Míriam Leitão: Governo argentino busca um rumo
Política econômica da Argentina deve reduzir o déficit público mas usa remédio velho e pouco eficiente na luta contra a inflação
O economista Fabio Giambiagi esteve na Argentina já no governo Alberto Fernández e avalia que a atual política econômica pode conseguir um pequeno superávit fiscal este ano. A inflação deve cair, mas será por pouco tempo, já que a política é a de controle de preços. Depois, voltará a subir e pode chegar nos próximos anos a até a 100%. “Em matéria de preços é o velho peronismo de sempre. Eu assisti o lançamento do programa precios cuidados, parecia o Brasil dos anos 1980.”
Ele admite que a impressão que fica do governo Alberto Fernández é até melhor do que se imaginava. No pacote de ajuste fiscal há algumas medidas duras, mas os sindicatos não reagiram. Se fosse outro governo, eles já estariam na rua. “Agora os tigres miam”:
— Claro que o pacote é controverso porque faz o ajuste pelo lado da receita em vez de corte de gastos. O governo Macri havia reduzido o déficit para 1% do PIB, mas o pacote Ferández é de 1% a 1,5% do PIB, o que pode levar ao superávit.
A Argentina tem diversos outros problemas. Um deles, o mais grave talvez, é que não tem reservas, tem uma dívida alta e com parcelas em atraso. Essa fragilidade se agravou no governo Macri. Desde o período de Cristina Kirchner o problema vem sendo enfrentado através do cepo cambiário, que ninguém desconhece o que seja na Argentina: são medidas que limitam o acesso à moeda americana.
— O governo impôs de novo as retenciones, taxações de exportações, que geram muitas distorções, mas o governo está taxando onde está o dinheiro. O campo gira muitos recursos. A ideia da política econômica é que quem está pagando os impostos é quem votou em Macri. Há um IOF de 30% sobre aquisição de divisas. Como os ricos viajam mais para o exterior, eles pagam 30% sobre 63 pesos e aí vai para mais de 80. A cotação oficial está em torno de 60 pesos — disse Fábio.
Giambiagi acha que houve um fato complicado na Argentina. Quando o peronismo venceu com larga vantagem as primárias, a eleição virou apenas uma formalidade, e isso fez com que Alberto Fernández não tivesse incentivo para negociar. O dólar subiu rápido e Macri teve que tomar medidas de aumento de controle.
Quando assumiu, ele adotou esse ajuste pelo lado da receita. Atingiu não apenas os produtores rurais e os turistas, mas também os aposentados:
— Havia uma regra que vinha da reforma da Previdência de Macri, que foi na verdade a reforma de um indexador. Era um mecanismo tradicional de indexação. Fernández aboliu isso e deu um valor fixo para quem ganha menos e deixou sem regras as aposentadorias, acima de um determinado valor. Só vai corrigir se tiver condições. Imagina isso num país com uma inflação de 55%. Só que os sindicatos, por ser um governo peronista, não reclamaram.
Giambiagi acha que o temor de que a vice-presidente, Cristina Kirchner, mandaria em tudo não se confirma:
— No jogo de forças internas temia-se as ideias intervencionistas de Cristina. Mas houve de fato uma coalizão dentro do peronismo — e é engraçado falar em coalizão dentro de um mesmo partido — entre as muitas facções. Nesse acordo, Cristina ficou com quatro áreas. Justiça, Receita Federal, o Senado e a Província de Buenos Aires.
Ela quer se livrar das acusações e por isso a Justiça e a Receita são fundamentais. Inclusive um dos problemas de que ela foi acusada foi a de usar uma rede de hotéis que tinha no Sul para lavagem de dinheiro. O Senado é presidido pelo vice-presidente. E na Província de Buenos Aires a vitória eleitoral foi de Axel Kicillof, um economista muito ligado a ela. Pode vir a ser o sucessor dela.
— A parte econômica é toda de Fernández. Ele tem a dívida externa para negociar. Há um conflito inevitável com os credores. E entre os credores privados e o FMI. Como não se dá o calote no FMI, você tem que pagar o valor de face, ainda que com mais tempo. Quanto mais cedo pagar o Fundo, menos dinheiro haverá para os credores privados — diz Fábio.
O economista acha que com as medidas de controle de preços e o congelamento das tarifas a inflação deve ficar entre 30% e 40%, acha que a recessão deve continuar, e que o país vai encolher de 1% a 2%. Mas apontando para um 2021 positivo. O problema é que a inflação será contida artificialmente e depois continuará a trajetória de alta. Nos próximos anos a inflação ficará, segundo o economista, entre 30% e 100%.
