Míriam Leitão: Cenário melhor e longe do ideal
Ministério da Economia está disposto a ajudar na inclusão dos estados na reforma e quer dividir recursos do leilão do pré-sal
A equipe econômica já trabalha com o que se poderá fazer no Senado para que a reforma da Previdência ande rápido e reinclua os estados e municípios. A atividade econômica teve ontem um primeiro dado positivo em muito tempo, mas os economistas não acham que isso seja o início de alguma retomada. O IBC-Br de 0,54% é visto como um ponto fora da curva, depois de quatro meses de queda. A aprovação da reforma, em primeiro turno, foi comemorada pelo mercado, mas sem a interpretação de que isso resolverá os problemas que levaram à estagnação.
O Senado terá todo o apoio da equipe econômica para incluir estados e municípios, segundo se diz no governo. Uma fonte que eu ouvi disse que “agora é a hora do protagonismo de Davi Alcolumbre”. Se a reinclusão dos estados exigir garantias de que o dinheiro do petróleo será dividido com eles, não haverá obstáculos no Ministério da Economia. Isso é visto lá como um passo importante rumo ao verdadeiro “federalismo”.
— Precisamos acabar com o dirigismo. Temos que descentralizar os recursos. Se para isso precisar garantir uma parte dos recursos da partilha, dos royalties e da cessão onerosa para os estados, tudo bem —diz um economista do governo.
Para isso será preciso aprovar uma legislação específica, fazer o leilão e entender que o dinheiro do petróleo não resolverá todos os problemas, não entrará no caixa rapidamente, nem substituirá a reforma da Previdência. A aposentadoria dos policiais e dos professores tem impactado os estados e municípios, mas justamente esses dois itens foram suavizados pelo plenário da Câmara. E, claro, é preciso aprovar a reforma em segundo turno.
Na economia real, ainda há dúvidas sobre o ritmo da recuperação. O mercado financeiro revisou pela 20ª semana seguida a projeção para o PIB deste ano, para 0,81%, e cortou o número do ano que vem, para 2,1%. O governo reduziu sua estimativa para este ano, de 1,6% para 0,8%. Na visão do economista chefe da Rio Bravo Investimentos, Evandro Buccini, a reforma da Previdência sozinha não garante o crescimento sustentável, e o governo não tem o que fazer para impulsionar a economia no curto prazo:
— A reforma pode até ser uma faísca para acender o crescimento, o problema é que a economia não tem combustível para crescer. Os empresários têm dúvidas em relação à demanda, quem investiu nos últimos tempos se deu mal. Enquanto não houver certeza de que o consumo vai voltar, será difícil destravar o investimento.
A aprovação da reforma favorece o cenário de corte de juros pelo Banco Central. A expectativa de parte do mercado financeiro é de que a Selic comece a cair na reunião do final deste mês, de 6,5% para 6%, e termine o ano em 5%. Mas isso não é garantia de que as taxas ficarão mais baratas para o consumidor final.
— Nenhuma empresa pequena ou média consegue empréstimo a menos de 30% ao ano, mesmo com a Selic a 6,5%. O spread continua muito elevado, apesar de todo o esforço do Banco Central —afirmou Buccini.
No cenário externo, permanecem as incertezas. A China anunciou que cresceu no segundo trimestre à menor taxa em 27 anos. Traria euforia para qualquer país, porque foi 6,2%, mas isso preocupou os mercados ontem. O Banco Central americano interrompeu a alta dos juros, e isso significa que vê problemas para o crescimento mundial.
Na Argentina, que é o principal destino dos nossos produtos industriais, há eleições em outubro com chance de vitória do candidato da oposição Alberto Fernández. Em entrevista ao jornal “Clarín”, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, já falou em “atritos” na relação entre os dois países, em caso de vitória de Fernández. Tudo isso deixa o horizonte mais nebuloso, porque na projeção para o PIB do ano que vem a indústria tem um papel fundamental, com alta de 3%. Se ela falhar, jogará o PIB para baixo.
A equipe econômica estuda medidas para destravar a economia. Mas cometerá um erro se tentar buscar o crescimento a qualquer custo no curto prazo. O cenário está assim: há uma boa expectativa por causa da reforma da Previdência, mas a economia permanece gelada, o mundo está ficando mais complexo, e com o presidente da República não se pode contar. Seu pensamento sempre está longe do foco. Ontem, achava que o principal problema do país era a taxa de Fernando de Noronha.
Míriam Leitão: A desigualdade e as mulheres
Se a ideia é a de que a Previdência compense as mulheres pela dupla jornada, o que se fez é legitimar a dupla jornada
Num país com enormes desigualdades, os benefícios para todos sempre criam mais desigualdades. Se o país decide que todas as mulheres terão idade mais baixa do que os homens para se aposentar, isso beneficia mais as mulheres que têm mais renda. Quando são usados argumentos paternalistas para defender as mulheres, o que está acontecendo é o mesmo machismo de sempre. Se a ideia é a de que a Previdência compense as mulheres pela dupla jornada, o que estamos fazendo é legitimando a dupla jornada.
Só pode haver um objetivo em relação às mulheres: combater desigualdades e isso não se faz compensando-as com dinheiro público como se todas as mulheres fossem iguais entre si. Políticas compensatórias só são aceitáveis quando são para reduzir desigualdades de renda ou de classe social. Elas são boas quando focadas nos mais pobres.
Uma empregada doméstica trabalhará até os 62 anos para se aposentar. Uma policial federal até os 52. Uma empregada que trabalhe na casa de uma policial vai trabalhar dez anos mais do que a patroa. Se for um casal de policiais, ela vai trabalhar nove anos a mais do que o patrão. Houve na reforma a introdução desse tipo de injustiças e incluídas por pressão do presidente, com o apoio da esquerda.
As mulheres não são iguais, porque o país é muito desigual. Elas enfrentam problemas comuns na discriminação, mas de intensidade bem diferente. O desemprego é maior entre as mulheres, como também entre os negros. A mulher negra tem a maior taxa de desemprego. O que se deve é combater a discriminação e o preconceito no mercado de trabalho, a misoginia na sociedade, a violência contra a mulher. E não determinar que a Previdência vai compensar a mulher dando alguns anos a menos de trabalho.
