Míriam Leitão: O que explica a fraqueza do PIB
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) está otimista. Acha que o PIB do primeiro trimestre divulgado hoje será zero. “A que ponto chegamos, o que prevê zero está otimista”, comenta o economista Armando Castelar. Os bancos estão projetando um PIB ligeiramente negativo, algo em torno de 0,2%. Mais importante do que o número em si é a constatação de que o país está indo para o terceiro ano de frustração. As projeções começam bem e vão murchando com o passar dos meses.
Houve fatos concretos que prejudicaram o começo de 2019. Um deles foi o rompimento da barragem de Brumadinho, que encolheu a produção da Vale. Como a Petrobras também produziu menos, a indústria extrativa mineral teve uma queda que a FGV está projetando em 9,3% em relação ao último trimestre do ano passado. Há questões que são mais estruturais. A indústria da construção não consegue melhorar. Seu encolhimento tem a ver diretamente com a confiança.
— Ninguém vai pegar um empréstimo para comprar um imóvel sem saber se vai continuar empregado, se a renda permanecerá no mesmo nível. O empresário também se retrai — explica Castelar.
Pelos cálculos da FGV, a construção pode ter uma queda de 0,9%, e isso faz com que ela esteja 31% abaixo do primeiro trimestre de 2014.
— O problema é a questão fiscal, e o que preocupa é a dificuldade de coordenação política do governo. Entre o segundo turno e o começo do ano houve um aumento da confiança, mas depois caiu. Há um círculo vicioso, o governo não avança nas reformas, a confiança cai, o país não cresce, o imposto não é recolhido, o emprego não é criado, a renda não sobe, a popularidade do governo cai e diminuem as chances de aprovação das reformas — diz Armando Castelar.
O Bradesco soltou estudo para tentar explicar o baixo crescimento da economia. O banco prevê uma queda de 0,2% no PIB do primeiro trimestre e acha que uma das causas prováveis é que o mundo está crescendo menos. A outra, e mais importante, é o colapso fiscal do país. O mundo está com taxas de 3% de alta do PIB, bem mais elevadas do que as do Brasil nos últimos anos, mas o comércio está em desaceleração, por causa da briga entre EUA e China. Isso está começando a nos afetar, tanto que mesmo com o dólar mais alto as exportações não estão reagindo.
— O Brasil acumulou há muito tempo um problema crônico de falta de competitividade — diz Castelar.
O Itaú também estima queda de 0,2% no primeiro trimestre, e na visão do economista-chefe do banco, Mário Mesquita, “o segundo trimestre não está com uma cara boa”. A previsão preliminar é de alta de apenas 0,1% e o risco é de novo corte na estimativa de 1% para o ano de 2019.
— Tivemos frustração com as reformas, há a guerra comercial entre EUA e China, com impacto sobre o crescimento mundial, e a ociosidade das empresas está muito elevada, o que inibe investimentos — afirma Mesquita.
Mesmo que o governo aprove a reforma da Previdência, a estimativa é de aceleração do PIB para apenas 2% no ano que vem, com uma queda muito pequena do desemprego, de 11,9% para 11,6%, segundo o banco.
A FGV está com uma projeção mais otimista para o PIB do ano: 1,4%. Mas isso no cenário de aprovação da reforma da Previdência.
— Acho que todo mundo está fazendo seus cálculos com a hipótese de aprovação da reforma. Nós achamos que ela deve ser votada até setembro. Se passar disso e continuar complicado, haverá um impacto muito grande na economia — diz Castelar.
O quadro econômico não é feito apenas de más notícias. A inflação está controlada. O índice está um pouco alto, mas tenderá a cair com os dados de maio e, principalmente, junho. Quando sair do acumulado de 12 meses o número de junho do ano passado, em que houve a greve dos caminhoneiros, o índice deve voltar a ficar em torno de 4%.
O que preocupa mesmo é a marcha da insensatez na economia, na política, no meio ambiente. O governo criou uma quantidade exorbitante de problemas políticos e administrativos para si mesmo nestes primeiros meses de administração. A cada dia novos sinais ruins são emitidos. Os de ontem foram na área ambiental. O ministro Ricardo Salles continua no seu esforço de demolição do setor, e a Câmara aprovou mudanças temerárias no Código Florestal. Se eles pensam estar favorecendo a recuperação se enganam. A nova economia do mundo, para a qual o nosso agronegócio fornece, vê com maus olhos o desmonte ambiental no país.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: O câmbio em meio à incerteza política
Volatilidade do dólar é elemento a mais de incerteza na economia e sua principal causa é o desgaste na relação de Bolsonaro com o Congresso
Entre os vários problemas da economia brasileira está a instabilidade do dólar. Em pouco mais de três meses, o dólar subiu 12%, saindo de R$ 3,65 para R$ 4,10, no pior momento. Nos últimos dias, caiu um pouco, mas permanece acima de R$ 4,00. Mais do que o patamar em que está, o problema é a volatilidade. Os consumidores têm a sensação de perda de poder de compra, e os empresários têm aumento de custos. Os importadores se retraem, os exportadores aguardam novas altas. Entre as grandes empresas, há aumento das dívidas corporativas. O dólar afeta a inflação e eleva alguns dos preços mais sensíveis, como os combustíveis.
O economista Nathan Blanche, especialista em câmbio e sócio da Tendências Consultoria, diz que a principal variável que está pressionando a moeda brasileira é a crise política, resultado da incapacidade de o presidente Jair Bolsonaro estabelecer uma relação estável e produtiva com o Congresso. Ontem, o presidente da República tomou café da manhã com os presidentes da Câmara e do Senado para firmar um “pacto” a favor das reformas. Mas isso aconteceu na esteira das manifestações que ele estimulou no último domingo e nas quais os líderes do Legislativo, especialmente Rodrigo Maia, foram bastante atacados. Será preciso muito mais do que um simples encontro.
A alta recente do dólar sofreu grande influência desse descompasso entre os poderes.
— O dólar é o principal sensor de risco do mercado, e hoje o que mais pesa sobre o câmbio é a incerteza política. Acreditou-se, após as eleições, que a saída do PT e a base eleita pelo PSL dariam sustentação forte às reformas. Mas estamos vendo que não há harmonia entre o Executivo e o Legislativo. O ritmo das votações foi afetado —afirmou Nathan Blanche.
A XP Investimentos colocou em números essa avaliação. Uma sondagem divulgada esta semana com investidores do mercado financeiro mostrou que a aprovação do governo caiu de 28% para 14%, e os que avaliam o desempenho governista até agora como ruim ou péssimo saltou para 43%. De modo geral, há a confiança na aprovação da reforma da Previdência, mas vem crescendo a visão entre os economistas de que os atritos entre o Executivo e o Legislativo vieram para ficar.
