Míriam Leitão: Nova diplomacia encolhe o Brasil

Brasil corre risco de perder mercados e importância política com os erros sucessivos da política externa de Bolsonaro

Os riscos que a política externa corre neste momento são concretos. A bancada do agronegócio teme perder mercado na China, nosso maior parceiro. A ida do presidente Bolsonaro a Washington será boa por um lado, mas o perigo é o país tomar partido na guerra comercial e tecnológica com a China. O deputado Eduardo Bolsonaro representa no Brasil um movimento que se propõe a lutar contra a União Europeia, outro grande mercado brasileiro. A política externa está virando uma coleção de fios desencapados.

O embaixador Roberto Abdenur disse que a decisão de Bolsonaro de demitir 15 embaixadores para melhorar a imagem dele no exterior é uma intervenção sem precedentes:

— O presidente tem o direito de nomear ou demitir funcionários, mas, de uma vez só, decapitar 15 chefes de embaixada é um gesto muito radical. E o presidente se equivoca, porque a imagem dele não é feita no exterior, é feita no Brasil.

O embaixador Paulo Roberto de Almeida, que acaba de ser demitido do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais por ter postado em seu blog pessoal artigos dos quais o chanceler Ernesto Araújo não gostou, lembra outro problema:

— No caso da Venezuela, desde o começo, o chanceler demonstrou uma adesão ao aventureirismo trumpista. O chanceler foi contido e diretamente tutelado pelos militares, que fizeram um cordão sanitário, uma contenção de políticas indevidas. O general Mourão assumiu a chefia da delegação e disse claramente que não haveria intervenção. Os militares estão assumindo uma posição diplomática de respeito à Constituição e ao direito internacional.

Entrevistei os dois diplomatas na Globonews. Abdenur, enquanto esteve na ativa, assumiu postos importantes como as embaixadas da China, Alemanha, Áustria e dos Estados Unidos. Tanto ele quanto o embaixador Paulo Roberto de Almeida foram críticos de posições tomadas na política externa dos governos do PT. Divergem agora dos caminhos adotados no governo Bolsonaro. A crítica é a mesma: a interferência da ideologia — antes de esquerda e agora de extrema-direita — nas relações externas.

O ministro Ernesto Araújo, em aula aos alunos do Instituto Rio Branco, fez uma relação entre os problemas que o Brasil enfrenta em várias áreas com o aumento do comércio com a China.

— A China se tornou o maior parceiro porque é o maior demandante de produtos brasileiros e a maior consumidora desses produtos. O estranho é o chanceler correlacionar o aumento do comércio com a China a uma suposta decadência social, política e cultural. Não faz sentido nenhum — disse Paulo Roberto.

Abdenur faz um alerta sobre a visita que Bolsonaro fará aos EUA no próximo domingo:

— Me preocupa muito o que vai acontecer na semana que vem na visita do presidente a Washington, porque os Estados Unidos estão levando adiante uma confrontação estratégica dura com a China, pela supremacia tecnológica na introdução de 5G na internet — disse Abdenur, lembrando que o Brasil nada tem a ganhar ao tomar posição nessa briga.

Abdenur prevê que a visita terá resultados positivos com progressos na área de comércio, investimentos, de cooperação militar. O Brasil deve ser proclamado aliado estratégico extraOtan e os Estados Unidos podem suspender o veto à entrada do Brasil na OCDE. O temor é que o país assuma uma posição de alinhamento automático aos Estados Unidos.

Há outros riscos. Na reforma imposta ao Itamaraty, a Europa deixou de ter um departamento exclusivo, para ser misturada à África e ao Oriente Médio. O ministro Araújo, em seus discursos, chama a Europa de “vazio cultural”.

O filho do presidente Eduardo Bolsonaro tem agido como um chanceler paralelo. Ele foi nomeado pelo ex-estrategista de Trump Steve Bannon como representante na América Latina do The movement, que, instalado em Bruxelas, se propõe a lutar contra a União Europeia. Ao assumir a Comissão de Relações Exteriores, o deputado disse que Venezuela e Cuba são a escória da humanidade, ou seja, ele confunde países com governos. Pensa estar criticando o chavismo e está ofendendo o país, nosso vizinho de fronteira.

Este governo, através de atos e palavras do presidente e do chanceler, da atuação do filho do presidente, e de um assessor internacional na Presidência sem qualificação para o cargo, tem espalhado ofensas contra diversos países. Isso em diplomacia tem consequência. A de encolher o Brasil.


Míriam Leitão: Ataque à imprensa e o autoritarismo

Há diversas formas de ameaçar a liberdade de imprensa. O governo Bolsonaro está estimulando ataques a jornalistas

Há várias formas de ameaçar a liberdade de imprensa. O governo Bolsonaro tenta um novo tipo, que é expor na rede os jornalistas como forma de tolher, ameaçar, intimidar pessoas que estão no exercício da profissão. Já fez isso várias vezes usando a rede de sites, perfis e bots que controla desde a campanha. Neste caso que atingiu uma repórter do “Estadão”, ele usou o cargo de presidente para divulgar uma mentira, e isso é um crime duplo porque a Presidência tem poderes que não podem ser usados com essa leviandade.

O presidente Jair Bolsonaro não gosta dos jornais e jornalistas que não lhe seguem cegamente e de forma acrítica. Acha que pode, através das redes sociais, substituir entrevistas por lives do Facebook, trocar os anúncios oficiais da Presidência por disparos no Twitter, e que ele e seus filhos podem promover falsos jornalistas e perseguir os profissionais dos quais eles não gostam. Não dará certo, como outras investidas autoritárias também fracassaram.

Eu escrevi em 2004 várias colunas criticando duramente as investidas contra a imprensa pelo governo Lula, em seu início. Elas estão publicadas no meu primeiro livro, “Convém Sonhar”. O então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu propôs a criação de duas agências para controlar os jornalistas. Na exposição de motivos para o Congresso, argumentou que sua iniciativa se devia ao fato de não haver uma instituição capaz de “fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas”.

Os poderosos de então, como os de hoje, estão errados. Os jornalistas estão submetidos a todas as leis do país. E principalmente ao escrutínio de quem nos lê, ouve, assiste, segue. Se naquela época o PT queria inventar uma agência que punisse os discordantes, agora o presidente Bolsonaro cria milícias digitais que simulam o movimento natural da opinião pública, e às quais ele pessoalmente dá a senha de atacar.