Quando se discutiu internamente a reforma, o presidente Bolsonaro queria que a idade de aposentadoria da mulher fosse 60 anos ou menos. Alguém acha que Bolsonaro, por tudo que ele já fez e falou de grosseiro e abusivo sobre mulheres, seja um defensor das mulheres? Evidentemente ele estava achando que elas precisam se aposentar mais cedo porque acredita que é papel delas cuidar dos filhos e dos trabalhos domésticos. Ou seja, pela sua conhecida visão machista do mundo. Coube a uma mulher, a economista Solange Vieira, mostrar para ele que atualmente as mulheres que se aposentam por idade, ou seja, as mais pobres, têm em média 61,5 anos. As que se aposentam mais cedo são as de maior renda e que utilizam o sistema do tempo de contribuição.
Na Previdência, há inúmeras desigualdades a combater. E é sobre elas que a esquerda deveria conversar. Mas a maior parte dos parlamentares dos partidos que se definem como esquerda simplesmente se nega a olhar com cuidado o problema do tratamento injusto dentro da Previdência. Por isso os casos dos dissidentes dos partidos de esquerda são tão auspiciosos. A nova geração, de Tábata Amaral e Felipe Rigoni, pode arejar essa visão de mundo.
A esquerda é contra a reforma porque é contra o governo, mas também porque a proposta afetou os benefícios das corporações que sempre defendeu. Os deputados que falavam tanto nos pobres se alinharam a ninguém menos que Jair Bolsonaro na hora de defender os policiais e dar a eles o inadmissível privilégio de não apenas se aposentar 12 anos antes — se for homem— como também o de receber pelo resto da vida o último salário acrescido de todos os aumentos dados de quem está na ativa. Isso tudo será pago pelo conjunto da sociedade.
As pessoas que serão atingidas pela idade mínima não serão os pobres, mas sim as que aposentam mais cedo hoje por terem trabalho regular, carteira assinada, uma vida de maior renda e maiores possibilidades. No serviço público, por muitos anos pessoas vão se aposentar com renda que pode superar R$ 30 mil. São os que têm direito à paridade e à integralidade e que na tramitação tiveram tantos defensores à esquerda e à direita e conseguiram regras de transição mais suaves.
Hoje, 47% da renda previdenciária vão para os 15% mais ricos. Para combater desigualdades num país assim é preciso entender os caminhos do dinheiro público. Para combater os preconceitos contra a mulher é preciso rejeitar o velho truque de se mudar alguma coisa para tudo permanecer igual.
Míriam Leitão: Salles em conflito com dados e fatos
Com números, fatos e conceitos imprecisos, ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, monta teses insustentáveis ao falar sobre o tema
O ministro Ricardo Salles gosta da frase “não é bem assim” para responder a qualquer argumento do qual discorde. Mas a frase é perfeita para o que ele diz. Segundo Salles, havia um terço de ONGs no Comitê Orientador do Fundo Amazônia. É falso. Ele diz que o desmatamento “se estabilizou” entre 2004 e 2012, mas na verdade despencou 70%. Afirma que está havendo muita liberação de agrotóxicos porque nos anos anteriores eles ficaram retidos por ineficiência da Anvisa. No ano passado, de janeiro a 24 de junho, foram 193 produtos liberados. Este ano, no mesmo período, foram 239. Houve aumento, mas nada estava parado nos últimos três anos.
Com números e fatos imprecisos, o ministro monta teses insustentáveis. Numa entrevista na Globonews, diante de uma pergunta sobre o desmatamento, ele respondeu: —Vamos lá, o Brasil tem 5 milhões de quilômetros na Amazônia. A quantidade de quilômetros desmatados no ano passado foi ao redor de oito mil. Dá zero vírgula zero vírgula dois por cento. Percentualmente, já temos um desmatamento zero. É a terceira casa decimal depois do zero. Isso tem que ser dito com todas as letras —respondeu. É preciso dizer, com números e letras, o quanto o ministro errou aqui. Inventou duas vírgulas seguidas depois do zero. Não é a terceira casa decimal. Depois, ele corrigiu para 0,16%, mas o problema é que a ideia é toda descabida. Nas redes sociais, foram feitos cálculos sobre o absurdo do raciocínio, mostrando que se a mesma conta for feita com os 61 mil homicídios pelos mais de 200 milhões de habitantes o país teria homicídio zero. Dá para fazer sumir todos os problemas se a gente quiser brincar com os números.
A verdade é que o desmatamento, após ação decisiva do governo, caiu de 27 mil km2 em 2004 para 4,5 mil em 2012. Daquele ano em diante, o governo iniciou as hidrelétricas na Amazônia, reduziu o tamanho de unidades de conservação e deu outros sinais que levaram ao aumento da perda anual da floresta. E neste junho subiu 88% em relação a junho passado.
Durante a entrevista ele repetiu várias vezes haver uma ligação entre combate ao desmatamento e pobreza na Amazônia ou então a pobreza como causa do desmatamento. Não faz sentido nem uma coisa nem outra. O Brasil teve um crescimento do PIB mais forte no período em que o desmatamento caiu, e mesmo na recessão ele subiu. — Quando se deixa o morador numa situação de ilegalidade, ou de asfixiamento econômico, ele não verá o filho dele morrer de fome sem tentar gerar alguma receita para si próprio —disse Salles. Não são os pobres que fazem isso. É preciso capital para ter trator, correntão e caminhão para escoar. Ele sabe, porque contou de um flagrante que deu em São Paulo, quando era secretário, em que foram retidos cinco caminhões e tratores. Segundo o ministro, “de maneira irresponsável” criou-se no Brasil unidades de conservação, englobando terras onde já havia produção:
—Quem delimitou desconsiderou as áreas produtivas, ignorou essas pessoas, deu o calote nessas pessoas.
Na verdade, 95% das Unidades de Conservação criadas na Amazônia foram em terras públicas. Quem estava lá não deveria estar. De qualquer maneira, é fácil saber quem estava antes da criação com o histórico das imagens de satélite. Os embaixadores da Noruega e da Alemanha não concordaram com a nova formação do Comitê Orientador do Fundo Amazônia e pediram nova proposta. O ministro diz que dissolveu o Comitê porque um terço é formado por ONGs. O fato: menos de terço é a sociedade civil. Aí se inclui CNI, Contag, SBPC, a indústria de madeira. E tem também um fórum de ONGs e outro de associações indígenas. Esses 2 seriam 8,3% dos 24 membros.
O ministro atribui as críticas vindas da Europa ao medo dos concorrentes do agronegócio. A Europa é protecionista, mas não produz o suficiente. Não é competidora, mas sim cliente. O segundo maior. Salles diz que há uma campanha contra o Brasil e que “um dos maiores focos de detratores são entidades, autores e pessoas do próprio Brasil”. Esse era o mesmo raciocínio usado na ditadura para atacar quem dizia que havia tortura no país. Está na hora de o ministro se reconciliar com números, fatos e conceitos.