—O mercado acredita na aprovação da Previdência. Mas se antes eu entendia que o dólar cairia para a casa de R$ 3,35 depois da reforma, hoje eu vejo em R$ 3,75. Houve uma perda de confiança e isso se reflete no câmbio de equilíbrio. A moeda americana só não dispara porque temos o Paulo Guedes no Ministério da Economia e políticos como o Rodrigo Maia, no Congresso, que estão atuando intensamente pela aprovação —diz Nathan.
O Banco Central deve anunciar hoje o primeiro dos diversos pacotes que está preparando de mudanças micro com o objetivo de mudar a economia no longo prazo. Desde que assumiu a presidência do BC, Roberto Campos Neto organizou 14 grupos de trabalho para estudar as alterações que pretende continuar fazendo, dentro do que é chamado na instituição de Agenda BC+. Uma das mudanças mais importante é na legislação sob recâmbio. Há regras de entrada e saída de dólar de 1930 a 1950. A burocracia é enorme e as taxas bancárias são muito altas nas pequenas transações.
No Banco Central se trabalha comum calendário de medidas de simplificações que levem o país ater um dia um amoeda conversível. Hoje há demanda de parceiros menores, próximos de nós, de fazer negócios em reais. O Brasil tem uma moeda estável há muitos anos e alto volume de reservas cambiais. No balanço de pagamentos, não há risco de crise cambial, porque o déficit em conta-corrente é baixo. Ainda assim, o BC anunciou que vai manter a venda de dólares no mercado futuro, para suavizara alta do dólar. Hoje, a instituição tem um estoque de US $65 bilhões vendidos, contra US $16 bino melhor momento do governo Temer.
Há um curto prazo de volatilidade do dólar provocada não pelos fundamentos cambiais, mas pelas trapalhadas políticas do presidente e alguns integrantes do seu grupo. Por outro lado, o Banco Central prepara medidas para aumentara liberdade cambial, eliminando burocracias envelhecidas. O Brasil precisa construir o futuro em todas as áreas, inclusive na moeda, mas está prisioneiro das emergências políticas que impedem a superação do devastador momento econômico.
Míriam Leitão: O limite entre as ruas e o governo
As ruas são livres para gritarem o que quiserem, mas o governo não pode ecoar ou estimular os discursos extremos e antidemocráticos
Quem foi para a rua, mesmo para criticar as instituições democráticas, tinha o direito de estar lá. Na democracia, essa liberdade é consagrada. A questão a discutir não é o ato em si, mas toda a ambiguidade que está presente em alguns atos e palavras das autoridades. O presidente Jair Bolsonaro que considerou legítimas as manifestações de domingo chamou de “idiotas” os que fizeram os protestos do dia 15. São dois pesos, duas medidas. Ele não foi, mas deu um mote enviesado quando divulgou, dias antes, texto em que sugere que está sendo impedido de governar, e ontem ao falar que o movimento fora “um recado contra aqueles que teimam nas velhas práticas”.
Bolsonaro deixa subentendidos demais quando fala sobre a relação com o Congresso. Dá a entender que seus problemas são derivados de os políticos o estarem pressionando para usar a moeda da corrupção nas negociações para formar uma coalizão. E essa mensagem esteve presente nos atos de domingo, personificada no ataque direto ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Já as críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) estiveram presentes até na boca de parlamentares do partido. O deputado estadual Filippe Poubel (PSL-RJ) repetiu a frase do terceiro filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro: “Para fechar o Supremo só precisa de um soldado e um cabo.” O senador Major Olímpio (PSL-SP) ameaçou: “Nos aguarde STF.”
Isso não quer dizer que a maioria dos que foram às ruas tinha esse objetivo, mas o fato de ser dito em alto e bom som por parlamentares do partido do presidente não pode ser subestimado. A democracia aceita protestos contra as instituições que a sustentam, mas essas falas, entre tantas outras, mostraram que o governo Bolsonaro flerta frequentemente com a ameaça à democracia.
O país está diante de uma situação difícil. A economia não deslancha, a confiança dos empresários e operadores de mercado está em queda livre, as contas públicas estão com forte déficit. Além disso, é necessário passar pelo Congresso matérias complexas, como a reforma da Previdência, o crédito suplementar de R$ 248 bilhões, a mudança na lei de teto de gastos para permitir o acordo com a Petrobras e a distribuição dos recursos. Se não tiver um bom diálogo com o Parlamento, o Executivo pode enfrentar derrotas e alterações indesejáveis nos projetos.
A manifestação não foi tão grande que tivesse dado a Bolsonaro o capital político extra com o qual ele sonhava. Mas foi relevante. E poderia até fortalecer as reformas, se Bolsonaro demonstrasse empenho em construir uma maioria para aprová-las. Ele estimulou a ida às ruas para dar uma resposta aos protestos contra os cortes na educação. Não foi por entusiasmo com a mudança da Previdência. Como ele já disse várias vezes, se pudesse, não faria a reforma.
O grande problema tem sido a dificuldade de o presidente Bolsonaro entender que quem é eleito governa, quem não tem maioria tem que negociá-las, quem comanda o Executivo precisa defender seu projeto diariamente. Que as redes sociais sempre serão uma forma subsidiária de comunicação e que o tempo de suas declarações irresponsáveis — quando era apenas um parlamentar de desempenho pífio — encerrou-se quando foi escolhido para liderar o país nas últimas eleições.
Nas manifestações de domingo havia pessoas defendendo suas convicções. Excelente. Foi para isso que o país lutou contra o período ditatorial que por tanto tempo reprimia, muitas vezes com violência, qualquer passeata, e que editou um Ato Institucional que proibia reuniões políticas. A democracia aceita até que se manifestem os saudosistas do tempo em que a liberdade foi cerceada. Mas cabe às lideranças do país tomarem precauções para não incentivar um tipo de ataque às instituições como algumas que foram vistas nas ruas de domingo. Pedir o fechamento do Supremo, demonizar qualquer negociação política como sendo pressão pela “volta das velhas práticas”, afirmar, como fez Bolsonaro, que é preciso “libertar” o país é atravessar uma linha que não deve ser transposta numa República que teve duas ditaduras nos últimos 90 anos. Que as ruas falem sempre o que quiserem, mas que os governantes tenham a lucidez de não ecoarem os extremos.