O caso deste fim de semana deve ser analisado cuidadosamente para se entender a forma Bolsonaro de ameaçar a liberdade de imprensa. Um blog assinado pelo jornalista e documentarista marroquino Jawab Rhalib, hospedado no site francês chamado Mediapart, publica trechos de uma suposta entrevista de Constança Rezende e inventa a frase “a intenção é arruinar Flávio Bolsonaro e o governo”. Rhalib não entrevistou a repórter do “Estadão”. Recorreu a uma conversa que ela teve com uma pessoa que se apresentou como estudante para entrevistá-la. Na própria transcrição que o blog faz não aparece a frase atribuída a ela e ressaltada na postagem do presidente brasileiro. Bolsonaro deu curso a uma mentira e insuflou seguidores a atacar a jornalista.

A Agência Lupa fez a verificação e mostrou que era falso, o “Estadão” também desmentiu, mas o linchamento virtual continuou, já que teve o aval do próprio presidente. Ontem à tarde, o Mediapart publicou em português, em sua conta no Twitter, que não tem responsabilidade sobre a seção de blogs — destinada a leitores — e que a informação que Bolsonaro divulgou não era verdadeira. A propósito, quem ameaça o senador, filho do presidente, é ele próprio e seu amigo Fabrício Queiroz. Quando esclarecerem as movimentações bancárias estranhas, cessará o problema.

Não é a primeira vez que o bolsonarismo ataca jornalistas. Os métodos já são conhecidos: ameaças, xingamentos, uso de pedaços de verdade para construir uma grande mentira, intimidação, exposição do rosto do repórter com o aviso de que aquela pessoa é o alvo da vez. Isso já foi feito várias vezes nestes poucos meses que vão da campanha, transição e exercício do poder.

O ataque virtual é idêntico ao que fazia o então presidente Hugo Chávez. Ele era capaz, como vi em Caracas, de no meio de uma multidão que o aclamava apontar para um jornalista presente ao evento e acusá-lo de ser um inimigo do bolivarianismo, colocando-o em risco físico. Como agora se aponta na rede quem supostamente é inimigo do bolsonarismo.

Em abril de 2004, escrevi neste espaço contra governantes autoritários. “São perigosos, estejam eles na esquerda ou na direita, seja de que partido forem”. Naquela época me referia a essa tentativa do PT de criar agências para controle da imprensa, projeto que acabou sendo retirado diante das muitas críticas. O governo usou então sites aos quais repassava grandes somas de dinheiro para criticar alguns jornalistas. Aquela coluna escrita há 15 anos tem frases que parecem atualíssimas, como por exemplo, a que dizia: “Senhores governantes, por favor governem”. É o que está faltando a Bolsonaro. Dedicar-se ao exercício do cargo para o qual foi eleito e que tem usado de forma tão abusiva.


Míriam Leitão: Recuperação em mundo adverso

Economia mundial está desacelerando e este não é o melhor momento para o Brasil atrasar as reformas e perder tempo com bizarrices

O crescimento mundial está perdendo fôlego, e isso fica mais claro a cada nova rodada de projeções por organismos internacionais. Esta semana, a OCDE cortou novamente os números, e no dia seguinte o Banco Central Europeu (BCE) alertou sobre o crescimento da zona do euro. Itália, Turquia e Argentina devem fechar 2019 com retração. Alemanha e Canadá vão desacelerar fortemente. O Brasil será afetado pelo comércio mundial mais fraco, pela pressão no dólar e o impacto nos vizinhos argentinos, que são os principais compradores da nossa indústria.

O dólar esta semana voltou a R$ 3,88 a maior cotação desde dezembro. Ontem, fechou em queda, apesar do susto com as exportações chinesas, que despencaram 20% e fizeram o índice de Xangai recuar 4%. A moeda brasileira já devolveu praticamente toda a valorização que teve este ano. De forma geral, os países emergentes estão sentindo os efeitos da incerteza mundial, e as economias com problemas na conta-corrente têm sofrido ainda mais. O peso argentino chegou a cair 6,8% em um único dia, atingindo a mínima histórica na última quinta-feira. O Brasil tem um déficit externo pequeno e elevadas reservas cambiais, por isso, o real cai menos. Ainda assim, a nossa crise fiscal é um ponto de vulnerabilidade e o país não está livre de desconfiança.

— O cenário mundial mudou, e no Brasil vai ficando mais claro que a reforma da Previdência não será aprovada com a velocidade que muita gente apostava. A bolsa teve uma alta que não corresponde às projeções de crescimento do PIB e à rentabilidade das empresas. Se a reforma atrasar demais ou for muito diluída, os mercados poderão estressar — alertou a economista Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University.

Mônica enxerga vulnerabilidades em vários países da América Latina. O México passa por um momento de desconfiança após a eleição de Andrés Manuel López Obrador, AMLO, que tem um perfil econômico mais intervencionista. A estatal do petróleo do país, a Pemex, está muito endividada e recentemente sofreu rebaixamento da nota de crédito pelas três principais agências de risco. Além disso, o México é dependente dos americanos, e o presidente Donald Trump é adversário de Obrador.

A Argentina passa por esta crise cambial em um ano de incerteza política. O presidente Maurício Macri é favorito para as eleições de outubro, mas os argentinos devem viver um novo ano difícil, de inflação elevada e recessão econômica. A Venezuela está ainda no pior dos mundos: colapso político, social e econômico, e riscos de conflitos de desdobramentos imprevisíveis. O Brasil permanece na sua crise fiscal e tem a mais lenta recuperação da sua história.

— É um cenário que me lembra os anos 80, com risco de crise sistêmica na região, mas por motivos distintos em cada país. O investidor estrangeiro acaba vendo todos da mesma forma e isso pode mexer com os fluxos de capitais — explicou a economista.

O movimento do Banco Central Europeu na última quinta-feira seguiu os mesmos passos do Fed, o banco central americano. Ambos voltaram atrás na estratégia de normalização e aumento das taxas de juros. O Fed deu a entender que vai suspender a alta este ano. O BCE ressuscitou um programa de estímulo, três meses após interromper uma recompra de títulos públicos. O recado para o mercado financeiro foi claro: ambos estão preocupados com a desaceleração global.

É nesse novo contexto que o governo brasileiro terá que lidar com a nossa recuperação frágil. O comércio externo não será uma alavanca para o crescimento do PIB, e uma disparada do câmbio pode elevar os custos do crédito. A boa notícia é que, se o país fizer rapidamente o seu dever de casa, o Brasil passará a ser uma das poucas economias do mundo com capacidade para atração de investimentos. Mas há muitos riscos pela frente neste governo errático e, em alguns momentos, bizarro.

Esta foi uma semana em que o governo emitiu sinais que deixaram muitos analistas desconcertados. Do tuíte tenebroso ao vídeo ao vivo no Facebook para mandar rasgar as cartilhas de educação sexual. No meio de tudo, há o risco de que a retórica antiChina, como alertou o jornal “Valor”, cause danos reais aos investimentos no Brasil. Este definitivamente não é o momento de correr riscos, porque a economia global está ficando pior.


