Míriam Leitão: À moda Lula

A multidão gritava “não se entregue”, e o ex-presidente Lula diria logo depois que se entregaria. Mas apresentou o ato como se fosse um desafio. “Eu vou enfrentá-los olho no olho.” No discurso, ele radicalizou o tom, costurou a união da esquerda, garantiu inocência, e produziu uma coleção de frases que podem ser usadas na campanha. Lula fez parecer vitória a sua maior derrota.

Nos últimos dias, usou seu velho método de dar a impressão de que endurece, enquanto negocia; de que vence, quando está cedendo. Essa estratégia foi usada em todas as greves que comandou. Ontem, ele voltou ao discurso radical que abandonou ao governar para parecer com o Lula inicial.

O chão do Sindicato dos Metalúrgicos começou a tremer. Era o começo dos anos 1980 e os trabalhadores vibravam pela chegada de Lula. Ele já iniciara a ida para a política, mas estava ali, local do seu pertencimento, para dar apoio a uma greve liderada por Jair Meneguelli. Eu cobria o evento e tive noção, na força da sua chegada, de que aquele líder iria até onde quisesse.

Era fácil prever que ele poderia chegar ao Planalto. Difícil imaginá-lo no caminho para uma cela de Curitiba. Ele explorou politicamente cada minuto da exposição que teve. O tempo dado pelo juiz Sérgio Moro, como sinal de respeito ao cargo que ocupou, foi usado para criar um intenso ato político. Ao se entrincheirar, quis montar uma armadilha para os que o prenderiam. Se a Polícia Federal tivesse sido mais dura, geraria cenas fortes. Tudo serviria ao propósito de outro papel que ele sempre soube fazer: o de vítima.

O que há de fato contra Lula? Essa é a pergunta dos fiéis que o seguem e acreditam na inocência dele contra todas as evidências. As provas são contundentes. No seu governo foi montado um esquema de tirar dinheiro de estatais para as campanhas políticas e isso foi flagrado no Mensalão. A Ação Penal 470, julgada no Supremo Tribunal Federal, teve relatoria de um ministro que havia sido nomeado por ele. Ficaram evidentes as conexões entre marqueteiros, dirigentes do PT, partidos da base, banqueiros e fornecedores públicos. Foram expostos os métodos de entrega de dinheiro em quartos de hotel, em malas, em depósitos camuflados. Houve até o bizarro carregamento em cuecas. Muito se soube, mas ele deu respostas mutantes. Não sabia. Fora traído. Era uma armação das elites. Depois disso, veio o escândalo maior no qual ele está enredado, o que tem sido investigado pela Lava-Jato.

A mística de que ele é homem do povo em luta contra as elites engana os crentes, serve à propaganda e fere todos os fatos. Tudo o afasta desse papel, do preço do vinho com que comemorou a eleição, aos subsídios gordos entregues pelo seu governo aos grandes empresários. Alguns deles, como os Batista, os Odebrecht, tiveram um dinheiro imenso nos governos petistas e retribuíram, gratos, com as contribuições milionárias para as campanhas. Ao lado de tudo isso, Lula foi aceitando vantagens pessoais. Os casos estão distribuídos em várias ações, cada uma sendo julgada a um tempo, mas são um todo. O apartamento do Guarujá seria dado reformado, o sítio de Atibaia foi por muito tempo ponto de encontro da família, o apartamento ao lado do que mora em São Bernardo, a sede que seria comprada para o Instituto Lula. Foram muitos os casos, são várias as ações. Lula sempre deixou imprecisos os limites entre o público e o privado e nessa fronteira difusa ocorreram os eventos pelos quais ele responde.

Neste sábado ele mostrou o máximo da sua força, na mobilização de apoiadores em delírio, no discurso incandescente, no bloqueio humano muito conveniente impedindo a sua saída do sindicato. Parecia estar no auge, mas estava na véspera de um tempo difícil.

Nas entranhas do país que a Lava-Jato exibe, há provas contra outros partidos e governantes. Todos eles terão que enfrentar o mesmo duro momento que Lula vive agora, ou então não haverá justiça nem futuro nessa luta. A prisão de Lula é a mais forte evidência de que o país está firme no propósito de enfrentar a corrupção. Mas é um momento triste. De todos os líderes do país, ele foi o único capaz de fazer o chão tremer pelo entusiasmo da sua presença. O aperfeiçoamento da democracia nos trouxe a essa travessia, um tempo em que tudo parece estar tremendo nas instituições brasileiras.


Míriam Leitão: O dia mais longo

O ex-presidente Lula fez ontem um último e desesperado gesto para demonstrar força. Deixou passar o prazo e cercou-se de militantes, enquanto nos bastidores negociava com a PF. Cada minuto corria contra os dois lados. Para a Justiça, porque estava sendo desrespeitada, e para ele, porque enfrentou riscos de piorar sua situação. Mas duas coisas estão certas sobre Lula: ficou inelegível e vai para a prisão.

O juiz Sergio Moro decidiu aguardar a negociação, mas nas suas mãos estava a possibilidade de decretar a prisão preventiva por descumprimento de ordem judicial. O primeiro efeito disso seria Lula não ser mais alcançável por benefício, nem por uma hipotética mudança de entendimento do Supremo sobre execução da pena. Outro seria perder o que havia conseguido, como a cela especial. Moro preferiu esperar uma saída negociada pela PF. Tecnicamente, Lula evitou o pior, porque seus advogados procuraram a Polícia Federal antes do prazo final e assim conseguiu-se evitar a caracterização de foragido.

Contudo, um ministro do STF me disse que Moro tem que tomar “decisões drásticas” para não desmoralizar a Justiça, caso o ex-presidente continue desrespeitando a ordem. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal, que desde a manhã fizera o seu planejamento estratégico para a prisão, sabia que ir ao Sindicato dos Metalúrgicos seria cair numa armadilha e colocar terceiros em risco, por isso preferia negociar.