Míriam Leitão: O desgaste de Bolsonaro
Desgaste da avaliação é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente como no governo Bolsonaro
Em apenas 144 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro atravessou uma importante linha de desgaste. Há mais pessoas achando que sua administração é ruim e péssima do que avaliando que é boa e ótima. É o presidente desde a redemocratização cuja popularidade caiu mais rapidamente no primeiro mandato. Interessante também notar que há uma quase unanimidade de que a relação dele com o presidente da Câmara deveria ser melhor, e a maioria considera que o presidente poderia ser flexível para que suas propostas passem no Congresso.
A pesquisa XP/Ipespe ouve mil pessoas, e por telefone. É metade da amostra do DataFolha, mas tem sido capaz de apontar as tendências do eleitorado. O governo deveria olhar com cuidado esses sinais, porque tem três anos e sete meses pela frente e muita necessidade de aprovar mudanças difíceis para que a economia saia do descaminho em que entrou.
Apenas 10% acham que a crise atual é culpa do presidente Bolsonaro. De forma justa, eles responsabilizam mandatos passados, principalmente os do PT, quando o país entrou em recessão e o desemprego passou a aumentar. Mas eram 5% na última pesquisa. Quanto mais o tempo passar, mais subirá a tendência de pôr na conta do atual governo o que estiver dando errado.
De fevereiro para maio, aumentou de 17% para 36% os que fazem avaliação negativa do governo Bolsonaro e caiu de 40% para 34% os que têm visão positiva. Os que consideram regular eram 32% e agora são 26%. Essa turma do meio está indo para a visão de que a administração é ruim ou péssima.
Há um número maior de brasileiros com expectativa positiva para o resto do mandato, ou seja, achando que esse tempo de dificuldades iniciais será superado. São 47% os que têm esperança de um desempenho melhor no tempo restante, mas eram 63% em janeiro. Hoje são 31% os pessimistas e eram 15% no começo do ano.
O desgaste é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente, antes ainda de se completar os seis meses. Os estrategistas do governo deveriam pensar mais profundamente, e sem terceirizar a culpa, sobre o que está acontecendo para essa queda ser tão rápida. Há uma relação direta entre popularidade e capacidade de o governante atrair parlamentares para os seus projetos. Quando ela cai, há a lógica centrífuga no presidencialismo de coalizão: os deputados e senadores se afastam. E o caso recente mais perfeito disso foi o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, quando a inflação subiu rapidamente, a economia afundou na recessão, e em três meses ela chegou a 60% de rejeição. No primeiro mandato ela teve um recorde positivo nesta fase inicial: 47% achavam ótimo e bom o seu governo, segundo o Datafolha, e apenas 7% consideravam ruim e péssimo. Ela perdeu esse capital ao longo dos anos, foi reeleita, mas imediatamente caiu num vácuo. O PT passou a dizer que a ex-presidente foi vítima de golpe, mas deveria olhar com objetividade o que disseram os números de popularidade e da economia, e a relação desses dados negativos com os seus problemas no Congresso, para evitar, na eventualidade de voltarem ao poder no futuro, a repetição dos mesmos erros. A terceirização da culpa dá um conforto temporário, mas não muda o quadro.
Nesta pesquisa da XP/Ipespe o governo pode culpar a imprensa, mas isso não resolverá seu problema. A percepção das pessoas ouvidas é de que o noticiário está mais desfavorável: 56% acham isso, contra 45% na última pesquisa. A culpa é da notícia ou dos fatos? O governo criou problemas para si mesmo, teve uma agenda negativa, com essas brigas entre alas da administração que derrubaram um ministro e vários funcionários de segundo escalão, como os três presidentes do Inep. O presidente fez declarações polêmicas ou falsas, e seu grupo atacou políticos com os quais poderia fazer alianças. Ao todo, 48% acham que ele deveria flexibilizar suas posições para aprovar as medidas no Congresso. Bolsonaro tem bloqueado esse caminho quando inventa que negociar é aceitar a corrupção.
A maioria, 70% dos entrevistados, quer que o Brasil permaneça presidencialista, mas o eleitorado, como se sabe, nunca deu ao partido de qualquer governante a maioria das cadeiras no Congresso. Quem ocupa a Presidência precisa conquistar isso negociando a coalizão. E é exatamente o que Bolsonaro não faz.
Míriam Leitão: A sociedade em movimento
Congresso, ONGs, e os próprios cidadãos se manifestam e colocam barreiras contra o que acham inaceitável
A Câmara dos Deputados melhorou a proposta de reforma administrativa do governo. Anulou seu pior defeito que era a divisão da Funai e sua entrega às áreas erradas. Agora volta ao seu lugar original. Reverteu o esvaziamento da Finep. O retorno do Coaf ao Ministério da Economia não chega a ser um erro dos parlamentares. Afinal, por que considerar que com o ministro Paulo Guedes ele não desempenhará seu papel e com o ministro Sérgio Moro sim? É indiferente onde fique desde que tenha independência.
A sociedade se move. Nas democracias, é assim que funciona. O Executivo tem o direito de fazer suas propostas, como essa, de organização administrativa, e o Congresso influencia no resultado final. Às vezes piora, às vezes corrige. O governo faz as propostas de políticas públicas, mas os cidadãos se manifestam contra o que acham inaceitável. A pressão contra o contingenciamento na educação fez reverter uma parte dele. O grande problema continua a ser o setor à deriva, como se comprova a cada ida do ministro ao Congresso.
O desprezo pela questão ambiental e climática é enorme no atual governo, mas em depoimento na Câmara, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que lutará pelo Código Florestal. E explicou o motivo: “agora que voltei da viagem à Ásia, tive cada vez mais a certeza da necessidade de produzirmos de forma sustentável.” Ela disse que o código é importante para que o seu setor acesse os mercados externos. O mundo gira.
A sociedade se organiza o tempo todo em uma democracia. Está sendo lançado agora o MapBiomas Alerta, uma ferramenta muito mais rápida para registrar o desmatamento em tempo real. Com ele se saberá em que propriedade, ou área protegida, está ocorrendo o desmatamento, se é ilegal ou se é a supressão natural da vegetação que o proprietário pode fazer. É uma plataforma aberta, que poderá ser acessada por um banco que queira ter certeza de quem é o tomador do crédito, ou pelo produtor que quiser provar que está dentro da lei, ou pelos órgãos públicos de fiscalização e controle.
Entrevistei na Globonews o coordenador do MapBiomas Alerta, o engenheiro florestal Tasso Azevedo. Ele conta que eles não têm uma sede física, porque são uma rede de ONGs, universidades, empresas de tecnologias. Reúne especialistas em sensoramento remoto, profissionais da ciência da computação, e gente que entende dos biomas. Ao todo, 120 pesquisadores. Eles atuam em nuvem, com a mesma tecnologia do Waze ou Google Earth.