Míriam Leitão: A mulher alvo da violência

A mulher tem sido alvo de violência dentro das casas e nas ruas e para mudar isso é fundamental que as escolas façam o debate de gênero

Marielle foi vítima de um feminicídio político. Assim define sua ex-assessora, amiga, e hoje deputada estadual pelo Rio Renata Souza. Um ano depois, a polícia não trouxe a resposta esperada, e a Mangueira deu a resposta pública. Neste Dia Internacional da Mulher, é hora de falar delas, tantas, mortas ou agredidas. Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que por hora 536 mulheres foram vítimas de violência entre fevereiro do ano passado e fevereiro deste ano. Ao todo, 4,7 milhões de mulheres.

— A gente está falando de socos, batidas, tapas, chutes. E tem uma informação da pesquisa — feita pelo Fórum com o Datafolha — que mostra que quanto maior a escolaridade mais ela demonstra ter sido vítima de agressão. Não dá para acreditar que a mulher do ensino fundamental sofra menos violência do que a mulher escolarizada. Essa diferença tem a ver com o reconhecimento de que isso é um crime. As novas gerações, mulheres mais jovens e escolarizadas, estão mais empoderadas e denunciam — diz Samira Bueno.

Renata Souza preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Essa Comissão tem a característica, desde que era presidida por Marcelo Freixo, e coordenada pela própria Marielle, de dar também atendimento ao público. A deputada Renata vai manter essa prerrogativa.

— Vamos dar atendimento às mulheres, encaminhá-las à Defensoria Pública. Além disso, vamos instalar nas próximas semanas uma CPI da violência obstétrica. Tem havido muitas mortes de nascituros. Vamos investigar. Sou também da CPI do Feminicídio, presidida pela deputada Marta Rocha. Vamos trabalhar para superar esse nível de feminicídio que está acontecendo em nosso país —promete a deputada.

Há muito trabalho quando o assunto é proteger a mulher de abusos, seja no espaço público, seja no espaço familiar. Os casos de assassinatos, ou tentativas, são diários. Só nos últimos dias, e para citar dois crimes: Maria Edjane de Lima, de 27 anos, deu entrada num hospital de Barra Mansa, sul fluminense, com sangramento e 27 semanas de gravidez. Disse que foi espancada pelo marido, com inclusive chutes na barriga. A filha nasceu e ela morreu em seguida. O marido prestou depoimento e foi solto. Em Fortaleza, na terça-feira, um subtenente da Polícia Militar deu um tiro na cabeça da esposa, que está em estado grave, prestou depoimento à Delegacia da Mulher e foi solto. Só no dia seguinte acabou sendo preso. Os crimes acontecem diariamente e a impunidade é frequente. Em 76% dos casos o agressor é conhecido da vítima.

Os casos de assédio também são frequentes e em número assustador. Pela pesquisa do Fórum, neste um ano, 37% das mulheres dizem ter sofrido assédio. Isso dá 22 milhões de mulheres. Samira acha que é preciso também olhar para essas violências que são invisíveis, que não chegam até o Estado. Renata chama de “microviolências”. Elas vão deixando sequelas e são reveladoras.

— Na sociedade patriarcal a lógica é que a mulher tem que ser submissa e que tem que ser entendida como propriedade do homem —disse Renata.

Há saída para este túnel escuro em que estamos. O primeiro passo é ter pessoas como Samira e Renata. Eu entrevistei as duas no meu programa na Globonews. Elas são exemplos de nova mulher, aquela que está disposta a denunciar, como também a se dedicar ao trabalho de mudar a sociedade. Para isso, diz a deputada Renata Souza, a educação é principal arma:

— É fundamental que as escolas façam o debate de gênero. A gente precisa que a educação faça com que esse futuro jovem e homem não agrida a sua mulher. A escola é a grande aliada desse debate.

Há muito a fazer. E muito já foi feito. O feminismo carrega a marca da transformação e ele se renova nesta nova geração. Sempre foi polêmico, o feminismo. Há décadas é criticado, como se fosse ele o problema e não o caminho da solução.

Neste Dia da Mulher há pouco a comemorar, principalmente quando se pensa que no dia 14 o assassinato de Marielle completará um ano. O legado deixado pela vereadora, segundo Renata, é que haja uma “resposta concreta contra as desigualdades sociais, as desigualdades raciais e as de gênero”. Ou, como diria a Mangueira, que se fale mais sobre “a história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar”.


Míriam Leitão: Muito além da crise fiscal

PIB anêmico tem que servir de alerta ao governo e ao Congresso: A economia não vai voltar a crescer por inércia, é preciso acelerar a agenda de reformas

O pior do PIB não é o número magérrimo, mas sim a constatação de que nem somos ainda do tamanho que já fomos. Não nos levantamos do tombo ocorrido no governo Dilma após os sucessivos erros de política econômica. A economia não consegue pegar ritmo, o máximo alcançado até agora foi sair da recessão há dois anos. Neste ponto, continuamos parados. Em termos de PIB per capita, o país está 8% abaixo do que já foi. Essa destruição de valor, de atividade, de emprego está relacionada diretamente com a crise fiscal. Mas não apenas isso. Há muito mais a ser feito se o país quiser realmente crescer.

Pelo segundo ano consecutivo, a economia brasileira ficou em 1,1%. O crescimento de 2018 repetiu o resultado de 2017, frustrando expectativas do começo do ano de uma recuperação em torno de 3%. Mesmo no quarto trimestre, o resultado foi fraco, com alta de apenas 0,1%, e isso coloca em dúvida as projeções de 2,5% para este ano. Certamente nas próximas semanas os economistas vão rever esta previsão para baixo.

A crise brasileira vai muito além do problema fiscal. O país precisa aumentar a produtividade e a competitividade. A construção civil caiu pelo quarto ano consecutivo. No mercado se informa que a aprovação da lei do distrato imobiliário poderá destravar o setor este ano. Mas há muito mais por trás dessa paralisia de várias áreas. As taxas de juros cobradas das empresas e das famílias permanecem elevadas — subiram novamente em janeiro — mesmo com a redução da Selic, da Agenda BC+ do Banco Central, e do recuo da inadimplência.

A tragédia de Brumadinho colocou em xeque o setor de mineração, um dos grandes exportadores do Brasil, e o corte da nota de crédito da Vale, que perdeu o grau de investimento, mostra que uma das nossas principais empresa passará por um ano de dificuldades. A Petrobras felizmente voltou ao azul, depois da gestão acertada dos ex-presidentes Pedro Parente e Ivan Monteiro, mas ainda está com investimentos acanhados. A preocupação da empresa continua sendo redução do endividamento. A meta do novo presidente da empresa, Roberto Castello Branco, é sanear as contas da companhia e vender ativos.

