Míriam Leitão: Boechat, inquieto e contundente
Ricardo Boechat era um amigo leal, a quem ficarei eternamente devendo inúmeros favores e palavras de apoio nos momentos em que mais precisei. Mas ontem foi dia de segurar o choro para dar a dimensão da perda para o jornalismo. É imensa. O jornalismo está de luto vivendo sua própria perda, neste ano das muitas dores brasileiras. Há momentos em que a notícia está dentro da gente, e está na manchete, ao mesmo tempo. Boechat talvez discordasse da decisão de fazer uma coluna sobre um jornalista e repetiria a velha frase “jornalista não é notícia”. A maneira que ele exerceu a profissão e o momento em que nos deixa tornam impossível ignorar as muitas reflexões que a sua morte suscita.
Boechat era ele mesmo. Era único. Seu jeito de trabalhar era inovador, sincero, corajoso, versátil e transformador. Ele foi da coluna do jornal para a televisão, para o rádio, para os tempos multimídia e da interatividade com a mesma naturalidade. Boechat nasceu comunicador, portanto, em cada veículo novo no qual ele passava a trabalhar, não apenas se adaptava instantaneamente, como inovava na maneira de tratar a informação.
Um revolucionário na comunicação, que buscava a relação cada vez mais direta, mais sincera, mais rápida com o seu leitor, ouvinte, telespectador, internauta. Essa interatividade extrema é uma das lições que deixa. Entre os jornalistas, ele tinha uma legião de fãs e amigos em todas as faixas etárias, por isso, nas pesquisas sobre jornalistas mais admirados, feitas entre a categoria pelo “Jornalistas & Cia”, ele foi várias vezes o primeiro.
Boechat fará uma falta imensa neste tempo de polarização política e social do país, porque ele procurava sempre, em cada análise, a palavra justa. Mesmo que fosse uma palavra forte, mesmo que parecesse duramente franca. Conseguia ser assim uma espécie de radical do equilíbrio. E, com este estilo único, ele iria, certamente, ao longo dos próximos e difíceis anos que temos pela frente, usar toda a sua sinceridade e lucidez, todo o seu talento, para fazer críticas a qualquer um dos lados das brigas políticas brasileiras.
Fará falta ao país, o Boechat. Fará uma enorme falta ao jornalismo. Mas, principalmente, sentirão saudade os que o amavam tanto. E somos uma legião, os que tiveram de Boechat, no momento em que precisaram, apoio, uma palavra, um carinho, uma ajuda. Cada amigo está agora lembrando o momento em que Boecht esteve ao seu lado.
Eu posso contar uma das várias vezes em que conheci sua generosidade. Em 1991, eu estava desempregada, após uma demissão injusta e dolorosa, e ele me ligou oferecendo ajuda. Mais do que isso, ele disse que já estava em campo atrás de emprego para mim. “E não é porque você é minha amiga Mirianzinha, é porque será bom para o jornal que te contratar”. Ou seja, levantou também minha autoestima. Foi aos chefes da redação do GLOBO e defendeu a minha contratação. No último telefonema que me deu, no fim do ano passado, foi para me fortalecer após um episódio de ódio na internet. Era o dia em que ele comandaria o debate dos presidenciáveis na Band, mas ele teve tempo de dizer palavras lindas que guardarei comigo. Ficarão essas palavras junto a lembranças dos vários favores que ficarei eternamente devendo ao querido Ricardo Boechat.
O testemunho que muitos amigos deram ontem ajudam a montar o retrato inteiro de Boechat. Mas e o legado do jornalista? Esta foi a pergunta mais repetida ontem e mais difícil de responder, porque ainda estamos tentando entender a notícia. O jornalismo de Boechat era inquieto na forma e no conteúdo. Ele não se acostumava, seu trabalho nunca era burocrático. Os colegas da Band contam que no desastre de Brumadinho ele foi para a redação em pleno fim de semana para ajudar a apuração.
Boechat era bom repórter, bom apurador. Ele baseava suas opiniões tantas vezes contundentes em fatos que ia buscar com as mais diversas fontes, fosse a autoridade poderosa, fosse a pessoa anônima. O jornalismo profissional, inquieto, incansável, que não se intimida, que se emociona com as dores que atingem as pessoas, que critica, que cobra providências, que se adapta às mudanças tecnológicas constantes da profissão. Esse era o jornalismo de Ricardo Boechat e que nunca foi tão necessário ao país.
Míriam Leitão: Um país que ignora os riscos
Ano mal começou e o país conta mortos de várias tragédias. Algumas, como a da Vale, repetem o mesmo enredo: quem manda não segue o princípio da precaução
O ano mal começou. Ainda é o começo de fevereiro. E estamos contando os mortos em tragédias sucessivas. O fogo mata jovens num centro de jogadores, a chuva desaba deslizando encostas no Rio, uma barragem soterra mais de trezentas pessoas. Muito do que nos infelicita poderia ter sido evitado, principalmente a tragédia de Brumadinho, para a qual, tantos dias depois, a Vale não tem explicação plausível. Em muito do que está atingindo o Brasil há a mesma causa: o desprezo pelo princípio da precaução.
O dia de ontem já começou alarmante. Enquanto o incêndio matava meninos jogadores no Rio, mineiros corriam na madrugada de Barão de Cocais com a sirene disparada. Eles moram perto de uma barragem, e elas são bombas que podem explodir. Brumadinho, tempestade com deslizamentos no Rio e a dolorosa perda dos meninos do Flamengo, tudo em tão pouco tempo mostra de forma aguda como o país tem falhado em proteger os seus.
O princípio da precaução nos ensina que se há um cenário ruim é contra ele que precisamos nos preparar. No Brasil, avisos eloquentes não são ouvidos. Brumadinho nasceu em Mariana. A análise do desastre de três anos atrás deixa claro que a Vale construiu a sua repetição. E não estamos livres de novos horrores como lembraram as sirenes de Barão de Cocais.
Em 2015, nos primeiros dias após o rompimento da Barragem de Fundão, a Vale tentou fingir que o problema era da Samarco. Na hora da reparação, Vale e BHP criaram a Renova e entregaram a ela dinheiro e responsabilidade. Terceirizaram a culpa e a reparação do dano. Por fim, as empresas fecharam um pacto com o MP e os governos, que extinguiu a ação civil pública de R$ 20 bilhões. Segundo a Vale, tudo estava resolvido. Falso. O Rio Doce continua sequelado, os diretamente atingidos não tiveram suas casas reconstruídas, e os outros milhares de afetados permanecem carregando suas dores e seu desamparo.
