Míriam Leitão: O meio ambiente e o bolsonarismo

General diz que não se pode derrubar uma árvore no Brasil sem que alguém venha ‘encher o saco’. Só em 2017, 14 milhões foram derrubadas

O alerta não vem de um ambientalista, mas de um dirigente de instituição financeira internacional, com quem conversei. O que o preocupa, num cenário de vitória de Jair Bolsonaro, é o absoluto desprezo pela questão ambiental e climática. Na visão dele, é obvio que a competitividade e a capacidade de financiamento do agronegócio serão maiores quanto mais pacificada for a relação com o meio ambiente. Um general da campanha de Bolsonaro reclamou que no Brasil não se pode derrubar “uma árvore sem que alguém venha encher o saco”. No ano passado, só na Amazônia e no Cerrado foram derrubadas 14 milhões de árvores.

O raciocínio do banqueiro é assim: se o produtor do Cerrado, por exemplo, quer ter água para produzir, precisará cumprir rigorosamente os limites das áreas de preservação em suas terras. Se cumprir esses limites, ele poderá ser financiado por capital externo que não aceitaria, a esta altura, emprestar para desmatadores. Esse financiamento pode ser feito a juros baixos, sem depender do subsídio estatal.

O mais lógico seria, segundo o banqueiro, que o diálogo que começava a existir entre o agronegócio e o ambientalismo fosse estimulado. Mas, na eventualidade de um governo Jair Bolsonaro, ficará mais difícil. A bancada do agronegócio que aderiu ao candidato busca respaldo para suas posições mais extremadas. E ele já disse que submeterá o assunto ao Ministério da Agricultura, acabando com a pasta do Meio Ambiente.

O general Oswaldo Ferreira, que está tocando os planos do candidato para a área de infraestrutura e de meio ambiente, lembrou ao “Estado de S. Paulo” os anos 1970, quando ele era um tenente “feliz da vida” trabalhando na BR-163. “Derrubei todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher o saco. Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente encher o saco”.

A verdade é o contrário do que acredita o general. O Brasil derruba muita árvore, esse é o problema. No ano passado, foram 6.947 km2 de floresta desmatada na Amazônia e 7.408 km2 no Cerrado. Isso significa que o Brasil derrubou nos dois biomas algo como 14 milhões de árvores, só em 2017, segundo Tasso Azevedo, do Observatório do Clima. “E os dados de 2018 podem ser 30% maiores, como mostram as pesquisas do Imazon.”

O Brasil tem que cumprir objetivos internacionais de desmatamento líquido zero em 2023. Mesmo que o país, num governo Bolsonaro, saia do Acordo de Paris, os grandes bancos internacionais e multilaterais continuarão tendo que seguir regras de não financiar produtores vistos como desmatadores. Países podem escolher líderes que negam o problema ambiental e climático. Aconteceu nos Estados Unidos. Mas a despeito das crenças de Donald Trump, as empresas americanas continuam fazendo a transição para uma economia de baixo carbono, na agricultura, na indústria automobilística e até no setor de petróleo. É inexorável a mudança para um novo padrão sustentável, mas o estrago de curto prazo pode ser muito ruim se o país escolher voltar a visões de mundo totalmente desatualizadas. “No meu tempo”, diz o general, “não tinha MP e Ibama para encher o saco”.

O Ministério Público continuará em qualquer governo com sua independência, incomodando qualquer que seja o governo. Nesta campanha, Ciro Gomes disse que queria pôr o MP na caixinha, o ex-ministro José Dirceu disse que é preciso tirar dele o poder de investigação, e esse general da campanha de Bolsonaro sonha com a volta ao tempo em que ele não limitava o poder militar no seu ataque ao meio ambiente. Mas um governo com essa visão pode fazer um grande estrago na estrutura dos órgãos de controle do executivo, como o Ibama, Inpe, ICMBio.

O governo Dilma, como escrevi neste espaço várias vezes, passou por cima do Ibama e reduziu áreas de preservação. O governo Temer diminuiu o tamanho da preciosa Floresta de Jamanxin no Pará. Um governo com posições radicais pode ser bem pior. Enfrentará resistência, contudo, principalmente das instituições científicas independentes que produzem dados para qualificar o debate brasileiro. Além disso, o Brasil poderá perder bons negócios. Meio ambiente há muito tempo deixou de ser questão ideológica. A tentativa de volta no tempo será um tiro no pé. E quem me disse isso, repito, foi um banqueiro.


Míriam Leitão: A democracia em momento extremo

Qual dos dois candidatos do segundo turno teria melhores condições de governabilidade? Como a composição do Congresso é mais de centro-direita, seria Jair Bolsonaro, diz o cientista político Carlos Pereira, da FGV.

Carlos Ranulfo, da UFMG, discorda, lembrando que o PT governou com a mesma coalizão. Pereira acha que Bolsonaro está avisando que tentará governar sem passar pelos partidos, como Collor fez. Isso traz sucesso, no primeiro momento, e conflito, depois. Já o PT, lembra Ranulfo, se aprisionou no discurso do golpe e Fernando Haddad teria que mudar essa postura.

Não será fácil para ninguém, na verdade. A entrevista que fiz com os dois cientistas políticos mostra visões diferentes sobre o que acontecerá na sempre difícil relação entre Executivo e Congresso no Brasil. O primeiro momento é o da lua de mel, no qual todos os presidentes tiveram sucesso, mas depois pode haver grandes dificuldades. Carlos Ranulfo acha “um erro enorme” colocar o PT como extrema-esquerda.

— Isso não existe, ninguém jamais colocou o PT como extrema-esquerda, a gente faz entrevistas com parlamentares e pergunta como eles posicionam os partidos. Ele se moderou brutalmente, como todos os partidos de esquerda — diz Carlos Ranulfo, mas Carlos Pereira discorda.

— Acho que o antipetismo não surge por acaso, foi por erros dramáticos do PT nos últimos anos. O PT namorou muito tempo o iliberalismo. A própria campanha de Haddad não reconhece as instituições judiciais que puniram Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. E aí é que está o meu receio. De ele não conseguir ofertar compromissos críveis de respeitar as instituições de controle. O partido vai sofrer uma pressão interna muito grande no sentido de controlar a PF, o MP, a mídia — diz Carlos Pereira.

Ranulfo define como “retórica” as críticas do PT às instituições democráticas e acha que a ameaça vem de Bolsonaro:

—Não há comparação em riscos à democracia. Numa escala de 1 a 10, Bolsonaro é 8, e o PT é 1, na minha opinião.