Míriam Leitão: O general e os jornalistas
Santos Cruz exaltou o papel da imprensa, disse que os direitos humanos são para todos e exaltou a democracia
O general chegou na reunião de jornalistas carregando a sua mochila nas costas, como todos os participantes do seminário. A diferença ficou na roupa: ele foi de terno e gravata, vermelha por sinal. Carlos Alberto Santos Cruz, que por cinco meses foi ministro e por cinco anos comandou tropas da ONU, foi ao Congresso da Abraji e deu recados relevantes: defendeu a imprensa profissional, disse que direitos humanos não são apenas para alguns, que o governo deve combater desigualdades, que democracia é um choque de tensões e o Legislativo não está tirando poderes do presidente.
Antes de subir ao palco principal, o ex-ministro, em bate-papo com repórteres pelo pátio, disse o que depois repetiria na entrevista a Daniel Bramatti, presidente da Abraji, e à jornalista Julia Duailibi, no Congresso Internacional da entidade. Que a imprensa profissional é fundamental, e há uma “massa de irresponsáveis” espalhando notícias falsas e “congestionando o mundo da informação”. O “jornalismo investigativo tem que investigar ao quadrado”, exatamente para ajudar a separar as informações reais do que circula sem critério e sem veracidade pelas redes de comunicação.
Quem queria ouvir novas críticas ao presidente Bolsonaro se frustrou. Santos Cruz mostrou, de forma indireta, que discorda do presidente, mas disse que Bolsonaro tem todo o direito de demitir quem ele quiser e que não se sentiu afetado por isso. Repetiu que não soube o motivo da demissão.
Quando Daniel Bramatti perguntou o que ele consideraria êxito do governo, ao fim do mandato, respondeu que era a redução das desigualdades. Julia Duailibi quis saber: “mas isso é agenda do atual governo?”. Ele disse que deveria ser, porque a desigualdade no Brasil é “imoral”, inclusive entre os salários pagos no setor público.
Diante da pergunta sobre se direitos humanos devem ser só para os “humanos direitos”, ele contou que, no Congo, derrubou um veto a transportar rebeldes feridos no helicóptero para serem atendidos nos hospitais. Estabeleceu apenas o critério de dar prioridade aos soldados feridos.
O general disse que o “assembleísmo” falsifica a democracia. E deu o exemplo de um condomínio, que seria uma reunião com vinte pessoas que baixa uma regra para ser seguida por duzentas. Fez um paralelo à “assembleia digital”, na qual o governo se envolve.
—A melhor comunicação ainda é falar com as pessoas. Às vezes se diz que uma coisa teve seis mil curtidas. E daí? O país tem 200 milhões de habitantes.
Para ele, esse tumulto virtual cria conflitos nas relações entre os poderes que deveriam ser harmônicas. Diante da pergunta sobre a declaração do presidente de que querem transformá-lo em rainha da Inglaterra, o general defendeu a democracia.
—A democracia tem vários centros de poder, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, a imprensa, a opinião pública. Tem que haver um bom relacionamento com, por exemplo, o presidente da Câmara. Lá é um centro de poder. E há sempre um jogo de pressão. A pessoa não pode se apavorar. Isso é normal, a democracia é assim. Não vejo ninguém querendo transformar o presidente numa rainha da Inglaterra. Eu saio do governo acreditando na política.
Santos Cruz disse coisas que agradaram e que desagradaram a plateia. Não se intimidou quando os repórteres gritaram perguntas do auditório. Considerou um erro a morte de Evaldo Rosa, fuzilado por militares do Exército, mas não explicou por que o governo ficou em silêncio diante do crime. Da mesma forma, não quis enfrentar a velha questão das mortes cometidas pelas Forças Armadas durante a ditadura.
—Não vou fazer uma análise daquele período, fora do contexto. Havia uma tática na época. A luta armada deu certo em Cuba, em outros países, e a rapaziada queria repetir aqui.
Disse que a milícia é crime organizado e tem que ser combatida, mas fugiu da pergunta sobre as condecorações que filhos do presidente deram a milicianos no Rio.
Para o general, é preciso defender princípios e não ideologia, porque “o fanatismo faz a pessoa perder a capacidade de análise”. Entre os princípios, defendeu o papel das Forças Armadas.
— As Forças Armadas têm que se manter fora da política partidária. Há uma impressão de que existe um grupo organizado de militares dentro do governo. Não existe a ala militar.
Míriam Leitão: O novo BNDES e a crise da Odebrecht
Um dos dois nomes que o ministro Paulo Guedes sugeriu para Joaquim Levy nomear para a diretoria foi exatamente o de Gustavo Montezano. Levy não quis nomeá-lo e agora é ele que vai assumir a presidência. A expectativa na área econômica é que o futuro presidente do banco, por estar integrado à equipe desde a época da campanha, possa acelerar o programa de privatização e de venda de ativos. Montezano assumirá um banco em crise, que teve quatro presidentes em três anos e seu nome foi anunciado no dia da recuperação judicial da Odebrecht, a maior da história do país e um dos mamúticos problemas a enfrentar.
Só a Atvos deve ao BNDES R$ 4 bilhões. Na Odebrecht são outros R$ 7 bilhões, com poucas garantias. Além de R$ 3 bilhões que estão fora da recuperação judicial, na chamada dívida extraconcursal. O pedido atinge a holding, mas não a Braskem, nem a construtora. O BNDES é o maior credor da Odebrecht. Montezano, que já foi do BTG, terá também que superar o ambiente de crise interna no banco provocado pela maneira grosseira como o presidente Jair Bolsonaro detonou o processo que afastou Levy.
O caso Odebrecht mostra as diversas crises do Brasil dos últimos anos. A corrupção, e a perda da reputação provocada por ela, a diversificação sem controle da empresa estimulada por empréstimos do governo, as frustrações com a queda de consumo pela recessão brasileira. Tudo junto levou a Odebrecht a vergar sob o peso dos R$ 80 bilhões de dívida. Na recuperação judicial estão R$ 51 bilhões. Os maiores credores são bancos públicos: BNDES, Caixa e Banco do Brasil.
A história do dia de ontem, em que a holding da Odebrecht pediu recuperação judicial, começou há muito tempo. A maior empreiteira do Brasil se afundou num lamaçal sem fim, financiando políticos de diversos partidos, principalmente do PT, que estava no poder. O grupo, já na terceira geração da família, decidiu escalar a corrupção criando até um bizarro departamento de propinas. Os crimes foram investigados, confessados e punidos na Operação Lava-Jato.