A economia mundial tem trazido complicadores. Ainda sente os efeitos da disputa entre EUA e China, há o risco Brexit, a desaceleração na Argentina, e há pouca expectativa de que o Brasil seja empurrado pelas exportações.

Os investimentos caíram 2,5% no quarto trimestre na comparação com o terceiro tri e isso reduz as expectativas de crescimento futuro. Em relação ao mesmo período do ano anterior, houve desaceleração de 7,8% para 3%. O início de um novo governo e a agenda liberal do ministro Paulo Guedes ainda não foram suficientes para aumentar a confiança na economia a ponto de estimular os investimentos. É preciso provar que o governo consegue entregar um pouco do que promete na economia. A Previdência é apenas a primeira das tarefas.

O mercado de trabalho continua muito ruim. Há mais gente empregada, mas o número de desempregados continua igual: 12,7 milhões. O economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV, que acompanha o mercado de trabalho, não enxerga grandes avanços em 2019, mesmo se for aprovada a reforma da Previdência. Pelas suas estimativas, o país chegará em dezembro com o mesmo número de desempregados de um ano antes.

— Para o desemprego cair, o PIB tem que crescer com mais força. E isso ainda não aconteceu. Há também questões pontuais. A MP que regulou a reforma trabalhista do governo Temer caducou, e não se vê ninguém no governo Bolsonaro falando no assunto. Há a ideia de criação da carteira verde amarela. São mudanças que promovem insegurança jurídica e deixam os empresários em compasso de espera, porque eles não sabem o que vai prevalecer —explicou.

O PIB do quarto trimestre deve servir de alerta para o governo e para o Congresso. A economia continua anêmica, sem capacidade de reação. O país não voltará a crescer por inércia. É preciso enfrentar os gargalos e acelerar a agenda de reformas. Os milhões de desempregados têm pressa. O discurso de mudança da situação econômica tem que deixar de ser apenas uma promessa de palanque. O mesmo eleitor que consagra é o que se afasta daquele que não entrega o que prometeu.


Míriam Leitão: A inutilidade das polêmicas

Lista de polêmicas inúteis do governo é extensa. Com elas, o país perde tempo, quando as atenções deveriam estar em questões sérias para se construir o futuro

O governo roda em torno de si mesmo e do nada. Num país cercado de urgências e de problemas graves, o presidente, seus filhos, alguns ministros, altos funcionários são dedicados criadores de falsas polêmicas. Se nada mais tivéssemos para fazer, poderia ser divertido. Teríamos não um governo, mas uma central de entretenimento que oscila seus estilos entre o hilariante, o nonsense, o desprezível. Com a pesada agenda que temos e os absurdos que acontecem, o show não diverte. Acabrunha, irrita, revolta.

Nem bem nos recuperamos de uma e vem outra. Em três dias, houve o caso da carta do ministro da Educação, o do filho do presidente, Eduardo, defendendo o muro dos Estados Unidos contra o México, e o do presidente, Jair Bolsonaro, chamando de estadista o chefe de uma cleptocracia sanguinária que dominou os paraguaios por 35 anos. Mas desde o começo do mandato, a lista das polêmicas inúteis é extensa. Com elas, o governo perde tempo, quando todas as atenções deveriam estar em questões sérias que temos que superar para construir o futuro. Elas tiram atenção até dos projetos importantes como a reforma da Previdência e o pacote anticrime.

Há sempre quem pergunte. Viu a última? E este governo parece inesgotável produtor de últimas. Ele cria fatos que mais parecem fake news. A defesa de Alfredo Stroessner foi a mais recente, mas nada impede que enquanto escrevo estas linhas os caprichosos criadores de estultices estejam em atividade.

Stroessner foi o que foi. Não um homem de visão, um estadista, como descreveu Jair Bolsonaro, mas o chefe de um governo que torturou, matou e roubou por 35 anos. Não há ditadura boa, mas há algumas piores do que as outras. A do Paraguai foi das piores. Comandada com mão de ferro por um capitão reformado, que ficou no poder de 1954 a 1989, a ditadura paraguaia agia através de uma polícia política das mais violentas e não poupou nem integrantes do governista Partido Colorado. Se Bolsonaro pensou estar homenageando os paraguaios, errou. É figura tão controversa no nosso vizinho que o presidente Abdo Benitez, também do Partido Colorado, ficou em silêncio e não ecoou o presidente brasileiro. Stroessner, além de tudo, foi acusado de ter desviado bilhões para si e sua família. O país foi pilhado pelo governante que Bolsonaro admira.

Quando defende ditadores com tal convicção, Jair Bolsonaro informa sobre os valores que tem. Ele não é um democrata. Está democrata. Chefia um governo constitucional e legítimo, mas gosta mesmo, admira de fato, tem como heróis quem prendeu, torturou, matou e, no caso de Stroessner, roubou. O presidente brasileiro só exerceu mandatos que conquistou nas urnas, mas não deixa dúvidas sobre o seu ideário político.

O ministro Vélez Rodriguez conseguiu o fenômeno de cometer vários erros numa penada só. A carta é ruim pelo teor, pela intenção, pelas palavras escolhidas. Hino e bandeira são partes do pertencimento de cada cidadão em qualquer lugar do mundo, são símbolos da pátria e nunca de um governo que, por natureza, é transitório. O ministro da Educação só se deu conta que não poderia mandar filmar crianças para usar as imagens em propaganda governamental após as críticas. Aí avisou que pedirá autorização dos pais. Dos vários erros da sua carta infeliz aos professores e às escolas, ele só recuou do uso do bordão de campanha eleitoral. Mas o equívoco maior é o que ele não tem feito. Vélez Rodriguez não tem dedicado seu tempo aos graves problemas educacionais brasileiros. Gasta seu expediente em impropriedades seriais.

Os filhos do presidente já produziram tantas confusões que o espaço é curto para listá-las. Que fique apenas registrado o tom de sabujice com que o deputado Eduardo Bolsonaro disse que os brasileiros apoiam o muro que o presidente Donald Trump quer construir. Alguém precisa avisá-lo que do lado de cá do muro ficam latino-americanos, grupo ao qual pertencemos. E que ele não recebeu a delegação para falar em nome dos “brasileiros”.

A distribuição de cores por gênero em discurso histriônico, o ataque sem sentido do ministro do Meio Ambiente a Chico Mendes, o mesmo ministro apanhado com informação falsa em currículo, os delírios do chanceler. Há uma lista infindável de polêmicas artificiais criadas pelo governo. Como se não fosse o Brasil um país com tantas aflições reais.


