Míriam Leitão: O real da economia

O Brasil vai crescer pouco este ano porque o consumo não poderá alavancar a economia, o desemprego está alto, a renda, estagnada e os investimentos, muito baixos. A inflação e os juros caíram e isso deveria ser um estímulo, mas o custo do dinheiro permanece elevado demais, porque poucos bancos dominam o mercado de crédito e isso entope os canais que levam a política monetária à economia. Não há milagre.

Já é boa notícia que o país esteja fora da recessão, na qual foi jogado pelos desatinos de política econômica do governo Dilma. Mas o governo Temer acertou pela metade. Escolheu uma boa equipe e a mantém, aprovou o teto de gastos, o Banco Central tem tido autonomia, e ele impediu o uso político da Petrobras. Por outro lado, concedeu aumentos ao funcionalismo público em época de restrição, aceitou todas as imposições nos refinanciamentos de dívidas tributárias de grupos de lobbies como os ruralistas e desistiu de alguns projetos de ajuste fiscal. Entre os abandonados estão desde os de difícil aprovação, como a reforma da Previdência, até os menos complexos, como a taxação dos fundos exclusivos.

Por isso não se admira que as projeções dos economistas para o PIB do ano estejam minguando a cada semana. O que antes era um PIB de 3% está agora mais perto de 2,5%. As duas incertezas, a externa e a interna, servem como um freio de mão puxado. A economia internacional passa por uma boa fase, como disse o FMI, em seu último relatório, mas vive assombrada por vários riscos. Um deles, Trump. Aqui o desemprego continua alto e o déficit público em março atingiu R$ 25 bilhões.

No Brasil, a incerteza tem várias frentes. A primeira é a eleitoral. O país está a 158 dias das eleições, e tem apenas ideias vagas do que significa, do ponto de vista prático, o pensamento de política econômica de cada candidato. Há dúvidas concretas. Como lidar com o resultado primário que estará no ano que vem no sexto déficit consecutivo, sem perspectivas de equilíbrio a curto prazo? O Banco Central divulgou na segunda-feira que o déficit do setor público consolidado ficou em R$ 25 bilhões em março. Se o desajuste continuar alto, sobe também a dívida pública. Quando a ex-presidente Dilma assumiu, era de 52% do PIB e agora está em 75%. Que reformas serão feitas para reestruturar o gasto público e estabilizar a dívida?

Há melhoras inegáveis na conjuntura. A inflação, que havia chegado a dois dígitos, está abaixo de 3%. Depois da recessão de 3,5% nos anos de 2015 e 2016, a economia ficou quase estável no ano passado, com alta de 1%, e este ano terá um PIB magro, porém positivo. Mas não há projeto nem perspectiva de crescimento forte nos próximos anos que ajudem a resolver o problema mais agudo que nós temos: o desemprego.

A ameaça de guerra comercial entre Estados Unidos e China é apenas uma dos pontos que tornam o cenário internacional mais instável. A política econômica de Trump, de aquecer a economia através da redução de impostos, elevar o déficit público e subir barreiras comerciais pode redundar em mais inflação e elevação dos juros, o que muda toda a rota do fluxo internacional de capitais. O Brasil tem reservas cambiais para enfrentar as oscilações dos fluxos de recursos, mas o déficit público fragiliza a economia.

No ajuste fiscal feito na boca do caixa, o corte sempre recai sobre os investimentos, e por isso eles estão tão baixos. No setor privado, as empresas seguram os planos à espera de uma definição mais clara das eleições. Por todos esses motivos, a retomada da atividade após a recessão 2014-2016 é tão lenta. Na economia não há milagre. Se não há as pré-condições, não acontece o crescimento.

As projeções mais otimistas do começo do ano se baseavam na expectativa de aumento do consumo como fator de retomada, e ele melhoraria pelos estímulos de política monetária. O Banco Central, de fato, reduziu os juros aos níveis mais baixos da história e liberou parte do compulsório dos bancos. Numa economia que funcionasse dentro da normalidade, isso alavancaria o crédito e reduziria fortemente os juros bancários. Isso não ocorreu. Com desemprego, déficit público, dinheiro caro, baixo investimento e incerteza política, seria estranho se o país estivesse embalado.


Míriam Leitão: Inimigo meu

Sempre haverá tensão entre Estados Unidos e China, mas o que está acontecendo é conjuntural e determinado pelo pensamento limitado do presidente Trump. Não é a reedição da Guerra Fria, porque, ao contrário da relação EUA-URSS, as duas potências agora são interdependentes. Ontem a China avisou que não aceitará duas exigências do governo Trump e isso elevou o temor de uma guerra comercial.

Mesmo sendo temporário e conjuntural, preocupa, porque um conflito comercial entre as duas maiores potências reduz o crescimento mundial e não favorece ninguém. Pode ajudar pontualmente o Brasil pela elevação dos preços de algumas commodities ou da demanda por algum produto, mas a tensão entre China e Estados Unidos não estimula a economia global.

O jornal “The New York Times” trouxe ontem a informação de que os chineses pretendem endurecer em dois pontos impostos pelo presidente Donald Trump: a obrigatoriedade de cortar US$ 100 bilhões no déficit comercial entre os dois países, e a redução dos estímulos da política industrial chinesa em favor de novas tecnologias como inteligência artificial, semi-condutores, carros elétricos e aviões. Depois de um seminário de três dias entre autoridades chinesas e consultores, a decisão foi de não aceitar as duas imposições.

Dizer “não” antes de começar uma negociação — a reunião bilateral será esta semana — é um ato de esperteza. Mas de qualquer maneira reduzir o comércio nessa proporção e ainda interromper um projeto local é mesmo difícil.

De acordo com dados do governo americano, nos dois primeiros meses de 2018, o déficit comercial com a China chegou a US$ 65,2 bi, ou 14,5% a mais que no mesmo período de 2017. O ano passado havia fechado com um rombo de US$ 375,2 bi. O que Trump propõe é uma redução mandatória por parte da China desse déficit em US$ 100 bi. Isso o levaria de volta aos níveis de 2010, quando os americanos venderam US$ 91,9 bi e compraram US$ 364,9 bi da China. Em 2017, a corrente de comércio estava em outro patamar. Mais integrados ao parceiro asiático, os EUA exportaram US$ 130,3 bi e importaram US$ 505,5 bi da China.