Carlos Pereira acha que como o PT foi objeto de muita punição e, na eventualidade de voltar ao poder, mesmo depois das punições que sofreu, é “quase racional esperar desse mesmo partido uma ação no sentido de tentar coibir essas instituições que geraram perdas não triviais para ele”. A resposta de Ranulfo é que esse mesmo raciocínio teria que caber ao Alckmin, já que, argumenta, o PSDB também foi atingido pelo combate à corrupção. “Perillo foi preso, Beto Richa, o Aécio sumiu do mapa, o Azambuja teve busca e apreensão”.

Os dois concordam que a democracia no Brasil não está ameaçada. Pelo menos num primeiro momento. Carlos Pereira diz o seguinte:
— Temos instituições muito sólidas. Eu tenho receio das reações da sociedade às ações do próximo governo. Se o Haddad tentar limitar as instituições de controle, a sociedade vai reagir. Se Bolsonaro desrespeitar as instituições legislativas, a sociedade vai reagir. E essas reações tendem a ter uma escala de outro nível de violência.

— É claro que a democracia não está ameaçada, mas eu não subestimo o risco de um eventual governo Bolsonaro. A relação dele com a democracia é muito ruim e ele está estimulando na sociedade agressões, violência. Isso é parte de uma onda muito conhecida no mundo — diz Ranulfo.

Houve muita renovação no Congresso, mas a mediana da Câmara continuou sendo de centro-direita. Isso, segundo Carlos Pereira, daria mais condições de governabilidade a um governo Jair Bolsonaro. Carlos Ranulfo acha que, mesmo com a renovação, a tendência é a mesma com a qual o PT governou. Pereira acha que haverá problema se Bolsonaro cumprir a promessa de tentar repetir o estilo Collor de Mello. Diz que há uma “literatura bem estabelecida” sobre o fenômeno de se relacionar diretamente com o público sem as intermediações legislativas e partidárias, falando diretamente com o eleitor através da mídia social.

— Esta mesma literatura argumenta que essa estratégia é muito bem-sucedida no curto prazo. O presidente é muito popular porque sai das urnas com muita autoridade. Mas cria progressivamente animosidade e, na primeira vulnerabilidade que o presidente tenha, o custo pode subir. Neste cenário, eu tenho muito medo de conflitos que coloquem em risco a ordem democrática — diz Carlos Pereira.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Míriam Leitão: A vida fiscal como ela é

Bolsonaro e Haddad ainda não apresentaram soluções viáveis para o país superar a crise fiscal. Haverá urgências já no início de 2019

A realidade aguarda os vencedores. Ela exigirá do próximo presidente habilidade para desarmar bombas fiscais. A vida real e os palanques não conversam. Quem for eleito presidente do Brasil terá que tomar decisões antes de subir a rampa porque algumas delas têm data e hora. Os primeiros dez meses serão de decisões urgentes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo para o Congresso regulamentar a Lei Kandir que termina este ano. Ela estabelece, como se sabe, uma compensação para os estados pela desoneração nas exportações de alguns produtos. O gasto anual tem sido de até R$ 3,8 bilhões. O Congresso quer aumentar para R$ 39 bilhões. Não dá para adiar a decisão, porque se não for regulamentado até o fim do ano o TCU vai decidir. Multiplicar por dez esse gasto é viável? O eleito terá que mobilizar apoios no Congresso para desarmar essa bomba ou resolver de onde tirar o dinheiro.

No final do ano passado, o Congresso aprovou a emenda que manda abrir uma linha para estados e municípios pagarem seus precatórios, que chegam a R$ 100 bilhões. A equipe atual tem tentado tourear isso, sem muito sucesso porque a base parlamentar se rebela. A emenda manda que a linha de financiamento tenha juros da poupança. O próximo governo terá que decidir com seus deputados e senadores de onde tirar dinheiro para isso ou como derrubar a emenda.

O governo Dilma fez uma renegociação que reduziu muito a dívida dos estados e municípios, jogando o custo na União. Foi trocado o indexador, reduzida a taxa de juros e ampliado o prazo de pagamento em mais 20 anos. Apesar disso, cada vez mais estados entram na Justiça para não pagar. Minas Gerais vive à base de liminares. Desde junho não paga as parcelas da dívida de quase R$ 500 milhões por mês e entrou na Justiça para que o Tesouro não retenha o Fundo de Participação dos Estados.

O novo presidente terá que decidir o que fazer com o subsídio ao diesel. Esse é um dos poucos assuntos da urgência fiscal sobre o qual os candidatos falaram. Deram respostas ruins. Jair Bolsonaro, na entrevista da Globonews, se solidarizou com os caminhoneiros pela greve e disse que se fosse necessário venderia até a Petrobras para resolver o problema do diesel alto. Depois, recuou dessa resposta totalmente sem sentido. Se for vender a empresa, não há de ser por esse motivo. Fernando Haddad criticou as mudanças na Petrobras e sinalizou com a volta da política de preços que no governo Dilma custou R$ 60 bilhões à empresa. Não é trivial esse assunto mesmo, porém este ano o subsídio ao diesel será de R$ 9,5 bilhões. Será mantido?

A política de salário mínimo termina no ano que vem. Hoje ele é reajustado conforme a inflação e o crescimento de dois anos antes. Como ficará depois? É preciso fazer as contas. O salário mínimo teve 44% de aumento real no governo Fernando Henrique e 54% no governo Lula. Era necessário recuperar o valor do mínimo depois da hiperinflação brasileira, mas quando ele sobe o custo da Previdência aumenta. Bolsonaro falou em recuperar o valor das aposentadorias e pensões pelo múltiplo do salário mínimo de quando o benefício foi concedido. Isso catapulta o custo da Previdência e ele jamais explicou como fará isso.

Na entrevista ao Jornal Nacional, ambos defenderam a isenção do imposto de renda até cinco salários mínimos. Parece lindo, mas isso beneficia todos os contribuintes, porque a parcela até cinco mínimos ficaria isenta para todos, até para quem ganha muito mais. Foi proposta pelo PT e copiada por Jair Bolsonaro. Custa R$ 60 bilhões segundo o Ministério da Fazenda, mas nenhum dos dois fala do custo, nem diz de onde sairá o dinheiro. A proposta de Bolsonaro inclui criar uma alíquota única de 20%, o que diminui o imposto para os mais ricos.