Míriam Leitão: A estreita via da saída pacífica

Ação militar é o pior caminho para a crise da Venezuela e o grande desafio é ser efetivo pelos canais diplomáticos

A ofensiva do fim de semana dos países que apoiam o líder Juan Guaidó de entregar alimentos e remédios fracassou nas duas fronteiras. Isso deixa à região unicamente a via diplomática como saída para a crise na Venezuela. Apesar de Guaidó ter dito que todas as opções têm que estar em cima da mesa — mesma frase do vice-presidente americano, Mike Pence — o pior que pode acontecer é a alternativa de uma escalada militar na região. Isso, felizmente, é o pensamento também da cúpula militar brasileira.

O problema é quem pode ser o mediador de alguma saída que levasse, por exemplo, a novas eleições com o controle internacional. A União Europeia e o Uruguai conservaram sua capacidade de diálogo, mas o Brasil já a perdeu há muito tempo. Apesar de ser o maior país da América do Sul, o Brasil, na época do governo petista, assumiu completamente o lado chavista e perdeu a confiança da oposição; agora, assumiu integralmente o lado de Guaidó e portanto não tem canais com os governistas. As notas do Itamaraty do atual governo esqueceram qualquer estilo diplomático. Mais parecem panfletos. Felizmente, o serviço consular lá nas cidades próximas da fronteira tem funcionado.

O governo Maduro é condenável por inúmeros motivos e comete, há muito tempo, os maiores desatinos. Minou a democracia e demoliu a economia. Mas demonstrou ter o controle do território neste fim de semana. O governo perdeu o apoio popular que já teve no passado e se mantém no controle porque ao longo dos últimos 20 anos o chavismo foi construindo camadas sucessivas do aparelho de segurança. Além das Forças Armadas, da Polícia e da Guarda Nacional, o chavismo criou um exército paralelo através das milícias bolivarianas e dos coletivos. Muitos desses grupos paramilitares estão envolvidos em tráfico de drogas e outros crimes. Os brasileiros que estavam no Monte Roraima viram na cidade de Santa Elena de Uiarén pessoas encapuzadas e com facão em seu caminho até o território brasileiro. Eram provavelmente integrantes de uma dessas duas forças. O papel do vice-cônsul Ewerton Oliveira foi fundamental para garantir a vinda dos brasileiros.

O presidente Nicolás Maduro fez uma bravata quando disse que poderia comprar todo o suprimento que o Brasil queira vender. O comércio entre os dois países encolheu dramaticamente por incapacidade de pagamento por parte da Venezuela.

Em 2013, os dois países tiveram uma corrente de comércio de US$ 6 bilhões. No ano passado, a soma das exportações e importações foi de apenas US$ 740 milhões. Com a hiperinflação e a escassez de dólares, os venezuelanos perderam capacidade de comprar produtos do Brasil, ao mesmo tempo em que se isolaram economicamente na região. As exportações brasileiras para a Venezuela caíram de US$ 5 bilhões para US$ 570 milhões nesse período.

A produção de petróleo também está em queda livre. Isso é reflexo do sucateamento da PDVSA, a estatal que explora petróleo no país, e do afastamento de empresas estrangeiras, como a própria Petrobras. A Venezuela tem a maior reserva do mundo, 302 bilhões de barris comprovados, mais do que os 266 bilhões da Arábia Saudita. Em janeiro, produziu apenas 1,1 milhão de barris/dia, um terço do que já produziu, enquanto a Arábia Saudita produz 10 milhões de barris.

Ironicamente, os EUA são o principal destino do óleo venezuelano, e os venezuelanos são o terceiro país do qual os EUA mais importam, atrás apenas do Canadá e da Arábia Saudita. Trump tem ameaçado acabar com as importações, e de fato elas caíram 50% na primeira quinzena de fevereiro, sobre o mesmo período de 2018. A Venezuela é dependente dos dólares americanos, e apesar da crise os EUA continuam importando do país.

Existe caminho para continuar o cerco diplomático e o isolamento financeiro e comercial do governo de Maduro. O que não pode ser sequer pensado é a alternativa de uma ação militar americana. Ontem, o vice-presidente, Hamilton Mourão, descartou a possibilidade de tropas estrangeiras em território brasileiro e lembrou que isso dependeria de autorização do Congresso Nacional. Seria um óbvio risco para o Brasil ser um dos caminhos para esta ação militar contra o país vizinho. Há também o perigo de Maduro aumentar a coesão das Forças Armadas em torno do seu governo com o argumento do inimigo externo. Este é um momento de extrema delicadeza. E todo o bom senso é necessário.


Míriam Leitão: A reforma em terreno minado

Aprovar a reforma é fortalecer a espinha dorsal da economia, mas o projeto tramitará em terreno político minado pelos erros iniciais do governo

Três ministros do governo são do DEM, mas o DEM não se sente governo. Os dois presidentes do Congresso são desse mesmo partido e vão crescer na articulação política, principalmente o experiente Rodrigo Maia, até porque não existe espaço vazio em política. O ministro Onyx Lorenzoni tem dificuldades de diálogo com Maia, mas é o articulador civil que sobrou no Palácio. Gustavo Bebianno tinha mais canais com o confuso PSL. Esse é o quadro que analistas do próprio governo desenham como parte da complicação de tramitação da reforma da Previdência.

Esse é um governo que já foi atingido por denúncias de irregularidades. Mesmo assim ele quer parecer diferente de todas as outras administrações na relação com o Congresso. O problema é não saber diferenciar, com precisão, o que são os recursos políticos usados numa articulação no Congresso e quais são os mal feitos que deve rejeitar. Um exemplo dado por um político foi o seguinte: o presidente Jair Bolsonaro escolheu Luiz Mandetta para ser ministro da Saúde. Se ele, antes de convidar formalmente, tivesse ligado para o presidente do DEM, ACM Neto, e avisado, conseguiria fazê-lo sentir-se parte da decisão. Mas Bolsonaro acha que isso é a velha articulação com os partidos que ele condena.

É natural que deputados e senadores defendam os interesses de sua base, como uma obra, um projeto, explicou um parlamentar. O errado seria haver corrupção na obra, ou ela não ser necessária. O presidente tem que saber quais os pleitos pode atender para costurar a sua base de apoio e que outros trazem os vícios do passado do qual prometeu se dissociar. A bem da verdade, os fatos recentes mostram que ele nunca se distanciou de fato da velha política.