Além disso, o grupo fez algumas apostas que pareciam certas para quem acreditava que o Brasil continuaria a crescer. De 2010 a 2015, investiu fortemente no setor de etanol. Houve cinco anos de congelamento dos preços da gasolina, abatendo as empresas do setor. Comprou o aeroporto do Galeão, pagando um enorme prêmio, e o número de passageiros caiu. Investiu em concessão de estradas, e deu errado. Investiu em estaleiro para sondas para a Sete Brasil e fracassou. Nos últimos anos ela fez um enorme esforço para se ajustar, reduziu de 180 mil para 48 mil o número de funcionários. Mudou a conduta e as formas de controle. É a única empresa, das envolvidas na Lava-Jato, que aceitou ser auditada por procuradores americanos durante três anos. Tentava organizar suas dívidas, mas a Caixa a executou, depois que a LyondellBasell decidiu não comprar mais a Braskem. Ficou sem saída e ontem ajuizou o pedido de proteção judicial. No comunicado ao mercado, ela culpa a crise econômica que frustrou investimentos, e o “impacto reputacional dos erros cometidos”.
Num país em crise, com uma empresa dessa dimensão entrando em recuperação judicial, o BNDES, seu maior credor, passa a ter um novo e jovem presidente. Esse é apenas um dos muitos desafios que aguardam Gustavo Montezano. Na época da campanha, ele se ofereceu para trabalhar na preparação do programa. Depois de não ter sido aceito por Levy para a diretoria de privatização, foi trabalhar com o secretário de Desestatização Salim Mattar. Outro indicado por Paulo Guedes para Levy foi Fábio Abrão, para a diretoria de infraestrutura. Levy não quis, ficou com Mattar. Mas nada aconteceu na Secretaria de Desestatização. No governo, culpa-se a falta de integração do BNDES no processo, porque sem o banco a secretaria estaria sem a ferramenta mais importante. No BNDES, a informação é que não há lentidão, mas sim prudência, e que tudo tem sido preparado em negociação com o TCU. Na equipe econômica, o que se diz é que o BNDES não caminhava no ritmo adequado, e que agora tudo será acelerado. Na economia brasileira não há dia sem emoção.
(COM MARCELO LOUREIRO)
Míriam Leitão: Papel da oposição é reduzir danos
Entre críticas e elogios à Lava-Jato, o petista Jaques Wagner defende que o papel da oposição não é interditar o governo
O senador Jaques Wagner (PT-BA) tem fala mansa e evita clichês ao explicar o atual momento do país. Acha que o papel da oposição neste momento é “minimizar os danos”, das decisões oficiais, “mas não interditar o governo”, até porque “eles ganharam a eleição e têm o direito, o dever, de governar”. Sobre as conversas reveladas no âmbito da Lava-Jato, ele diz que nunca foi daqueles que acham que os fins justificam os meios, ou que se a causa é boa, como é o combate à corrupção, então pode-se deixar a lei de lado. Uma crítica que faz ao governo Bolsonaro é que “o presidente fica muito na ideologia”.
Eu o entrevistei essa semana, um pouco antes de ele ir para a sessão da Comissão de Relações Exteriores do Senado, da qual é membro, onde seria discutida uma resolução dele contra a decisão do governo de abrir mão do status de país em desenvolvimento na OMC. “A Coreia é, a China é, e nós não?”, me disse ao chegar para a entrevista. Carregava na lapela uma fitinha verde. Contou que isso é pela campanha de que haja não apenas um dia do meio ambiente em junho, mas o mês inteiro.
O PT tem tido uma posição inteiramente contrária à reforma da Previdência, o que é contraditório com o que o próprio partido fez quando estava no poder. A reforma do ex-presidente Lula, que atingiu o funcionalismo, provocou tanto debate que rachou o partido, e uma ala saiu para fundar o PSOL. Ele criticou quatro pontos que têm “a ojeriza nossa”. Eram os mesmos que ficaram de fora do relatório do deputado tucano Samuel Moreira. Definiu a proposta de mudança do BPC como “uma insanidade”. Mas tirando-se os quatro pontos, como ele votará quando a proposta chegar ao Senado?
— Eu acho que fazer uma atualização da questão da idade sempre será necessária. Perguntei sobre a posição dos governadores de esquerda que fazem declarações públicas contra a reforma, mas precisam dela, o que levou à retirada dos estados da proposta. —Na verdade não se convidou para estar dentro. É até bom para os estados que estejam dentro, na medida em que se faz uma coisa geral e não é necessário enfrentar mais uma vez todo esse debate. Mas na verdade havia uma chantagem com os governos, do tipo ‘eu só deixo vocês entrarem se isso, se aquilo, se aquilo outro’. Ele elogiou e criticou a Lava-Jato, e explicou a corrupção pela forma de financiamento das campanhas.
— O financiamento privado de campanha criou uma promiscuidade muito grande entre o público e o privado. Essa relação não começou com o PT. Ela continuou com o PT no governo. A nossa convicção é que havia um foco de tentar atingir o ex-presidente e o próprio PT.
Lembrei que vários partidos foram atingidos. Ele concordou, mas disse que a operação “criminalizou” a política como um todo. Apesar disso, considera que ela foi bem-sucedida em alguns pontos.
— Tem que continuar combatendo a corrupção? Claro. Mas não vale chutar abaixo da canela. Para mim está claro nas revelações (do site “The Intercept”) que havia um conluio entre o Ministério Público, que tem que formular a acusação, e o juiz, que deveria estar isento para fazer seu próprio julgamento. Havia todo o tempo uma colaboração entre as partes que contamina o processo. Acho que a Lava-Jato, do ponto de vista de expor aquilo que havia na relação entre o público e o privado é extremamente positiva —disse.
Para Jaques Wagner, outro erro da Lava-Jato foi “atacar o CNPJ”, ou seja, atingir a empresa. Diz que deveria ter sido dado um tempo para a transferência de controle de companhias como a Odebrecht, mas preservado a empresa. O senador admite que a ex-presidente Dilma “não conseguiu encontrar o eixo da economia”, mas acha que ela deveria ter sido julgada pelo povo em 2018, e não “artificialmente” pelo Congresso em 2016.
— O jogo da política aproveitou a falta de popularidade dela e a recessão em curso. Ele diz que o governo Bolsonaro não definiu ainda qual é o projeto para o Brasil, nem o caminho pelo qual vai tirar o país da crise. Avalia que alguns ministros são bons. Nessa lista não inclui Paulo Guedes nem o ministro do Exterior que “faz apenas pregação ideológica”. Chama de “absurdo” o decreto das armas. Mas afirma:
—O papel da oposição não é interditar o governo. Oposição e governo são partes do Brasil. Ninguém vai se credenciar só falando contra. Temos que apresentar propostas. O próximo julgamento está previsto para 2022.