O PT tem um programa populista na área econômica. Jair Bolsonaro escreveu um programa com tintas liberais, mas o que ele diz é populista também e não combina com o que está escrito. Se os economistas do mercado financeiro quiserem conversar a sério sobre o “reformismo liberal” de Jair Bolsonaro precisam responder, pelo menos, como ele vai desarmar as bombas imediatas de primeiro grau. Copiando Nelson Rodrigues, é preciso falar sobre “a vida como ela é”. A vida real e fiscal de um país em escombros. E não as miragens voláteis do mercado financeiro.


Míriam Leitão: A democracia no centro do debate

Bolsonaro disse que será ‘escravo da Constituição’ e Haddad descartou nova Constituinte. É um alívio que este seja o primeiro ponto do 2º turno

A democracia foi o centro da conversa neste começo de segundo turno. Em entrevistas, Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro, do PSL, falaram sobre o tema. No Jornal Nacional, Haddad disse que mudou a posição do programa que propunha nova Constituinte e rechaçou declarações de José Dirceu. Jair Bolsonaro desautorizou a defesa de uma nova Constituição escrita por notáveis, que foi defendida pelo candidato a vice, Hamilton Mourão, e disse que nem entendeu o que ele quis dizer com a expressão “autogolpe”.

É um alívio que este seja o primeiro ponto desta nova caminhada. O fundamental para o Brasil é a preservação da democracia. José Dirceu falou em “tomar o poder” e disse que isso é “diferente de ganhar eleições”. Haddad afirmou que ele não trabalha na campanha, não estará em seu governo e não concorda com ele. Mourão, na entrevista à Globonews, falara da possibilidade de um presidente dar um golpe. Bolsonaro garantiu que será escravo da Constituição, disse que o general foi infeliz e que jamais autorizaria tal medida.

Com isso posto, o país discutirá nos próximos dias o programa de cada um. Na economia, a tarefa do próximo governo será tocar uma agenda de ajuste fiscal. Ela será rigorosa e tem emergências. Quem ganhar as eleições atrairá como um imã os parlamentares dos mais variados partidos, principalmente os que aderem a qualquer governo que se eleja. A questão é: para aprovar o quê? Os inúmeros políticos que hoje correm para Jair Bolsonaro, ou que foram eleitos graças à sua força, não têm relação com a agenda liberal do economista Paulo Guedes. O PT só tem chance de vencer se fizer movimentos em direção ao centro, mas terá uma base parlamentar resistente aos ajustes, mesmo se passar a defendê-los.

O PSL será a segunda maior bancada. E, com ele, Bolsonaro começará a construir sua coalizão, caso seja eleito. O problema é que eles se juntaram pelas bandeiras conservadoras e o oportunismo, e não porque querem diminuir o tamanho do Estado na economia. O que galvanizou eleitores foi a mistura do momento: antipetismo, violência e conservadorismo. Nada disso ajuda, por exemplo, a reforma da Previdência.

O PT fez a maior bancada, apesar de perder cinco cadeiras. Poderá atrair forças com os quais está coligado ou tem afinidades. Mas para aprovar quais projetos de redução de gastos? Bolsonaro, que é o grande vitorioso deste primeiro turno, não elegeu uma bancada reformista, até porque essa não é a agenda dele. É algo exterior a ele, colocado no programa como parte da estratégia eleitoral. O PT, por ideologia, nunca teve ligação com essa agenda.

A comemoração de ontem do mercado precisa ser entendida dentro da lógica de curto prazo. Se as dificuldades aparecerem, darão ordem de venda. E os operadores mais ágeis ganharão nos dois momentos.

É mais complexo do que parece tudo o que aconteceu nesta eleição. Houve uma chacoalhada geral, mas não é trivial interpretar. É uma onda conservadora? É, mas o mesmo país que elegeu por quatro vezes o PT para a Presidência entregou 46% dos votos, neste primeiro turno, a um político que encarnou o antiPT. É uma punição aos caciques políticos? A alguns. Perderam os sarneys, mas ganharam os barbalhos e os calheiros. Perdeu Romero Jucá, o líder de todos os governos. Em Minas, foi derrotada Dilma Rousseff, que Lula achava questão de honra eleger. No Espírito Santo, perdeu a reeleição o senador Magno Malta, o favorito de Bolsonaro. Demóstenes Torres, que havia sido cassado e disputou por manobra judicial, não teve êxito, mas Ciro Nogueira, do PP, foi eleito.

Houve derrota de políticos envolvidos na Lava-Jato e vitória de políticos envolvidos na Lava-Jato. Houve aumento do número de partidos na Câmara, mas a cláusula de barreira os empurrará para um realinhamento partidário. O PSDB sofreu derrota humilhante, mas pode dizer, em consolo, que disputa o segundo turno em três importantes estados, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. O problema tucano é que, quando João Dória anuncia seu apoio a Jair Bolsonaro, o partido rompe o último vínculo com a sua identidade social-democrata.

Os movimentos dos dois lados nos próximos vinte dias serão para tentar agregar votos. O PT tem um caminho mais longo a fazer.


Míriam Leitão: Agora será a hora de buscar o centro

Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para construir pontes; Haddad deu o primeiro passo

O eleitor falou. Deu uma grande vantagem a Jair Bolsonaro, mas a disputa continua no segundo turno. Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para o centro. Tanto Jair Bolsonaro, que sai com grande vantagem na largada, quanto Fernando Haddad têm muito a caminhar.

O candidato do PT deu o primeiro passo para a construção da ponte falando em um unir os “democratas do Brasil” e os que “se preocupam com os direitos humanos". Na mesma hora, falando aos seus seguidores pela mídia social, o candidato do PSL levantou de novo dúvida sobre a urna eletrônica, disse que o que está em jogo é a operação Lava-Jato, criticou a imprensa e afirmou que é preciso evitar a volta do PT ao governo. “Não podemos continuar flertando com o comunismo e o socialismo”.

Bolsonaro, apesar da sua clara vantagem e da onda conservadora que correu ontem o país, precisará atenuar o tom ofensivo a todas as minorias. Haddad, que larga em grande desvantagem, precisará desesperadamente do apoio de outras forças. Ontem, recebeu já um sinal de Ciro Gomes, que declarou que será “ele não”, porque combateu “sempre a favor da democracia e contra o fascismo”.