Lula está em situação pior do que parece. Essa é apenas a primeira das ações que responde. No fim de maio, começo de junho, o ex-presidente pode enfrentar nova condenação, desta vez no processo sobre a suposta propina da Odebrecht para a compra da sede do Instituto Lula e o uso do apartamento ao lado do dele, em São Bernardo. Serão ouvidos novamente, no dia 11, o empresário Marcelo Odebrecht e o executivo da empreiteira, Paulo Mello. Após a audiência, será aberto o prazo para as alegações finais. A sentença poderá sair em dois meses e ser dada até o fim de maio ou começo de junho, segundo fontes judiciais que acompanham o processo. Essa nova sentença não é a única que ronda o ex-presidente. Outros processos estão em andamento na Justiça de Brasília e no Paraná. A ação penal, na 13ª Vara, sobre o sítio de Atibaia, está em etapa muito inicial e as testemunhas da defesa ainda nem foram ouvidas.

O ex-presidente fez dessa longa espera de ontem o que ele sempre soube e gosta de fazer, transformar tudo em mobilização e comício. O simbolismo de esperar no Sindicato dos Metalúrgicos de onde saiu para a sua vida política, os apoiadores na rua, e os discursos que se sucediam são parte da natureza política do ex-presidente. Nada disso, no entanto, o salva da prisão.

O que levou o ex-presidente Lula à situação vivida ontem foi a soma de suas próprias escolhas. Suas relações com as empreiteiras, ao serem investigadas, geraram várias ações penais. Ao ser processado, ele optou por uma defesa inepta que confrontava o juiz Sergio Moro, como se ele fosse o inimigo. Isso foi desmontado quando a sentença de Moro foi confirmada no TRF-4. E, em seguida, a defesa não conseguiu reverte-la nos tribunais superiores.

Depois da fanfarra de ontem, virá a realidade: começará o amargo período do cárcere, que independentemente de ser em cela especial ou não, impõe a quem o vive a sensação de isolamento e de que o tempo não passa. Sua defesa busca todos os caminhos para tirá-lo dessa situação, mas eles estão cheios de obstáculos. Os advogados podem pedir habeas corpus ao STJ e ao STF. Cada corte já recebeu dois. O ministro Marco Aurélio recebeu um e o encaminhou à ministra Cármen Lúcia. Mas avisou que tentará apresentar, na quarta-feira, no plenário a liminar de ação declaratória de constitucionalidade. Isso se conseguir tempo, porque a pauta já tem dois habeas corpus. O de Antonio Palocci tem precedência porque é réu preso. O outro, não tem tanta urgência, porque é o de Paulo Maluf que já está em casa.

O país tem vivido dias de grande estresse da sua vida institucional. Por trás desse momento de tensão, é sempre bom lembrar, está um avanço da sociedade brasileira no combate ao difícil e persistente problema da corrupção.


Míriam Leitão: O passo seguinte

Com a iminente prisão do ex-presidente Lula fica mais dramático o dilema em que o país está. Há uma jurisprudência que está levando Lula à prisão, mas que depois pode vir a ser alterada. Líderes de outros partidos também enfrentam processos. Neste caso, como ficará o país, as leis e a Justiça se na hora dos outros estiver em vigor entendimento diferente?

Esse dilema fortalece a manutenção da prisão após a segunda instância e não o contrário. A jurisprudência atual deve ser mantida não para resolver esse impasse criado pelas circunstâncias difíceis vividas pelo país. O principal motivo de se confirmar a segunda instância é que essa é a forma de lutar contra a longa história de impunidade e desigualdade judicial do país. Isso ficou claro na pesada sessão do STF. Os dois lados no Supremo esgrimaram durante 11 horas. Mas foram mais convincentes os que defendiam a manutenção da regra de que a pena se cumpre após as duas instâncias que julgam o mérito, analisam as provas e a autoria do crime. A primeira e a segunda instâncias são as únicas que têm “cognição plena de matéria jurídica e fática”, como disse o ministro Alexandre de Moraes. Os outros níveis da Justiça discutirão pontos específicos e questões processuais.

As estatísticas apresentadas pelo ministro Luís Roberto Barroso são impressionantes. Preparadas pela Assessoria de Gestão Estratégica, mostram que de janeiro de 2009 a meados de 2016 foram apresentados 25.707 recursos extraordinários ou agravos. Foram acolhidos apenas 2,93%, e só 1,12% foram a favor do réu. Houve somente 9 absolvições, ou 0,035%. A Coordenadoria de Gestão de Informação do STJ informou que, de setembro de 2015 a agosto de 2017, foram 68.944 recursos interpostos. Apenas 0,62% obtiveram absolvição. “Não se pode moldar o sistema em função da exceção”, concluiu o ministro. Os números e os fatos lhe dão razão.

Os que têm a visão de que só esgotados todos os recursos é que se pode iniciar o cumprimento da pena não conseguem responder a várias questões. Como evitar as inúmeras manobras protelatórias? Como ignorar a realidade brasileira, em que a tramitação é lenta, em que os tribunais superiores não conseguem entregar com agilidade suas decisões? Como evitar que os que conseguem bons advogados possam dilatar o tempo do cumprimento da pena ao ponto da prescrição? Em que país a visão de presunção de inocência é assim tão fundamentalista? O ministro Celso de Mello falou em Itália e Portugal. Parecem exceções em um vasto número de países que têm outro entendimento.

Números, fatos e, principalmente, a realidade brasileira mostram que fazem mais sentido os argumentos pelo início da execução da pena após o encerramento do julgamento de segundo grau. Não é razoável o tempo de anos entre o crime e o início do cumprimento da condenação. A tese de que há no Brasil uma “onda de punitivismo” não se sustenta minimamente. O que existe no Brasil é a impunidade dos que são mais fortes. Sempre foi assim.

Mas o que está claro é que essa regra de prender após a condenação em segundo grau pode ser mudada em breve. Quando? Não se sabe. Mas se for alterada em curto prazo, Lula terá vivido o constrangimento do qual outros podem ser poupados. Quando estiver em pauta, a ministra Rosa Weber estará de novo, involuntariamente, nos holofotes. Ela deixou no ar que pode voltar ao seu entendimento se a questão de fundo for apreciada. Enquanto não for oficialmente mudada, ela continuará negando os habeas corpus.

Então, no país das divisões, haverá mais uma: a dos que foram julgados e, eventualmente, presos, no entendimento de 2016, e os que podem vir a ser beneficiados se o STF restabelecer a jurisprudência que vigorou por apenas sete anos no país, entre 2009 e 2016.

O ex-presidente Lula está no primeiro grupo e sua cela já foi preparada. Onde estarão os outros políticos que futuramente podem ser condenados? Onde estará, por exemplo, o senador Aécio Neves, que foi alvo de denúncia da Procuradoria-Geral da República por ter pedido R$ 2 milhões a Joesley Batista, em conversa gravada pelo próprio empresário? São inúmeros os casos. É grave o momento que o país vive. Não pode haver uma jurisprudência presente, e outra ameaçando o futuro.