A visão de Trump é de déficit como prejuízo do país, como se fosse uma empresa. Na verdade o comércio tem inúmeros lados, e a importação de produtos chineses tem toda uma rede de interesses dentro da economia americana. A mais óbvia delas é a inflação baixa mesmo em período de retomada do crescimento.

Os maiores volumes das exportações americanas vêm exatamente de produtos de maior valor agregado e alta tecnologia. OS EUA embarcaram US$ 16,2 bi em aviões e equipamentos aéreos para o parceiro asiático em 2017. A exportação de veículos de passageiros somou US$ 10,5 bi. Fabricantes americanos venderam US$ 6 bi em semicondutores para a China, mais US$ 5,4 bi em máquinas industriais. Entre as commodities, os destaques foram os US$ 12,3 bi em soja e os US$ 4,4 bi em petróleo.

Da China, os EUA compraram US$ 70,3 bi em celulares e outros bens residenciais em 2017. No topo da lista das importações também aparecem os US$ 45,5 bi em computadores e os US$ 31,6 bi em acessórios para computadores. Outros US$ 33,4 bi foram gastos em equipamentos de tecnologia, mais US$ 26,7 bi em brinquedos e produtos esportivos e US$ 24,1 bi em vestuário. Os produtos de aço e ferro são pouco relevantes na lista, somaram US$ 4,9 bi.

O governo chinês argumenta que o desequilíbrio nas contas entre os dois países é provocado pela diferença da taxa de poupança. Os chineses poupam dois quintos da sua renda e os Estados Unidos são uma sociedade consumista. O governo americano diz que o déficit é provocado por práticas desleais de comércio. Provavelmente, os dois têm razão. Os americanos não poupam, e a China subsidia suas exportações, os bancos estatais fornecem empréstimos baratos para as empresas, o custo de mão de obra é baixo. Mas Trump está estimulando ainda mais o consumo, e o consumidor americano se aproveita dos subsídios chineses quando compra produtos com preço baixo. É difícil separar as duas economias porque elas já se misturaram demais ao longo dos anos de intenso comércio bilateral e investimentos chineses nos Estados Unidos.


Míriam Leitão: Nada a comemorar

Nesta semana que antecede o dia do trabalhador as notícias são que o desemprego aumentou e o mercado de trabalho ficou mais complicado, com a queda da Medida Provisória 808. A MP que corrigia pontos da reforma trabalhista caiu porque não teve relator e foi afogada por 967 emendas apresentadas pela oposição exatamente para tumultuar. A crise do emprego começou em 2015, ainda não foi vencida, e o Brasil complica quando tem que simplificar para estimular a criação de vagas.

Começo de ano é sempre um tempo ruim para o emprego, mas os dados vão além da sazonalidade. Entre o trimestre que terminou em dezembro, e o que acabou em março houve uma redução de 1,5 milhão de pessoas ocupadas no Brasil, segundo o IBGE, e diminuiu em mais de 400 mil o contingente com carteira assinada, em qualquer comparação.

A reforma trabalhista não tinha a capacidade de resolver problema tão agudo, mas poderia ter começado a simplificar o cipoal de leis, regras e normas que torna o ambiente hostil para a criação de emprego. Ela foi inicialmente pensada para simplificar. Com a queda da MP, que corrigia alguns erros adquiridos na tramitação, o ordenamento jurídico do trabalho virou uma Torre de Babel.

A oposição quis tumultuar e por isso apresentou quase mil emendas, algumas com o mesmo teor, apenas para bloquear o processo. Por outro lado, o governo deveria ter articulado a discussão e votação, e nada fez. A MP foi enviada dia 16 de novembro, a primeira reunião para instalação aconteceu só no dia 6 de março, o presidente indicado, senador Gladson Cameli (PP-AC) não estava presente e na semana seguinte renunciou. A comissão não se reuniu mais, nem a MP teve relator. Aí o prazo venceu e ela caiu.

O Brasil tem legislação trabalhista velha, pesada e formulada para o início da industrialização. O mundo do trabalho mudou muito e continuará mudando nas próximas décadas. A reforma ideal se anteciparia às mudanças e prepararia o país para um ambiente mais amigável ao emprego e mais flexível para as várias formas da relação entre empresa e trabalhador. O projeto do governo não era o ideal, mas tentava corrigir alguns pontos e criar outras formas de contrato de trabalho.

Há no país, agora, uma diversidade de regimes jurídicos. A lei que vigorava antes, a MP que vigorou por um tempo, e o projeto que foi aprovado. Há juízes que concordam com a lei e outros que acham que ela não pegará. E agora pode haver um decreto presidencial tentando regular alguns pontos. A insegurança jurídica e a complexidade aumentaram em vez de diminuir. E isso num mercado que tem 13,7 milhões de desempregados.

Especialistas dizem que houve avanços, apesar de tudo. Sólon Cunha, sócio do escritório Mattos Filho, conta que os clientes já esperavam a queda da MP. As centenas de emendas apresentadas à reforma indicavam que a discussão seria reaberta.

— Agora, a possibilidade de o Executivo editar as mudanças por decreto é preocupante. O melhor caminho para dar segurança jurídica deve ser discutir esses pontos da reforma no Congresso, no voto.

Nos tribunais, ele conta que a maioria dos juízes já tem aplicado as regras da reforma, mas há magistrados com interpretações diferentes. Um ponto da reforma que ele diz que pegou é o da prevalência do “negociado sobre o legislado”. Grandes empresas, que empregam muito em várias regiões do país, montaram departamentos de Relações Sindicais. Ficou para trás a época em que sindicatos e empresas se reuniam uma vez ao ano. Há companhias, segundo o advogado, que vão fechar mais de 100 acordos coletivos por ano. Isso deu poder ao sindicalismo de base, na opinião dele.

Um ponto que ainda não decolou foi o trabalho intermitente. A regra sofreu muitos pedidos de alterações. A maioria das empresas não sentiu ainda a segurança jurídica para aplicar a norma. Nem os trabalhadores, após a queda da MP.