Bolsonaro, para se eleger, terá que desfazer sua defesa reiterada da ditadura e da tortura e o desprezo pelos direitos humanos. O PT precisará renegar o apoio à Venezuela e rejeitar declarações como as feitas recentemente pelo ex-ministro José Dirceu. Contudo, quando o assunto é ameaça à democracia, Bolsonaro e PT não são equivalentes. O PT flerta com ideias autoritárias, às vezes, mas fez carreira na democracia e governou preservando a liberdade, mas Bolsonaro sempre proclamou ideias autoritárias.

Outro desafio de cada um será o detalhamento do projeto econômico. O PSL precisará explicar essa fratura exposta entre o que diz o economista e o próprio Bolsonaro e o seu círculo próximo. O PT terá ainda mais trabalho para desmontar o programa intervencionista e voltar ao caminho econômico do primeiro governo Lula. Haddad terá autonomia para isso? As próximas semana serão intensas.


Míriam Leitão: Lições das eleições dadas pelo avesso

Qualquer que seja o resultado das eleições de hoje, o país terá aprendido muito sobre os perigos que ainda rondam a nossa democracia

Toda eleição ensina, mesmo que seja pelo avesso. Nem toda eleição constrói um pacto com o futuro. Nesta, qualquer que seja o resultado, teremos aprendido muito sobre os riscos que rondam a democracia. Pastores transformaram igrejas em currais eleitorais. Alguns empresários constrangeram publicamente funcionários. Bolsonaro foi vítima de um atentado que quase tirou sua vida. As mentiras abundantes nas redes influenciaram votos. O PT retrocedeu ao seu nicho. O centro não convenceu. Por outro lado, o país venceu a indiferença em relação à política, e o comparecimento hoje às urnas pode ser muito maior do que o inicialmente previsto.

A democracia brasileira foi desafiada por inúmeros eventos nessa campanha, o pior deles foi a violência física contra o candidato do PSL. Uma das questões postas de forma dramática para o país é o voto evangélico. Muitos pastores reinstalaram o voto de cabresto. Invocaram Deus para que o fiel escolhesse o que eles, os líderes religiosos, acreditam ser o certo. Com isso, 50% do eleitorado evangélico votará em Bolsonaro, pelas pesquisas das últimas horas. Toda tentativa de usar o poder para induzir o voto de eleitores, em qualquer direção, apequena a democracia. A liberdade de culto é sagrada, como a liberdade do voto.

Empresários que ameaçam seus funcionários com o desemprego, como fez Luciano Hang, da Havan, são uma aberração. O crime tem provas, um vídeo em que ele pergunta “você está preparado para perder seu emprego?” Isso aconteceria se a “esquerda ganhar”. Ele vota em Bolsonaro. Hang se aproveita da extrema vulnerabilidade do trabalhador brasileiro no meio da pior crise de desemprego que o país já teve.

O PT perdeu tempo delirando. Achava que conseguiria por imposição externa que o ex-presidente Lula fosse candidato. No último dia legal, anunciou Fernando Haddad, que passou a ideia de ser tutelado. Se for para segundo turno e quiser realmente vencer, precisará ter caminhos de encontrar o centro.

Ciro começou com um discurso econômico que tinha velharias e algumas novidades. Uma das boas ideias foi a de dizer que o governo intermediaria uma renegociação da dívida das famílias. Esse projeto se for mal executado é um desastre, mas parte de uma constatação importante. As famílias, estimuladas a se endividar, foram atingidas por dois sinistros dos quais elas não têm culpa: a recessão e o desemprego. Isso num país de juros bancários abusivos.

Candidatos do centro, como Marina Silva e Geraldo Alckimin, foram sendo abandonados, mas permanece a demanda por uma candidatura que fuja dos polos. Nas horas finais desta campanha, esses eleitores foram em direção a Ciro. “Eu me desloquei e estou pedindo a bola”, disse ele.

O candidato que está na frente nas pesquisas, Jair Bolsonaro, agrediu inúmeras vezes, com palavras inequívocas, a democracia e os avanços civilizatórios, como o respeito às diferenças, diversidade e escolhas individuais. Defendeu a ditadura e exaltou torturador. Está arrastando multidões. Ao mesmo tempo, a pesquisa do Datafolha diz que nunca foi tão forte o apoio à democracia.

Bolsonaro chegou a esse 7 de outubro na melhor posição das pesquisas seguindo um roteiro. Ele viajou pelo Brasil fazendo campanha anos antes de a lei permitir propaganda eleitoral. Captou o sentimento de derrota dos brasileiros diante de problemas como recessão, desemprego, violência e corrupção.

Ocupou as redes sociais com militantes voluntários, pagos ou robôs que multiplicaram a visibilidade do deputado de atuação apagada. Vendeu a ilusão de que com uma arma na mão o brasileiro poderá fazer justiça e consertar tudo o que está errado. Conseguiu capturar o sentimento antipetista. Fez promessas difusas de solução fácil para problemas complexos. Foi dormir ontem sonhando com a vitória no primeiro turno.

A Lava-Jato enfrenta nesta eleição seu maior e mais agudo teste. O que a ameaça vem de dentro, desta vez. Se ela vincular a sua imagem à da extrema-direita vai se apequenar. O único papel que a fortalece é a de continuar sendo um movimento institucional, apartidário, por mudança nas relações entre o público e o privado.

Toda eleição ensina, radiografa a sociedade e alerta. Esta nos mostrou os muitos perigos que rondam a democracia brasileira. Quem for o vencedor hoje, ou no dia 28, só terá chances de ser bem-sucedido se entender a opção brasileira pela democracia. Essa foi a escolha que já fizemos.


Míriam Leitão: Bancadas médias e menos partidos

Próximo governo apresentará reformas a um Congresso menos fragmentado e com mais bancadas médias. Partidos grandes devem encolher

Qualquer que seja o resultado da eleição, o próximo Congresso terá menos partidos, e as bancadas das grandes siglas devem encolher. Haverá mais bancadas médias. Isso é resultado da cláusula de desempenho que levará algumas legendas a definharem mesmo que consigam eleger parlamentares, porque a partir do ano que vem ficarão sem recursos eleitorais: dinheiro e tempo de TV. Isso redefinirá o quadro partidário e o comportamento do Congresso. Talvez facilite a governabilidade.

— Hoje, a Câmara brasileira é a mais fragmentada do mundo. O país tem 35 partidos, nem todos obviamente com representação, mas a legislatura deve ter 18. Haverá uma compactação, mas será ainda muito grande —diz o cientista político Jairo Nicolau.