Míriam Leitão: Cármen e Rosa

O voto da ministra Rosa Weber surpreendeu até colegas do Tribunal, de um lado e de outro. Ela negou o habeas corpus ao ex-presidente Lula, mas ao mesmo tempo deixou no ar a ameaça de votar contra a prisão após a segunda instância, quando a questão for tratada de forma teórica. Ao final do voto dela, Lula estava mais perto da prisão, mas a Lava-Jato permanecia sob risco.

O país estava ontem, no começo da noite, vivendo uma situação dramática. Ficou próxima a prisão de Lula, um líder extremamente popular, ex-presidente, em pré-campanha eleitoral para novo mandato e condenado por corrupção em duas instâncias.

Quando a ministra Rosa terminou seu torturante voto, no qual ora visitava uma ideia, ora outra, em “jurisdiquês” implacável, o ministro Marco Aurélio fez uma crítica direta à presidente do STF, Cármen Lúcia, e pediu que constasse nos autos a sua afirmação de que fora a “vitória da estratégia”.

O que Marco Aurélio quis dizer é que, se a ministra Cármen tivesse colocado em discussão as duas ações declaratórias de constitucionalidade (as ADCs) relatadas por ele, teria sido mudado o entendimento da prisão após a segunda instância. Mas ao não colocar a questão de fundo em novo debate, prevalece ainda o entendimento de 2016. E foi por isso que Rosa Weber passou por cima do que acredita, que é a prisão apenas após esgotados todos os recursos, e negou o habeas corpus. Pelo princípio da “colegialidade".

Rosa avisou que, quando forem julgadas as ADCs, votará com sua convicção. Ela disse que a jurisprudência pode mudar, e que o lugar para fazer isso é o plenário do Supremo. Ontem deixou que falasse em seu voto a “voz coletiva".

Tudo permaneceu precário, todavia. O ex-presidente Lula pode ser preso, mas ficará a ameaça de tirarse do combate à corrupção o instrumento que levou a Lava-Jato até o ponto em que ela chegou. Nos últimos dias, colegas do tribunal consideravam que Rosa Weber votaria pela concessão do habeas corpus e pela mudança do entendimento da corte sobre o momento da execução da pena.

Mas o que estava em discussão era mais profundo e os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso foram suficientes para mostrar isso. O Brasil sempre teve execução da pena após a segunda instância. Segundo Moraes, nos 30 anos da Constituição de 1988, em 23 deles, 75% do tempo, prevaleceu esse entendimento. Barroso foi mais longe e falou que tem sido assim desde 1941. O tempo em que vigorou a interpretação de que só ao fim de todos os recursos é que se pode impor o cumprimento da pena foi mínimo: de 2009 a 2016.

Os casos narrados pelo ministro Barroso falam por si. O do jornalista Pimenta Neves que dez anos depois de condenado em segunda instância de um crime do qual era réu confesso, permanecia fora da prisão pelos truques de recursos incabíveis que deixaram a prisão em suspenso. O do suplente que matou a deputada e sua família para ficar com o mandato. Pessoas que se aproveitaram das brechas da Justiça para ficarem impunes. Em apenas dois anos, houve mil casos de prescrição de pena no STJ e STF. A duração interminável dos processos leva à impunidade.

Cada um dos votos foi bem preparado e fundamentado porque se sabia que o que estava em debate era suspender ou não a pena de prisão contra um ex-presidente. Mas, além disso, era para definir que tipo de ordenamento jurídico o país terá.

O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, tentou encontrar um caminho do meio e propôs que fosse considerado “transitado em julgado” o processo que tivesse no mínimo o julgamento encerrado no STJ. O ministro Barroso disse que era contra, mas se fosse essa a decisão, que pelo menos o cumprimento da pena deveria começar após a primeira decisão terminativa do STJ.

O importante ontem foi a persistência no esforço para combater o risco da impunidade que sempre esteve tão presente na história brasileira. Seria “devastadoramente negativo", para usar palavras do ministro Barroso, se o STF derrubasse o cumprimento da pena após a 2ª instância. Mas o risco permanece. O fio que levou o país para este momento foi tecido pela ministra Cármen. Tanto Cármen quanto Rosa foram escolhidas por governos petistas, um bom sinal da independência da Justiça.