A questão é que a crise no mercado de trabalho é muito aguda e não será resolvida com remendos. Há os milhões de desempregados, informais, e pessoas que, dentro da estatística dos “por conta própria”, estão subutilizadas e fazendo bicos. Além disso, piorou o emaranhado legal, a partir da queda da MP. E, mais importante: o país não está se preparando para os enormes desafios das transformações do mercado de trabalho.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: Volatilidade prevista

Estava escrito nas estrelas que este ano seria o da volatilidade cambial, por ser ano eleitoral, e estarem em disputa projetos políticos diferentes entre si, mas todos mal formulados. Além disso, houve um alinhamento de planetas provocado pelo fator Trump. Ele adota medidas econômicas e faz ameaças políticas que podem levar à alta dos juros nos EUA. Isso afeta a cotação do dólar, que ontem caiu, após subir por cinco pregões.

Não é surpresa, portanto, esse período de variações do dólar, e a volta ao patamar mais elevado desde 2016. Se essa vai ser a eleição com a maior taxa de incerteza que o país já teve desde a redemocratização, seria estranho se não houvesse volatilidade. Mas há um detalhe importante: a incerteza é maior, mas as condições concretas do Brasil, na área cambial, são melhores do que em qualquer outro tempo de estresse político.

O Banco Central tem os instrumentos para evitar exageros de cotação. Por definição, no câmbio de livre flutuação, o BC não tem que defender um valor específico para a moeda, mas ele pode atuar para evitar excessos que desorganizem. Nunca antes houve tantas reservas cambiais, US$ 380 bilhões, e isso é meio caminho andado. O outro meio caminho também temos: o Banco Central, desde a chegada de Ilan Goldfajn, reduziu muito a exposição ao dólar futuro, resgatando os contratos de swaps. Pode agora voltar a oferecê-los. O déficit em transações correntes, que estava em 4,5% do PIB em meados de 2015, está agora em 0,38% do PIB, ou seja, praticamente em equilíbrio. Ontem saíram dados mostrando superávit em março e o BC avisou que haverá novo resultado positivo em abril. A balança comercial tem gerado saldos recordes. E a inflação, há nove meses abaixo do piso da meta, tem espaço suficiente para acomodar qualquer choque provocado por alta do dólar.

E que bom que a economia criou todas essas reservas e amortecedores porque a tendência será continuar o sobe e desce da moeda, a partir das muitas dúvidas que cercam essa campanha. Os projetos dos possíveis postulantes não foram sequer formulados. O mercado, que gosta de divisões simples de campo de pensamento, acha que há dois cenários, o da eleição de um candidato populista, em que iria tudo para o vinagre, e outro de vitória de um candidato reformista, que salvaria a pátria.

Tudo é bem mais confuso do que a vã filosofia dos cenários de mercado. Há, na disputa eleitoral, posições extremadas, sem qualquer substância concreta. São radicais sem causa.

Há candidatos que se definem apenas por oposição ao outro, mas não dizem o que defendem e como vão enfrentar os muitos impasses brasileiros. Há os que já estiveram no poder, mas se comportam como noviços puros, sem qualquer relação com os erros passados, e prometendo mudar tudo. Há outros que se transmutam para o ideário de conveniência, mas que têm toda uma vida com atos e palavras no sentido oposto ao que dizem agora defender.

Então, mais do que ter dois cenários opostos — o bom e o ruim — o que se tem é a opacidade de todos os cenários, o que eleva muito a incerteza. A cada volta da pesquisa de opinião, ou da opinião expressa por um dos contendores vistos como competitivos, o dólar pode subir ou descer. Como se tudo isso não bastasse, o Brasil tem uma Justiça cujo poder supremo é idiossincrático, inesperado, conflituoso. A uma decisão de turma tudo pode mudar repentinamente, como ocorreu esta semana.

As decisões do presidente americano incluem um ingrediente de instabilidade para o valor de todas as moedas. É por isso que, desde a quarta-feira da semana passada, o dólar subiu em relação a moedas de todo o mundo, com o real acumulando perdas de 2,74%, uma das maiores no período, informa a corretora Mirae. A cotação tem subido porque o governo Trump está expandindo o déficit orçamentário e reduzindo impostos para aquecer o consumo num momento de baixo desemprego. E está elevando as barreiras ao comércio. Isso aumenta os temores de inflação e de alta dos juros. As ameaças ao acordo com o Irã estimulam a alta do petróleo que, também por outros motivos, está ocorrendo. Esse cenário internacional fortalece a tendência de volatilidade que já estava dada por ser um ano de eleição e com cenários de muita imprevisibilidade.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: Transporte de provas

Decisão da 2ª turma ignora engenharia financeira da corrupção. A ação penal que trata do Instituto Lula está na fase das alegações finais, a do sítio de Atibaia está começando a ouvir as testemunhas e agora, por decisão da 2ª turma do STF, os documentos das delações da Odebrecht sobre isso serão enviados para São Paulo. É só o transporte de provas, ou é o começo de algo muito maior que levaria os processos do ex-presidente Lula para longe de Curitiba?

Pode ser muito mais, pode ser apenas um detalhe confuso criado por ministros do Supremo no processo da Lava-Jato. Não será a primeira vez que isso ocorre. Procuradores da Força Tarefa anexaram, ontem, declaração nos processos em que afirmam que não houve discussão sobre a competência, como o próprio ministro Dias Toffoli disse. No voto, ele registrou que não firmaria “em definitivo a competência do juízo". A porta está aberta. O único que se sabe é que isso não afeta, obviamente, o caso do triplex, que já está julgado. Mas dos outros não há certeza.

É curioso o argumento do voto do ministro Toffoli, acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovsky, de que não há ligação entre esses casos investigados nas duas ações penais e as propinas pagas nos negócios escusos com a Petrobras.

É preciso ter estado em Marte nos últimos anos para desconhecer que as empresas corruptas trabalhavam com uma espécie de "caixa geral da propina". Alguns delatores chegaram a usar essa expressão em suas delações. A Odebrecht tinha um departamento secreto no qual estruturava o pagamento de suborno e a distribuição de vantagens. Não havia propinas em compartimentos estanques que, por algum tipo de compliance, não pudessem ser usadas em outra ponta do mesmo negócio de comprar benefícios no setor público. É preciso também ser estrangeiro aos fatos para desconhecer que esses casos começaram a ser investigados em Curitiba e, portanto, pegar alguns papeis e enviá-los para São Paulo, por qualquer minudência jurídica, é uma forma de confundir.