Nessa eleição intensa, em que a polarização reduziu o espaço da discussão racional, pouco se pensou no que vai acontecer com a Câmara, onde serão aprovadas ou rejeitadas as medidas do próximo governo.

A se confirmarem os resultados das pesquisas, o que acontecerá com a Câmara? O PSL, que elegeu apenas um deputado em 2014, hoje tem bancada de oito. Vai eleger mais, mas dificilmente será um grande partido. Na opinião de Jairo, na hipótese de vitória de Jair Bolsonaro, o que pode acontecer é ser criada uma nova sigla de direita que leve parte dos parlamentares ultraconservadores. Na hipótese de vitória do PT, ele corre o risco de ter uma bancada menor do que a que tem hoje, de 61 deputados. E terá que buscar uma aliança com os quais se alinhou no passado:

— Será curioso ver o PT entregando ministério ao PP ou outros que atuaram pelo impeachment.

Os “nanopartidos”, segundo Jairo, dificilmente atingirão 1,5% dos votos ou 1% em nove estados. Eles continuarão existindo, como entidades da sociedade civil, mas ele considera que alguém que se eleger por um deles tenderá a migrar para os maiores. Ou então serão criados outros partidos para a reorganização partidária que a reforma estimula. Mas entre as grandes bancadas, quem deve diminuir de tamanho?

— O MDB perderá, sem dúvida, hoje já tem a menor bancada da sua história (51) e deve perder mais. Deve cair para terceira ou quarta. O PT perdeu prefeituras importantes em 2016, mas tenta compensar lançando puxadores fortes de bancadas nas eleições para a Câmara, como a Marília Arraes, em Pernambuco, e Gleisi Hoffmann, no Paraná. O que mais ajuda a prever a bancada futura é a atual. Partidos de 30 não chegarão a 5, as oscilações serão na margem.

O PSDB deve diminuir, mas não muito, apesar do péssimo desempenho de Geraldo Alckmin, porque deve sair com uma boa bancada de Minas, alguma coisa no Rio Grande do Sul, onde o candidato a governador está tendo um bom desempenho, e o interior de São Paulo é forte em prefeituras tucanas. Não será uma derrota humilhante.

O PSB perdeu um pouco o ímpeto, por não ter candidato a presidente. Vai depender do Márcio França em São Paulo, mas a crise com Márcio Lacerda, em Minas, mostra que o partido agiu mal. O PP permanecerá grande e buscará aderir ao vencedor. Naturalmente ele irá para o Bolsonaro se ele ganhar. Se o PT vencer, dará uma cambalhota e voltará a se alinhar os petistas —diz Jairo.

A sociedade pediu renovação, e o sistema político entregou os recursos eleitorais para os mesmos. Por isso, a grande diferença será a cláusula de barreira, que será um incentivo para que os parlamentares troquem os partidos muito pequenos pelos médios. A crise política provocada pela corrupção, denunciada pela Lava-Jato, será um limitador de crescimento das agremiações tradicionais. Qualquer que seja o vencedor, ele terá que fazer um esforço para se compor com esses mesmos partidos:

— A chapa do PT é a mais estreita da sua história. A coligação de Dilma tinha 10 partidos, parte do centrão estava com ela, a de Fernando Haddad tem três.

Não será difícil para o próximo governo, seja ele qual for, formar uma aliança com os parlamentares. O difícil será conduzir mudanças prometidas em campanha ou medidas para equilibrar as contas públicas. A única vantagem será o país começar a fazer, ainda que pelas bordas, uma reorganização partidária. O primeiro passo será reduzir o número de partidos. E nisso há uma chance concreta.


Míriam Leitão: Mercado busca um personagem

Rali nas bolsas mostra que o mercado escalou Bolsonaro para exercer o personagem de candidato que fará as reformas econômicas

Rali é como o mercado define um momento de euforia que se reflete na bolsa, nos juros e no câmbio. É o que o país viveu nos últimos dois dias. Mas eles estão eufóricos com o quê? Até pouco mais de um mês, a maioria dos gestores de instituições financeiras acreditava que o candidato ideal era Geraldo Alckmin e tinha muitas dúvidas sobre Jair Bolsonaro. Agora passou a comemorar o crescimento do candidato do PSL. Para entender o momento, é preciso separar a adesão a um político da especulação de curto prazo.

Parte do mercado diz que Bolsonaro fará as reformas econômicas necessárias e equilibrará as contas públicas. Mas é uma convicção recente. Até pouco tempo atrás, tinha apenas dúvidas em relação a ele. Dado que Alckmin não teve o desempenho que esperaram, eles transferiram para Bolsonaro o papel do “candidato reformista”. Nem todos acreditam nisso. Um economista me disse que os operadores escolheram a “cegueira deliberada”, ao ignorar o conflito claro entre a agenda liberal e o conjunto de convicções de Jair Bolsonaro e de seu círculo mais próximo. Diante das contradições, um dos mais importantes economistas do mercado explica assim o momento:

— Estamos interessados nos preços dos próximos 30 dias. Se em junho do ano que vem o governo tiver fracassado, simplesmente o preço passará a ser outro.

Ontem os preços exibiam essa alegria curto prazista. O Banco do Brasil e a Eletrobras chegaram a disparar 10% durante o pregão e fecharam com altas de 9,07% e 8,64%. A Petrobras subiu 4,25% e desde a véspera tinha voltado a ser a mais valiosa do Brasil. O volume financeiro foi o mais alto deste ano, o dólar caiu a R$ 3,88, o menor valor em dois meses. Para sustentar esses preços, eles estão fazendo duas apostas de risco: começaram a dar como certa a vitória do PSL e acreditam que ele terá habilidade para superar a crise.

Numa sondagem feita pela XP com 281 investidores institucionais, pouco mais de um mês atrás, de 28 a 31 de agosto, perguntava-se ao entrevistado qual seria a cotação do dólar na hipótese da vitória de cada um dos cinco candidatos principais. A que deu a maior dispersão foi Jair Bolsonaro. O dólar ia de R$ 3,40 a R$ 4,40 em sete diferentes cotações. Ou seja, ninguém sabia bem o que ele representava. Mas, com a alta do candidato nas pesquisas, eles transferiram para Bolsonaro as expectativas que tinham criado na vitória de um candidato que eles definem com a palavra mágica “reformista”.