— A gente é capaz de contar o que acontece em cada pedacinho de 30 a 30 metros no Brasil. São nove bilhões de pedacinhos e a gente conta a história de cada uma dessas partes ao longo das últimas três décadas — explicou Tasso.
Essa é a primeira iniciativa no mundo de fazer o mapeamento de todo um país com informação do que há na terra. No início, o desafio já era grande, o de registrar imagens de todos os biomas brasileiros, não só a Amazônia. Eles achavam que se estudassem o passado — o que levou ao aumento do desmatamento ou o que explica a agropecuária de baixa produtividade — poderiam saber o futuro. Agora decidiram acompanhar o presente. Ele mostra imagens impressionantes do avanço do desmatamento. Em um dos exemplos que mostrou, de São Felix do Araguaia, era possível saber que não só o desmatamento é ilegal como a data em que aconteceu.
O governo tem muitos poderes, mas ele não está só. Várias forças de diversas maneiras pressionam, influenciam, alteram as decisões. No caso dessa específica ferramenta da qual Tasso Azevedo fala, ela terá vários usos. O que está diante de nós é um governo cujo baixo apreço pelo meio ambiente se pode ver nas declarações do ministro do setor, e também na defesa de pôr fim à reserva legal que é feita pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Mas a sociedade é viva.
O ministro Ricardo Salles quer impor mudanças no Conselho Orientador do Fundo Amazônia. Marcou reunião com os embaixadores da Noruega e Alemanha no último dia do prazo para mudar o conselho. Em vez de 23 conselheiros, ele só quer sete. Cinco do governo, um dos estados amazônicos e um da sociedade civil. Isso é o oposto do que foi prometido na campanha. É menos Brasil e mais Brasília. Terá que ter a aprovação dos financiadores e ser aceito pela sociedade que, contudo, se move.
Míriam Leitão: Servidores encurralados
Há vários segmentos de servidores alertando que é necessário proteger as instituições nas quais trabalham
Há a ideia de que os funcionários públicos se mobilizam para a defesa dos seus interesses, contra reformas que tiram deles salários ou ganhos na aposentadoria. Eles fazem isso. Mas eles se mobilizam também — e que bom que o fazem — em defesa das suas missões. Atualmente há vários segmentos de servidores alertando a imprensa, e especialistas em diversas áreas, que é necessário proteger, não os seus interesses, mas os das instituições nas quais trabalham. A Funai, a Finep, o IBGE, o BNDES, os auditores fiscais, o Ibama e o ICMbio. Em todos esses órgãos há constrangimentos, de maior ou menor grau, ao trabalho que devem executar.
A MP 870, como foi enviada pelo governo ao Congresso, desmontava a estrutura da Finep e partia ao meio a Funai. A demarcação de terras indígenas ficava com ruralistas. A Comissão Especial criou outro problema: os auditores fiscais foram proibidos de comunicar crimes. Ontem à noite, o Congresso tentava corrigir algumas dessas mudanças.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou o Fundo Amazônia com óbvio interesse de gerir o dinheiro, e por isso fez uma acusação à administração do Fundo, sem apresentar qualquer fato consistente. O problema cresceu porque a direção do BNDES, antes ainda da entrevista do ministro, afastou a então gestora do Fundo Daniela Baccas. Isso provocou a reação forte dos servidores do banco que se aglomeraram no primeiro andar para mostrar sua discordância.
Na Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), a preocupação é com a transferência das atribuições do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para o Ministério da Ciência e Tecnologia, que esvazia a financiadora de projetos. O curioso é que a Finep responde ao ministério. Essa mudança desmonta o órgão, que tem essa competência desde 1971, e cria a obrigatoriedade de montagem de uma nova estrutura dentro do ministério. Não tem ganho algum, mexendo-se nessa estrutura, apenas cria confusão burocrática. O órgão já está sofrendo com cortes enormes no seu orçamento.
O BNDES vive uma situação inesperada desde o afastamento de Daniela Baccas do Fundo Amazônia, após o ministro Salles fazer uma crítica vaga sobre haver “fragilidades na governança”. Os que financiam o Fundo, os governos da Noruega e da Alemanha, avisaram que estão satisfeitos com a governança. O Fundo Amazônia tem tido enorme relevância no país, como ressaltou a nota da direção do BNDES. Fez coisas como permitir a implantação do Cadastro Ambiental Rural. Setenta por cento dos seus recursos vão para entidades públicas, de estados e municípios. O BNDES, na nota, disse que qualquer “comissão de averiguação interna” só será instituída se for formalmente notificada pelo MMA. O problema é que ao afastar Baccas o banco fortaleceu o ministro na sua tentativa de pressionar funcionários da instituição. Será um tiro no pé a manobra do ministro Salles de tentar pressionar para assumir o comando do Fundo. Os governos de onde sai o dinheiro podem simplesmente parar de financiar.
No caso do Ibama e do ICMbio o constrangimento imposto pelo ministro Salles é público. Eles já receberam ameaças por não terem comparecido a um evento com os ruralistas para o qual sequer tinham sido convidados. E foi isso que motivou a saída do presidente e da diretoria do ICMbio, que haviam sido nomeados por ele mesmo.
A Funai partida ao meio pela MP 870 vive seu momento de maior fragilidade. O Congresso tentava ontem à noite alterar a mudança feita pelo governo que divide a instituição em duas partes. Uma comandada por uma pessoa que não demonstra ter capacidade de entender a complexidade da questão indígena brasileira, a outra num órgão com óbvio conflito de interesses. O pior é que o ministro da Justiça não demonstra qualquer interesse na volta da Funai ao seu lugar original.
No IBGE, como já escrevi aqui, a grande aflição dos funcionários é com a realização do Censo de 2020. O corpo técnico se sente excluído de decisões para as quais eles estão preparados, até porque é sua função.
Os servidores acompanhavam a discussão de ontem temendo cada decisão. Perdeu-se tempo demais discutindo para onde iria o Coaf. O órgão ficaria bem em qualquer um dos dois ministérios. Acabou, por decisão da Câmara, ficando na Economia. Havia questões mais graves. Uma delas, o que acontecerá com os indígenas brasileiros. Outra é se os servidores conseguirão cumprir suas missões em cada órgão em que atuam e onde têm sido constrangidos.