O que ela podia ter feito diferente? Tudo. A Vale deveria ter iniciado imediatamente a transição para nova tecnologia de barragem com menos risco em todos os casos. Deveria ter desarmado as bombas que são as barragens úmidas, drenando, retirando os rejeitos sólidos e os separando para a reciclagem. Essa tecnologia já está dominada. Era e ainda é o único caminho para resolver estruturalmente o problema.
Dinheiro não faltou à Vale. Seus resultados financeiros mostram que, apesar do prejuízo de 2015, quando houve a tragédia de Mariana, o lucro líquido acumulado nos 10 anos anteriores superou R$ 150 bilhões em valores nominais. E que superaram os R$ 40 bilhões nos três anos após Mariana. A atitude da Vale — das reações em Mariana até o teor dos emails sobre Brumadinho revelados esta semana — é uma lição às avessas. Ensina o que não fazer. Os moradores vizinhos às barragens vivem ameaçados por novos rompimentos. Já não dormem, vigiam sirenes.
O Rio fica sobressaltado a cada chuva. A dolorosa tragédia da Serra, há oito anos, em que morreram 908 pessoas, e as muitas enchentes na capital ensinaram que as encostas deslizam com muita frequência pelos erros da ocupação urbana, pela falta de prevenção, porque o setor público ignora a precaução. Depois de enterrados os mortos, volta tudo ao que era antes. As chuvas serão mais intensas, os ventos, mais violentos. Extremos serão mais frequentes com as mudanças climáticas. Como nos proteger?
São casos diferentes, mas a morte dos meninos jogadores do Flamengo precisa ser bem apurada para ver se eles são vítimas também do descaso e da negligência. As investigações ajudarão a apontar a razão exata, mas o roteiro é sempre o mesmo: estavam dormindo em locais provisórios à espera do definitivo centro de treinamento. O Brasil vive à espera do definitivo. Em Minas, famílias de 182 desaparecidos ainda esperam os corpos dos seus entes queridos, e podem não recebê-los, apesar da emocionante dedicação dos Bombeiros.
Em agosto do ano passado, Fabio Schwartzman afirmou: “o único risco para a Vale é a economia global virar de cabeça para baixo.” Estava errado. O risco não era externo. O perigo maior permanece aqui dentro. A mineração sempre teve uma visão predatória, principalmente nas minas de Minas.
Diariamente o país corre riscos por não se preparar para o que pode ser evitado. E assim vamos chorando mortes prematuras e imaginando o que poderiam ter sido aqueles que nos deixam cedo demais.
Míriam Leitão: A crise fiscal exige pressa
Por Alvaro Gribel (Míriam Leitão está de férias)
Com o presidente Jair Bolsonaro internado em um hospital de São Paulo — ontem apresentou quadro de pneumonia — o envio da reforma da Previdência ao Congresso terá que esperar. A equipe do ministro Paulo Guedes teve tempo suficiente para apresentar uma proposta robusta, mas desde a campanha eleitoral não consegue avançar sobre os detalhes. Guedes tem uma ideia de reforma, Onyx, outra, os militares, uma terceira, e o presidente, ninguém sabe.
Há várias versões sobre a mesa esperando a decisão de Bolsonaro, e o ano legislativo já começou. Ontem, a agência S&P manteve a nota do Brasil estável, três níveis abaixo do grau de investimento. E deu um recado claro: a perspectiva para o país é de recuperação lenta, mesmo com a aprovação das reformas. O PIB tende a crescer pouco nos próximos anos e a dívida continuará subindo antes de começar a cair. Em resumo, é preciso ter pressa.
A agência ainda avisou que não pretende elevar o rating do governo no curto prazo, a despeito de toda alta da bolsa e da queda do risco-país. A reforma de Temer já poderia ter sido aprovada após as eleições, o que faria as perspectivas para este ano serem melhores. Mas Bolsonaro precisa de um projeto para chamar de seu, ainda que não consiga decidir o que quer.
S&P quer ver para crer
A visão da S&P sobre o processo legislativo brasileiro destoa da análise feita pelo mercado financeiro. Para a agência, “apesar do forte capital político de Bolsonaro, a aprovação de reformas estruturais de nenhuma forma está garantida”. Ela cita a fragmentação partidária, as pautas controversas e a escolha do presidente de fugir das negociações com as lideranças partidárias. No fim, acredita que os projetos passarão, mas vai esperar para mexer na nota.
Maia vende ilusão
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, resolveu vender ilusão para justificar a reforma da Previdência. Disse que o PIB pode crescer até 6% nos 12 meses seguintes à aprovação da proposta. Não há economista no país prevendo uma recuperação nessa magnitude. Entre as instituições que responderam pesquisa do Boletim Focus, a mais otimista projeta crescimento de 3,5% este ano e no próximo. A mediana, no entanto, está em 2,5%. A Previdência é apenas uma das muitas reformas que o país terá que enfrentar para aumentar o seu PIB potencial. E seus efeitos serão sentidos no longo prazo.
Menos soja
O corte na previsão da safra de soja foi forte, por causa da estiagem. Os produtores esperavam quase 120 milhões de toneladas, e agora a revisão aponta para algo próximo a 100 milhões. O estado mais afetado foi o Paraná. Mas o preço, que subiu 7% em um ano, não deve disparar, diz Leonardo Sologuren, vice-presidente do Comitê Estratégico Soja Brasil. A cotação é determinada em Chicago, e os EUA estão colhendo um volume histórico de soja. “Outro fator é que o dólar deve ficar em patamar mais baixo na média deste ano.” A soja, usada na alimentação de animais, afeta o preço das carnes e do leite.
‘Vai acontecer’
Quem acompanha a negociação para a venda da Braskem afirma que o negócio vai acontecer. Todas as partes querem a operação, e a Odebrecht, que detém 38,4% do capital, precisa de dinheiro para reduzir a dívida. Na Petrobras, com seus 36% das ações, o novo comando tem repetido que deseja vender ativos. Há compradores interessados. A holandesa LyondellBasell é a que está mais próxima da compra, que deve envolver dinheiro e troca de ações. O negócio deve se aproximar dos R$ 50 bi. Seria a maior aquisição de uma empresa estrangeira no Brasil, três vezes maior que a venda da Embraer.