No voto, o ministo Dias Toffoli disse que o empresário Emílio Odebrecht falou em hidrelétricas do Rio Madeira como parte dos benefícios a Lula. Alexandrino Alencar falou em gastos no sítio de Atibaia feitos “como contrapartida pela influência política exercida pelo ex-presidente", e Marcelo Odebrecht disse que os valores para a compra do Instituto Lula sairiam da conta “amigo”, onde foram provisionados R$ 35 milhões, em 2010, “para suportar gastos e despesas do então presidente Lula”.

Diante disso, o ministro concluiu: “não diviso, ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos nos termos de colaboração com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras". Como não se pode acusar o ministro, e os que o acompanharam, de ingenuidade, a conclusão é de que eles se esqueceram da forma imbricada como a engenharia financeira da corrupção sempre funcionou. Tirou-se dinheiro de vários negócios com o governo, mas a Petrobras sempre foi ordenhada para financiar o esquema.

Várias investigações de corrupção no passado foram sepultadas por detalhes levantados pelos advogados para se requerer a nulidade das provas. Inúmeras manobras deram certo. O Brasil poderia estar bem mais adiantado na luta contra a corrupção, se os tribunais superiores não tivessem derrubado os processos por questiúnculas.

O ex-senador Demóstenes está livre para se candidatar por uma dessas. O ministro Dias Toffoli suspendeu a inelegibilidade porque houve a nulidade da prova do processo contra ele. A prova foi considerada nula porque um juiz de primeira instância não poderia determinar uma escuta telefônica envolvendo um senador da República, já que ele tem foro privilegiado. Com esse argumento foram invalidadas as interceptações telefônicas das operações Vegas e Monte Carlo. O problema é que ninguém na primeira instância havia autorizado ouvir o senador. Os telefones que estavam sendo gravados eram os de Carlinhos Cachoeira e outros integrantes da quadrilha. O então senador é que tinha relação com eles e só por isso foi ouvido. Mas por este detalhe, as provas obtidas com o esforço de sempre dos investigadores foram anuladas, e o ex-senador poderá limpar sua ficha e se candidatar.

O risco nessa decisão da 2ª turma não é esse transporte de provas, é o que pode vir em consequência disso.


Míriam Leitão: Erros ou crimes

Aécio diz ver “versões engolirem fatos”.

O senador Aécio Neves argumenta que o apartamento da sua mãe, que estava posto à venda, havia sido avaliado pela Sotheby's em R$ 36 milhões e que fora negociado por empresa especializada e oferecido por ele ou sua irmã a outros compradores também, além de Joesley Batista. Garante que, na defesa, apresentou comprovação de contato com outros possíveis compradores, visitados pela irmã dele.

Aécio Neves enviou longa correspondência eletrônica em resposta à coluna de sábado, em que sustentei que as versões dos acusados de corrupção são em geral inverossímeis. Por exemplo, a maneira como, pelo que se ouviu naquela conhecida gravação, ele negociava um empréstimo supostamente baseado em transação na qual Joesley Batista poderia comprar o imóvel, que sequer havia visitado.

O que o senador garante é que o imóvel não estava sendo vendido “de forma improvisada”. Quem ouve o diálogo gravado fica com essa impressão, até pelo palavreado nada comercial, nem convencional, da conversa entre o senador e o empresário, agora réu confesso do crime de corrupção. Vamos ver o que a Justiça conclui após a avaliação de todos esses documentos que ele diz ter entregue.

O imóvel, que estava sendo oferecido por R$ 40 milhões, é assim valioso mesmo, segundo o senador.

— O banqueiro Gilberto Faria, marido de minha mãe, construiu o prédio e o casal passou a morar na cobertura. É uma cobertura de dois andares, com mais de 1 mil metros de área construída e com direito à construção de um terceiro. Trata-se de um imóvel diferenciado de alto padrão — escreveu o senador.

De qualquer maneira, o que está em questão não é o pretenso valor do imóvel, mas sim o empréstimo, aquele diálogo, o dinheiro vivo, em malas, entregues a alguém “que a gente mata antes de fazer delação”. O senador terá muito a explicar à Justiça.

Andrea, irmã dele, teria feito visitas a vários empresários, segundo explicou.

— A todos indagou se havia interesse em adquirir o imóvel no Rio de Janeiro e fez o convite para que, se desejassem, visitassem o apartamento, ponto de partida de qualquer negociação.

Certamente a nenhum deles foi pedido um empréstimo antes desse “ponto de partida”. O senador diz que prestava esses esclarecimentos, “mesmo impotente, vendo versões engolirem os fatos”.

— Esclareço ainda que em toda a minha vida pública não existe um único ato em favor do grupo J&F, o que foi inclusive, reconhecido pelos delatores em suas delações. Nós sabemos quem são os verdadeiros parceiros que curiosamente não são citados nas delações feitas — diz o senador.

Sobre esse ponto, em que ele assegura nada ter feito em favor da empresa, também tratei na minha coluna de sábado. E o importante a reter nesse momento de luta tão difícil contra a corrupção é que toda a relação de um empresário, que tenha interesses no setor público, e um político tem o pressuposto da reciprocidade.

O que Joesley pretendia comprar, nos milionários dispêndios em doações aos políticos, era a influência, era a reserva para ser usada em caso de necessidade. No entendimento de cortes americanas, basta que o agente público entenda, mesmo que não explicitado, o que dele é esperado quando surgirem as oportunidades. É isso que o corrupto está comprando: uma espécie de boa vontade futura.

Portanto, o agente público não pode receber vantagens, mesmo que nada dê em troca no momento. Às vezes há transações claras, como ocorreu na Petrobras, sob o argumento de que essa era a regra do jogo, mas às vezes é mais genérico.

O senador Aécio diz que Joesley se esforça para que não seja invalidada a sua delação. Por isso tem mudado de versões para acusá-lo. Que, há um ano, Joesley disse à PGR que havia doado à campanha partidária o valor que agora alega que foi dado a ele, Aécio.

— Nesta última semana ele trata os recursos doados à campanha do PSDB, e devidamente registrados, somados a outros doados a outros 12 partidos, como se fosse um benefício pessoal a mim. Não mereceu atenção de ninguém, os valores muito superiores que ele doou à coligação adversária.

Diz ainda que o contrato com a rádio da sua família, à qual J&F fez pagamentos mensais, era regular e os comerciais foram veiculados. Ele repete ao fim da mensagem que cometeu apenas erros e não crimes.