Míriam Leitão: Blindar a reforma da disputa eleitoral
Relator da reforma da Previdência diz que tem fortes divergências com o bolsonarismo, mas que o projeto é do país e precisa ser aprovado
O relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), acha que a reforma da Previdência pode ser aprovada, apesar dos erros do governo Bolsonaro. Ele defende a tese de que agora a reforma pertence aos deputados, e não mais ao executivo, que “tem dado caneladas” que atrapalham as negociações. Moreira diz que ele e o seu partido têm fortes divergências com o bolsonarismo, “que estimula um retrocesso do nosso estágio civilizatório”, mas lembra que o PSDB apoiou todas as tentativas de reforma, do governo Fernando Henrique ao governo Temer.
Moreira aceitou a relatoria de um projeto impopular, mas diz que não teme os efeitos colaterais que isso possa ter nas próximas eleições. Temo diagnóstico de que a crise fiscal és e vera, com seis anos seguidos de déficit primário, e que sema contenção do rombo da Previdência — maior do que o orçamento do estado de São Paulo, diz — não será possível recolocar as contas públicas em ordem.
—Estamos procurando blindara reforma, nos despir das questões eleitorais. É uma Casa política? É a realidade. Mas é uma agenda nacional, absolutamente prioritária. O país está quebrado, vocês estão acompanhando o esforço do governo para poder aprovar um crédito suplementar. Eu confio demais nos deputados, Rodrigo Maia está comprometido coma proposta, acho que o Congresso tem que entregar essa reforma à sociedade — afirmou.
A grande questão é saber como a reforma vai andar na Casa, se o próprio presidente não busca o diálogo e a sua base tem imposto derrotas aos projetos do governo. Moreira reconhece que isso tem atrapalhado e não deixa de apontar as discordâncias que ele próprio tem com várias pautas do bolsonarismo.
—O governo realmente tem dado caneladas desnecessárias. E nós temos divergências com o governo em uma série de coisas. Eu tenho preocupação com nosso estágio civilizatório, que já não é dos melhores. E o governo estimula o retrocesso do nosso estágio civilizatório porque ele arma as pessoas. Ele ataca a cultura. Ele ataca as minorias, é um governo dificílimo, que tem diferenças conosco grandes —reconheceu.
O relator indica que o BPC pode ficar opcional e defende a aposentadoria rural: — A nossa posição é fazer a reforma com diálogo com a sociedade e se preocupando com os que mais precisam. Estamos falando do BPC e da rural, que é um salário mínimo, são os mais pobres. Na rural, pega muito o Nordeste. Veja o Piauí, 70% de toda a aposentadoria é rural, em São Paulo é 4%.
Se o governo for derrotado nesses dois pontos, a reforma não será desidratada, segundo ele, porque as mudanças propostas não teriam grande impacto fiscal. Ele acha importante conseguir manter uma economia de pelo menos R$ 1 trilhão em 10 anos para que as contas públicas possam ser equilibradas.
Pelo seu cronograma, Samuel Moreira pretende apresentar o voto na primeira semana de junho, no mais tardar na segunda, para que o projeto seja votado na Comissão Especial. O objetivo é que o texto esteja pronto para ir a plenário antes do recesso, que acontece na segunda quinzena de julho:
— A meta é votar na Câmara antes do recesso. Mas veja, é uma meta, pode ser atingida ou não, dependendo da dinâmica da política. Eu vou fazer esforço, mas os líderes são importantes, têm que ser respeitados, valorizados, ouvidos, precisamos da ajuda deles, é uma construção. Por isso que governar não é só ter boas ideias, tem que fazer levá-las a efeito.
Perguntei se não era perda de tempo falar tanto no sistema de capitalização, se isso só será discutido posteriormente, em um outro projeto de lei. Moreira respondeu que a discussão não ajuda nem atrapalha, e explicou que a Constituição estabelece o modelo de repartição. Por isso, o governo só poderá debater esse assunto se antes houver essa possibilidade, por meio de uma PEC.
Se vai dar certo esse esforço de blindar a reforma contra os problemas criados pelo próprio governo é o que se verá. Mas ele diz que esse é o caminho:
—Se não, vamos afundar. O Brasil está com 13 milhões de desempregados. O que é isso? Onde nós vamos parar? Faltam investimentos, credibilidade. A Câmara precisa ter uma agenda com a aderência da sociedade.
Míriam Leitão: Os muitos ruídos na Previdência
A capitalização só atrapalha o debate da reforma da Previdência. O projeto ainda não foi feito, só tem linhas gerais, mas não há apresentação do ministro Paulo Guedes em que ele não gaste a maior parte do tempo falando dela. É uma intenção, por enquanto. E como não há resposta para a questão-chave “quanto custa a transição”, a discussão fica ociosa. Sempre que ela é feita, a resposta vem em forma de generalidades, como a de que temos que tirar os jovens do avião que está caindo.
Desta vez, a pergunta do custo da transição foi feita pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). E o número não veio, até porque não existe. Como a parlamentar havia criticado o desemprego, entre outros pontos da crise, houve a primeira das alterações do ministro, atacando “quem ficou no poder por 16 anos”. A propósito, a conta só dá 16 anos se não se separar o governo Dilma do de Temer. Mas evidentemente ninguém tira do ministro da Economia a razão: este desemprego não é do atual governo, que acabou de chegar. Quem conhece economia sabe o que houve.
A equipe econômica tem que se concentrar em explicar os parâmetros do atual sistema, porque é nisso que se resume a PEC. O ministro também precisa segurar seus nervos. Para a oposição, é trabalho fácil tirá-lo do sério. O deputado Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial, teve que chamar a atenção de Guedes pelo menos duas vezes. Numa delas, Paulo Guedes afirmou que o “padrão da casa” era a baixaria depois das 18h. Sair do foco da reforma, e ir para a briga política, é inútil, dado que o país não está em período eleitoral.
A reunião de ontem na Comissão Especial foi mais bem preparada, com a alternância de falas a favor e contra, com a melhor ocupação geográfica do espaço. E as mudanças propostas foram mais bem explicadas, até porque houve uma apresentação estruturada do secretário Rogério Marinho. Mas há um número voando que não está em lugar algum. Quando eles apresentam a tabela do déficit de cada segmento da sociedade, invariavelmente o dado do rombo do sistema de aposentadorias e pensões dos militares aparece subestimado. Ontem, na tabela de Rogério Marinho, caiu mais um pouco. O ministro falou em R$ 20 bilhões, e a tabela mostrou R$ 18 bilhões, quando o número correto é R$ 43 bi. Eles sabem disso. Mas o governo só inclui na conta o que se paga às pensionistas, excluindo-se o gasto com quem está na reserva.