Eles comemoram também o fato de o candidato do PT, Fernando Haddad, ter perdido o ímpeto. O PT retrocedeu ao programa pré-2002, com teses já reprovadas pelos fatos. Parte dessa agenda havia sido abandonada na Carta aos Brasileiros. Naquela disputa, em 2002, houve uma disparada do dólar e queda da bolsa com a expectativa de vitória do PT. E tudo acabou sendo resolvido após a posse, principalmente pela equipe que foi formada pelo então ministro Antonio Palocci. Mas naquele tempo o país estava com uma situação fiscal infinitamente melhor do que agora, completando cinco anos com superávit primário. Agora temos cinco anos de déficit.

O raciocínio do mercado é binário. Ele divide a eleição entre reformistas e não reformistas. Complexidades não cabem nesse pensamento. E o vazio de ideias e as propostas conflitantes do candidato Bolsonaro deixaram de ser considerados. O que o economista Paulo Guedes diz é o que o mercado quer ouvir, mas não necessariamente é o que acreditam os operadores políticos e o próprio candidato.

A verdade é que uma bruma de incerteza cobre essa candidatura quando o assunto é economia. Paulo Guedes cancelou, por ordens do chefe, a participação em eventos e recusa entrevistas. Escolheu esconder informação. Durante o período em que Guedes circulou pelo mercado, falou apenas para plateias escolhidas. Evitou participar de debates com os economistas dos outros candidatos. No pouco que falou, causou polêmica ao citar a possibilidade de recriação da CPMF. Então, na verdade, ninguém sabe se o populismo corporativista de direita que Bolsonaro sempre encarnou será abandonado por uma agenda de reformas, corte de gastos e privatização.

Mas como o papel ficou vago com a queda de Alckmin nas pesquisas, o mercado escalou Bolsonaro para representar o personagem. Porque o que ele queria mesmo era um rali. Que pode ser efêmero.


Míriam Leitão: A verdade inescapável

Programa do PT fala em fortalecer a Petrobras, mas a verdade inescapável é que a petrolífera foi assaltada nos governos Lula e Dilma

O programa do PT fala em fortalecer a Petrobras mas o partido a enfraqueceu. O acordo da Petrobras com o Departamento de Justiça americano, fechado na semana passada, foi mais um dos episódios da lenta e difícil recuperação da estatal depois do ataque feito contra ela no período em que o Partido dos Trabalhadores governou o Brasil. As narrativas do PT são mentiras bem construídas, usando pedaços de verdade para desviar o olhar do ponto principal. E o ponto sobre a Petrobras é que a empresa foi assaltada.

O partido é o segundo colocado nas intenções de voto e tem chances de passar a primeiro no segundo turno, por isso é preciso que fique claro o seu erro. Se voltar ao poder, a fiscalização tem que ser redobrada para evitar-se a repetição da mesma tragédia. Internamente há mais anticorpos hoje que podem impedir uma nova tragédia como a que foi revelada pela Lava-Jato.

Na negociação com o Departamento de Justiça, a estatal brasileira teve que lutar para não ser considerada empresa corrupta pela legislação americana. Se o fosse, seria banida do mercado americano. Conseguiu fechar o acordo, pagará um preço alto, mas se livrou do pior. Ficou escrito no documento assinado que durante os anos de 2004 a 2012 “os executivos e seus gerentes” junto com “fornecedores e prestadores de serviço montaram um enorme esquema de fraude e propina”. Este período é o dos governos de Lula e Dilma. Os maiores beneficiários desse esquema foram os partidos que estavam no poder, principalmente o PT, o PP, o PMDB.

A governança começou a mudar com Pedro Parente em 2016 e continuou com Ivan Monteiro. Uma das razões de a corrupção ter sido bem sucedida na empresa era a estrutura corporativa. Cada diretoria era uma espécie de “baby Petrobras”, como explica um executivo. Assim, a diretoria de Abastecimento, por exemplo, comandada até 2012 por Paulo Roberto Costa funcionava como se fosse uma empresa independente.“Era um silo fechado”, ao qual outras diretorias não tinham acesso, e que reportava a si mesmo. Isso foi substituído por uma estrutura com mais comunicação interna e decisões colegiadas. Nada do que foi feito blinda a empresa, contudo.

A narrativa do PT é que a companhia chegou ao maior valor de mercado em 2008 na época do Lula. De fato, por causa do pré-sal e do preço do petróleo, mas também foi no governo Dilma que ela teve o seu valor mais baixo, quando a empresa não tinha sequer a capacidade de ter um balanço auditável. Afirma-se que foi Dilma que demitiu Paulo Roberto Costa, até antes da Lava-Jato. É verdade, mas foi Lula quem nomeou.

A verdade inescapável é que a Lava-Jato descobriu um esquema gigantesco de corrupção na companhia montado nos governos petistas. A mesma operação que hoje tem sido combatida por tantos políticos e enfraquecida por decisões do Supremo. O país deve à Lava-Jato o começo da operação que tem recuperado a Petrobras. Na semana passada, houve a superação de mais um obstáculo no processo de saneamento da empresa. O PT tem feito, há anos, uso eleitoral da acusação que faz aos adversários de quererem privatizar a companhia. O esquema descoberto pela Polícia Federal e pelo Ministério Público é a pior forma de privatização. A que usa a empresa para o butim partidário.

O sucesso da 5ª rodada de leilão do pré-sal ilumina outro erro cometido pelos governos petistas. As mudanças regulatórias tornaram a disputa mais competitiva, participaram 12 empresas estrangeiras que ofereceram volumes de óleo-lucro à União muito acima do valor mínimo. Quem menos ofereceu foi a Petrobras ao exercer seu direito de preferência. Antes a empresa era obrigada a ser a operadora única e isso era uma camisa de força para ela e para o país. A perspectiva é de que nas próximas três décadas o Estado brasileiro tenha um enorme lucro com esse leilão da última sexta. Cálculos são de R$ 240 bilhões só de pagamento de impostos.

A Petrobras é fundamental para o país e precisa ser blindada contra a corrupção e protegida dos erros ideológicos, qualquer que seja a tendência do governo escolhido pelos eleitores brasileiros. Alguns erros são conhecidos: indicações políticas, falta de autonomia, imposição de investimento sem retorno, uso da política de preços para segurar a inflação. Tudo isso enfraqueceu a Petrobras. Essa é a verdade que derrota qualquer narrativa.