Míriam Leitão: Visão militar num dia de queda
Os militares que estão no governo Bolsonaro não querem ser vistos como um grupo ou uma ala. Por isso tiveram o cuidado de jamais fazer uma reunião conjunta, me contou um deles. Mesmo assim são vistos como grupo, e criticados em bloco. Ontem caiu o general Santos Cruz que sempre foi alvo dos filhos do presidente e de Olavo de Carvalho. E cair por isso é até comenda. O general Luiz Eduardo Ramos, que vai assumir, tem experiência no relacionamento com políticos porque foi assessor parlamentar do Exército, e tem habilidade para ouvir os diversos segmentos da sociedade. Se avançar com essas qualidades pode dar certo ou também ser vítima do mesmo grupo do barulho no governo Bolsonaro.
O maior temor que os militares que estão no governo têm é o de que venham a perder a credibilidade que conquistaram em trinta anos de silêncio e disciplina, após o fim da ditadura. Na visão que ouvi de um deles esta semana, o que estão vivendo agora não tinha acontecido antes.
— Em nenhum governo, desde a redemocratização, tivemos o protagonismo que temos neste. Isso pode ser um ônus se o governo der errado.
Na avaliação que eu ouvi, o presidente Bolsonaro não está errado em criar outras agendas, mesmo que algumas provoquem polêmica, como a liberação de armas ou a mudança no código de trânsito. Porque se ficasse apenas na reforma da Previdência poderia dar a impressão de uma administração paralisada.
No geral, acham que o governo em alguns setores está indo na direção certa, mas que a comunicação e a articulação com o Congresso são áreas de crise crônica. E que os ministros que acertam não conseguem mostrar seu trabalho, pelo destaque que têm os que erram. Entre os mais criticados está o ministro da Educação.
A queda de Santos Cruz acontece num dia que já não estava bem para o presidente Jair Bolsonaro. Seu decreto que desfez os conselhos foi derrotado no Supremo Tribunal Federal. O ministro da Justiça Sergio Moro continua imerso na crise das informações reveladas pelo site “The Intercept". Mas houve uma notícia positiva. Afinal, o relatório do deputado Samuel Moreira foi lido dentro do prazo na comissão especial e manteve intactos vários pontos da reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro, como a idade mínima, que é uma luta de décadas no Brasil.
Para o ministro Paulo Guedes, contudo, a maior importância dessa reforma era a capitalização. Na visão dele, isso justificava o nome “Nova Previdência”, porque iniciaria um círculo virtuoso que levaria a economia a ter mais poupança, mais empregos e mais investimento. Por isso, o relatório teve para o ministro um gosto amargo. Para os parlamentares a rejeição à capitalização foi por um motivo prático. O projeto do governo pedia autorização para criar um novo regime do qual nada se sabia, exceto que ele conteria o sistema “nocional”, que garantiria um valor mínimo a ser pago pelo Tesouro em caso de insuficiência de poupança na conta individual. Parece confuso. E é.
O valor de R$ 913 bilhões apresentado pelo relator dá à equipe a sensação de estar bem perto do R$ 1 trilhão, porém essa conta embute a receita com o aumento da CSLL dos bancos. A economia mesmo é menor.
O relatório costurado com os líderes dos partidos que apoiam a reforma removeu o que era intragável do ponto de vista político, o BPC e a mudança na aposentadoria rural. Além disso ampliou um pouco a faixa que permite receber o abono salarial. Por outro lado, criou privilégios para o grupo mais beneficiado do funcionalismo, que é quem tem o direito de se aposentar pelo valor do último salário e seguir os reajustes da ativa.
De qualquer maneira, o dia, de magras notícias boas, era de dar destaque ao fato de que a reforma da Previdência avançou mais um passo no Congresso. Mesmo assim Bolsonaro conseguiu criar mais uma crise com a demissão do general Santos Cruz. A nomeação do general Ramos não deixa o posto vazio. Mas o motivo da queda mostra mais uma vez a face de um governo tutelado. E essa influência dos filhos de Bolsonaro, e de Olavo de Carvalho, sobre o presidente é considerada pelos militares que estão no governo, como a parte mais incômoda e desconfortável da atual administração à qual se ligaram.
Míriam Leitão: A Lava-Jato na berlinda
A Lava-Jato sempre temeu tentativas de enfraquecê-la, mas o maior golpe veio dela mesmo. Contudo, ela tem números incontestáveis
Dois ministros de tribunais superiores avaliaram ontem que as conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol não deveriam ocorrer da forma como ocorreram, mas ao mesmo tempo um deles disse que dificilmente o julgamento do ex-presidente Lula será revertido. Um dos militares com cargo no atual governo admitiu que “bom não é”, ao se referir aos diálogos já divulgados pelo site “Intercept Brasil”. A ordem no Planalto é de ser o mais cuidadoso possível em qualquer declaração sobre o assunto, mas o clima é de constrangimento.
Um dos ministros acha que há nos diálogos “uma clara violação à lei” brasileira que veda a proximidade entre o juiz e as partes para evitar “combinações”. Outro acrescentou que no Judiciário é fundamental a “publicidade e a transparência”. Em países como Portugal, por exemplo, existe a figura do “juiz de instrução”, que trabalha com as partes para a consolidação das provas. Mas exatamente por causa desse envolvimento ele não julga a causa. No Brasil, essa ideia de um juiz de instrução chegou a ser pensada, mas nunca foi aprovada.
Há uma ação em que os advogados do expresidente arguiram a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro depois que ele aceitou o convite para ser ministro do governo Bolsonaro. A 2ª Turma analisou, o ministro Edson Fachin iria indeferir, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Está parado desde dezembro. A questão é, diante dos fatos que foram revelados, isso poderia mudar?
— Não acredito. Isso é quase impossível. Para nós o fato consumado tem uma força muito grande. São processos julgados, são processos instruídos. Dificilmente um órgão julgador vai reverter esse quadro. No caso dele, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, voltar à estaca zero é muito difícil — disse um desses integrantes de tribunais superiores ouvidos ontem pela coluna.
O que se diz no Planalto é que houve um crime praticado por quem hackeou os aparelhos celulares e os aplicativos de mensagens do ex-juiz e dos procuradores. E que agora é preciso aguardar um pouco mais para se entender o contexto e todos os eventos relacionados com o fato.