Míriam Leitão: Multitarefas

Ontem era feriado no Rio, e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, trabalhou em São Paulo em uma reunião da B3, na qual ele é presidente do conselho de administração. A grande dúvida em relação a ele nesse momento é se será capaz de tocar a presidência da estatal e a do conselho de administração da BRF, cujo CEO renunciou na segunda-feira.

Para encarar o desafio, Parente pretende usar até o tempo das folgas, se for necessário. — Caso venha a se concretizar a minha ida, eu posso, por exemplo, usar dias de férias na Petrobras para as reuniões da BRF. Na Petrobras, as férias podem ser tiradas em dias alternados. Estou disposto a sacrificar esse tempo porque sei que o trabalho é importante.

Não lhe falta serviço na Petrobras, evidentemente, mas Parente lembra que hoje a empresa é outra, em relação a que encontrou.

— Se fosse no início, certamente eu não poderia acumular, mas hoje a empresa tem plano estratégico aprovado e já sendo implantado em seu segundo ano, tem novo sistema de gestão com metas controladas em reuniões mensais, tem uma diretoria executiva completamente integrada, regras de conformidade aprovadas e sendo cumpridas. Em governança, é outra empresa — diz ele.

Uma frente de trabalho foi a limpeza de passivos deixados por administrações anteriores, enfrentada com a negociação do acordo em ações judiciais internacionais, o “class action", a mudança do perfil da dívida, a solução de conflitos com diversos órgãos governamentais e reguladores.

— Nada disso é trabalho de uma pessoa só, seria impossível. Estamos limpando problemas de bilhões de dólares no balanço da empresa — disse Parente.

O resultado aparece nos indicadores, e a possibilidade de a companhia enfrentar um ano eleitoral com tranquilidade.

— A taxa de juros cobrada no mercado secundário internacional pelos títulos da Petrobras estava em 15% ao ano. Agora está abaixo de 4%. O preço da empresa que estava em 90 bilhões de reais, agora é 90 bilhões de dólares. O rating da Petrobras hoje equivale ao da República. A dívida de curto prazo vencendo em 2018 a 2020 era de US$ 40 bilhões, hoje é US$ 20 bi.

Se a Petrobras está melhor, não se pode dizer o mesmo da BRF, que enfrenta problema de relacionamento entre sócios, resultados ruins, investigação da PF, teve várias unidades de produção descredenciadas pela Europa e ontem ficou sem CEO.

— Se for confirmada a minha ida, será numa situação em que os sócios estejam de acordo e isso já ajuda no problema da governança. As outras questões serão enfrentadas e vão exigir, principalmente no começo, mais do que uma reunião por mês. Mas são problemas que no cotidiano serão tratados pela diretoria executiva e não pelo conselho de administração.

Se for para a BRF, Parente terá ainda que fazer uma transição na B3. Disse que o tempo em que acumulou o conselho da bolsa e a Petrobras mostrou que ele consegue fazer as duas tarefas.

— Foi um tempo importante, em que houve a aquisição da Cetip pela BM&F e a mudança do CEO.

A estatal, sob administração técnica e sem interferência política, está recuperando seu ranking entre as empresas de capital aberto da América Latina. Estudo exclusivo de Einar Rivero, da consultoria Economatica, revela que ela ontem se tornou a segunda mais valiosa companhia da região, passando o Itaú Unibanco. Era a primeira, anos atrás, mas no fim de 2014 a posição foi ocupada pela Ambev. O mercado reagiu à reeleição da ex-presidente Dilma por receio da continuação da interferência política nos preços e na gestão. Durante aquela campanha, quando a oposição subia nas pesquisas, a Petrobras se valorizava no pregão. A cotação chegou a R$ 310 bilhões no início de setembro, quando a candidata Marina Silva liderava as intenções de voto. A Ambev valia, então, R$ 250 bi. Ao final daquele mês, já com Dilma na liderança das pesquisas, a Petrobras foi cotada em R$ 229 bi.

No dia seguinte ao segundo turno, a cotação caiu mais, para R$ 180 bi, e a Ambev definitivamente a passou. Em seguida foi a vez do Itaú Unibanco. O fundo do poço aconteceu em fevereiro de 2016, quando a estatal chegou a valer R$ 67 bilhões. Hoje, voltou a ser cotada a R$ 307 bi. Ainda está longe do maior valor, R$ 510 bilhões, que atingiu em 2008, na euforia do pré-sal.


Míriam Leitão: As incertezas de 2018

Nos últimos 20 anos, ou cinco eleições, o principal embate foi entre PT e PSDB. Neste ano, os dois partidos mais competitivos do país nas eleições presidenciais, nessas duas décadas, estão feridos pelas investigações de corrupção. A incerteza será a marca desse processo e ela pode persistir até a boca da urna, os cenários eleitorais estão em aberto.

O cientista político Jairo Nicolau tem sustentado que é errado comparar a atual eleição com a de 1989 como costumeiramente tem sido feito. Argumenta, com gráficos que tem postado em suas contas nas mídias sociais, que o ex-presidente Fernando Collor liderou as intenções de votos durante a campanha. Ele começa seu gráfico faltando 165 dias para a eleições. Hoje faltam 168 e não há um favorito claro. O ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas, será, provavelmente, declarado inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Em 1989, a disputa que houve foi em torno do segundo lugar. Collor estava com 43% das intenções de voto em junho. Caiu, após o início do horário eleitoral, mas foi para o segundo turno com 28,5% dos votos. Lula estava com 8% e Brizola com 15%. Lula cresceu, com o programa eleitoral e, no final, com 16,08%, ultrapassou Brizola. A grande incerteza, portanto, era quem disputaria com Collor. “O quadro de 2018 é de uma imprevisibilidade nunca vista em nenhuma eleição brasileira", disse Jairo Nicolau no Twitter.

De fato, visto por esse ângulo, 1989 não parece tão incerto. Mas houve mudanças e momentos dramáticos. Em março, Collor estava com 9%, Lula com 16% e Brizola, com 19%, segundo o livro “A Era Collor”, de Rodrigo de Carvalho. No segundo turno, houve um momento de empate nas intenções de voto. Faltavam três dias para as eleições, quando o Datafolha registrou 46% para Collor e 45% para Lula. A votação foi no dia 17 de dezembro. Ou seja, a eleição de 1989 foi suficientemente incerta. O que Nicolau está dizendo é que esta será ainda mais. De igual entre 1989 e 2018 o que há é a alta rejeição do presidente em exercício. Na véspera das eleições, 65% consideravam o governo Sarney ruim ou péssimo, segundo o Datafolha. Hoje, 70% têm essa avaliação de Temer.