A reforma da previdência é agora criticada por servidores que a consideram dura demais com eles e querem entrar na Justiça contra as alíquotas. Por outro lado, tem sido criticada por ter sido fraca com algumas categorias ou por ter inflado os cálculos do ganho. Os servidores começaram a dizer que a alíquota é de 22%. Essa é a taxa bruta para quem se aposenta com mais do que R$ 39 mil hoje. A efetiva é menor. E esse valor de aposentadoria é alto demais para o Brasil ou qualquer país do mundo.

Daqui em diante o projeto ficará prisioneiro de dois tipos de críticas opostas. Alguns dirão que ele é duro demais. Outros, que ele é insuficiente e favorece alguns grupos. O adiamento do projeto dos militares será usado como pretexto para quem quer fazer corpo mole como forma de pressionar o governo na área política. Há também dúvidas jurídicas sobre o caminho escolhido de desconstitucionalizar futuras mudanças nos parâmetros da Previdência.

A reforma é, como escrevi aqui, o mais amplo projeto já apresentado ao país. Todos os presidentes tentam reformar a previdência desde o Plano Real. A diferença é que alguns quando estão na oposição são contra a reforma com argumentos demagógicos ou corporativistas. Foi o que aconteceu com Lula. Foi o que aconteceu com Bolsonaro. “Eu errei”, admitiu o presidente ao entregar seu projeto e apelar ao patriotismo dos parlamentares. Errou muitas vezes, quando deputado do baixo clero. Nunca demonstrou ter capacidade de ver o interesse do país num projeto de outro grupo político. Sempre agarrou-se a pautas menores, de interesse das categorias que defendia. Seu chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi outro adversário da última reforma.

Com todos esses passivos, o governo tentará fazer andar seu bom projeto de reforma, necessário ao país e fundamental para que outros passos sejam dados no caminho da retomada do crescimento. Por erros do governo Dilma, a dívida pública retomou o crescimento e entrou em rota perigosa. O rombo estrutural da previdência alimenta o temor de que a dívida não será paga pelo Tesouro em algum momento. E são os títulos públicos que sustentam as aplicações financeiras de pessoas, fundos e empresas do Brasil. Fazer a reforma é reforçar a espinha dorsal da economia.

No minado terreno político brasileiro, num governo precocemente envelhecido, essa importante reforma tramitará nos próximos meses. A economia depende de que Bolsonsaro, o improvável reformador da previdência, tenha sucesso em sua missão.


Míriam Leitão: A difícil crise da Venezuela

Brasil em hipótese alguma vai cruzar a fronteira da Venezuela, mas esse fechamento imposto por Maduro elevou muito a tensão entre os dois países

A visão do Brasil é que a tensão está na divisa entre Colômbia e Venezuela. E a decisão tomada é de, em hipótese alguma, o Brasil cruzar a fronteira, segundo disse um integrante do governo. O anúncio da Venezuela de fechar a fronteira com o Brasil coloca o país numa situação rara na história das relações com os vizinhos. De um lado, o presidente Nicolás Maduro, cercado de militares, anunciou o fechamento da fronteira, de outro, o porta-voz da Presidência brasileira, Otávio Rêgo Barros, confirmou que os alimentos e remédios serão enviados o mais próximo da Venezuela, à espera de que caminhoneiros venham buscar. Mesmo que eles consigam atravessar, certamente enfrentarão violência do lado de lá. O nosso ponto fraco, como se sabe, é a dependência de Roraima da energia da hidrelétrica de Guri.

Das várias coisas estranhas desta crise, uma é o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente da Venezuela, que de fato ele não é.

— O ato de reconhecimento pressupõe controle do território, controle do poder real. Esse é o primeiro requisito do reconhecimento. E Guaidó não tem isso. O que se esperava nessa ação de vários países era criar uma situação que favorecesse a queda de Maduro, mas isso foi há quase um mês, ele permanece controlando o país, e tudo o que se espera é uma cisão nas Forças Armadas — diz o embaixador Rubens Ricupero.

Em 2018, houve um impedimento por decisão judicial de entrada de venezuelanos, mas o bloqueio logo foi suspenso. Fechamento com tropas da divisa do Brasil não ocorre há muito tempo.

— Fui chefe da divisão de fronteiras, e nos últimos 50 anos não me lembro de um fechamento como esse. O temor de Maduro é de que haja uma invasão militar do país, não pelo lado brasileiro, mas pelo lado da Colômbia, que tem uma fronteira muito mais povoada e muito mais porosa. A presença do vice-presidente americano na Colômbia neste fim de semana aumenta essa tensão — afirmou Ricupero.

Maduro convocou as milícias bolivarianas e os coletivos, grupos armados, sem disciplina militar, e instalados em áreas de alta criminalidade, a ficarem de prontidão. A suspeita é de que eles estejam se preparando para atacar e saquear os caminhões caso eles entrem em solo venezuelano. Já que Guaidó tem voluntários, mas não o poder da força.

A Venezuela sangra há tanto tempo que desafia qualquer previsão sobre a evolução dos acontecimentos. O governo provocou o encolhimento do PIB em 50% em cinco anos — a última vez que o país cresceu foi em 2013 — e a explosão de uma hiperinflação de um milhão e 700 mil por cento. Em qualquer país, esse governo já teria caído. É intolerável o sofrimento continuado que o chavismo tem imposto aos venezuelanos, como resultado dos seus erros na economia e seu sistemático ataque às instituições democráticas.

A dificuldade é saber qual é a melhor forma de influenciar positivamente a evolução política do país. No meio desse esforço internacional, no qual o Brasil se envolveu, há uma disputa entre Estados Unidos e Rússia, com a China acompanhando a uma certa distância. A Venezuela por sua vez tem Forças Armadas muito bem equipadas.

As relações comerciais entre Brasil e Venezuela já encolheram muito desde o fim do governo petista, que estimulava o comércio e as relações econômicas, concedendo empréstimos através do BNDES. Apesar disso o Brasil ainda depende da energia de Guri para manter o suprimento em Roraima. Em 2017, a Eletronorte gastou R$ 134 milhões comprando energia para atender dois terços da demanda do estado.

A Venezuela não é um governo de esquerda, como supõe uma parte da esquerda brasileira. É uma ditadura, que persegue qualquer líder que surja na oposição, que promoveu um ataque sistemático à imprensa independente, que saqueou os recursos do país para se manter no poder e comprar o apoio dos militares. Com a crise econômica, o governo chavista empobreceu os pobres que havia prometido empoderar no começo desses 20 anos em que está no poder.

No governo de direita no Brasil há outro perigo. Se deixado apenas com o Itamaraty de Ernesto Araújo, de ideologia delirante, podem ser tomadas decisões que ponham o Brasil em risco. Faz bem o governo de mandar o vice-presidente, Hamilton Mourão, junto com o chanceler para Bogotá. Todo o cuidado é pouco neste momento de tensão extrema.