Míriam Leitão: Tendência da véspera

O clima no Supremo nestas horas antecedentes é de que será concedido o habeas corpus ao ex-presidente Lula e derrubada a execução da pena após condenação em segunda instância. Isso terá arrasadores reflexos na vida institucional do país. Mas Lula deve permanecer inelegível. A derrota da 2ª instância não significará um abalo apenas na Lava-Jato, mas na própria atuação do Ministério Público.
A Lei da Ficha Limpa estabelece que após a condenação confirmada por um órgão colegiado a pessoa perde as condições de se candidatar. A eventual mudança do entendimento sobre transitado em julgado não se aplicaria, segundo juristas de tendências diferentes, porque a regra da Lei da Ficha Limpa não é considerada uma pena do ponto de vista jurídico, mas sim o estabelecimento dos requisitos da elegibilidade. Então, Lula, mesmo que vença hoje, permanecerá inelegível porque já foi julgado pelo TRF-4.
Entre os ministros que defendem o cumprimento da pena após a condenação em 2ª instância há pessimismo. Foi o que ouvi nos últimos dois dias. Entre os ministros que querem alteração do entendimento há a ideia de que se estaria corrigindo um suposto erro do STF em 2016. Dos dois lados há a mesma interpretação: de que um habeas corpus a favor do Lula acabará sendo uma mudança de rumo, porque estaria implícita na decisão a repercussão geral, da mesma forma que em 2009 um habeas corpus passou a influenciar os julgamentos seguintes.
No PT há otimismo. Há quem considere que o placar pode ser até de sete votos a quatro se o ministro Alexandre Moraes também votar com a nova maioria. A ministra Rosa Weber deve retornar ao voto que defendeu em todas as vezes que esse assunto chegou ao plenário: ou seja, que só após a última instância é que se pode começar a cumprir a pena. O ministro Luiz Edson Fachin pode tentar separar o habeas corpus em si, do entendimento geral sobre a 2ª instância, mas foi ele mesmo que levou o assunto ao plenário, quando o normal seria deixar para ser discutido na turma. A competência para julgar o habeas corpus negado era da turma.
Nas palavras de um ministro do grupo, que talvez seja derrotado hoje, sem o cumprimento da pena após a 2ª instância o Ministério Público perderá muito de sua força construída em 30 anos.
— O que restará à Procuradoria Geral da República? Ficar fazendo pareceres quando os casos chegarem em Brasília? E o MP o que será, a não ser um departamento da PGR?
Não é o único temor que se tem neste momento. A decisão do ministro Dias Toffoli de dar ao senador cassado Demóstenes Torres o direito de se candidatar novamente foi definido por um dos seus colegas como “não apenas uma brecha, mas a abertura da comporta de uma hidrelétrica”. Na prática, significou que o ministro monocraticamente tornou sem efeito a decisão do Senado que o cassou por falta de decoro. E o Senado poderia recorrer, mas só recorre quem está insatisfeito e entre os políticos muitos torcem para que a impunidade prevaleça. A propósito, o ministro Toffoli é o mesmo que está segurando o fim do foro privilegiado sob o argumento de que o assunto está sendo analisado no Congresso. No caso da cassação de Demóstenes, ele não reconhece o poder do Senado que suspendeu até 2027 os direitos políticos do senador cassado.
A decisão de hoje, se for confirmada, como tudo leva a crer, não é de aplicação automática. Mas se for feita a interpretação de que “transitado em julgado” é só mesmo o fim de toda a enorme lista de recursos, o que pode vir a acontecer é o que houve no caso narrado ontem pela repórter Cleide Carvalho: em 1991 o fazendeiro Omar Coelho Vítor, no meio de uma exposição, sacou da pistola e deu cinco tiros em Dirceu Moreira Filho. Em 2009, o STF entendeu que a presunção de inocência só se esgotaria no último recurso. Ele jamais cumpriu pena e o crime prescreveu. A vítima permanece com uma das balas no corpo.
É evidente que “presunção de inocência” não é direito absoluto contra todas as evidências. É sabido que o mérito de qualquer ação é julgado na primeira e segunda instâncias e que depois disso não se discute mais a culpa, mas questões processuais. É óbvio que se cair o cumprimento da pena após 2ª instância será a confirmação de que o Brasil é o país da impunidade.

Míriam Leitão: Um por todos

O habeas corpus do ex-presidente Lula será, provavelmente, o início do novo entendimento do STF sobre o momento da prisão. “Não é um caso que vincula, mas nada impede que o próprio plenário decida que o benefício deva ser estendido”, diz um ministro do STF, que é contra a mudança. O ministro Gilmar Mendes, que é a favor, também diz que o julgamento permitirá a reavaliação da prisão após a 2ª instância.
Mendes estava ontem em Portugal, mas voltará ao Brasil na noite de terça-feira, desembarcando na quarta para o julgamento do recurso do ex-presidente. Ele me explicou que o HC está sendo julgado agora como uma ação subjetiva e não objetiva. Ele diz que: “no plenário, o tribunal pode fixar nova orientação em qualquer processo.”
Há, como se sabe, dois lados no tribunal sobre essa questão. Mas, quanto à interpretação do que acontecerá na quarta-feira, não há tanta diferença na prática. “Mesmo que a decisão seja proferida num caso concreto, ela sinalizará uma mudança de entendimento do plenário”, afirma outro magistrado.
O que vai ser decidido é se o ex-presidente Lula será preso ou não, dado que ele já foi julgado em segundo grau. Se o plenário conceder o habeas corpus, a decisão acabará valendo para outros condenados em segunda instância, explica-se no STF. “Se isso acontecer, será apenas formalismo discutir se terá repercussão geral ou não porque o jogo estará jogado”, explica um ministro.
Mesmo assim, o grupo que quer que o início do cumprimento da pena passe a ser apenas após o esgotamento de todos os recursos judiciais tentará em plenário garantir que a decisão vá além de Lula e seja de repercussão geral.
É mais do que uma semana cercada de expectativa, pode ser a mudança de direção do que havia se entendido até o momento. Em 2009, o STF votou pela prisão apenas após esgotados todos os recursos, o que leva a punição do condenado para “as calendas gregas”, na expressão de um ministro. Mas, em 2016, por três vezes o STF foi ouvido e nas três vezes decidiu que após o julgamento do mérito, ou seja, a condenação em segunda instância, o réu pode começar a cumprir a pena.
O primeiro julgamento do STF em 2016 sobre o assunto foi exatamente de um habeas corpus. O resultado ficou em sete a quatro a favor do cumprimento da pena após a segunda instância. Naquela época, o ministro Dias Toffoli votou com essa posição. Depois, ele mudou de ideia, tentando encontrar um caminho do meio: votou para que fosse ouvido pelo menos o Superior Tribunal de Justiça. Em seguida, houve uma decisão cautelar de ação declaratória que está com o ministro Marco Aurélio. Depois, num caso relatado pelo falecido ministro Teori Zavascki, de repercussão geral, seis votaram a favor de que a prisão fosse após a 2ª instância. Com esses três julgamentos, o assunto pareceu pacificado. Mas não, o debate foi reaberto e agora será novamente discutido a bordo do habeas corpus de Lula. Se, como tudo leva a crer, for formada uma nova maioria, a mudança favorecerá Lula e qualquer outro condenado, pelo crime que for.
Os defensores da prisão em 2ª instância têm expectativa de que a ministra Rosa Weber mude de posição, mas é apenas a expressão de um desejo. Parece pouco provável. Ela já disse claramente que acha que só após a última instância é que um condenado deve ser preso, excetuando-se casos muito específicos. A edição de ontem do “Estado de S. Paulo” lembrou uma de suas frases em que ela diz que não vê como ter uma interpretação diversa do que a do cumprimento da pena só após o julgamento final. Em outro momento, filosofou: “Fico a pensar o tempo a escoar entre os nossos dedos e nós privarmos da liberdade alguém que não tem contra si um título penal transitado em julgado.”
Toda a celeuma é em torno de uma falsa questão, porque os tribunais superiores não discutem o mérito. Então o “transitado em julgado” faz muito mais sentido que seja após a confirmação da sentença na segunda instância, sem prejuízo do direito de recorrer contra pontos específicos. Deixar para a última instância dará aos criminosos a grande chance da impunidade. O tempo jogará a favor de quem for condenado a qualquer crime no Brasil.