O combate à corrupção será um fator relevante na formação do voto este ano. Hoje, parece haver uma dissonância entre os 84% que apoiam a Lava-Jato e o bom índice nas pesquisas do ex-presidente Lula, preso e condenado por corrupção. Como o processo anticorrupção não está restrito a um partido, ele deve afetar o desempenho eleitoral das grandes siglas, principalmente o PT, PSDB e PMDB. Isso aumenta a chance de candidaturas com pequenas estruturas partidárias, ou que apareçam diante do eleitor como uma novidade. E eleva o grau de incerteza eleitoral.

A economia sempre jogou um papel importante. Em 1989, a demanda era por quem tivesse uma solução rápida contra a inflação. Collor convenceu parte do eleitorado com sua promessa vã de abater a inflação com “um tiro”. Os outros candidatos não tinham propostas claras. Brizola falava nas “perdas internacionais” e Lula falava em acordos de preços e salários e não pagamento da dívida.

A eleição de 1994 foi o caso mais forte de casamento entre o voto e a economia. O resultado foi determinado pelo Plano Real e por isso o grande beneficiário foi o ministro da Fazenda, Fernando Henrique, que conduziu o plano na sua etapa preparatória e apareceu como o seu formulador. Mas aquela eleição foi única e sua dinâmica não pode ser reproduzida.

A economia está melhorando e saindo da crise extrema que viveu, quando foi jogada na recessão e inflação alta, no governo Dilma. Em 1986, a inflação começou o ano em 10,7% e o PIB teve queda de 3,5%. Este ano o país vai crescer em torno de 2,5% e a inflação está abaixo de 3%. Mas há uma dissonância entre os indicadores e a sensação de conforto econômico. Além disso, como mostrei na coluna de quinta-feira, há várias temperaturas na economia. Em Santa Catarina a produção industrial cresce 5%, e em Pernambuco encolhe 1,8%. Produtos de maior valor têm avanço nas vendas, enquanto bens de menor valor patinam. Em março, 70 mil empregos formais foram criados no Sul, Sudeste e Centro-Oeste e 13 mil foram fechados no Norte e Nordeste. O reflexo da economia nesta campanha não será de compreensão trivial. Por tudo isso, a eleição de 2018 pode vir a ficar com o título da mais incerta da nossa história.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: Longe da verdade

Explicações improváveis são o padrão entre os acusados de corrupção no país. Há um traço comum entre os acusados de corrupção no Brasil. Eles dão explicações inverossímeis para os seus atos. No caso do senador Aécio Neves, ele diz que a família estava pondo a venda o apartamento da mãe, que ele estima valer R$ 40 milhões, e por isso ofereceu o imóvel ao empresário Joesley Batista, pedindo um empréstimo de R$ 2 milhões, tendo em vista essa transação futura.

Na economia não funciona assim. Quando alguém quer vender um imóvel de alto valor procura empresas especializadas. A avaliação é feita por critérios técnicos dos corretores e consultores. Aí se coloca o imóvel à venda. Não faz sentido vender um apartamento desse valor de forma improvisada, falando com um amigo que sequer viu o imóvel.

Mesmo entre amigos, haveria, antes de o vendedor pedir qualquer adiantamento, um documento assinado de compromisso de compra e venda, com cláusulas que garantissem ambas as partes. Aécio diz que caiu numa armadilha montada por um criminoso confesso e que queria pegá-lo para usar como moeda de troca na negociação na delação premiada. Foi ele a procurar o criminoso confesso, a entrar na armadilha ao tentar fazer um negócio fora de qualquer padrão.

A afirmação de que nada deu em troca é comum a todos os acusados. O problema é que o empresário, no caso Joesley Batista, tinha muitos interesses nas relações com o setor público, nas leis que eventualmente tramitavam no Congresso. O pressuposto em empresários que fazem contribuições generosas aos políticos é que eles retribuam quando seus interesses estiverem em jogo.

O senador Aécio disse que cometeu um erro e não um crime. Seu adversário político, José Dirceu, a um passo de uma prisão prolongada, também disse que não cometeu crimes. Apenas erros. Em entrevista à Mônica Bergamo, Dirceu afirmou que comprou um imóvel, financiou-o e pagou a entrada. O “erro” foi aceitar que o lobista Milton Pascowitch fizesse a reforma do imóvel. Segundo ele, era também um “empréstimo não declarado", coisa que agora Dirceu se dá conta de que é indevida. “Ele reformou o imóvel e eu não paguei".

É curioso que no país do dinheiro mais caro do mundo, homens públicos, influentes e poderosos tenham aceitado empréstimos informais de lobistas e empresários, sem se dar conta, ainda hoje, o que houve de criminoso nos seus atos.

O artigo 317 do Código Penal diz que corrupção passiva é solicitar ou receber vantagens, ou aceitar oferta de vantagens. Aécio as solicitou, José Dirceu as recebeu. Mas ambos dizem que cometeram erros.

O ex-presidente Fernando Henrique disse em entrevista à Maria Cristina Fernandes, do “Valor”, que “no caso de Aécio, a citação diz respeito ao que se deu na esfera privada”. Aécio não é apenas “citado", agora ele é réu. Não existe “esfera privada” num negócio entre um senador e um empresário cheio de interesses na esfera pública. Sobre Eduardo Azeredo, o ex-presidente diz que ele “está sendo processado". Também é mais que isso. Ele já foi condenado em duas instâncias e está agora se completando o julgamento dos recursos. Fernando Henrique disse que não conhece o processo contra Azeredo. “Qual é a acusação? É dinheiro de campanha que teria sido dado". Deveria conhecer melhor, porque foi no caso Azeredo que o PSDB pegou o caminho errado, de passar a mão sobre os seus e acusar os outros. Azeredo foi acusado do mesmo crime que condenou tantos petistas no mensalão.