O exemplo de Portugal
Depois de passar pelo ajuste, Portugal vive um período de baixo desemprego e muita gente já esqueceu a crise, diz o executivo Vasco Campos, diretor para América Latina da multinacional portuguesa Sovena, da marca de azeite Andorinha. “O desemprego bateu em 13% e caiu para a casa de 6%. O ajuste foi duro, houve corte de salário de servidores, supressão de feriados, aumento de Imposto de Renda. Mas houve unidade nacional para superar o momento e hoje as pessoas já nem se lembram mais”, diz.
(Com Marcelo Loureiro)
Míriam Leitão: O jeito errado de fazer a reforma
Por Alvaro Gabriel (A colunista está de férias)
A pior forma de se tentar aprovar uma reforma da Previdência é provocando vazamentos que dão força aos grupos contrários à própria reforma. No governo Temer, houve total coordenação entre a Casa Civil, o Ministério da Fazenda e o presidente da República. A PEC 287 só veio a público quando já era um texto formatado e pronto para ser negociado com o Congresso, ponto a ponto.
Ontem, o que se via entre os especialistas era um sentimento de confusão e perplexidade. Ninguém sabia exatamente o que dizer, que conta fazer, porque não se sabia o que de fato era verdade e o que ainda passaria pelo filtro do presidente Jair Bolsonaro.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, avisou que ele era contra a mesma idade mínima para homens e mulheres. Já o secretário Rogério Marinho afirmou que há várias propostas sobre a mesa. A única coisa que parece certa na suposta PEC divulgada ontem é que ela dificilmente pegará carona no texto do governo Temer.
Como alertou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um projeto começando do zero terá que passar por todas as comissões antes de ir a plenário.
Hora do ônus
A suspensão da operação na mina de Brucutu derrubou a ação da Vale. O ônus do desastre em Brumadinho não será pequeno. Os investidores passam a considerar uma reação mais firme dos órgãos públicos em relação à empresa. O procurador da República José Adércio Leite Sampaio achou prudente a decisão da Justiça e deixou aberta a possibilidade de novos pedidos para paralisar outras operações da companhia. As instituições têm atuado em parceria, diz. Os próximos dias prometem volatilidade, com os passos da Justiça ditando os humores dos investidores. Esta semana é feriado na China, o mercado que determina a cotação do minério. É provável que o preço suba com o fechamento da mina de Brucutu, responsável por quase 8% da produção da Vale. A alta da commodity diminuiria a pressão sobre as ações da empresa. Mas o fato é que os primeiros desdobramentos já são diferentes do que aconteceu após o desastre de Mariana. O ambiente negativo para a Vale está longe de ter se dissipado.
Pelo fim do monopólio
A Abegás, associação que representa as distribuidoras de gás, reafirma o que foi dito na coluna do último sábado: há um monopólio exercido pela Petrobras no setor e que precisa ser enfrentado para que haja mais concorrência nos preços. Em nota, a entidade argumenta que a Comgás repassou custos, sem aumentar margens, informação que já constava na nota “O duro golpe do gás na indústria”. Segundo Marcelo Mendonça, diretor da associação, houve nos últimos meses uma forte oscilação no dólar, e, mesmo ele tendo recuado, é preciso calcular a média do período. “Em outros momentos, como em 2016, os preços caíram pelas variações do dólar e do petróleo. Mas o fato é que enquanto não houver competição na oferta de gás, será difícil haver queda consistente de preços. As distribuidoras apenas repassam custos. Esse monopólio também nos atrapalha, porque queremos que o gás seja competitivo em relação a outras fontes”, disse. Vários estados estão tendo reajustes de dois dígitos. Em SP, como informado na coluna, a indústria sofreu impacto de 36% enquanto o GNV disparou 40%.
No ES, transparência
Um dos pontos que geram insatisfação entre os consumidores é a cláusula de confidencialidade entre Petrobras e distribuidoras de gás natural. Mesmo sendo monopolista, a Petrobras argumenta que não pode abrir informações a possíveis concorrentes no setor. No Espírito Santo, a Agência de Regulação de Serviços Públicos (ARSP) conseguiu parecer favorável da Procuradoria-Geral do Estado para tornar público os termos do contrato. “O sigilo entre a Petrobras e as distribuidoras não pode ser imposto às agências, que se submetem a um regime de direito público e que têm, por vocação, o dever de dar transparência aos consumidores”, explicou Antonio Júlio Castiglioni, diretor-geral da ARSP.
Chama o investidor
Não é só o governo federal que prepara um pacote de privatizações. São Paulo tem uma lista de 34 ativos que pretende negociar com a iniciativa privada. Henrique Meirelles, secretário da Fazenda, começa a definir as prioridades nesta terça-feira. A joia da coroa é a Sabesp, que pode garantir de R$ 5 bilhões a R$ 15 bi aos cofres estaduais. Há ainda cerca de 20 aeroportos regionais e mais de 1.000 km de rodovias.
Míriam Leitão: O duro golpe do gás na indústria
Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)
A indústria de São Paulo iniciou o mês de fevereiro sofrendo um duro golpe: aumento médio de 36% na conta de gás. Sob qualquer ponto de vista, essa alta seria desestabilizadora, mas ela ainda acontece após um reajuste de 21% em maio. Ou seja, em menos de um ano, a conta disparou 64%. O secretário de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, não quis comentar o assunto, e a agência reguladora Arsesp, não deu detalhes suficientes para explicar o aumento. Mas os grandes consumidores apontam o monopólio da Petrobras no setor de gás e a falta de transparência nos contratos como os principais motivos. No final de 2018, a petrolífera renovou um contrato de venda para a Comgás, distribuidora no estado de São Paulo, mas os detalhes não vieram a público. “A gente esperava um aumento em torno de 18%, mas 36% é o dobro. A Comgás, no fundo, é repassadora de preços da Petrobras. Algo foi estabelecido entre elas que provocou a alta, mas não temos como saber o que é”, explicou Adrianno Lorenzon, coordenador da equipe técnica de gás da Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia.
GNV dispara 40% em São Paulo
Quem usa o Gás Natural Veicular (GNV) em São Paulo vai sentir ainda mais. O reajuste autorizado chegou a impressionantes 40%. Para as residências, oscilou entre 8% e 11% e no comércio, 15%. A avaliação da Abividro é de que há um total descompasso entre as agendas de regulação, de direito da concorrência, e o prometido aumento da competitividade na economia. “É uma pancada abusiva. Um aumento imprevisto dessa magnitude mexe com o planejamento de qualquer empresa e pode comprometer o ano. No primeiro plano de governo do então candidato Bolsonaro só se falava em gás. Depois, isso saiu da pauta, e desde o início do governo outros temas no setor ganharam mais importância, como a energia nuclear”, afirmou Lucien Belmonte, diretor da Abividro.