Na oposição, o discurso é o mesmo de sempre, de críticas à reforma, principalmente nos pontos mais vulneráveis, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou a aposentadoria rural. Mas houve avanços pequenos. Jandira Feghali já admite que há déficit, só que ela diz que é de R$ 54 bilhões. E o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) aceita que é preciso adaptar o sistema às mudanças da demografia e aprova a ideia das alíquotas progressivas. Mas não vai muito além disso.
Uma questão que a oposição sempre pergunta é para onde vai o R$ 1 trilhão que será poupado caso a reforma seja aprovada. O que falta o governo explicar com clareza é que não terá lucro com a reforma, nem mesmo o sistema ficará equilibrado. A reforma conseguirá reduzir o ritmo de alta do déficit e em algum momento estabilizá-lo. Paulo Guedes tem dito que se for aprovada a reforma de R$ 1 tri será apresentada a capitalização, e isso gera mais confusão.
— Vamos permitir que os jovens façam essa escolha. Se a poupança for de R$ 1 trilhão, vamos simular com os jovens entrando. Se for menor do que isso, a resposta é zero. Por isso o senhor não recebeu resposta exata, porque pode não haver a capitalização. Se for de R$ 700 bilhões, não vai haver. E se for R$ 1 trilhão? Aí vamos simular. Porque já está simulado que o rombo sumiu por 10 anos. Temos tempo agora para fazer as simulações e submeter aos senhores. Estamos pedindo licença para criar um regime alternativo de capitalização. E ele vai ser avaliado aqui de novo — disse Guedes.
O rombo não vai sumir com esta reforma. Este ano será de quase R$ 290 bilhões a soma do déficit do INSS, com o dos servidores federais e o dos militares. A economia de R$ 1 trilhão é em 10 anos. A antecipação da discussão de um projeto polêmico, que ainda nem se sabe se será enviado, é no mínimo contraprodutiva. Afinal, a batalha da hora é pela atual reforma da Previdência. E é fácil concluir que se houver menos contribuintes no sistema de repartição o rombo tende a crescer.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Tesoura corta nas Forças Armadas
Militares não sabem como cortar 43% do seu orçamento. Governo está prevendo uma queda de R$ 30 bi nas receitas
Na área econômica, informação é que a queda nas receitas chega a R$ 30 bilhões. A notícia chegou como uma bomba no almoço de ontem do Alto Comando das Forças Armadas. A ordem do Ministério da Economia foi de corte de 43% no orçamento do Ministério da Defesa. Esse foi o assunto, indigesto, do almoço. Na área econômica, a informação é de que está havendo uma queda de nada menos do que R$ 30 bilhões nas receitas esperadas, além dos R$ 12 bilhões que entrariam caso a Eletrobras fosse privatizada.
O presidente Jair Bolsonaro estava lá, junto com o ministro Augusto Heleno, e havia uma especulação de que um dos assuntos seria a crise provocada pelos ataques nas redes sociais de Olavo de Carvalho — incensado pelo próprio presidente e seus filhos — aos ministros militares. O assunto foi sepultado pela notícia dos 43%. O comentário de um general presente é que “nem no período do PT houve corte tão grande”. O ministro Fernando Azevedo disse que as Forças Armadas têm que buscar uma saída, mas os comandantes saíram desanimados do almoço, porque uma redução desse tamanho eles nem sabem como administrar.
No Ministério da Economia a explicação para a tesoura voadora é que houve encolhimento da previsão do crescimento do PIB. A retomada que se esperava não ocorreu, e a frustração é cada vez maior com o ritmo de alta do Produto Interno Bruto. Esta semana, a mediana das projeções do mercado chegou a ficar abaixo de 1,5%, mais precisamente, 1,49%.
No Orçamento, a alta prevista do PIB era de 2,5%. Já foi revista para 2,2%, mas novo corte é esperado na reunião da Junta Orçamentária no próximo dia 22. Todos os sinais que chegam ao governo são de economia esfriando. Alguns economistas do mercado começam a temer até um outro período recessivo.
O próprio Ministério da Fazenda está olhando quais de seus próprios órgãos podem ser reduzidos. Vários setores da máquina ficarão com o funcionamento integral inviabilizado. Além da queda das receitas pela redução do crescimento do PIB, o governo havia calculado um preço médio de petróleo a US$ 74 no ano, e a média esperada agora caiu para US$ 61. O petróleo mais alto pressiona preços dos combustíveis, mas eleva a arrecadação do governo. A receita caiu também pela diminuição da massa salarial. No Orçamento estava prevista a entrada de R$ 12 bilhões com a venda de ações da Eletrobras, mas o processo atrasou e não tem data certa. Por isso esse valor foi tirado da peça orçamentária, e foi preciso congelar gastos em quantia equivalente.
A situação pode se reverter ao longo do ano, mas o governo começa a contar com o “se”. Se houver alta do petróleo, se melhorar o nível de atividade. Dependendo do ministro Alexandre de Moraes, o dinheiro da Petrobras, que iria para o fundo da Lava-Jato, pode ir para o Tesouro.
Os investimentos foram cortados brutalmente. Para se ter uma ideia, o total de investimento público era de 1,33% do PIB em 2014, caiu para 0,77% em 2018 e este ano, com sorte, fica em 0,5% do PIB, explicam fontes do governo.
No último relatório bimestral das despesas, o Ministério da Economia havia previsto um corte de 22%. O problema é que duas semanas depois alguns gastos extras precisaram ser cobertos. Foram R$ 3 bilhões para os ministérios do Desenvolvimento Regional, da Ciência e Tecnologia, e da Infraestrutura. Juntando os pedidos emergenciais, foram R$ 3 bilhões. Além disso, houve uma liberação de recursos para o Exército em Roraima e pagamento de peritos da Secretaria da Previdência. E isso fez a tesoura ir para outros gastos.
No almoço de ontem a explicação dada para um corte tão draconiano foi que o quadro está bem adverso. Que há necessidade de fazer ajuste fiscal, há falta de recursos, e só a aprovação das reformas pode mudar o clima na economia.
O presidente Bolsonaro, de manhã, voltou a defender Olavo de Carvalho, apesar de todos os absurdos que ele disse nos últimos dias. Por isso, havia a especulação de que esse assunto poderia ser tratado. O general Villas Bôas deixou claro seu desagrado na longa nota da segunda-feira. Mas o tema não chegou a ser falado. Problemas irreais foram deixados de lado, para se tratar do principal: como cortar tanto no orçamento e ainda ser operacional. Uma fonte, ao sair, disse que não tem ideia de como conviver com um corte dessa dimensão.