Míriam Leitão: Inimigos íntimos da reforma

Uma reforma da Previdência de um eventual governo Jair Bolsonaro encontrará a oposição dos operadores políticos do candidato. Um desses ferrenhos adversários está cotado para chefe da Casa Civil, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). O outro é o deputado Major Olímpio (PSL-SP). Na Comissão Especial que analisou a proposta do governo Temer, eles votaram juntos com o PT contra o projeto e até defenderam a tese de que não há déficit.

Esta é mais uma das muitas confusões do programa de Jair Bolsonaro, em que o texto diz uma coisa, os economistas, outra, e o candidato faz declarações que não combinam com o que é dito ou está escrito. Ontem houve mais um evento que exibe essa falta de qualquer programa. A declaração do general Hamilton Mourão contra o 13º foi desmentida pelo candidato Jair Bolsonaro como sendo uma “ofensa ao trabalhador”.

Na economia, uma ideia conflita totalmente com a outra. Os parlamentares Lorenzoni e Major Olímpio são integrantes da campanha e podem vir a ser os operadores políticos, principalmente o deputado gaúcho, que já foi falado para a Casa Civil. Se o economista Paulo Guedes está propondo uma reforma da Previdência terá que antes de tudo passar por esses dois obstáculos.

Quem acredita que um eventual governo Bolsonaro vai fazer um ajuste das contas públicas precisa ver o que falaram os dois deputados bolsonaristas na Comissão Especial que analisou a proposta de reforma. Onyx Lorenzoni chamou de “terrorismo demográfico” os dados, que podem ser conferidos com qualquer demógrafo, sobre o aumento rápido do envelhecimento da população. Ele nega que haja déficit da Previdência. Propõe que sejam separadas as contas previdenciárias das da assistência social e diz que desta forma se encontrará um superávit entre os anos de 2010 e 2016 e, portanto, o problema não existe. Chegou a dizer que tinha um projeto de reforma, segundo ele, inspirado no modelo italiano, em que a partir de 55 anos, mesmo sem estar aposentado, o trabalhador receberia uma complementação de renda paga pela Previdência. Não diz quanto isso custaria. Ele também propõe o sistema de capitalização, o da conta individual, também sem qualquer conta para mostrar como seria possível.

Major Olímpio sempre foi um defensor de interesses corporativistas dos servidores públicos, principalmente dos policiais. Aliás, o próprio candidato Jair Bolsonaro fez a sua carreira dentro desse nicho. Olímpio foi um agressivo inimigo da reforma nos trabalhos da comissão, aliou-se ao PT e disse que a proposta “dava um cacete” nos servidores.

O presidente Temer defendeu esta semana a ideia de aprovar a reforma depois das eleições, com o apoio do novo governo. O problema desse projeto é que os dois candidatos com maior percentual de intenção de votos — do PSL e do PT — são adversários da atual reforma. Apesar de Guedes ter uma proposta que tem a mesma idade mínima do projeto de Temer e uma regra de transição apenas um pouco mais suave, precisará combinar com o candidato e seu círculo próximo.

Em entrevista que me concedeu esta semana, na Globonews, o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, defendeu a ideia de que juntos, o atual e o próximo governo, conseguirão aprovar a PEC no final do ano. Para dar uma dimensão do déficit da Previdência federal, somando servidores com o INSS, Caetano fez uma comparação impressionante:

— Só o déficit da Previdência federal, se você vender uma Petrobras inteira, não daria para cobrir um ano. Mesmo contando a parte privada da empresa. É urgente. Não é questão de conjuntura, é estrutural. E temos uma dinâmica populacional que o Brasil envelhece de forma muito rápida. As pessoas vivem cada vez mais, com casais com menos filhos.

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Com defensores do corporativismo, deputados do baixo clero, e gente que nega a existência do déficit, evidentemente, não se fará reforma alguma. Major Olímpio disse que denunciaria “para todo o sempre” quem votasse a favor de aumento da contribuição previdenciária dos servidores.

A confusão de ideias na candidatura de Jair Bolsonaro aparece diariamente, e as declarações flutuam por teses conflitantes entre si. A candidatura nunca esclarece para que direção vai, mas todos os sinais são de uma torre de Babel. A solução para tanta bateção de cabeça tem sido a ordem de que todos falem menos. O país vai para uma eleição sem saber qual é o projeto do líder das pesquisas em qualquer assunto.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)


Míriam Leitão: Incertezas da campanha

Cientista político Lúcio Rennó diz que a eleição está aberta e será definida pelo grau de abstenção e pelo que acontecer na reta final

O cenário eleitoral permanece indefinido, apesar de estar faltando pouco tempo para o primeiro turno, diz o cientista político Lúcio Rennó, da UnB. “Em 2014, duas semanas antes poucos imaginavam que Marina não estaria no 2º turno”, lembra. Ele acha que a abstenção pode ser alta, e ela acontece mais no eleitorado de menor renda do Norte e Nordeste, por isso o PT precisa ficar atento. Mesmo assim, ele acha que o mais provável, no momento, é uma disputa entre Bolsonaro e Haddad, como mostrou ontem a pesquisa Ibope.

— Esta eleição, mais do que as anteriores, até pela redução do tempo de campanha, privilegia mais os movimentos abruptos de um contingente muito significativo do eleitorado, na reta final, finalíssima mesmo, nos últimos dois ou três dias.

Um dos fenômenos aos quais menos se presta atenção, segundo o professor, é a abstenção. Ela costuma ser maior do que a captada nas pesquisas. Nas últimas eleições, o não comparecimento e os brancos e nulos chegaram a quase 30%:

— Ela ocorre principalmente em estados com a renda média familiar per capita baixa. Isso tem correlação alta de voto nos estados com o PT. Esse é outro elemento que nenhuma pesquisa está captando e que numa eleição tão apertada pode dar surpresa na hora da apuração. É difícil prever a abstenção. E não é trivial o efeito. Se sobe mais, com 35% dos votos totais um candidato pode se eleger no 1º turno.

Esta campanha para os cientistas políticos tem um grau imenso de incertezas. Uma delas é o que acontece com o líder das pesquisas se ele fica em silêncio na reta final, e sendo uma pessoa com declarações tão controversas quanto Jair Bolsonaro. Rennó admite que o silêncio e a não exposição em debates podem proteger o candidato do PSL, mas alerta que este é o momento que é “um pesadelo das campanhas”, porque qualquer palavra errada, ou certa, qualquer fato, pode mudar tendência.