Risco na recuperação
A indústria cresceu apenas 0,2% em dezembro, como mostrou ontem o IBGE, com crescimento no ano de 1,1%. O setor precisa de redução de custos para aumentar a competitividade e lidar com um ambiente econômico que ainda não engrenou. Os investimentos seguem travados e o emprego se recupera lentamente. O resultado é que a produção ainda está 16% abaixo do pico, de maio de 2011, e a balança comercial da indústria viu o déficit disparar de US$ 3,2 bilhões em 2017 para US$ 25,1 bi em 2018, segundo o Iedi. A perda de dinamismo se agrava com o reajuste dessa magnitude no gás. “A tendência é que a indústria mais dependente do gás corte investimentos e repasse custos. A conta deve sobrar para o consumidor”, prevê Eduardo Velho, da consultoria GO Associados.
E o vento levou
A energia eólica, enquanto isso, continua se expandindo. No ano passado a capacidade instalada ultrapassou a de Itaipu. Os aerogeradores já são capazes de produzir 14,71 GW. Na composição da matriz elétrica, a energia dos ventos corresponde a 9%. Já ultrapassou a geração a gás natural e deve conquistar em breve o segundo lugar, só ficando atrás das hidrelétricas. As informações são da ABEEólica.
Temperatura elevada I
A primeira sessão do ano no novo Senado teve de tudo: bate-boca, ameaça de agressão e até a pasta com a ata das votações sendo “confiscada” pela senadora Kátia Abreu (DEM-GO). A temperatura elevada mostra que o governo Bolsonaro não terá vida fácil para conduzir a agenda de reformas no Congresso. Segundo comentário da XP Investimentos, há receio de que por trás da confusão para a eleição na Casa esteja a atuação nos bastidores do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “A única certeza é que não há certeza”, disse a XP em alerta a clientes sobre o desfecho dessa primeira sessão.
Temperatura elevada II
Além dos sinais de que algo falhou na negociação de bastidores, o que preocupa é o ambiente pouco propício ao diálogo no Congresso, especialmente para temas controversos, conta um especialista em Previdência. Em um Senado renovado, também chamou a atenção que os parlamentares mais antigos é que não conseguiram conduzir os debates.
(Com Marcelo Loureiro)
Míriam Leitão: Pink e Cérebro do Congresso
POR ALVARO GABRIEL
O ano legislativo começa amanhã, com a posse do novo Congresso, e terá início de fato a corrida pela aprovação das reformas. Ainda não se sabe qual proposta da Previdência passará pelo crivo do presidente Jair Bolsonaro, que se recupera de cirurgia em São Paulo. Um ponto determinante será a estratégia de usar ou não a PEC 287 do governo Temer, que já passou pelas principais comissões da Câmara e estaria pronta para ir a plenário. Na visão do cientista político Sérgio Praça, da FGV/CPDOC, o DEM terá papel crucial nas negociações e ocupará um espaço que inicialmente caberia ao PSL. Enquanto o partido do presidente dará musculatura ao número de votos, o DEM funcionará como uma espécie de cérebro do governo nos bastidores. “O PSL deve ser o maior partido da Câmara, mas não tem gente qualificada para estar à frente das principais comissões, como a CCJ e a de Orçamento. Isso abre muito espaço para o DEM, que é o partido do Rodrigo Maia e do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni”, afirmou. Para Sérgio Praça, o PSL precisa mais não atrapalhar do que ajudar na tramitação.
CUSTO DO ATRASO
Quanto maior o atraso na Previdência, maior o custo para as contas públicas. Se o texto do governo Temer tivesse sido aprovado em junho de 2017, o país já teria economizado R$ 6 bilhões, até ontem. O cálculo é do “Previdenciômetro”, medidor criado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A redução dos gastos ganha força ao longo dos anos, mas mesmo no curto prazo os efeitos da reforma já seriam sentidos. Com R$ 6 bilhões, seria possível construir 1.142 escolas ou 240 hospitais. Ou, ainda, 95.205 moradias populares, pelas contas da entidade. O país troca investimentos por gastos com aposentadorias sem idade mínima.
BRASIL FIGURANTE
Para o ex-embaixador Rubens Ricupero, o Itamaraty sai menor da crise envolvendo a Venezuela. Uma semana após reconhecer Juan Guaidó como presidente do país, Maduro continua no cargo, e os embaixadores brasileiros estão a reboque das decisões americanas neste assunto. “O Brasil se apagou muito, um país da nossa envergadura foi apenas um entre mais de 10 que reconheceu Guaidó após os EUA. Estamos como figurante no coro da ópera, em papel secundário. Nas descrições que se fazem no Conselho de Segurança, quase não se cita o Brasil. Poderíamos hoje ajudar como mediadores, mas desaparecemos do cenário”, disse.
CORRIDA DE OBSTÁCULOS I
Veja como a economia se parece com uma corrida de obstáculos. Caso o governo aprove uma reforma consistente da Previdência, o economista Nathan Blanche, especialista em câmbio, prevê uma forte entrada de dólares no país. O problema, diz, é que a valorização do real poderá ser fatal para muitas empresas. “Se o Brasil der certo, estará encrencado”, brinca. Ele explica que a inflação já está baixa e tenderia a furar novamente o piso da meta, e o Banco Central já tem reservas cambiais elevadas. “Há poucos instrumentos para conter uma valorização forte do câmbio. O governo precisa fazer o ajuste fiscal e aprovar uma agenda de competitividade para as empresas.” Nem bem o país resolverá um problema e já terá que enfrentar outro.
CORRIDA DE OBSTÁCULOS II
Pelas contas de Nathan, a agenda mundial é de redução de impostos de cerca de 20% em vários países competidores do Brasil, como os EUA. Se o real tiver valorização entre 10% e 15%, as empresas brasileiras teriam aumento de custo de até 35%. “Se não baixar impostos, o prejuízo na produtividade e competitividade será elevadíssimo. E o único jeito de reduzir carga tributária é cortando gasto. A Previdência terá que ser apenas a primeira das reformas”, afirmou.