Míriam Leitão: O mandato infeliz

O período de quatro anos de governo, iniciado em 2015, será infeliz até o final. Este será um ano com um presidente definhando ou sob ataque aberto, seja ele candidato ou não. Durante esses quatro anos, uma presidente caiu, houve a pior recessão da história recente, o mais alto desemprego, um presidente foi alvo de denúncias, e o pior dos legados: o Brasil aprofundou sua divisão.

Nada salva o período administrado pela dupla eleita para 2015-2018. Na quinta-feira, renovaram-se as nuvens que sempre pairaram sobre o governo Temer. As prisões decretadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, atingem o círculo próximo do presidente da República. São prisões provisórias, e elas podem não ser renovadas, mas já serviram para enfraquecer o presidente nesta reta final. Ele ensaiava uma candidatura e agora fica a dúvida sobre se a manterá. Se for apresentada uma terceira denúncia, o presidente não terá, felizmente, capacidade de usar os recursos políticos e fiscais dos quais abusou para arquivar as duas primeiras. Um pato manco, investigado, com sigilo bancário quebrado e cercado de suspeitas terá que reunir votos para se proteger em uma Câmara esvaziada.
Nessa era da incerteza, a economia tentará, a duras penas, atravessar mais uma etapa da sua lenta e difícil recuperação da enorme recessão que a atingiu no fim de 2014. Os empresários que tentarem descortinar o futuro econômico do país, para fazer seus planos de investimento, verão apenas o espesso nevoeiro de uma campanha eleitoral de xingamentos e acusações. Tomara que haja espaço e tempo para alguma discussão séria sobre os muitos desafios que o Brasil tem que vencer para entrar na terceira década do século XXI.

Há uma disputa polarizada de versões sobre o que aconteceu nos últimos anos, mas o que arruinou este mandato é complexo e precisa ser entendido sem paixões. A verdade está no intervalo entre as posições extremadas, está nas nuances de um tempo em que cada um se isola na sua certeza. Não houve golpe contra Dilma, mas houve conspiração liderada pelo então vice-presidente. A economia foi jogada na recessão, houve desemprego e inflação de dois dígitos no período Dilma, e isso facilitou as articulações do seu companheiro de chapa para encurtar sua estadia no Planalto. Não se poderá contar a história do impeachment sem o desastre econômico que azedou a relação da então presidente com o país.

Esse quadro sombrio da economia foi atenuado no governo Temer. Há fatos e números mostrando isso, mas não foi possível ainda vencer a crise fiscal. Não se pode dizer que havia um governo virtuoso que foi sucedido por um outro corrupto. Houve dois governos corruptos. Uma das provas disso é o número grande de políticos presos ou investigados que serviram aos dois. Pessoas como Geddel, Henrique Eduardo Alves, o doleiro Lúcio Funaro, Joesley Batista e até Eduardo Cunha, entre muitas outras, exerceram influência ou cargos nos dois períodos. Não há luz e sombras. Há sombras. E não será possível dissipá-las com mais maniqueísmo, visões simplistas e salvadores da pátria.
No próximo mandato, o Brasil vai atravessar um marco importante da história. Vai completar 200 anos de vida independente, em 2022. Qualquer país sensato estaria, neste momento, pensando no significado do que houve até aqui, nos obstáculos que foram superados com sucesso, no que tem bloqueado o caminho e impedido novos avanços. Uma análise sincera encontraria as raízes dos problemas que hoje nos machucam de forma aguda. Por ter se descuidado da educação, o país está completamente atrasado em qualquer comparação internacional. Por nunca ter enfrentado o terrível legado da escravidão, carrega ainda hoje fraturas sociais e desigualdades de tratamento entre brasileiros. O patrimonialismo é o pai de toda relação promíscua entre o público e o privado que degenerou na corrupção.
Contudo, o país derrotou o autoritarismo político, venceu a hiperinflação, reduziu a pobreza e dá combate à corrupção. Poderia aproveitar o recomeço, que toda eleição permite, para preparar o aniversário dos seus 200 anos com mais confiança no futuro. Corruptos serviram aos dois governos, basta ver a lista dos investigados e presos nos últimos anos No próximo mandato, país vai comemorar 200 anos de história independente e poderá repensar o futuro

Míriam Leitão: O dia que inventou a noite

Falsificadores de passado inventam virtudes para a ditadura de 64

Foi exatamente há 54 anos que começou a noite de 21 anos sobre o Brasil. Hoje, mais de meio século depois, o país que guarda mal sua memória é vulnerável aos falsificadores de passado e vai se espalhando a ideia de que foi um tempo sem corrupção, com segurança e com crescimento econômico. Não é verdade, na ditadura houve corrupção sem apuração e crise econômica.
É triste ter que recontar os ocorridos daqueles anos do regime militar como se fosse preciso ainda convencer de que houve o que houve. Tortura, morte, desaparecimentos políticos, exílio, censura, cassação de mandatos de parlamentares pelo crime de opinião, aposentadoria forçada de ministros do Supremo e catedráticos, proibição de que estudantes frequentassem a universidade, suspensão do direito de reunião e manifestação, anulação do habeas corpus e de outros direitos constitucionais, fim das eleições diretas para presidente, governadores e prefeitos das principais cidades. Era um tempo horrível.
Hoje há um esforço deliberado de se reescrever esse passado com mentiras para convencer os jovens de que aquele foi um tempo de paz interna, contestada apenas por alguns poucos “comunistas”. Há um grupo que inclusive escolheu como seu líder o torturador símbolo Brilhante Ustra, proclamado herói de certo candidato. Houve recentemente até um assessor do candidato que propôs que as versões do torturador e de seus torturados são equivalentes. Qual dos dois lados falou a verdade? Perguntou. Ora, ora. É preciso poupar-se de todos os fatos ocorridos para ter essa dúvida, inclusive a evidência de que 40 dos torturados morreram no Doi-Codi de São Paulo comandado por Ustra. Se morreram, não foi por bons tratos.