O ex-juiz Moro e o coordenador da Força Tarefa não deveriam ter trocado informações fora dos autos e das conversas protocolares. Mas é difícil, diante de tantas evidências, achar que tudo o que houve na Lava-Jato durante cinco anos foi fruto de um conluio e apenas com o intuito de evitar uma candidatura. É incontornável o fato de que a operação tem revelado um volume exorbitante de atos de corrupção de políticos de diversos partidos, de empresários réus confessos, de operadores vindos do mundo das sombras.
Há números que falam por si. De 2014 até 20 de maio deste ano, a Lava-Jato havia condenado 159 pessoas, das mais de 400 acusadas, a 2.249 anos de pena por crimes como corrupção e lavagem de ativos. Foram 184 acordos de colaboração premiada. Outros 11 acordos foram de leniência. Bilhões foram recuperados. A ação que começou em Curitiba se espalhou pelo país e produziu uma enorme operação no Rio, e desdobramentos em Brasília e em São Paulo, com outros procuradores e outros juízes. Foram atingidos políticos de diversos partidos, alguns adversários entre si.
O procurador Dallagnol, no vídeo que divulgou ontem, contou que 54 pessoas acusadas pela Força-Tarefa foram absolvidas por Moro, o Ministério Público recorreu de centenas de decisões do ex-juiz. “Isso mostra que o Ministério Público não se submeteu ao entendimento da Justiça e que o juiz não acolheu o que o Ministério Público queria”. Mas não faz sentido explicar o que houve de estranho nas conversas entre ele e Moro com o argumento de um ataque à Lava-Jato.
Na verdade, a Lava-Jato desde o início vive o temor da conspiração contra ela. E várias vezes, teve razão, como ficou claro no desejo do governo do ex-presidente Temer de “estancar a sangria” ou de “manter isso aí”. Contudo, o pior ataque que ela sofreu vem dela mesma. No momento em que o ex-juiz Sérgio Moro deixou a 13ª Vara Federal para ir para o governo Bolsonaro, ele fragilizou a operação. Os diálogos divulgados agora são outra razão do enfraquecimento. Para avançar será preciso estar cada vez mais longe da briga político-partidária brasileira. O inimigo é a corrupção e não um partido. Quem pensou diferente disso, errou.
Míriam Leitão: O insustentável peso real
A moeda única não está sendo negociada e, do ponto de vista monetário, hoje tudo nos distancia da Argentina
A possibilidade de uma união monetária entre Brasil e Argentina é nenhuma. Os dois países são seres inteiramente diferentes nesta área. O presidente Bolsonaro falou que isso está em estudo, achando que assim ajuda o presidente Mauricio Macri na sua campanha eleitoral. O Brasil tem US$ 380 bilhões de reservas e contas externas equilibradas, a Argentina depende de empréstimos do FMI para cumprir seus compromissos cambiais. Eles têm 55% de inflação e nós estamos voltando aos 4%.
O mesmo ministro Paulo Guedes que, durante a transição, disse que o Mercosul não era nossa prioridade, agora ecoou o presidente e disse que tem realmente a ideia de união monetária, apesar de o Banco Central brasileiro não a estar estudando. Ter ideia para um futuro remoto é diferente de afirmar que isso está acontecendo após um encontro presidencial. Dá uma impressão de concretude ao projeto que ainda não existe.
A ex-presidente argentina Cristina Kirchner cometeu todos os desatinos econômicos possíveis. A inflação voltou e como resposta ela interferiu no instituto de estatísticas argentino. Mentes autoritárias brigam com termômetros. Depauperou os cofres públicos e quis usar as reservas. Quando o presidente do Banco Central discordou, ela derrubou o presidente quebrando a lei de autonomia do BC. Mentes autoritárias não gostam da autonomia dos órgãos do Estado.
Mauricio Macri assumiu prometendo organizar a economia do país, tirar o Estado de onde ele não deveria estar, trazer de volta a verdade das estatísticas econômicas que haviam sido fraudadas. O problema é que ele fez os primeiros movimentos e depois parou. Apesar de se dizer liberal, recentemente decretou o congelamento de preços numa medida populista com olho nas urnas deste ano.
As pesquisas, contudo, favorecem Kirchner. A ex-presidente finge ser candidata só a vice na chapa de Alberto Fernández. Nos anos 1970, Hector Cámpora se elegeu presidente para que Juan Perón pudesse voltar à presidência. A Argentina adora repetir erros e enredos.
O que fez Bolsonaro anunciar a união monetária, uma ideia ainda não concebida, e nem remotamente possível no momento, foi seu sonho de costurar uma aliança conservadora na América Latina. Alianças por razões ideológicas dão tão errado na direita quanto na esquerda. Os países se unem por razões menos efêmeras e menos conjunturais. O liberalismo de Macri não resistiu às agruras do poder, o liberalismo do Bolsonaro não existe. Ele nunca professou a mesma fé que o seu ministro da Economia e vai empurrado para a reforma da Previdência. O presidente brasileiro ao falar da reforma só repete frases feitas. Se fosse obrigado a explicá-la estaria em dificuldades.
Por outros caminhos, o Brasil deu um passo importante nesta última semana para uma economia com menor presença do Estado. Não foi do Executivo, mas sim do Judiciário. O STF, ao dar o veredito na quinta-feira depois de três longas sessões destinadas a discutir a liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowsky contra a privatização, favoreceu a interpretação mais liberal da Constituição.
Para a maioria dos ministros, a exploração de atividades econômicas pelo Estado deve ser a exceção e não a regra. A venda de estatais matrizes exige um pedido ao Congresso, mas o mesmo não é necessário na alienação de suas subsidiárias. A venda pode ser de diversas formas, desde que haja ampla publicidade e competição entre os possíveis compradores. O debate foi acirrado. O que estava em jogo era que tipo de economia a lei maior favorece. As teses do estatismo ficaram vencidas, tanto nos votos, quanto na formulação do resultado.
Ter um caminho de maior integração regional é bom e vem sendo perseguido há muito tempo. Diminuir a presença do Estado na economia é tarefa à qual o Brasil se dedicou de 1990 a 2002, mas de forma lenta. Os governos Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique privatizaram e abriram um pouco a economia. As administrações petistas criaram tantas estatais quanto a ditadura militar. Os polos se assemelham. O melhor a fazer na atual administração é trocar a pregação liberal pela prática. E quanto ao proselitismo de fronteira é bom que fique bem longe da moeda que foi conquistada há 25 anos por um governo socialdemocrata.