NÃO PAREM AS MÁQUINAS
A indústria de máquinas já está agendando reunião com o ministro da economia, Paulo Guedes, para tratar do assunto. O setor fechou 2018 com crescimento de 7%, mas puxado pelas exportações. Este ano, a projeção é de alta de 5%, mas com foco maior no mercado interno, diz o presidente da Abimaq, João Carlos Marchesan. Uma valorização forte do real tornaria as máquinas importadas mais baratas em relação às produzidas no país e encareceria as brasileiras no exterior. Esse cenário preocupa.
(Com Marcelo Loureiro)
Míriam Leitão: Trem descarrilado da mineração
Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)
Para um setor que dobrou de tamanho em pouco mais de uma década e só no ano passado gerou US$ 20 bilhões em exportação, é inaceitável o jogo de empurra diante dos crimes ambientais em Mariana e Brumadinho. Em 2015, Vale e BHP tentaram se eximir de responsabilidade pela operação da Samarco, apesar de a empresa ser uma joint venture entre as duas gigantes da mineração, com 50% de participação de cada. Há um ano, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, dizia em um evento para investidores em São Paulo que o trabalho de recuperação do Rio Doce era “uma história extraordinária” e que a “resposta das duas companhias estava à altura do desastre”.
O que as reportagens mostravam era uma realidade diferente: muita reclamação, atrasos e um dano ambiental incalculável. Ontem, a bateção de cabeça envolveu o vice-presidente, Hamilton Mourão, que falou que o comitê de gestão de crise poderia recomendar a destituição da diretoria da Vale, apesar de não ter certeza de que isso era possível. Por se tratar de uma empresa privada com ações em bolsa, a afirmação causou estranheza. Certamente, não é esse o caminho para eventuais punições aos executivos da mineradora.
Logo em seguida, foi a vez do advogado Sergio Bermudes falar que a Vale não reconhecia responsabilidade pelo acidente e que pediria o desbloqueio de todos os seus bens. O sentimento de perplexidade foi generalizado, e a companhia se viu obrigada a soltar dois comunicados oficiais para desdizer o advogado. A Justiça criminal ficou parada após Mariana, os órgãos de fiscalização continuaram esvaziados diante da crise fiscal. A mineração no Brasil cresceu demais, e parece que não há ninguém no controle.
O DOBRO EM 15 ANOS
A produção de minério de ferro da Vale saltou 117% em 15 anos, como mostra o gráfico abaixo. Os relatórios anuais da companhia mostram que a extração saltou de 169 milhões de toneladas, em 2002, para 367 milhões em 2017 (o balanço de 2018 ainda não foi divulgado). O crescimento foi acelerado principalmente nos anos 2000, quando teve início o chamado “boom” das commodities. A demanda chinesa por produtos primários aumentou, e isso fez disparar os preços nos mercados internacionais. A maior parte desse aumento de produção, porém, aconteceu no chamado Sistema Norte, puxado por Carajás, no Pará, que tem um minério mais rico e não utiliza barragens como as de Minas Gerais.
QUEDA LIVRE NA BOLSA
A perda de valor da Vale na bolsa — a maior da história em um único dia segundo a Economática —mostra que o investidor entendeu que ela tem responsabilidade na tragédia. A opinião contrária do advogado da companhia não convenceu. Karel Luketic, analista-chefe da XP, conta que a atenção dos investidores está voltada para as repercussões na Justiça, aqui e lá fora. As perdas não serão só financeiras, já olhadas com lupa pelas agências de classificação de risco. A investigação poderá manchar ainda mais a imagem da empresa. Ontem, a Fitch rebaixou a mineradora.
EM MINAS, PREOCUPAÇÃO FISCAL
Em Minas, além do choque com a tragédia, há a preocupação com a crise fiscal. No ano passado, somente a extração de minério de ferro gerou R$ 914 milhões em receitas ao governo, sem contar os efeitos indiretos sobre a cadeia de fornecedores. Um forte abalo nessa indústria poderia agravar ainda mais as contas estaduais. O orçamento mineiro já prevê R$ 11,5 bilhões de déficit este ano.
Com Marcelo Loureiro
Míriam Leitão: Foco errado no setor elétrico
Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)
Em uma cruzada pela finalização da usina nuclear de Angra 3, o Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou nota na última terça-feira para contrariar a lógica: disse que não haverá impacto para o consumidor com o aumento do preço de referência do projeto, que dobrou de R$ 240 para R$ 480 o MWh. Segundo o MME, o texto desta coluna no domingo passado, sob o título “Segurança nacional”, estava equivocado e fazia uma análise “superficial” do tema pois ignorava a complexidade do sistema elétrico. O problema é que no setor há quem diga exatamente o contrário. Diversas associações já se manifestaram contra a retomada do projeto, com cálculos entre 2% e 3% de aumento na tarifa. O efeito real, na verdade, é incerto, porque a usina precisará de mais R$ 15 bilhões de investimentos — além dos R$ 15 bi que já foram gastos — e só ficará pronta em 2026, no melhor cenário. A obra começou nos anos 80, foi interrompida diversas vezes e tem um histórico de atrasos.
Nada garante que desta vez será diferente. A maior justificativa para a conclusão do projeto não parece ser a segurança energética, porque nesse período outras fontes de energia “firme”, como gás natural, poderiam entrar no sistema a custos mais baixos, entre R$ 160 e R$ 220. Além de Angra 3, o MME já fala na construção de mais oito usinas nucleares. Com as reservas de gás do pré-sal praticamente inexploradas e o monopólio da Petrobras no setor ainda a ser quebrado, o que parece equivocado é o foco na fonte nuclear.
Atrasos passam em branco
Outro ponto polêmico da construção de Angra 3 é que os atrasos na obra não sofrem punição pela agência reguladora (Aneel). As hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, por exemplo, foram penalizadas porque não entregaram a tempo a energia contratada. Já com Angra 3 isso não acontece. “Há um tratamento diferenciado porque o poder concedente é sócio da usina. Houve erros de gestão, mas quem pagará a conta será o consumidor. O pior é que a Eletrobras tem ações em bolsa. Quando o preço de R$ 480 foi autorizado, as ações dispararam. Isso é transferência de renda para o acionista privado”, disse um especialista na área.
Muito mais a gás
Os R$ 30 bilhões que podem ser gastos na construção de Angra 3 financiariam 8 GW de termelétricas a gás natural, seis vezes mais que a usina. O MME argumenta que a energia nuclear não polui, ao contrário da queima de gás. É verdade, mas desde que não ocorram acidentes como o de Fukushima.