José Dirceu é um ser político e a entrevista mostra sua visão estratégica. Não deve ser tomada pelo valor de face, apenas como peça da construção do discurso político. Sua tese é de que o PT estava implantando o “estado de bem-estar social no Brasil” e que as prisões, inclusive a do ex-presidente Lula, são fruto da reação a esse “legado”, como ocorreu com o ex-presidente Getúlio Vargas. Joga essa resposta para a militância. Não tem qualquer base real. O estado do bemestar social vem sendo montado no Brasil há muito tempo, a contribuição do PT foi o Bolsa Família, um bom programa, que foi mantido. O PT pouco fez para melhorar outras bases do estado de bem-estar social, como o SUS, por exemplo.

Os acusados de corrupção no Brasil ou dão respostas que contrariam os fatos ou explicações inverossímeis.


Míriam Leitão: O inferno são os outros

O senador Aécio Neves pediu dinheiro a um empresário que confessou comprar parlamentares e avisou que a encomenda teria que ser carregada por alguém “que a gente mata antes de fazer delação". É difícil imaginar prova mais clara, e mortal, de obstrução de Justiça. O ex-governador Geraldo Alckmin recebeu em espécie, e não declarou, R$ 10 milhões da Odebrecht, mas responderá apenas na Justiça Eleitoral.

O ex-presidente do PSDB, ex-governador de Minas e ex-senador Eduardo Azeredo está nas raízes do primeiro escândalo de corrupção da nova safra. Ele fez em Minas o rascunho do que viria depois a ser o mensalão. A mesma engenharia financeira, o mesmo Marcos Valério, a mesma SMP&B, o mesmo Banco Rural. Foi condenado a 20 anos e o tempo corre contra a execução da pena. Ele tem abusado da patologia recursal brasileira, e com sucesso.

Aécio Neves está solto e exercendo seu mandato. O Supremo decidiu que o Senado poderia anular a ordem do próprio Supremo de suspensão do mandato. No caso de Alckmin, a decisão da Procuradoria-Geral da República de enviar o caso à Justiça Eleitoral porque há “só” caixa dois, e é “prática comum em caixa dois a entrega do numerário em espécie”, nas palavras do subprocurador-geral, revoga tudo que o país aprendeu com a Lava-Jato. Quase todos os acusados disseram que seus casos eram “só” de caixa dois, mas normalmente isso está conectado a outros delitos. Dinheiro em espécie entregue pela notória Odebrecht é indício de lavagem.

O inferno desse momento que o Brasil atravessa são os outros, para pegar emprestada a frase do filósofo Jean-Paul Sartre. São todos os outros que mostram como é persistente e longa a história de impunidade dos crimes de colarinho branco no Brasil. O mensalão e a Lava-Jato são uma quebra de paradigma. Podem ser o começo de um novo tempo, ou agravar ainda mais a sensação de uma Justiça seletiva.

Os tucanos sempre foram opostos aos petistas na economia, e adversários na arena política. Pois quando a denúncia chegou aos seus, se comportaram de forma idêntica. O PSDB era presidido por Eduardo Azeredo quando estourou o mensalão mineiro e continuou presidindo a legenda até o fim da gestão. Era presidido por Aécio Neves quando veio a público a conversa dele com o empresário Joesley Batista. Permaneceu presidente de fato. O PSDB fingiu afastá-lo, mas ele mostrou sua força no episódio em que forçou a saída do interino Tasso Jereissatti.

Há uma lista de outros, soltos por aí, porque seus inquéritos andam lentamente quando estão em tribunais superiores. O presidente Michel Temer conseguiu barrar duas denúncias contra ele e, diante da pressão contra seus amigos, o Planalto usa a surrada desculpa de que é denúncia “requentada". Como se as suspeitas se dissolvessem por repetição.

A lentidão tem sido o outro nome da impunidade. O símbolo disso é Paulo Maluf. A chegada da Justiça foi tão demorada que o encontra octogenário e, como disse o Hospital Sírio-Libanês, com “confusão mental". Ele faz parte da geração dos políticos que tinham certeza de que nada os alcançaria, se tivessem bons advogados especialistas na quase infinita estrada recursal. Agora a Justiça está se apressando. Mas não para todos.

A defesa do senador Aécio Neves diz que ele foi “vítima de uma situação forjada arquitetada por criminosos confessos que buscavam firmar um acordo de delação premiada fantástico". Há pedaços de verdade aí, mas a tese é falsa. Joesley Batista é criminoso confesso e estava em busca de provas para fazer a delação com um pedido fantástico: o da inimputabilidade. O prêmio foi concedido e depois, felizmente, suspenso. O inferno para o senador é que ninguém o forçou a procurar o empresário, pedir dinheiro e dizer os absurdos que disse, como a ameaça de morte feita ao carregador de malas; seu primo, a propósito.

O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer, disse que a Justiça não pode fazer “compensação”, querendo dizer que não pode apertar o cerco sobre os tucanos porque prendeu o ex-presidente Lula. Não se trata de compensação, mas de Justiça. Todos os suspeitos precisam ser investigados, todos os condenados precisam cumprir suas penas. É assim em países onde funciona o império da lei.


Míriam Leitão: Rota sem rumo

A indústria automobilística no Brasil recebeu R$ 28 bilhões em subsídios do governo federal de 2006 a 2018, segundo estudo do economista Gabriel de Barros, da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Além de um regime tributário específico, o Inovar-Auto, houve forte redução de IPI, para estimular vendas, e ajuda indireta à instalação de plantas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Mesmo depois de iniciada a crise de penúria dos cofres públicos, os gastos com o setor aumentaram. De 2013 a 2017, o Inovar-Auto representou um custo de R$ 5,2 bilhões para o contribuinte, segundo o IFI. O programa foi condenado pela Organização Mundial do Comércio e não pôde continuar. Neste momento o governo se prepara para renovar a mesma ideia, com outro nome. Será o Rota 2030. Ele permitirá que empresas descontem o custo dos investimentos em pesquisa e tecnologia nos mais diversos impostos. A briga no governo é saber que impostos poderão ser abatidos. A Fazenda quer que seja só no Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E o Ministério do Desenvolvimento quer que seja em todos os impostos federais para a alegria das montadoras. O custo pode ser de R$ 1,5 bi ao ano. E vai até 2030.

A grande pergunta é: esse dinheiro já concedido fomentou alguma tecnologia inovadora para a indústria brasileira? O que se percebe é o efeito colateral dos subsídios. A redução de IPI no primeiro governo Dilma teve impacto direto na arrecadação e contribuiu para levar o governo à crise fiscal.