Ontem, Bolsonaro deu sua primeira entrevista, mas sem entrar em polêmicas recentes de sua campanha. As candidaturas ficam à procura de uma bala de prata e, ao mesmo tempo, tentando evitar o escorregão, do qual ninguém está protegido, nem mesmo quem está fora dos atos de campanha, como Bolsonaro:

— As participações de Bolsonaro nas entrevistas e sabatinas cristalizaram o voto dos que já estavam com ele. O aumento recente nas pesquisas se deve à facada. É besteira dizer que a facada não teve efeito.

A volatilidade natural de fim de campanha, que este ano está maior, faz com que outros cenários de segundo turno não estejam descartados, e candidatos como Ciro e Alckmin, e até Marina, podem tornar a disputa bem mais competitiva. Por enquanto, explica, o que tem se cristalizado é o voto que favorece os dois polos.

— Muita gente não está completamente satisfeita com os candidatos que estão postos, todo mundo sabe quem não quer, mas não sabe quem quer. O voto dos true believers, dos convictos, está no Bolsonaro e no Haddad. Mas tem esse eleitorado grande que não quer nem um nem outro. É importante olhar para este eleitor que pode migrar para o voto útil na reta final. Esta eleição tem a força dos convictos, mas há uma predominância dos que vão votar no menos pior.

O cientista político acha que a abstenção e esse eleitorado que pode migrar na última hora para o voto útil são dois imponderáveis, e para os quais as pesquisas não ajudarão muito.

Na eleição para a Câmara dos Deputados, Lúcio Rennó acha que a mudança de regras de financiamento concentrou a maior parte do fundo eleitoral nos grandes partidos, que enviam os recursos para os que já têm mandato. Isso reduz a taxa de renovação. Ao PT, isso ajudará a não reduzir muito a bancada em relação a 2014, apesar de o partido ter hoje muito menos capilaridade por ter perdido prefeituras em 2016. Na hipótese de vitória do PT, ele teria que construir a coalizão com o centrão que já esteve com eles, como o PP e o PR. E na hipótese de vitória do Bolsonaro?

— Ele governaria com o baixo clero do qual faz parte. O que pode acontecer é a criação de um novo partido para o qual migrariam os bolsonaristas.

Sobre a ideia de Paulo Guedes de criar uma regra para que as bancadas dos partidos votem de acordo com a vontade da maioria, o cientista político explica que isso não acabaria com a barganha e é impossível porque partido é organização da sociedade civil com autonomia. O Estado não pode impor uma mudança de estatuto. “Isso não prospera”, afirma.


Míriam Leitão: Em busca da racionalidade

Eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil vive

Em qualquer país democrático do mundo, os eleitores oscilam entre tendências, ora mais à esquerda, ora mais à direita, mais intervencionista na economia ou mais liberal. As eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil está vivendo. O PT que havia vencido os temores de empresários e investidores ao começar a governar em 2003 voltou a ser visto como um perigo. A direita tem um candidato que negou, ao longo de toda a sua vida, valores e princípios democráticos.

Esta é uma eleição que será por muito tempo caso de estudo dos analistas de todas as áreas —psicanalistas, inclusive. Eles certamente encontrarão razões profundas para essa polarização doentia que surgiu. Nada parece racional. Os que estão no centro precisam avaliar o que fizeram de errado para que os votos antipetistas estejam sendo capturados por alguém tão radical e sem a mínima condição de unificar o país após as urnas. O PT também precisa assumir que cometeu erros que o levaram a ser visto como uma ameaça política e econômica.

Na campanha de Jair Bolsonaro, os últimos dias foram de previsível crise. O que era obscuro ficou ainda mais confuso. Os economistas que assessoram o candidato falaram em reuniões no mercado, ou em entrevistas, a respeito de um imposto que incidiria sobre transações financeiras. Foi entendido como uma nova CPMF. O candidato respondeu por tuítes negando tudo e o comando da campanha mandou o economista em chefe, Paulo Guedes, e o candidato a vice falarem menos. Ou seja, a 14 dias da eleição, o líder das pesquisas faz escolha deliberada por esconder informações sobre seu programa econômico.

A declaração que detonou a onda foi dada por Paulo Guedes, a portas fechadas, numa reunião com uma gestora de grandes fortunas. Se serão criados impostos, isso tem que ser explicado aos contribuintes, em reunião pública. O economista disse a alguns jornalistas que era em substituição a outros. Marcos Cintra, que tem conversado com Paulo Guedes e defende a proposta, deu detalhes ao “Valor”.

A ideia seria criar um imposto sobre movimentações financeiras que substituiria diversos outros impostos e teria a alíquota de 1,28%. Ele não mostrou cálculos que possam ser aferidos ou entendidos. Ao fim, tudo ficou no disse-não-disse, e no cala-boca geral dado via Twitter pelo candidato. O fato de Jair Bolsonaro estar em recuperação do atentado que sofreu e, por isso, impossibilitado de ir a debates e entrevistas tornou tudo mais nebuloso. Na reta final, o país tem menos informação sobre as ideias de quem lidera as pesquisas. Assim, aprofunda-se o processo irracional de escolha na qual o Brasil está envolvido.

No segundo lugar está o candidato do PT, Fernando Haddad, que confirma, a cada fala, seu papel secundário em sua própria campanha. Ele representa Lula, como repete. O país viveu há 16 anos um ambiente em que o PT era temido porque poderia desmontar a estabilização econômica na qual o país tinha investido vários anos. O partido tinha feito por merecer. Um ano antes aprovara um programa que falava em não pagamento da dívida interna. Levado a cabo viraria um calote em todos os investidores, pequenos, médios e grandes.

As propostas econômicas nem podiam ser definidas como de esquerda. Eram apenas ruins, velhas e inflacionárias. Esse ideário não foi seguido nos primeiros anos. A caminhada do PT, a partir da inflexão dada através da Carta aos Brasileiros, foi para se viabilizar como opção de esquerda. A inflação baixa, as contas públicas ordenadas, o respeito aos contratos não têm cor política.

São a base na qual se constrói o projeto escolhido nas urnas. Não haveria Bolsa Família, nem qualquer dos programas sociais que reduziram a pobreza, se o país tivesse voltado a ter inflação alta, ou se tivesse adotado as políticas aprovadas na convenção de 2001.

O PT precisa refletir sobre a razão de ser visto, de novo, com o mesmo temor que há 16 anos. A explicação persecutória que tem dado convence a militância mas é falsa. Para vencer a eleição o partido precisa superar os temores e a rejeição em parcelas da classe média e nos empresários e investidores. A democracia pressupõe que o país tenha opções democráticas nas diversas tendências políticas.