Míriam Leitão: A exoneração que desvia o foco

Briga foi criada para tirar o foco de um caso de desvio de fundo eleitoral, acontece na pior hora para a Previdência e tira do governo um aliado íntimo

Se o governo estava pensando em atrapalhar a reforma da Previdência, fez tudo certo até agora. Esses dias que precedem a entrega oficial da proposta foram de fratura exposta nas hostes governistas. A escolha desse estilo de exoneração, com humilhação e em câmera lenta, só faz sentido se o objetivo era ampliar ao máximo o tempo da exposição negativa do governo e alimentar a dispersão da base que ainda nem se formou adequadamente. A decisão foi anunciada três dias depois de tomada, com a única explicação de que era “de foro íntimo do presidente”.

A briga Bebianno-Bolsonaros foi em torno de uma espuma e não sobre o centro do problema. Isso foi deliberado. A reportagem da “Folha de S. Paulo” mostrou um caso claro de candidatura laranja. Para não se falar nisso, criou-se outro foco de atenção. A discussão passou a ser sobre se Bebianno havia falado ou não com Bolsonaro, se era mentiroso ou não. Permanece sem explicação o dinheiro enviado para uma candidatura laranja de Pernambuco, pelo PSL. Bebianno era presidente do partido e coordenador da campanha do presidente. Isso é o relevante. E não os maus modos de Carlos Bolsonaro, ou mesmo o fato de ter sido apoiado pelo pai presidente em suas ofensas ao ex-aliado. Desviar a atenção é truque tão velho quanto usar de forma tortuosa dinheiro do fundo eleitoral. A demora da exoneração de Bebianno e as ofertas de prêmios de consolação, que foram de cargo em estatal a embaixada, só aumentaram os indícios de irregularidade.

Uma crise política antes de uma reforma complexa é o pior que existe porque drena forças quando o governo deveria estar fazendo o movimento oposto: acumulando forças. Ao mesmo tempo, informa-se que o presidente e sua família pensam em se mudar para um novo partido, a UDN. E isso antes de se costurar qualquer coisa parecida com unidade dentro do PSL, partido que é capaz de se meter numa discussão pública sobre uma missão à China, ou expor uma disputa de egos, como a que houve entre os deputados Eduardo Bolsonaro e Joyce Hasselmann. O PSL virou o partido de passagem dos Bolsonaros enquanto não se ressuscita a UDN.

No roteiro de como enfraquecer a própria reforma tem também o item conhecido que é o de alterar o projeto para que ele seja mais aceitável. A tramitação normalmente enfraquece qualquer proposta de ajuste fiscal, por isso não se deve desidratá-la antes.

A melhor estratégia teria sido, como disse ontem o economista Marcos Lisboa, neste jornal, aproveitar a reforma apresentada pelo ex-presidente Michel Temer e fazer ajustes. Mas falou mais alto a vaidade de ter uma marca própria. No conteúdo, a reforma Bolsonaro tem caminhos muito parecidos, a mesma idade mínima, diferenças nas regras de transição. Quem está dando os retoques finais no projeto diz que ele será forte ao tratar o regime dos servidores públicos e que retoma algumas das ideias que foram abandonadas durante a tramitação da PEC do governo Temer.

Não adianta ter um bom diagnóstico sobre a necessidade da reforma, como tem a equipe econômica, não adianta ter reunido tão bons profissionais. Tudo isso já aconteceu antes. É preciso ter estratégia para encaminhar a proposta e fazê-la tramitar. A ideia de o presidente ir pessoalmente ao Congresso para entregar a PEC pode apagar um pouco a impressão deixada por suas inúmeras declarações contrárias à reforma e às ideias da sua equipe econômica.

Como faz diante de qualquer crise ou dilema, o presidente Jair Bolsonaro nomeou um general para o Ministério. Até agora, escolheu militares com qualificações para os cargos que exercem, e o general Floriano Peixoto tem também bom currículo. Mas o governo precisará de negociadores políticos. E conta para isso com dois generais, Onyx Lorenzoni e um líder do governo na Câmara que a base não prestigia.

Tudo segue o roteiro de como atrapalhar a própria reforma. O espetáculo da demissão de Bebianno, fritado em público pelo filho do presidente, deixa sequelas, mesmo que o ministro demitido nunca siga o caminho do ex-deputado Roberto Jefferson. O episódio mostrou que o novo governo não é dado a lealdades políticas. E o foro íntimo que demitiu Bebianno não funcionou para o ministro do Turismo, também dono de um laranjal.


Foto: Beto Barata\PR

Míriam Leitão: As revelações da crise política

Caso Bebianno envolve suposto desvio de dinheiro público, nos moldes da velha política, intervenção familiar, e cargos em estatais como moeda de troca

O governo Bolsonaro tem 48 dias e já viveu várias crises, a última tem elementos perigosos e reveladores. Primeiro, o caso do ministro Gustavo Bebianno envolve suposto desvio de fundos públicos, nos mesmos moldes da velha política que o presidente Jair Bolsonaro prometeu combater. Segundo, exibiu também de forma extravagante a anomalia que se temia: a intervenção da família nas questões de governo. Por fim, Bolsonaro tentou ajeitar tudo oferecendo a Bebianno uma diretoria da Itaipu, como se cargo fosse moeda de troca.

Bebianno foi copa e cozinha de Bolsonaro desde a pré-campanha. Não há o que o atinja que não respingue no presidente. Fez parte do círculo mais restrito que iniciou a caminhada que levou Bolsonaro ao Planalto. Foi o coordenador da campanha e, portanto, tinha o poder de distribuir dinheiro. O esquema que está sendo revelado é conhecido no Brasil. Verba eleitoral vai para candidatos-laranja, que depois não sabem explicar como foi usado o dinheiro. Neste caso, não falta nada, nem a gráfica suspeita.

A primeira reação do grupo governista foi a odiosa frase do presidente do PSL, Luciano Bivar, para explicar os duzentos e poucos votos na candidata que recebeu a maior parte do fundo partidário. “Política não é muito a vocação da mulher. Essa regra (de 30% de candidaturas femininas) violenta o homem”. Para ele, a vocação da mulher é ser bailarina. O país está tão calejado de frases discriminatórias que isso nem provocou maiores reações.

Afinal, na mesma semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os processos contra Bolsonaro, que foi acusado de incitação ao estupro. O STF fez isso porque ele virou presidente, e assim determina a lei, mas o tribunal não consegue explicar por que não o julgou em tempo hábil.