As montadoras também foram contempladas pela redução dos juros para o setor, numa época de taxas altas para os outros segmentos. Elas foram reduzidas, os prazos se alongaram, e o resultado foi uma disparada da inadimplência na carteira de veículos. Ainda hoje o setor financeiro estuda os erros que cometeu, e isso atrapalha a queda do spread bancário e a recuperação da economia. Houve ainda programas especiais de financiamento via BNDES para a compra de caminhões com juros muito abaixo dos praticados pelo próprio banco.

Segundo o estudo do IFI, o volume total de renúncias fiscais para todos os setores saiu de R$ 77,7 bilhões, ou 3,2% do PIB, em 2006, para cerca de R$ 285 bi em 2017, ou 4,4% do PIB. O aumento aconteceu no governo que se definia como de esquerda e foi o que mais estimulou as transferências para o capital.

Mesmo com o ajuste fiscal, o governo ainda estima, para este ano, um gasto que ficará em 4,1% do PIB, como mostra o gráfico abaixo. Alguns programas são plurianuais. Outros o governo tenta reduzir e a base parlamentar rejeita. Gabriel de Barros não discute o mérito dos subsídios em seu estudo, mas aponta o seu peso dentro do Orçamento. O economista lembra que muitos projetos não têm data definida para acabar ou irão vigorar por décadas, como é o caso da Zona Franca de Manaus, que custa cerca de R$ 25 bilhões por ano e irá se estender até 2073, ou seja, por mais 56 anos.

O projeto de reoneração da Folha foi sendo aos poucos abandonado. Essa renúncia fiscal tinha até uma boa proposta inicial, que era reduzir o peso da contribuição previdenciária de empresas que empregam muita mão de obra. Mas o número de setores beneficiados cresceu e causou um rombo nas contas públicas.

Renúncias fiscais são políticas públicas e, por isso, são escolhas do que fazer com o dinheiro coletivo. Elas devem ter foco em redução das desigualdades e assimetrias da sociedade. A indústria automobilística, ainda baseada no motor a combustão, tem recebido benefícios fiscais desde que se instalou no Brasil há 70 anos. Sem que se saiba qual é o destino dessa rota.

 


Míriam Leitão: A visão de Guardia

O novo ministro da Fazenda Eduardo Guardia garantiu que fará tudo para que a privatização da Eletrobras aconteça este ano. Disse também que o orçamento, cuja LDO será entregue nos próximos dias ao Congresso, irá com um pedido de crédito extraordinário para não romper a regra de ouro. Toda a equipe do Ministério, que estava com Meirelles, permanecerá. Foi o que ele me contou ontem logo após a posse.

Em entrevista ao meu programa na GloboNews, Guardia explicou como pretende cumprir a regra de ouro em 2019. — Nós vamos entregar um orçamento compatível com a regra de ouro. Ela diz que não se pode usar operações de crédito para financiar despesas correntes. Há uma prerrogativa na própria Constituição que permite o uso de um crédito extraordinário para não se quebrar a regra. Usaremos esse dispositivo — disse Guardia. O assunto foi tratado com o TCU.

Ele usou a palavra “continuidade” para definir a sua gestão inicialmente prevista para ser curta, de nove meses apenas, e afirma que essa equipe, da qual fazia parte como secretário-executivo, tirou o país da crise da inflação alta, recessão.

— É importante dar continuidade a todas as conquistas que nós já tivemos. Iniciamos com o país em uma situação de extrema gravidade. A maior crise que todos nós já vivenciamos. Economia em retração, inflação alta e taxa de juros alta. Agora, temos expectativa de crescimento de 3%, a inflação está ancorada nas reformas estruturais e os juros caíram.

De fato, a inflação e juros caíram e o país está crescendo, mas lentamente. A previsão do mercado para o PIB do ano está em 2,8%.

Na inflação, há muito a comemorar. Foi a menor taxa para março desde o começo do real. O acumulado de 12 meses ficou em 2,68%, bem abaixo do piso da meta, permitindo nova queda de juros. Neste início do ano, em que o índice ficou em 0,7% na soma dos três meses, a agricultura foi novamente a protagonista. A previsão para a safra de grãos só não é maior que a colheita do ano passado. Na semana passada, eu entrevistei o novo presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, e ele disse que a taxa baixa de inflação, e a consequente baixa de taxa de juros, é o “novo normal da economia”.

O problema continua sendo o fiscal. O desequilíbrio permanece. Na visão de Guardia isso está sendo enfrentado com a lei de teto de gastos.

— A gente ainda tem déficit primário, mas hoje existe a confiança de que o país está no rumo certo.

Houve resistência ao nome de Guardia dentro do MDB porque ele é considerado tucano. Trabalhou em vários postos no Ministério da Fazenda na gestão de Pedro Malan e depois foi secretário de Fazenda do governador Geraldo Alckmin. Perguntei sobre isso a ele, e Guardia respondeu que tem orgulho de ter participado dos governos de FH e Alckmin. Como tem também orgulho de estar no atual governo.

— Nunca tive filiação política, sou um técnico que transita tanto no setor público quanto no privado. Estou aqui com uma equipe de alta qualidade para continuar o trabalho do ministro Meirelles. A minha posição não é partidária, tenho compromisso com o que estamos fazendo porque acho que é o melhor para o país.

O resultado do trabalho da atual equipe, que ele passa a comandar, é de vários sucessos, como a queda da inflação, que permitiu a redução dos juros, e o fim da recessão. Mas o desemprego permanece alto e não há confiança de que o número comece a ser alterado agora. Há várias questões fiscais pendentes. E muitas dúvidas sobre os rumos. Uma delas é em relação à Eletrobras, mas ele garantiu que tudo será feito para que a empresa seja vendida este ano.

— É um compromisso nosso. E é absolutamente necessário e cabe ao governo retomar a discussão com o Congresso e mostrar a importância desse processo.

Este ano a economia pode enfrentar volatilidades pela incerteza eleitoral, mas Guardia disse que tem “experiência em transições políticas". Uma delas foi a passagem do governo FHC para o governo Lula em 2002, quando ele era secretário do Tesouro.

— Períodos de eleição, no Brasil e em outros países, são mais tensos, exigem maior atenção. A melhor resposta que a gente pode dar é a disciplina fiscal.

O problema é que o Congresso tem derrubado propostas de ajustes e criado despesas. Este será, até o fim, um ano difícil na economia.