É triste ter que voltar mais de meio século e recontar a história como a história foi, para ter que lutar de novo contra a narrativa dos militares daquele tempo construída com censura à imprensa. Deveríamos estar inteiramente dedicados a pensar o futuro e a superar os muitos desafios do presente. Nossa democracia é imperfeita, passa por crises e isso cria o ambiente fértil para se edulcorar esse passado, desprezível em todos os aspectos.
Na democracia ideal muita coisa que nos acontece hoje não deveria estar ocorrendo. Não haveria tiros ou pressões contra a caravana de um candidato, como acaba de acontecer com Lula. As decisões da Justiça seriam entendidas como decisões da Justiça, e não como golpe. O foro privilegiado não deveria ser o escudo no qual bandidos se abrigam. Não se discutiria se um condenado em dupla instância deveria ou não cumprir pena. Não haveria cenas de pugilato verbal no Supremo. Principalmente não ocorreria o assassinato de uma jovem e promissora vereadora no mesmo centro do Rio, onde, na ditadura, foi morto o jovem Edson Luís há 50 anos.
Em qualquer democracia há divisões. É da natureza das democracias serem cheias de diversidade. O pensamento único só cabe numa ditadura em que as vozes discordantes são caladas pela violência política. Mas é doloroso ver que os debates naturais se transformaram em agressões grotescas entre grupos que têm projetos e versões diferentes. Mas será na democracia que corrigiremos seus erros e temos tido muitos progressos, como o de, pela primeira vez na história, o país estar enfrentando a corrupção com extrema coragem.
O dia 31 de março, há 54 anos, inventou uma noite que durou duas décadas. Nela não era possível divergir, combater os crimes de poderosos, protestar contra a crise econômica. No começo da década de 1980, nos últimos anos daquela noite, o Brasil estava quebrado, com dívida externa impagável, em recessão, desemprego alto, a inflação subia estimulada pela correção monetária criada nos governos militares. Foi a democracia que tirou o país desse buraco, desarmou a bomba inflacionária, renegociou e pagou a dívida. Precisou de 10 anos para superar esse difícil legado. Nos anos seguintes, a democracia se dedicou a resgatar brasileiros da pobreza extrema.
Os dias podem nascer nublados, chuvosos ou ensolarados. Mas é neles que o país construirá o futuro. Mesmo que pareça tão desconcertante e difícil o tempo atual. A noite, aquela noite, passou. E tem que ficar no passado.
* Foi o ministro Celso de Mello que votou pela prisão domiciliar de Jorge Picciani, e não Ricardo Lewandowski.

Míriam Leitão: Os sinais da operação

A Operação Skala trouxe muitos sinais, e nenhum é bom para Temer. O presidente Michel Temer foi duas vezes denunciado pelo Ministério Público, é investigado pela Polícia Federal e ontem a Procuradoria-Geral pediu a prisão de 13 pessoas ligadas a ele, algumas são seus amigos de longa data. Das duas primeiras denúncias ele conseguiu se livrar através de estratagemas no Congresso. Há pouco mais de 10 meses ele se tornou um presidente encurralado.
A operação Skala trouxe muitos sinais e nenhum é bom para o governo Temer. O primeiro é que todo o esforço que Temer fez para bloquear no Congresso as duas primeiras denúncias da Procuradoria-Geral da República não o blindaram. Venceu as batalhas, mas não a guerra. Ele conseguiu derrubar as duas denúncias porque há no Congresso um sentimento de autoproteção, muitos dos que votaram a favor dele são alvo, ou temem ser, da operação anticorrupção.
O segundo é que ao contrário do que foi dito pelo ex-diretor da Polícia Federal Fernando Segovia, o inquérito contra Temer não está em vias de ser arquivado por falta de conteúdo probatório. Se as evidências não fossem fortes, a PGR não pediria as prisões dessas 13 pessoas e o ministro Luís Roberto Barroso não as teria concedido.
Terceiro sinal é que se os indícios de corrupção se tornarem mais robustos, Temer pode vir a enfrentar uma terceira denúncia. As duas primeiras foram feitas por Rodrigo Janot. A defesa aproveitou erros cometidos pelo ex-procurador-geral e o envolvimento do seu antigo assessor Marcelo Miller com o grupo JBS para tratar as denúncias como parte de uma perseguição pessoal ao presidente. Se houver nova denúncia, ela será apresentada pela procuradora Raquel Dodge, da qual se dizia, indevidamente, que fazia parte do esquema para reduzir a pressão do Ministério Público sobre os políticos.
As autoridades parecem trabalhar com a tese da continuidade delitiva porque estão sendo avaliados fatos muito anteriores ao mandato,  de recebimento de propina, através de pessoas ligadas a ele, desde os anos 1990. Só essa continuidade permitiria que ele fosse denunciado agora por fatos que aconteceram antes do seu mandato. É por isso que o rastro seguido pelos investigadores é de negócios no Porto de Santos, em cuja gestão o presidente Temer sempre teve influ- ência, através de seus indicados. E o elo de todo esse passado ao presente é o objeto central da investigação: o suposto favorecimento da Rodrimar no decreto dos Portos.
Os investigadores estão montando um quebracabeças que junta as várias vezes em que o presidente foi citado: nas delações de executivos e proprietários da JBS, na delação do doleiro Lúcio Funaro, na operação controlada em torno de Rocha Loures na qual o então assessor presidencial foi gravado em conversa com o executivo da empresa portuária.
A operação Skala mirou pessoas que estão inequivocamente ligadas ao presidente, como o ex-assessor presidencial e amigo de décadas José Yunes e o homem de confiança coronel João Batista Lima, deixando claro quem é que está no foco principal da operação.
Desde o dia 17 de maio do ano passado, há pouco mais de dez meses, a presidência de Temer tem estado encurralada. Naquele dia foi divulgado o teor da conversa gravada pelo empresário Joesley Batista com o presidente no Jaburu. Há momentos em que o cerco parece mais fraco e há dias, como o de ontem, em que a pressão fica maior, mas desde aquela data o governo entrou em outra frase e se enfraqueceu. A reforma da Previdência, que estava para ser votada, entrou em agonia e assim ficou por meses até ser deixada de lado. Ontem foi um dia em que o governo até teve uma vitória na economia. Contra todas as previsões o leilão de petróleo foi bem sucedido e arrecadou R$ 8 bilhões, mas este é um governo marcado pelas suspeitas de corrupção pretéritas e presentes.
O sinal mais importante dado com as prisões de ontem é o de que o movimento de combate à corrupção continua forte e atuante e que o alvo da operação Lava-Jato nunca foi apenas um partido ou uma tendência política, mas a corrupção esteja onde estiver.