Míriam Leitão: Efeitos no Brasil da crise vizinha
Guaidó se manteve nas ruas, e Maduro ampliou a repressão. Governo brasileiro vê a crise se deteriorar rapidamente na Venezuela
No segundo dia da atual escalada de tensão na Venezuela, Juan Guaidó ainda permanecia nas ruas. Apesar da repressão, que se acentuou ontem, o líder oposicionista conseguiu realizar manifestação e prometeu continuar pressionando com protestos diários e a ameaça de uma greve geral. O ditador Nicolás Maduro convocou uma multidão de apoio a si mesmo, mas ontem a repressão baixou também sobre bairros pobres, que no auge do chavismo foram a sua grande força.
Guaidó não entregou o que prometeu no amanhecer do dia 30, mas está mantendo sua mobilização num país sem imprensa, com sinal de internet intermitente, e no qual o governo consegue silenciar por algum tempo até a mídia social. Sem falar na violenta repressão que já acumula um número alto de feridos. Maduro voltou ontem à TV, disse que derrotou “um complô” e propôs uma “jornada de diálogo” com o povo. A verdade é que ele está dependurado nos generais e reprimindo a população.
No governo brasileiro, o assunto é acompanhado com o máximo de atenção pelos inúmeros impactos no país. O informe da Operação Acolhida —para a qual foram enviados 500 soldados do Exército, que saíram de São Paulo para Pacaraima dois dias antes desse acirramento — é de que triplicou o número de venezuelanos que vêm para o Brasil todos os dias. Um dos efeitos óbvios é continuar pressionando a parca estrutura do estado de Roraima.
Ao sair da reunião de emergência ontem, no Ministério da Defesa, o presidente Jair Bolsonaro falou que a crise pode elevar o preço dos combustíveis no Brasil. Na verdade, a Venezuela está há tanto tempo em declínio de produção que sua ausência já foi colocada nos cálculos do mercado. Ontem a cotação subiu de US$ 71 para US$ 72, mas na semana passada estava em US$ 74. Em 28 de dezembro estava em US$ 53, portanto, este ano já teve uma alta forte. Esse sempre será um mercado instável. Quando Bolsonaro diz que se preocupa que haja “um problema sério aqui dentro como efeito colateral do que acontece lá”, ele se refere ao preço do diesel e ao movimento dos caminhoneiros.
Outro impacto que já se realizou é na energia de Roraima. Bolsonaro disse que o país está gastando um milhão de litros de óleo diesel por dia com as térmicas do estado. Roraima não está no Sistema Interligado Nacional (SIN), era abastecido pela hidrelétrica venezuelana de Guri e agora o país não consegue fornecer.
— A situação é emergencial e não podemos continuar de forma eterna com a energia do óleo diesel, gastando mais de R$ 1 bilhão por ano pela energia de Roraima —disse.
Não podemos mesmo, mas Bolsonaro repetiu o que disseram todos os governos antes dele, que a solução é o linhão para levar a energia de outros estados para lá. Na verdade, essa não é a única solução, ainda que seja desejável a ligação com Roraima. Se o Brasil tivesse investido, nos últimos anos, em energia fotovoltaica distribuída ou energia eólica no estado, já poderia ter caído a dependência do diesel que chega a Roraima de caminhão. O cúmulo da irracionalidade: queima-se diesel para transportar diesel para ele ser queimado nas térmicas e virar energia.
Outro risco para o Brasil é o flerte de uma ala do governo Bolsonaro com a ideia do uso do território brasileiro para movimentação de tropas americanas. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, voltou a dizer ontem que a possibilidade de intervenção militar não está descartada. Se dependesse só do presidente, do chanceler e do seu filho que posa de chanceler, o Brasil já teria se comprometido com essa aventura. Os comandantes militares vetam a proposta. Ontem, Bolsonaro definiu assim o processo de um eventual envolvimento do Brasil. “O presidente reúne o Conselho de Defesa, toma decisão e participa o parlamento.” O deputado Rodrigo Maia corrigiu. Pela Constituição, a palavra final é do Congresso. Não basta participá-lo, é preciso consultá-lo.
Há três semanas, aviões russos chegaram com tropas e equipamentos na Venezuela. Os cubanos estão dentro da máquina do Estado. A tensão sobe. Maduro, ameaçado, aumenta a violência. A avaliação dos militares brasileiros é de que a situação está se deteriorando rapidamente. É preciso estar preparado para enfrentar os efeitos desta crise no Brasil.
Míriam Leitão: Os ruídos da reforma tributária
Uma reforma como a tributária não pode ser divulgada antes que o governo tenha o projeto pronto e saiba explicar e todos os detalhes
O secretário da Receita, Marcos Cintra, disse em várias ocasiões que o governo iria criar um novo imposto, mas só ontem o presidente Jair Bolsonaro ouviu. Talvez pelo fato de Cintra ter citado o exemplo dos dízimos nas igrejas. O secretário já havia citado a economia informal, e até o escambo, para deixar claro que nada escaparia do novo tributo. Dar detalhes de uma reforma ainda embrionária, que não foi amadurecida internamente, sempre gera ruídos. Quando ela se propõe a mudar a estrutura dos impostos, a confusão é ainda maior.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, tem citado essa reforma, adiantando alguns pontos. Numa entrevista que fiz com o secretário da Receita, Marcos Cintra, há menos de duas semanas, perguntei como o imposto conseguiria pegar a economia informal, dado que todos os seus pagamentos são sem registro, e como seria a fiscalização:
—A beleza do imposto sobre pagamentos é que ele não precisa de fiscalização. Toda atividade econômica gera um pagamento pela sua própria natureza. Se isso vai pegar todos as transações vai pegar também a economia informal. Mesmo o que for pago em dinheiro, como um carro, em algum momento vai ser registrado e precisa ter o Darf. Até mesmo negócios no exterior. Tendo registro no Brasil, não terá validade jurídica se não tiver passado pelo sistema financeiro brasileiro.
Em outra entrevista anterior, ao “Estado de S. Paulo”, ele disse que até escambo, negociação sem moeda, seria tributado por esse onipresente imposto. O difícil no caso da reforma que está sendo pensada no Ministério da Economia é entender como vai funcionar. A proposta é acabar com um imposto e substituir por outro. Esse tributo sobre pagamentos, que na entrevista à “Folha de S. Paulo” ele chamou de Contribuição Previdenciária (CP), substituiria tudo o que hoje é recolhido pelas empresas para o INSS. Permaneceria apenas a contribuição do trabalhador. Se algo der errado nesse tributo, aumentará o déficit da Previdência.