Míriam Leitão: A Petrobras em suspenso
Está em jogo muito mais que a venda de uma rede de gasodutos. Se o STF disser não, o ajuste do país será mais penoso
O grupo que comprou a TAG queria fazer a assinatura da venda em Paris, mas a direção da Petrobras não quis. Como o brasileiro anda cansado dos fatos estranhos sobre a estatal de petróleo e lembra bem de uma festa em Paris, optou-se pela assinatura discreta no escritório da empresa. Decisão acertada, tanto que logo depois, quando parte dos US$ 8,6 bilhões estava internalizada pela Engie e pelo fundo canadense CDPQ, o ministro Edson Fachin suspendeu o negócio por liminar. Ontem o assunto foi discutido no Supremo, mas ficou inconcluso.
A direção da Petrobras dizia que ontem era o “Big Day", porque o que se decidir nesse julgamento definirá todo o programa para enfrentara situação da empresa: muito endividada e com diversos ativos que não fazem parte do seu negócio central. A decisão mais lógica, claro, é vender ações, participações, negócios e abatera dívida. Mas o grande dia foi adiado. O julgamento terminou empatado, dois a dois, e continuará hoje. Os ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin acham que para vender, mesmo subsidiárias, é preciso autorização do Congresso e tem, necessariamente, que ser por licitação. Os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso discordam. Moraes considerou que essa exigência só existe quando é a venda da “empresa-mãe” e não das suas subsidiárias. Lewandowski disse que o risco seria fatiar tanto aponto de enfraquecer a “empresa-mãe ”, mas Moraes afirmou que se tal situação acontecesse seria uma patologia, que certamente seria impedida.
O ministro Barroso foi cristalino. A Constituição estabelece a obrigatoriedade de passar pelo Congresso quando sequer criar uma estatal, porque a intervenção do Estado no domínio econômico é a exceção. Portanto, não existe a mesma obrigação quando é ocaso de alienar estes ativos, ressalvados os casos em que a Constituição estabelece, quando é necessário para a segurança nacional ou tem um relevante interesse coletivo.
—A Constituição não protege esse Estado agigantado. Ela quis a livre iniciativa e não o capitalismo de Estado. Não há lastro jurídico para a tese de que se é preciso passar pelo Congresso para criar, tem que passar também para vender —disse Barroso.
Esse paralelismo tinha sido defendido no voto do ministro Lewandowski, autor da liminar dada no ano passado. Com base nisso, o ministro Fachin decidiu suspender a venda da TAG. Pior é que depois de toda a sessão de ontem, e a decisão adiada para hoje, o ministro Dias Toffoli disse que o debate era apenas teórico, abstrato sobre como o governo pode se desfazer de seus ativos, e só depois será o julgamento do caso específico da TAG.
O grande problema no Brasil é a insegurança jurídica. A venda do gasoduto foi suspensa com o argumento de que não houve licitação. Na opinião da direção da Petrobras houve sim. Foram seguidos exatamente os trâmites negociados com o Tribunal de Contas da União no ano passado, de dar o máximo de transparência possível. O TCU havia criticado o processo de venda por carta-convite no governo Temer. A Petrobras então mudou o processo em conversa com os técnicos do TCU e chegou-se a um formato de venda. Primeiro é divulgado o que eles chamam de “teaser”, com comunicado ao mercado nas bolsas de valores, daqui e do exterior. Apareceram 87 interessados. Passou-se para a próxima fase, da oferta preliminar, em que ficaram 20 grupos. Por fim, três fizeram propostas definitivas e foi escolhida a de maior valor.
—É errado achar que há uma única forma de se fazer um certame competitivo. Há um procedimento sofisticado, com muitas etapas, que foi seguido no processo de alienação da TAG. O importante é que o processo de competição assegure um resultado vantajoso para o governo — disse o ministro Barroso.
O debate continua hoje. O que está em jogo é muito mais do que um gasoduto. A Petrobras foi atingida pela corrupção, pela má gestão, pelo inchaço dos custos, pelos investimentos errados e definidos politicamente, pelo endividamento excessivo. É uma excelente empresa, mas que precisa se ajustar. Tem para vender outros ativos, uma parte da BR Distribuidora, a Gaspetro, a Liquigás, que já está com o “teaser” na rua. Isso sem falar nas refinarias. Além de ajustar a Petrobras, é preciso ajustar o próprio país. Se o STF disser não, o processo será muito mais longo e penoso.
Míriam Leitão: O presidente em seu labirinto
Bolsonaro acha que fez tudo certo, mas na verdade perdeu tempo com questões sem relevância e interpretações duvidosas da realidade
Está tudo dando errado, mas ele acha que fez tudo certo, apenas não está sendo entendido. A economia encolheu no primeiro trimestre, a máquina pública está parada em várias áreas estratégicas, como a educação, a relação do governo com o Congresso é tumultuada e a popularidade presidencial caiu nos primeiros meses de mandato. Apesar disso, Jair Bolsonaro diz que é o único presidente que conseguiu “nomear um gabinete técnico, respeitar o parlamento e cumprir o compromisso constitucional de independência dos poderes”. Mostra desconexão com fatos passados e presentes.
Durante toda a entrevista do presidente Bolsonaro à “Veja” ele faz afirmações espantosas. Diz que antes votava contra a reforma da Previdência porque na Câmara “você tem informação de orelhada”. Pergunta o que é “governabilidade”, como se fosse algo a ser menosprezado. Sobrevoa com explicações rasas o escândalo que ronda seu filho Flávio e seu velho amigo Fabricio Queiroz. O único erro que admite ter cometido foi a nomeação do ex-ministro Vélez Rodriguez, escolhido por Olavo de Carvalho. Uma escolha bem técnica como se vê. Quando deu errado é que ele se lembrou de perguntar onde Olavo o conhecera. “De publicações”, respondeu seu guru. E o presidente então reagiu: “Pô Olavo você namorou pela internet?” E assim vai Bolsonaro exibindo seu estreito entendimento dos fatos. Ele diz que é “claro” que há sabotagem contra seu governo. Disso, sinceramente, ele não precisa.
Na economia o que se discute é como evitar a recessão. O país parece a um evento de voltar a ela. Como o primeiro trimestre ficou negativo e foi atingido pelo encolhimento da produção da Vale, o consenso é o de que o país terá um número ligeiramente positivo no segundo trimestre, escapando assim da definição técnica de recessão. Não porque vai crescer, mas porque será favorecido pela estatística. Quando se comparar o segundo trimestre deste ano com o mesmo período do ano passado, o resultado será favorável por causa da greve dos caminhoneiros que derrubou a economia naquele período de 2018.