Privatização na pauta
O presidente da Eletrobras conta que até fevereiro deve ter uma posição final sobre o projeto de aumento de capital da companhia. Wilson Ferreira Júnior tem conversado com o MME. A proposta, que tornará o governo minoritário, é fundamental para que a empresa recupere o fôlego financeiro. A gestão do executivo reduziu o endividamento para 3,3 vezes a geração de caixa operacional, relação que já foi de 13 vezes em 2014. Mas sem a oferta de ações, a Eletrobras só terá para investir algo como R$ 3 bilhões ao ano. Para manter sua participação de mercado, o investimento terá que chegar a R$ 12 bi, em média.
Dançando na chuva
Com o volume de chuvas abaixo da média histórica em janeiro, o preço da energia quase dobrou no mercado livre de curto prazo, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Saltou de R$ 178 o MW/h para R$ 337 no Sudeste/Centro-Oeste. O nível de água dos reservatórios nesse sistema estava em 27% na última quinta-feira, menor que os 30% do mesmo período do ano passado. Para a consultoria Thymos, o ano começou com desafios para o setor elétrico. “As chuvas não estão vindo como esperado e já em fevereiro podemos ter bandeira amarela na conta de luz”, afirmou Sami Grynwald, gerente da consultoria.
À frente do PIB
O consumo de gás natural na indústria cresce bem mais rápido que o PIB. Em 2018, até novembro, as fábricas consumiram 4,5% a mais que um ano antes. Já o avanço da economia ano passado ficou em torno de 1,3%. A Abegás divulga a pesquisa completa esta semana.
Com Marcelo Loureiro
Míriam Leitão: Mais um rio de lama da Vale
Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)
A Vale e a indústria de mineração do país estão em xeque. O segundo rompimento de grandes proporções em barragens de rejeitos mostra que os eventos não são isolados. Há falhas na segurança da empresa e na fiscalização pelos órgãos reguladores. Até quem acompanhou a tragédia de Mariana teve dificuldades para explicar o que aconteceu ontem. Há uma suspeita: o setor cresceu demais nos últimos 20 anos, a produção de minério de ferro aumentou exponencialmente, mas os investimentos em segurança não subiram na mesma intensidade. Tudo indica que as barragens no país não estão suportando o volume de extração. Em Brumadinho, a presença da sede administrativa da empresa — e até de um restaurante — no caminho do fluxo de lama sugere que os estudos de contingência foram ignorados ou falharam completamente. A Vale é a nossa maior exportadora, a segunda maior mineradora do mundo e a terceira maior empresa listada na bolsa brasileira. Essas duas tragédias em um período de três anos colocam em dúvida a sua capacidade de expansão. O custo humano, se confirmado, será novamente irreparável.
‘Fiscalização precária’
Para o procurador José Adércio Leite Sampaio, coordenador da força-tarefa Rio Doce, do Ministério Público Federal, tanto a Vale quanto funcionários da empresa podem ser responsabilizados criminalmente, caso sejam detectados culpa ou dolo nesta tragédia. O MP também avaliará indenizações na área cível. Ele diz que a fiscalização dos órgãos reguladores continuou precária, mesmo após Mariana. “Criou-se a Agência de Mineração, mas houve apenas mudança de nomenclatura. São dois técnicos para fiscalizar 450 barragens”, afirmou.
Exploração acelerava
A produção da Vale na região de Brumadinho acelerou em uma década, acompanhando a cotação do minério de ferro. A área de Paraopeba produziu 16,5 milhões de toneladas em 2009. Era a época da crise financeira internacional. Duas das dez minas do Sistema Sul estavam fechadas porque tinham custo de produção elevado. O preço da commodity voltou a subir, e a extração cresceu para 22,5 milhões em 2010. Já em 2018, foram retirados 26 milhões de toneladas de Paraopeba, onde está a mina do Córrego do Feijão. No ano, a alta foi de 3,4%. Curiosamente, Paraopeba era a única das áreas do Sistema Sul que aumentava a produção em 2018.
Mais resíduo que minério
No Relatório de Sustentabilidade de 2017, a Vale anunciava investimentos de US$ 182 milhões na gestão de barragens de minerais ferrosos. A companhia tinha 150 barragens no país. No total, em 2017, a Vale anunciou ter gerado 729 milhões de toneladas de resíduos em toda a sua operação. A produção de minério de ferro foi de 366,5 milhões de toneladas.
Governo tem reação rápida
A reação do governo Bolsonaro em tudo se diferenciou da do governo Dilma, em 2015, em Mariana. Um gabinete de crise foi criado rapidamente, três ministros se deslocaram para a região, e o presidente fez um pronunciamento curto, mas correto. Sua presença no local é aguardada hoje, apesar de ele ter uma cirurgia agendada para a próxima segunda-feira.
Visão de mercado
A queda de 12% dos papéis da Vale em Nova York marcou a volta de um pesadelo para o acionista, conta Pedro Galdi, da corretora Mirae. “A mina de Feijão é pouco representativa na produção da Vale, contribui com 2% do total. O problema para a companhia é outro. O rompimento atingiu pessoas, há o risco de contaminação dos rios. O ônus financeiro tende a ser grande”, disse. A mineradora está financeiramente equilibrada.
Menos investimento e dívidas
Nos últimos anos a Vale vinha passando por um processo que os economistas chamam de “desalavancagem”. Ou seja, tinha como objetivo a redução do seu endividamento, o que de fato aconteceu. Em 2015, a empresa tinha uma dívida bruta de R$ 112,6 bilhões. Einar Rivero, da consultoria Economática, conta que o total caiu para R$ 67,3 bi em 2018. O bom preço do minério ajudou e a geração operacional de caixa saltou 40%, para R$ 52 bi. Mas, no período, a empresa cortou dois terços do investimento.
Com Marcelo Loureiro
Míriam Leitão: Os sinais mistos do agronegócio
Ministra da Agricultura diz que a grilagem será reprimida, isso é bom sinal, mas outros pontos de seu discurso levantam dúvidas
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o governo não aceitará invasão de terras indígenas. “É preciso separar o que é agronegócio e o que é crime. Bandido em todo lugar precisa ser combatido”, afirmou. Ela nomeou o deputado Valdir Colatto para o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que defende diminuir o tamanho das reservas legais e tem um projeto que permite a caça de animais silvestres, quando eles prejudicarem a agropecuária. A ministra defende a escolha que fez. “Temos que acabar com essa história de que ser ruralista é ruim.”
