 3º Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro, na Insurreição Comunista de 1935; as fotos e filmes que Benjamin Abrahão fez em 1936 de Lampião e seu grupo; a praia do Flamengo tomada pelo povo, e a fúria popular após a morte de Getúlio, 1954; o corpo do capitão Cazuza, morto em Jacareacanga, em 1956. Há uma sucessão de ângulos não vistos e mal-entendidos da História do Brasil. Tantos que espantam um jovem que trabalha como segurança na mostra. Ele me disse que está na expectativa de seguir uma visita guiada. Quer aprender mais sobre esse Brasil.

As fotos de Flávio de Barros da Guerra de Canudos, de 1896 a 1897, são projetadas na parede, como fez o autor ao voltar de lá e passar a ganhar a vida no Rio com essas imagens. Ele exibia as fotos, com uma tecnologia anterior ao cinema, a da lanterna mágica. Pagava-se para ver as fotos de Antônio Conselheiro e seus seguidores, ou do Exército que o derrotou, no conflito em que morreram, nos sertões, 20 mil brasileiros. Em uma das cenas se pode ver o corpo de uma criança entre escombros.

Uma voz descreve cenas de tortura. É Gregório Bezerra, líder comunista, contando seu sofrimento na prisão em 1964. Ele fora professor na escola militar e no seu depoimento descreve um primeiro sentimento: “a atitude da oficialidade do CPOR, dos alunos e a dos soldados me encorajaram”. Achou que, na visão desses militares, o que acontecia com ele “manchava a tradição do Exército Nacional". Gregório Bezerra foi torturado e arrastado pelas ruas de Recife com uma corda no pescoço. Era o início de um novo ciclo de violências.

 

 


Míriam Leitão: Necessidade imediata

Atuação do governo e do Congresso ameaça sabotar a recuperação. O desemprego, depois de atingir o pico de 13,7%, vem caindo e estava, ao fim de outubro, em 12,2%. A massa de rendimentos no começo do 2016 registrava queda de 4%, agora está em alta de 4,2%. O mercado de trabalho começa a se recuperar da destruição em massa de postos de trabalho iniciada em dezembro de 2014. Mas o Brasil faz o errado de imediato e posterga o certo, e isso enfraquece a recuperação.

É certo incluir mais 18 mil pessoas dentro do inchado serviço público federal? Pois, uma proposta de emenda constitucional acaba de ser aprovada na Câmara para que servidores de Roraima e Amapá, que entraram nos serviços dos ex-territórios entre 1988 e 1993, passem a ser servidores da União. O autor da proposta é o senador por Roraima, Romero Jucá. O mesmo que fala em necessidade de ajuste fiscal em nome do governo Temer. E ele apresentou essa PEC por que? Interesse eleitoral e demagogia. Esse não é o momento de aumentar o número de servidores. Da mesma forma que, em maio de 2016, com o desemprego aumentando em avalanche no setor privado, não era hora de aprovar aumentos salariais para funcionários públicos até 2019. Agora, o governo tenta adiar o reajuste do ano que vem, mas o Congresso não se move para votar.

O mercado de trabalho vai se ajustando aos poucos. A economia dá sinais discretos de recuperação. Talvez o PIB do terceiro trimestre traga a boa notícia de ter sido positivo — calcula-se algo em torno de 0,3% — e com o sinal bom de alta no investimento. É o que se prevê sobre o dado, que sai hoje. Olhando os números do mercado de trabalho, o que se vê é que a máquina de destruir emprego, ligada pela recessão iniciada no governo Dilma Rousseff, começa a reduzir seu apetite.

Há 586 mil desempregados a menos do que no final de julho e 868 mil pessoas a mais com emprego. A maioria aceitou uma ocupação informal ou criou seu próprio trabalho. Os dados comparados com o trimestre anterior (maio-junhojulho) mostraram melhora, mas em relação ao mesmo trimestre do ano passado, houve piora. Ainda assim, o economista José Márcio Camargo acha que o quadro já inspira alguma confiança. Ele acredita que o país está perto de uma virada nessa comparação anual. No começo do ano, a diferença em relação à taxa do início de 2016 era de 3,1 pontos percentuais; agora é de 0,4. Ele acha que o país terminará 2017 melhor do que no fim do ano passado, com o desemprego em 11,5%. Quando a taxa começou a subir no início do segundo mandato de Dilma, José Márcio previu que chegaria a 13%. Parecia exagero. E chegou a 13,7%.

O pior passou no mercado de trabalho, mas o desemprego ainda é muito alto. Portanto, a taxa de criação de emprego tem que ser acelerada para dar algum conforto às famílias. Mas isso não acontecerá com o Congresso se recusando a aprovar medidas de ajuste, fechando os olhos para a urgência de uma reforma no sistema de aposentadorias e pensões. O governo está em contradição sistemática, como nesse episódio da entrada de 18 mil funcionários a mais na folha da União. E o que disse a equipe econômica? Nada. E o que fez o Planalto para impedir a aprovação desse aumento de gastos? Nada. O governo parece dizer: ajuste, ajuste, minha clientela à parte.