Bolsonaro nunca escondeu de ninguém seu pensamento jurássico sobre várias questões, mas ele havia garantido que combateria a corrupção. Já surgiram vários casos como o do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que teria usado quatro candidatas-laranja na campanha do PSL em Minas Gerais. O mesmo esquema no qual agora está envolvido Bebianno. Há ainda a fratura exposta das movimentações bancárias de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e do próprio senador.

O presidente Bolsonaro disse que mandou a Polícia Federal investigar as suspeitas sobre as candidaturas-laranja do PSL que receberam recursos do partido. Imagina-se que a PF investigue, em geral, sem esperar pedidos presidenciais, até para não aceitar vetos presidenciais. Os assuntos que precisam ser investigados que o sejam.

Mas a questão que permanece aberta, independentemente da exoneração de Gustavo Bebianno, é que muito cedo começaram a aparecer sinais da velha política no grupo político mais próximo do presidente. Também muito mais cedo do que se imaginava surgiram turbulências provocadas pelos filhos do presidente. O Brasil não elegeu um clã, até porque a democracia não toleraria isso. Elegeu Jair Bolsonaro. Os três filhos do primeiro dos três casamentos do presidente foram eleitos e exercem seus mandatos. É natural que tudo o que eles façam ganhe muito destaque, mas eles têm exagerado. O vereador Carlos Bolsonaro interferir em assuntos do Planalto é completamente fora de propósito. E o que ele disse foi confirmado pelo pai.

Tudo nesse episódio é esdrúxulo. E disso sabem integrantes do governo. Mesmo que a turma das patentes entre tentando pôr equilíbrio na bagunça, será difícil evitar novos episódios. Carlos, Eduardo e Flávio jamais terão perfil discreto porque nunca tiveram. Aliás, de todos, Flávio é o menos inflamado, mas é o mais encrencado pessoalmente. Jair Bolsonaro criou os filhos assim, eles se espelham no pai. A família jamais se notabilizou pela sensatez e pelo equilíbrio. Só que agora é tempo de governar, e esses poucos dias de exercício do poder têm dado sinais inquietantes.

O desfecho do caso Bebianno já foi dado, sejam quais forem os próximos desdobramentos. A “filhocracia”, na feliz definição do colega Ancelmo Gois na coluna de quinta-feira, está instalada, os métodos da velha política estão presentes no novo governo, e diretoria de empresa pública é moeda de troca e prêmio de consolação. A crise confirmou as piores previsões sobre o governo Bolsonaro.


Míriam Leitão: Reforma ampla e difícil de explicar

Reforma incluirá todos os segmentos para mostrar que cada um fará parte do sacrifício, mas governo terá que se esforçar na explicação

Um dado mudou a opinião do presidente Jair Bolsonaro. Ele continuava querendo uma idade bem mais baixa para a aposentadoria da mulher. Mas foi mostrado a ele que hoje a mulher pobre se aposenta em média com 61 anos e seis meses. Isso porque mesmo chegando aos 60 anos ela tem tido dificuldades de comprovar os 15 anos de contribuição. A reforma a ser apresentada na semana que vem vai incluir todos os segmentos e todos os regimes especiais. A mudança para os militares será por projeto de lei, mas divulgado no mesmo dia.

Durante a conversa com o presidente, ficou claro para quem estava na sala que ele tinha estudado o assunto no seu período no hospital. Em alguns momentos, como na explicação da diferença entre a expectativa de vida no Piauí e a expectativa de sobrevida ao chegar à idade de aposentadoria, ele interrompia para dizer que já havia entendido. Mesmo assim, Bolsonaro considerou fundamental ter uma idade diferente para homem e mulher. Na maioria dos países que faz reforma atualmente, busca-se a convergência para a mesma idade.

A reforma como está formatada é forte porque tem um período de transição mais curto. Se na proposta de Michel Temer haveria 20 anos para se chegar à idade mínima, agora serão 10 anos para os homens e 12 para as mulheres. Além disso, já começa com 56 e 60 anos, bem acima do que era anteriormente. Quem a prepara está convencido de que ela é mais simples de explicar. Não parece ser. Vai exigir do governo um grande esforço para tornar claro um projeto que terá três formas diferentes para se aposentar: idade, tempo de contribuição, pontuação. Isso sem falar na capitalização.

Pode-se escolher a aposentadoria por tempo de contribuição, mas respeitando-se a idade mínima. Quem estiver a dois anos de se aposentar pela velha fórmula pagará um pedágio de 50%. Se a pessoa tem 33 anos de contribuição, por exemplo, e se aposentaria daqui a dois anos, ela terá que trabalhar um ano a mais. Então se aposentará daqui a três anos.

O sistema de pontuação já existia. Mulher com 86 pontos e homem com 96 somando-se a idade com o tempo de contribuição. Mas antes isso era critério para saber o valor do benefício, agora passará a ser um critério de elegibilidade, ou seja, de permitir a aposentadoria.

O mais difícil será explicar o sistema de tempo de contribuição porque cada pessoa tem uma situação específica. A aposentadoria por idade, normalmente a dos mais pobres e que recebem um salário mínimo, é mais fácil de explicar e muda pouco.

A reforma abarcará todos os segmentos profissionais para reduzir as desigualdades, porém cada regime especial será tratado diferentemente. Policiais e professores não terão a mesma idade e as mesmas regras dos demais profissionais. Mas todos os setores darão uma contribuição para o esforço de reequilibrar a previdência e reduzir as desigualdades.

A proposta para as Forças Armadas só não estará na PEC porque elas hoje já são reguladas por legislação infraconstitucional. Mas o projeto de lei será divulgado ao mesmo tempo exatamente para passar a ideia de que todos os brasileiros estarão se esforçando juntos para que o país tenha um novo sistema de pensões e aposentadorias.

O fato de haver um político no ninho de economistas, o ex-deputado Rogério Marinho, é visto como um diferencial a favor. Ele tem sido capaz de se entender perfeitamente com os técnicos, mas ao mesmo tempo tem a vantagem de ter experiência política e poder participar da articulação da reforma.

Nada será fácil, contudo. A explicação de uma reforma desse porte é sempre difícil. Há segmentos que não querem entender, porque não querem mudar. A articulação política do novo governo está claudicando mais do que era de se esperar, dado esse início. Há brigas internas. Há também uma incompreensão sobre o processo de negociação política. O errado não é gerir a coalizão, às vezes com aprovação de projetos e obras para os municípios ou setores representados pelo parlamentar. O errado é usar como moeda política a corrupção. A formação do governo atendendo a bancadas, em vez de partidos, não melhora a qualidade da política e piora muito a gestão da coalizão.

Na semana que vem começa a grande batalha da área econômica. Como explicar a reforma em seus detalhes técnicos e como conduzir a tramitação até a aprovação do projeto. Nada será fácil.