O Ministério ficou muito maior no governo Bolsonaro porque recebeu toda a
parte de demarcação de terra indígena que antes estava na Funai. Isso levantou preocupação entre ambientalistas e lideranças indígenas e animou grileiros. Já tem havido invasões de terras indígenas e outras estão programadas. Mas a ministra Tereza Cristina diz que discorda da interpretação de que essas nomeações e mudanças na administração pública devam ser entendidas como incentivo à grilagem. Sobre a escolha do deputado Nabhan Garcia para ser o secretário que vai cuidar da questão fundiária e da demarcação de terras indígenas, ela refuta o conflito de interesses embutido na escolha.
—Não se pode achar que, porque o Estado brasileiro mudou, vai ser possível transgredir a lei. Os índios têm 13% do território, mas as áreas estão confirmadas. O grande problema são as demarcações que estão sendo feitas, e vivemos 13 anos noutro governo e não se resolveu. Temos cada dia mais conflitos. Tem gente que tinha título da terra do Estado brasileiro há mais de 80 anos e vem uma demarcação aí. Não vamos reduzir, mas a Justiça terá que dizer — afirmou a ministra.
Quem acompanha a questão fundiária sabe que há muito documento falso de propriedade na Amazônia. O discurso da ministra de que a grilagem será reprimida, tranquiliza, mas outros pontos do que ela fala, ou escolhas que tem feito, levantam dúvidas. Ao longo de toda a entrevista, contudo, Tereza Cristina repetiu que a lei será cumprida, seja quem for o infrator. Ela justificou as mudanças administrativas:
—A demarcação de terra foi para o Ministério não por uma questão de ideologia, mas porque o governo decidiu agregar todas as áreas afins, como fez com a economia.
A ministra disse que irá ao Maranhão em fevereiro, onde houve um dos casos de invasão, e quer conversar com lideranças indígenas. Reclamou das cobranças, lembrando que o governo tem apenas 15 dias. É verdade, mas no Brasil a extensão da fronteira agrícola tem ocorrido com muita violência. A escolha de uma das partes em conflito para comandar o setor é uma tomada de posição.
O secretário Nabhan Garcia, que é muito amigo do presidente Jair Bolsonaro, disse recentemente que sua secretaria tem status de ministério. Perguntei se é isso mesmo, ou se ele será subordinado a ela. A ministra Tereza Cristina disse que ele será um dos vice-ministros, mas que a chefe será ela.
A ministra se envolveu numa controvérsia com Gisele Bündchen. Criticou a modelo, que respondeu com carta longa, firme e bem educada. A ministra diz que não a criticou, “mulher linda e inteligente”, mas repetiu que brasileiros de projeção no exterior deveriam falar bem do país.
Tereza Cristina reafirmou as críticas ao que chama de “excesso de poder dos fiscais ambientais”:
— Os fiscais aterrorizam os produtores. Esses fiscais precisam ser treinados.
Sobre o crescimento do desmatamento nos últimos anos, disse que é preciso ver exatamente onde está ocorrendo e se é ilegal. Ela disse que a meta de “desmatamento ilegal zero” pode até ser antecipada, mas repetiu que o Brasil precisa receber recursos dos outros países por este combate ao desmatamento. Afirmou também que é contra a redução do tamanho das reservas legais em cada bioma. Bom saber, porque o novo diretor do Serviço Florestal, Valdir Colatto, já defendeu a redução dessas áreas de preservação nas propriedades. Em favor do futuro do próprio agronegócio, tomara que vença o lado luminoso do setor rural na gestão da ministra Tereza Cristina.
Entro em férias por três semanas. Este espaço será ocupado por uma coluna de notas escrita por Álvaro Gribel e Marcelo Loureiro.
Míriam Leitão: O bom e o péssimo no mesmo governo
Há expectativas positivas na economia, com o programa de Paulo Guedes, e fartos temores em outras áreas, como educação, índios e o meio ambiente
Há sinais bons de que a economia brasileira pode avançar com o programa do ministro Paulo Guedes. Um desses é que o custo do seguro contra o risco-país já caiu. Há fatos assustadores, como o desastre ambiental contratado com decisões e palavras que estimulam invasão de terra indígena ou levam à paralisia no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Esses não são os únicos pontos de alívio e ou de preocupação, essa polaridade tem havido no governo Bolsonaro.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, explicou sobre sua decisão de suspender todos os convênios do Ministério, que vai dar prioridade às análises dos contratos que “necessitem de medidas imediatas”. Segundo o ministro, “se estiverem em ordem serão prontamente liberados, caso contrário serão encaminhados para auditoria por parte da CGU”. É normal que um novo governo ao chegar avalie tudo o que está acontecendo e mude o que considera ser ruim. O problema é, numa penada, suspender tudo sem avaliar as consequências.
Há inúmeras ONGs, fundações, fundos que não usam dinheiro público, pelo contrário, transferem recursos para o poder público. O Fundo Amazônia, por exemplo, foi formado com dinheiro do governo da Noruega, doado ao país, e é gerido pelo BNDES, que decide onde os recursos devem ser aplicados. Há avaliações frequentes da eficiência das ações.
Há o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), que é o maior programa de apoio à conservação das florestas tropicais. “Sem esse recurso, a conservação da biodiversidade, a fiscalização, proteção e diversas frentes de trabalho serão duramente prejudicadas”, me disse um funcionário do MMA. O Arpa foi formado com doações internacionais e de fundações. Não é dinheiro público.
O engenheiro florestal Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, disse que dependendo da dimensão dessa suspensão pode ser dramático para as organizações locais de apoio às Unidades de Conservação e lembrou que atinge também as organizações que fornecem dados para dar suporte ao governo.
— Nós criamos uma ferramenta para pegar cada alerta de desmatamento gerado pelo Deter/Inpe e pelo Sad/Imazon e avaliar em alta resolução quando e onde exatamente aconteceu o desmatamento, é o MapBiomas Alerta. Tudo foi desenhado em colaboração com o governo e o Ministério Público e temos um acordo de cooperação técnica que não envolve recursos. Isso vai entrar em operação em março —diz Tasso.