O IBGE tem divulgado dados impressionantes da realidade brasileira. O país precisa urgentemente aumentar o esforço para tirar do trabalho infantil quase um milhão de menores em situação irregular, por não serem registrados ou por terem entre 5 e 13 anos. Trinta mil dessas crianças têm entre cinco e nove anos. O Brasil é desigual, extremamente, mais do que as lentes do instituto captam porque o que está sendo medida é a desigualdade na renda do trabalho. A população de 60 anos ou mais cresce em ritmo acelerado, como também mostra o IBGE; de 2012 para 2016 aumentou 16%.

Diante da necessidade urgente de proteger as crianças e preparar a Previdência para a elevação da idade da população, o que é feito? Desidrata-se a proposta de reforma que estabelece a idade mínima para se aposentar em 53 anos e 55 anos agora e que só em vinte anos chegará aos níveis em que já estão México e Chile, de 62 e 65 anos. E a reforma pode nem ser votada. Este governo, com suas contradições e seu labirinto, vai acabar em 12 meses e 30 dias. O Brasil permanecerá com suas urgências imediatas, pedindo que o país seja capaz de tomar as decisões certas. Antes que seja tarde.

 


Míriam Leitão: O trampolim

O governo Temer está desfazendo o que ele mesmo havia feito no BNDES. Avanços, como os que aconteceram na área ambiental, estão sendo revogados. O presidente do banco, Paulo Rabello de Castro, é pré-candidato à presidência, lançado pelo Partido Social Cristão, e está se utilizando da estrutura para viagens em que exibe um tom político. Este tipo de uso do banco é inédito.

Na semana passada, Paulo Rabello pediu para ser gravado em comunicado “aos benedenses”, diretamente do Amapá, reabrindo superintendências regionais que haviam sido fechadas pelo próprio governo Temer. Estava abraçado a um senador. As críticas ao BNDES sempre foram sobre a dimensão dos subsídios, os critérios de escolha dos beneficiários, a transparência dos empréstimos. Ser usado como trampolim por um declarado candidato é uma novidade. Neste ponto pode-se dizer que o governo Temer conseguiu mesmo inovar.

O BNDES, por ser um banco de desenvolvimento e gestor do Fundo Amazônia, sempre foi criticado por não ter políticas mais claras de preferência por atividades de menor emissão de gases de efeito estufa. Isso começou a ser corrigido na época da então presidente Maria Silvia, mas acerto no Brasil dura pouco.

O banco havia decidido que as atividades mais sustentáveis teriam um percentual maior de financiamento. Na área de energia, a preferência seria pelas novas renováveis. Assim, decidiu que nas hidrelétricas e térmicas só financiaria a metade do valor do investimento; em eólicas, 70%; e as usinas solares teriam 80%. Essa semana o BNDES anunciou que revogou essa regra de financiamento e agora todas as fontes passam a ter 80%. Isso iguala a térmica à solar. O papel de um banco de desenvolvimento é favorecer o novo e induzir políticas mais atualizadas. Uma fonte de alta emissão de gases de efeito estufa não pode ter o mesmo benefício daquela com baixa emissão. Para mostrar que o governo deixou de ter qualquer interesse em combate às emissões de gases de efeito estufa, será feito um leilão de térmica a carvão e o BNDES vai financiar em igualdade de condições com as demais fontes.

No começo do ano, o banco havia mudado a forma de atuar nos leilões de transmissão de energia. Fez uma oferta de financiamento a preços de mercado. O leilão foi um sucesso. Agora voltou atrás, e vai oferecer, de novo, os juros subsidiados.

Logo que assumiu, o governo Temer adotou algumas decisões certas na área econômica. Era um governo de duas caras. Escolheu uma boa equipe para o Ministério da Fazenda e Banco Central. Nomeou pessoas com reconhecida qualificação técnica para a Petrobras, Eletrobras e BNDES e deu aos gestores o direito de montar as diretorias sem indicações dos partidos da base. No Banco do Brasil nomeou um ex-funcionário, já testado também no setor privado. Na Caixa, fez uma escolha política. No núcleo político, o governo se cercou de pessoas que estavam envolvidas em suspeitas de corrupção. O resultado foi que a economia começou a melhorar. Petrobras e Eletrobras tiveram valorização de mercado e melhora dos seus indicadores de desempenho. O BNDES iniciou mudanças de organização interna e inovações nos critérios de atuação. Na área política, o governo passou a ser atingido por denúncias, como as que recaíram sobre Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, entre outros. Até que houve o estouro da crise do próprio Temer.

Com a saída da então presidente Maria Silvia, o novo presidente começou a desfazer as decisões tomadas. Ela havia fechado superintendências regionais, deixando só a de Brasília, porque eram foco de indicações políticas. O presidente-candidato criou sete superintendências regionais e disse que são “as primeiras". Na semana passada, ele gravou um vídeo em que aparece abraçado com um senador do Amapá.

— Levanta ela um pouquinho assim — diz Paulo Rabello, dirigindo quem estava gravando.

— Para pegar Fortaleza e a gente — explicou o senador Davi Alcolumbre, com quem estava abraçado e que o chama de “presidente Paulo".

— Senador Davi manda um recado para os nossos benedenses.

O tom político do vídeo é inequívoco. Se o governo Temer não se importa que o banco seja um trampolim, a Justiça Eleitoral deveria prestar atenção, a menos que queira que a eleição seja mesmo um vale-tudo.