Míriam Leitão: Cenário eleitoral

Doador de dinheiro sujo sabe que agora CEO vai para a cadeia. O quadro eleitoral fica mais presente, ainda que não tenha nitidez. A semana terá lançamento de pré-candidaturas e julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula no STJ. Isso depois de uma semana em que Lula deu a entrevista acenando para Michel Temer e o presidente passou a ser investigado em mais um processo, por pedido de sua escolhida Raquel Dodge e decisão do ministro Edson Fachin.

Há vários motivos pelos quais esta será uma eleição diferente das outras. Uma delas é o financiamento. A doação legal das empresas foi proibida, a ilegal está sendo constrangida fortemente. Hoje, as empresas sabem que o CEO vai pra cadeia, que dono e herdeiro de empresa podem passar uma longa temporada na prisão. Estão todos avisados. E isso, no mínimo, terá o poder de dissuadir muita gente que em outros tempos não hesitaria em encher malas de dinheiro e enviá-las para candidatos. Caso nada disso constranja o dinheiro sujo, quem fizer uma campanha cara ficará exposto.

Os dois partidos que têm o maior volume de dinheiro do fundo partidário e do fundo eleitoral são o MDB, com R$ 304,9 milhões, e o PT, com R$ 300,9 milhões, segundo estimativa feita pelo cientista político Jairo Nicolau. Desses, o MDB ainda não disse com que candidato vai. O PT aferra-se à candidatura de Lula, que muito provavelmente será declarado inelegível. Dois candidatos que têm pontuado bem em todas as pesquisas, Jair Bolsonaro e Marina Silva, terão apenas R$ 14,8 milhões (PSL) e R$ 14,6 milhões (Rede), 23º e 24º lugares na distribuição de recursos públicos. O Podemos receberá R$ 41 milhões. Os grandes partidos ficam com a parte do leão. Ao todo serão 35 partidos recebendo o valor de R$ 2,362 bilhões do dinheiro do contribuinte. Pela estranha legislação brasileira de recursos públicos para as eleições, até os muito nanicos ou que acabaram de se formar terão direito a um bom bocado. Os três últimos serão PCO, PMB e Novo, cada um com em torno de R$ 2 milhões. A lei concentra os recursos nas oligarquias partidárias, e distribui um cala-boca para partidos sem qualquer viabilidade eleitoral.

O MDB não tem candidato a presidente desde 1994, quando Orestes Quércia ficou com 4,4% dos votos, atrás de Enéas. Desta vez, o partido tem um poder inédito: o da máquina da Presidência. Além do maior volume de recursos públicos, num tempo de vacas magras de financiamento. Resistirá ao apelo de ter um candidato mesmo que seja Temer e sua terrestre popularidade?

A entrevista de Lula à Monica Bergamo esclareceu muitos pontos. Ele criou a versão fantasiosa de conspiração americana contra a Petrobras porque essa ginástica nos fatos talvez sirva para os palanques. Com um mínimo de honestidade não dá para explicar o ataque do PT e seus aliados aos cofres da Petrobras sobre o qual há evidências acima de qualquer dúvida. Melhor dizer que tudo é culpa da cobiça americana atrás das reservas do pré-sal. O outro delírio também tem um propósito. Quando ele diz que Temer resistiu ao que ele definiu como tentativa de golpe da Globo está evidentemente querendo construir uma ponte para o futuro com seu velho aliado nas últimas campanhas, o partido do Temer.

Na campanha de Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes deu entrevistas longas para explicar seu pensamento. Continua sem solução o mistério de como as ideias liberais de Guedes serão colocadas na mente intervencionista do candidato. Já nas ideias políticas, parece haver mais harmonia. À “Folha de S. Paulo”, Guedes declarou: “O Ustra disse que não torturou ninguém. Quem está falando a verdade, quem não está?” Mais de quarenta pessoas que passaram pelo Doi-Codi, entre 1970 e 1974, então sob o comando de Ustra, não podem sequer dar suas versões, porque não saíram vivas.

A eleição cuja campanha oficialmente não começou é um tabuleiro em que as pedras se movem a cada dia, mas ainda está muito longe de se saber como será o jogo para valer.

* Em 2017, exceto por uma semana, passei o ano mergulhada no trabalho neste país intenso e esqueci das férias. Por isso, sairei agora por três semanas. Vocês ficarão com o talento dos colunistas Alvaro Gribel e Marcelo Loureiro.

 


Míriam Leitão: Futuro do PIB

Dentro de um ano, o país estará diante de um número melhor do que o 1% que colheu esta semana. O PIB de 2018 deve ficar, segundo as previsões dos economistas, em torno de 3%. Mesmo com o extremo nevoeiro do cenário político, o país deve dar mais alguns passos na recuperação do produto perdido. O consumo vai subir e até o investimento será positivo.

O crescimento de 2017 foi baixo e concentrado na agricultura, e o único fato a comemorar foi o fim da recessão de 2014-2016. Os indicadores foram positivos, mas magros, e não se sentiu a mesma temperatura em toda a economia. Em 2018, o PIB deve ser mais forte e espalhado pelos demais setores. A agricultura, por ter crescido muito no ano passado e batido recorde de produção, deve encolher 3%. Porém, as projeções estão ficando melhores do que as iniciais. Mesmo sendo menor do que a do ano passado, a colheita de grãos deve ter o segundo maior nível da história: 226 milhões de toneladas. Isso terá outros efeitos benéficos na economia, apesar de estatisticamente o setor entrar na conta com um sinal negativo.

Um dos pontos positivos será manter a recuperação do consumo. As famílias vão consumir mais pela soma de vários fatores positivos: a inflação está baixa, está havendo aumento discreto da renda mesmo com o quadro do desemprego. Os dissídios estão conseguindo reajuste acima da inflação. Haverá nova queda do comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas. E, como já foi dito aqui, isso significa um aumento de R$ 100 bilhões liberados para o consumo ou poupança, segundo projeção do BNP Paribas.

Uma coisa são os índices agregados, outra é o que os empresários sentem na ponta da produção. Pegue-se por exemplo embalagem para margarina. O Brasil consome 220 milhões de embalagens de margarina por mês. Um número espantoso, mas é esse mesmo. Segundo a empresa Fibrasa, um dos produtores dessas embalagens, com duas fábricas, no Espírito Santo e em Pernambuco, o consumo está parado e até teve uma pequena queda na demanda em fevereiro. A saída desta recessão será assim, com idas e vindas.