Como eles não dependem do governo, vão rodar os dados. Mas essas informações são úteis para ter aviso antecipado de todos os biomas sobre o local do desmatamento. São ações assim que podem ser vistas por qualquer pessoa que vá a campo para entender o trabalho de proteção ambiental. Ligado à questão ambiental, está o grave risco indígena. Tenho alertado, como fiz no blog ontem, que já começou a haver invasão de terra indígena. Pode aumentar quando chegar o período de menos chuva, a partir de maio.
Na área econômica, trabalha-se com foco e pressa. Neste momento, todas as atenções estão voltadas para a reforma da Previdência, e o deputado Rogério Marinho, secretário especial para Previdência e Trabalho, montou uma boa equipe com especialistas no assunto, como Solange Vieira, que fez o fator previdenciário, e vários integrantes da equipe de Marcelo Caetano, ex-secretário da Previdência. Tem consultado economistas, falado com políticos e integrantes do governo para preparar o projeto e trabalhar para que ele seja bem recebido. Tem aparado as arestas dentro do governo sobre o assunto. São muitas.
Os juros futuros despencaram desde a eleição do presidente Bolsonaro, o seguro contra a dívida brasileira, o CDS, está no melhor momento desde março de 2018. O CDS reflete a avaliação feita pelos investidores estrangeiros sobre a economia brasileira. Estava em 307 pontos e caiu para 182 pontos. Isso é aposta de que o governo vai aprovar a reforma e reduzir a crise fiscal. O presidente argentino, Maurício Macri, que visitou o Brasil ontem, assumiu com expectativa ótima junto ao mercado, mas sua opção por soluções graduais trouxe a desconfiança e a crise de volta. Esse erro não se pode cometer.
Mesmo num cenário de acerto na economia, se o governo errar em outras áreas como meio ambiente, educação, política indigenista, o custo para o país pode ser muito alto.
Míriam Leitão: Temas sensíveis em Davos
Bolsonaro fará estreia em Davos, com os investidores de olho no ajuste, mas também em temas sensíveis, como as políticas ambiental e indígena
Em uma semana o presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia em Davos e a ordem interna foi de mobilização para preparar uma boa apresentação. Os outros dois integrantes do governo que falarão lá são conhecidos do mercado e dos presentes nesse encontro anual, o ministro Paulo Guedes e o ministro Sergio Moro. O foco será melhorar a imagem do governo que, admite-se internamente, não é boa no exterior. Eles, contudo, enfrentarão outros problemas.
O primeiro é que a elite do capitalismo mundial, que se reúne anualmente nas montanhas geladas que inspiraram Thomas Mann, há muito tempo mudaram-se de armas e bagagens para um conceito mais atual de sustentabilidade. Querem ouvir Paulo Guedes contar como tornará as contas públicas sustentáveis. Querem ouvir a história do juiz ícone do combate à corrupção no Brasil, agora em nova função. Mas querem também saber o que o governo pretende fazer para proteger florestas e seus povos originais. Não por querer interferir nos destinos internos do país, mas porque o combate aos gases de efeito estufa, a luta contra as mudanças climáticas, exige que cada um faça a sua parte. E o Brasil mesmo escolheu a sua parte: atingir o desmatamento zero em 2030. Ontem, o ministro do Meio Ambiente disse que o país continuará no Acordo de Paris. Mas o governo tem criticado essas metas.
Neste momento, grileiros estão se sentindo estimulados, pelos sinais exteriores do governo, a invadir terra pública, principalmente terra indígena. Foi o que já começou a acontecer na Terra Indígena (TI) Uru-eu-wau-wau, a 322 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, segundo informou a “Folha”. O risco, segundo o relato do jornal paulista, é enorme, porque os grileiros avisaram aos índios que o acampamento deles vai aumentar. O Instituto Socioambiental confirma o perigo sobre essa área.
Recebo notícia das aldeias Awá Guajá, no Maranhão, onde estive com o fotógrafo Sebastião Salgado, em 2013. As informações são de que os grileiros estão se organizando em São João do Caru para retomar as terras das quais foram expulsos na desintrusão havida em 2014. Ontem, o cacique Antonio Guajajara, da TI dos Caru, me disse que o perigo realmente é grande. As terra Awá Guajá, um paraíso raro no Maranhão devastado, já foi demarcada e homologada. Vinha sendo sitiada por invasores, que foram retirados. Agora os grileiros se reúnem novamente. Neste domingo foi marcada uma reunião em Maguary e convocados, para ela, produtores de São João do Caru, Governador Newton Bello, Zé Doca e Centro Novo. O objetivo é voltar para a terra indígena. Os índios da aldeia Juriti são os mais ameaçados. Para fazer a reportagem, eu passei uma semana nessa aldeia. A maioria dos índios nem fala português porque a etnia foi contatada nos anos 1990. São poucos e vulneráveis e a terra que preservam é preciosa porque é um dos últimos remanescentes da Floresta Amazônica no Maranhão. Fiz lá, com Salgado, a reportagem “O Paraíso Sitiado”, que ganhou o prêmio Esso. Os grileiros são conhecidos e estão se organizando para invadir de novo as terras. Os índios começaram a pedir socorro a outros indígenas da região. Pode haver uma tragédia.
Se o governo Bolsonaro não fizer imediatamente um sinal claro de que isso não será permitido, haverá uma onda de invasões de terras indígenas. A própria Funai alertou que a TI Arara, no Pará, estava sendo invadida. O ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz disse, na entrevista que me concedeu, na semana passada, que é um absurdo interpretar que o governo aceitará invasões de grileiros. Mas é assim que estão sendo entendidas as decisões tomadas pelo governo Bolsonaro de enfraquecer a Funai, levá-la da Justiça para o Ministério da Mulher e Direitos Humanos e entregar a demarcação de terras indígenas a um líder ruralista dentro do Ministério da Agricultura.
Os investidores hoje não olham apenas a performance da bolsa, a reforma da Previdência, a trajetória da dívida. Querem saber desses indicadores econômicos, mas muitas empresas e fundos têm limitações nas suas regras de conformidade e de governança a investir em países que desmatam, ignoram os compromissos no combate à mudança climática ou onde grileiros invadem terras indígenas.
Os discursos do presidente e dos seus ministros podem ser muito aplaudidos, mas num segundo momento o que o governo Bolsonaro tem dito e feito nas áreas climática, ambiental e de direitos indígenas pode se voltar contra o objetivo de atrair investidores. Nem só de ajuste fiscal vive a imagem de um país, mesmo diante dos capitalistas.