O imposto está sendo visto como uma grande CPMF, já que o que se pretende é ampliar ainda mais o conceito daquele tributo. Em vez incidir sobre as movimentações bancárias, seria sobre pagamentos:
— Qualquer débito e crédito bancário vai ter pagamento. Qualquer saque e depósito de numerário no sistema bancário será tributado em dobro. Se eu vou ao caixa do banco, eu saco dinheiro para depois fazer pagamentos, sem recolher esse imposto, porque é em espécie, eu já paguei quando saquei, previamente. É um tributo mais amplo, mais universal. É o único tributo que abrange a totalidade dos agentes econômicos.
Segundo ele, mesmo quando sonega a empresa acabará pagando porque a sonegação não torna desnecessária a retribuição ao serviço prestado. Em algum momento, essa transação será captada pelo sistema de pagamentos.
Haveria, segundo Cintra, nessa reforma que vai aparecendo aos poucos na entrevista, a unificação de alguns tributos federais. Ele fala em PIS/Cofins com IPI, uma parte do IOF e talvez CSLL. Eu cheguei a perguntar ao ministro Paulo Guedes como seria possível unificar impostos de bases tão diferentes. O IOF é sobre operações financeiras, a CSLL é sobre lucro das empresas, o IPI, sobre produção industrial. Ele disse que isso não seria problema. Cintra chegou a falar na entrevista que me concedeu que poderia haver uma “integração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica com o da Pessoa Física”. Segundo ele, isso poderia reduzir a alíquota sobre as empresas, e combateria a pejotização. “Para acabarmos de se travestir uma atividade individual como pessoa jurídica, isso é um desvio que nós vamos corrigir”.
O grande problema é que a reforma está sendo anunciada antes de ser feita e no meio de uma discussão de mudança previdenciária que já é complicação suficiente. A agenda de mudanças estruturais brasileiras tem várias etapas, sem dúvida. Uma delas é simplificar o sistema tributário, que passa também por unificar impostos. Porém, nada é fácil, e antes de entrar em aventuras fiscais é preciso entender como funcionaria. Cintra partiu da ideia do imposto único, que sempre defendeu sem sucesso, para esse tributo sobre pagamentos. A área econômica tem de tomar o cuidado de parar de atropelar a si mesmo no seu projeto de reformas.
Míriam Leitão: Vitórias e dúvidas em duas batalhas
Lula teve redução de pena, mas foi condenado em instância superior; governo está tendo muito mais dificuldade do que imaginava com a Previdência
Ontem foi o dia das duas batalhas. A que atraiu mais atenção foi travada no STJ, que discutiu o recurso do ex-presidente Lula. A redução da pena era previsível, costuma ocorrer em instâncias superiores, mas há dois fatos relevantes no julgamento. Primeiro, com o voto unânime, manteve-se a condenação de Curitiba e Porto Alegre. Segundo, supera-se, no caso do Lula, a discussão sobre o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. A outra batalha mostrou que o governo está tendo muito mais dificuldade do que esperava na tramitação da reforma da Previdência e isso basicamente pelos erros que tem cometido.
O que esse tempo em que Lula ficou — e ainda ficará —preso mostrou ao Brasil é que a esquerda não conseguiu ter novas lideranças. A sombra de Lula prevaleceu. O PT não tem conseguido liderar a oposição. Os maiores constrangimentos ao governo Bolsonaro foram criados por sua própria incapacidade de articular uma base parlamentar e pelas ferozes brigas internas.
O juiz que condenou Lula no dia 12 de julho de 2017, Sérgio Moro, é hoje um ministro do governo que se elegeu usando o discurso do combate à corrupção. Não se pode por isso fazer uma relação causal pretérita. Moro não o condenou com o propósito de ir para o governo Bolsonaro, que nem fora eleito ainda. Mas a sua decisão de ir para o Ministério, perseguindo o sonho lotérico do Supremo Tribunal Federal, jogou uma sombra sobre suas antigas decisões, a mais dramática delas, a de condenar o ex-presidente Lula. O dia de ontem, contudo, foi de alívio para Moro. Afinal, o STJ confirmou a condenação, apenas reduzindo a pena. Para Lula, também houve o alívio de uma vitória, depois de tantas derrotas jurídicas. Sua defesa agora passa a discutir a progressão de regime que pode levá-lo ao semiaberto em setembro.
A vitória de Lula é parcial, mas não é menos significativa. Para quem está preso, saber o tempo que resta é um enorme alívio. Passa-se à contagem regressiva que é muito melhor do que o tempo indefinido dentro de uma cela. E pode até ser surpreendido por uma saída mais rápida. O problema é que ele já está condenado no processo do sítio de Atibaia. Ao todo, enfrenta sete ações penais. A vitória a ser comemorada ontem foi o “parcial provimento” que a 5ª Turma do STJ deu ao seu agravo regimental, na primeira das ações, a do triplex do Guarujá.
Enquanto o STJ concentrava a atenção da maioria do país, a CCJ iniciava mais uma desgastante discussão em torno da admissibilidade da reforma da Previdência. A tramitação ficou mais difícil pelos erros cometidos pelo governo. O sigilo dos dados que levaram às propostas foi para que não se antecipasse na CCJ a discussão de mérito. O problema é que, ao não dar os cálculos, o governo pareceu ter um segredo a esconder. E mais, isso foi usado pela oposição no pior embate contra o projeto. Numa dessas ironias da política, a líder da minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), usou um dispositivo incluído na Constituição pela emenda 95, a do teto de gastos do governo Temer, para tentar suspender a tramitação da reforma. O ponto estabelece a suspensão, por 20 dias, de um projeto que crie despesas ou renúncia fiscal e que não tenha sido acompanhado de cálculos. O deputado Arthur Maia (DEM-BA) ponderou que o projeto não aumenta despesas, pelo contrário. Mas, afinal, não dá saber se não se tem os dados.
Todos os números correm a favor de quem quer provar que o Brasil precisa fazer uma reforma da Previdência, por razões fiscais e para reduzir as desigualdades do sistema. Seria bom se a esquerda fosse capaz de ver a eloquência dos dados que mostram as enormes vantagens para uma minoria dos beneficiários. Mas todas as reformas foram feitas no terreno conflagrado da luta política. Na que foi comandada pelo ex-presidente Lula, e que afetou o funcionalismo, houve inclusive racha no PT, levando-se à criação do PSOL. Ontem, PT e PSOL estavam juntos contra a proposta do governo de Bolsonaro, que, quando deputado, sempre votou contra todas as reformas. A pressão dos partidos do centrão permitiu que o projeto fosse melhorado, com a retirada de pontos que não tinham a ver com a reforma. Essa primeira batalha mostrou que o governo tem que se fortalecer para a Comissão Especial.