Prova disso é a indústria. Ela dará um susto na semana que vem. Na terça-feira, será divulgada uma queda na produção industrial de janeiro e há projeções de tombo de 3%. Na língua própria dos economistas, ela vai “devolver a surpresa positiva de dezembro”. Mas ela está saindo do buraco, como mostra a redução da capacidade ociosa. A indústria caiu 13 trimestres consecutivos e terminou 2017 em zero, mas teve números positivos a partir de meados do ano passado. A previsão é de que suba 4,6% no ano, segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Serviços, também pela previsão do Itaú, ficará em 3%.

Os investimentos devem voltar para o azul, depois de quatro anos consecutivos de recuo. A expectativa é de alta de 5%. Só que estará longe de recuperar-se da perda de mais de 25%. Os empresários não farão grandes investimentos porque não confiam que esteja se iniciando um período de crescimento sustentado, mas pelo menos estão substituindo máquinas e equipamentos que ficaram antigos e sofreram o desgaste de uso.

Certas consultorias e bancos preveem um crescimento do PIB até maior do que 3%. A MB Associados, por exemplo, acredita que a alta será de 3,5%. O Itaú estima uma taxa mais forte em 2019, de 3,7%, mas no seu cenário conta com a eleição de um governo que aprove a reforma da Previdência no primeiro ano de mandato.

Esse é o grande problema das estimativas para o crescimento. O impulso que vai ganhar corpo em 2018 pode se transformar em voo de galinha se o problema fiscal não for resolvido. Os economistas explicam que a recuperação, neste momento, é “cíclica”, ou seja, está apenas repondo o que foi perdido pela crise. Por isso, não é sustentável sem que o governo enfrente o problema do rombo em suas contas. O raciocínio de economistas como Fernando de Holanda Barbosa Filho, da FGV, que entrevistei esta semana na Globonews, é que até aqui o estímulo monetário empurrou a economia para fora da recessão, mas a política fiscal precisa fazer parte do esforço de crescimento e, para isso, o ajuste das contas é fundamental. Ele arrumará a casa para um novo período de crescimento.

 


Míriam Leitão: Quem fez a recessão

A recessão acabou, mas deixou um exército de desempregados do tamanho da cidade de São Paulo, a economia ferida e o país menor. A economia começou a cair no meio de 2014 e a queda foi de 5,6% no último trimestre de 2015. Essa recessão foi feita pela política econômica do PT e pelas decisões da presidente Dilma Rousseff. Os números provam de quem é a culpa pelo desastre.

Qualquer que seja a forma de comparação, sempre se chega à mesma conclusão: a recessão começou no governo Dilma e nele chegou ao seu pior momento. Se a conta for feita em quatro trimestres comparados a quatro trimestres anteriores, o fundo do poço é -4,6% no segundo trimestre de 2016, quando a ex-presidente sofreu o impeachment. Na política, os fatos serão narrados de outra forma, mas os números são teimosos e ficarão com suas séries históricas a mostrar o que houve nesta queda da economia.

O IBGE divulgou que o PIB cresceu 1% em 2017. Foi pouco, mas é o fim oficial da recessão. Em cada trimestre do ano passado a crise foi cedendo até chegar a 2,1% de alta em comparação ao último trimestre de 2016. A agropecuária foi decisiva nessa volta do fundo do poço. Cresceu 13% no ano passado.

A economia está saindo politraumatizada da recessão. Nas outras duas grandes quedas, a do governo militar, no começo dos anos 1980, e a do governo Collor, no início dos anos 1990, a recuperação foi mais forte. Em 1993, na presidência de Itamar Franco, o país cresceu quase 5%. Desta vez, há uma massa grande demais de desempregados e um abismo fiscal.

A atuação da equipe econômica estancou a piora das contas públicas. Não reverteu a crise, mas ela parou de piorar. Não foi possível, contudo, usar a política fiscal para estimular o crescimento, por isso a política monetária foi a grande propulsora. O BC restabeleceu a confiança na política de metas, derrubou a inflação e reduziu os juros ao menor nível da história. O governo Temer, apesar de seus muitos defeitos e erros, acertou na economia e o resultado foi que o país saiu da recessão e com perspectiva de um crescimento perto de 3% este ano.

A análise objetiva dos dados e dos fatos não deixa dúvidas. O governo Dilma seguiu o cardápio do que não fazer: manipulou preços e tarifas, fez rombo fiscal, mascarou a contabilidade pública, aumentou a dívida, achou que tinha inventado uma nova política macroeconômica. Colheu uma inflação alta e uma queda do PIB. A escolha desse caminho começou no segundo mandato do ex-presidente Lula. No seu último ano, o país crescia 7,5%, mas já havia iniciado a expansão dos gastos, dos subsídios exorbitantes para a elite do empresariado, e dos investimentos sem retorno em empresas como a Petrobras.

No governo do PT a máquina de destruição de empregos foi ligada. A taxa de desemprego começou a subir no começo de 2015, quando o número de pessoas sem trabalho era de 6,7 milhões. Dima deixou o governo com 11,4 milhões de desempregados. A economia estava em queda, e o desemprego continuou a subir. Os efeitos de erros econômicos dessa dimensão não se revertem em pouco tempo. A reforma trabalhista pode não trazer os benefícios que promete, mas ela não é culpada pelo atual estado do mercado de trabalho. Foi aprovada em julho do ano passado e entrou em vigor em novembro. Nem teve tempo de fazer efeito.

A indústria caiu por 13 trimestres seguidos começando no segundo tri de 2014 e voltou a crescer apenas na segunda metade do ano passado. A construção civil caiu por 15 trimestres e ainda não achou o chão. O investimento caiu por 14 trimestres e todo o gasto público no Programa de Sustentação do Investimento não evitou a queda.

O governo Temer tem parcela da responsabilidade na crise principalmente pelos erros políticos. Se não os tivesse cometido, a recuperação teria sido mais rápida, a reforma da Previdência já estaria aprovada, e os sinais não seriam tão ambíguos. O mesmo governo que faz uma boa administração do Tesouro negocia com a base descontos bilionários em dívidas tributárias. Mas foi o governo anterior que jogou o país no buraco do qual a atual equipe econômica e o Banco Central conseguiram tirar. Contudo é apenas a recuperação, e não o início do crescimento sustentado.