As contas são feitas assim. Na economia não se tem expectativa de um fato positivo, mas sim o de ganhar um pontinho na comparação com um passado ainda pior. Mas se não há recessão oficialmente, o ambiente é sem dúvida recessivo, e o desemprego, como mostrou-se mais uma vez na sexta-feira, devastador. A reação do governo ao número negativo do PIB está sendo a de copiar Michel Temer e avisar que será liberado dinheiro do FGTS. Se forem contas inativas, não será suficiente, se forem contas ativas, a liberação terá que ser feita paulatinamente sob pena de desorganizar o sistema de financiamento imobiliário. No mercado financeiro, a proposta que aparece é para uma redução da taxa de juros, remédio que não é bem visto pelo Banco Central neste momento.
O governo joga todas as fichas na reforma da Previdência que é, como se sabe, condição necessária para o reequilíbrio das contas mas não suficiente. A atual administração herdou uma economia cheia de problemas, que se acumularam ao longo dos últimos anos. Não resolveria tudo num passe de mágica. Mas até agora, cinco meses passados, não tem apresentado fórmulas para saída da encrenca. Não há solução mágica, mas o grupo que chegou ao poder em janeiro dizia que havia, fazendo inclusive a promessa de zerar o déficit público no primeiro ano.
Nos últimos dias, o presidente falou que estava costurando um pacto com os três poderes. Incluiu, com a anuência do presidente do STF, Dias Toffolli, o Judiciário. “É bom ter a Justiça ao nosso lado”, disse para o arrepio dos juristas. Contraditoriamente, criticou o STF por estar a um passo de criminalizar a homofobia e prometeu indicar um ministro evangélico para o Supremo. Alegou sofrer pressões terríveis, às quais “outros não resistiriam”, criou a ideia de que a imprensa dizia que ele não seria eleito se não mentisse. E foi nesse roldão, com seus improvisos desastrosos.
A crise do país é grave, sair dessa paralisia econômica exigirá empenho e competência. O presidente parece envolvido demais com questões irrelevantes ou com interpretações duvidosas da realidade. O risco de uma nova recessão é real. Pode não acontecer no próximo trimestre, mas é ela que está à espreita.
Míriam Leitão: Risco ambiental atinge a economia
Ingerência de ministro no Fundo Amazônia pode levar à quebra de contrato. Entre os noruegueses, há pessimismo e perplexidade
Investidores de um país europeu procuraram uma autoridade brasileira da área econômica. A primeira pergunta não foi sobre a questão fiscal, mas sim sobre o meio ambiente. Queriam saber que garantias o Brasil daria de respeito às leis ambientais. Disseram que olham com extremo cuidado esse assunto, tanto que nunca investiram na Vale porque não sentiam confiança na governança da empresa nessa área e hoje sabem que acertaram. Contaram que os investidores de seus países querem saber exatamente que tipo de prática suas aplicações estão estimulando.
A reunião que houve na segunda-feira, 27, entre o ministro Ricardo Salles e os embaixadores da Noruega e da Alemanha foi constrangedora. Eles pediram dados concretos que justificassem as suspeitas levantadas pelo ministro sobre a direção do Fundo Amazônia, e ele respondeu com críticas genéricas. Eles não têm ingerência no dinheiro, mas a estrutura de governança foi amarrada no contrato.
O ministro, ao desmontar o conselho, pode ter quebrado esse contrato. Há neste momento, segundo uma fonte que acompanha as conversas, perplexidade e pessimismo entre os noruegueses. Se os financiadores recuarem, os governos estaduais sentirão falta desse dinheiro instantaneamente. Há secretarias de meio ambiente, como as do Pará e do Acre, cuja maioria dos projetos é financiada pelo Fundo Amazônia.
Por diversas formas esse comportamento desastrado na área ambiental pode afetar a economia. O presidente Jair Bolsonaro pode dizer que não enganou ninguém e que seu projeto na campanha era inclusive o de acabar com o ministério setorial. Porém, o governo não está entendendo que suas decisões ambientais afetarão a economia. O ministro Ricardo Salles detesta o meio ambiente, nunca tinha ido à Amazônia e é adepto fervoroso do centralismo estatal. Seus atos invertem o lema da campanha de Bolsonaro e impõem mais Brasília e menos Brasil nos conselhos ambientais.
O que fez no Conama gerou protestos e poderá levar a ações na Justiça, mas o que está fazendo no Conselho Orientador do Fundo Amazônia pode levar o país a perder dinheiro grande. O senador Flávio Bolsonaro apresentou um projeto tão estupidamente radical que seria cômico se não fosse grave. Quer acabar com toda a reserva legal nas fazendas. Só para se ter uma ideia: 80% da Mata Atlântica estão nas reservas legais. Cumprida à risca, isso acabaria com o que resta do bioma que protege a vida na região onde moram 70% dos brasileiros.
Cento e dezesseis pesquisadores da Embrapa assinaram um documento mostrando os riscos à produção agrícola e à vida se essa proposta for aprovada. A primeira lei que criou a reserva legal é de 1934. O senador Flávio Bolsonaro quer um retrocesso de 85 anos. O passado que esse governo busca é bem pretérito.
Quem é atualizado sabe que a proteção ambiental deixou de ser, há muito tempo, um assunto de nicho. Hoje o termo “ambientalista” vai muito além da sua concepção original. Gestores de dinheiro de investidores, como os citados no início dessa coluna, não perguntam sobre meio ambiente por ativismo.
Os donos do dinheiro que administram não querem investir em países e negócios que significam risco ambiental. Há óbvio risco de barreiras às commodities brasileiras. Se o ruralismo não reagir a tempo e com visão estratégica o setor vai sentir o impacto. Mas vai além do agronegócio. Um país que se isola, e vira um pária na questão ambiental e climática, é uma economia vulnerável.
Os investidores de qualquer área estão neste momento de olho em cada um dos movimentos do governo. O documento dos pesquisadores da Embrapa explica pacientemente como a reserva legal eleva a produtividade das fazendas e diz que fizeram a nota pelas “numerosas discussões recentes no contexto das propriedades rurais”. Segundo eles, a relação entre polinização e controle biológico por insetos com a produção é direta: “Levando-se em conta os dados da produção de 2012, a polinização mediada por insetos foi responsável por 30% da produção de 44 culturas brasileiras.”
O governo Bolsonaro brinca, por ignorância, com coisa séria. E enfrentará muito mais consequências do que consegue perceber na sua curta visão ideológica.