Míriam Leitão: Um governo que apequena o Brasil
O Brasil, com sua vasta diversidade humana e sua enorme biodiversidade, fica menor nas frases preconceituosas e nos erros do atual governo
O governo cria suas próprias crises e é autofágico. Não haveria problema com esta inclinação de se consumir, exceto pelo fato de que isso atinge o próprio país. Nos últimos dias, ele criou problemas em dose excessiva até para os seus padrões. O presidente anunciou que poderiacriar o Ministério da Segurança e 24 horas depois disse que isso tem chance zero. O ministro Paulo Guedes falou em criar o “imposto do pecado” e o presidente desmentiu. Mas isto é o governo andando em círculos e se consumindo em seus improvisos e brigas de facções. O que realmente importa é o que atinge o Brasil.
A cúpula financeira se reuniu em Davos, durante a semana, e deu um recado claro de que o rumo mudou e que o dinheiro irá para investimentos e países que tenham compromissos com o combate às causas da mudança climática. O Brasil foi para a reunião despreparado, o ministro da Economia fez um improviso infeliz e o presidente, na sexta, aqui no Brasil, deu uma declaração sobre os indígenas brasileiros que revela preconceito.
O Brasil errou muito, ao longo da sua história, na relação com os povos originais desta terra. Durante a ditadura, o governo seguiu a orientação de que era preciso “integrar”, forçar o contato, transformá-los em soldados, em moradores de áreas próximas às cidades. Foram muitos os absurdos e todos eles provocaram mortes e destruição cultural de várias etnias. Ao fim do regime militar, o país enfim formulou uma política indigenista de respeito às profundas diferenças entre os diversos povos, seja em estágio de contato com os não indígenas, seja em ritos de suas culturas. Estabeleceu que jamais forçaria o contato com os que se isolassem, a não ser que fosse para protegê-los, e intensificou o esforço de demarcação. Ficou escrito na Constituição que a terra é da União, mas nela os índios vivem. Os povos indígenas que estão na Amazônia são parte da estrutura de proteção das florestas, como se pode ver pelas imagens de satélites e se pode conferir em visitas às aldeias.
O presidente demonstrou em uma única fala toda a carga de preconceito que tem em relação aos indígenas. “O índio está evoluindo e cada vez mais ele é um ser humano igual nós”. A frase é tão ruim que dispensa críticas. Essa mesma ideia da sub-humanidade dos índios está contida em outras declarações do presidente. Revela preconceito e também desconhecimento do assunto. Se fosse só uma frase. Mas há toda uma política que ameaça repetir erros velhos e trágicos que resultaram em muitas mortes.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entendeu o que está contido nos muitos documentos dos gestores de fundos e dos administradores de bancos durante a reunião do Fórum Econômico Mundial e disse ao “Valor” que “o tema ambiental afeta o fluxo financeiro”. Exato. Foi o recado de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), foi o que disse o BIS, orientador dos bancos centrais. Foi o que disse Larry Fink, do BlackRock, o gestor do maior fundo do mundo em carta aos presidentes de empresas. O TCI, fundo de hedge conhecido por práticas agressivas, avisou que a mudança climática será critério para os seus investimentos. George Soros vai investir US$ 1 bilhão em uma universidade com o objetivo de combater o que ele chama de “desafios gêmeos”: a mudança climática e os governos autoritários. O Goldman Sachs não vai trabalhar na abertura de capital de empresas nas quais não haja diversidade em seus conselhos de administração. Até o capital veio mudando nos últimos anos, só o governo não viu. Esse encontro de Davos parece ter sido o ponto da virada.
O Brasil tem 60% da maior floresta tropical do mundo, a parte mais significativa da maior bacia hidrográfica e 300 povos indígenas. Poderia ter chegado a essa conversa com todo o amadurecimento que o tema já teve no país nos últimos anos. Mas o governo apequenou o Brasil. E, com o seu discurso ultrapassado, põe em risco a nossa inserção no mundo.
A criação do Conselho da Amazônia foi anunciada sem ter conteúdo. Por enquanto é só um nome. Para que este conselho funcione na direção certa será necessário que o governo abandone os preconceitos e os equívocos nas políticas ambiental, climática e indigenista. O governo precisaria entender, afinal, o tesouro imenso que é a diversidade ambiental e humana do Brasil.
Míriam Leitão - Longo caminho na volta do emprego
Ainda há um longo caminho na recuperação do emprego. A notícia de que em dezembro houve uma queda de 307 mil vagas era esperada porque é normalmente negativo o número do último mês do ano. Era prevista também a melhora anual, em relação a 2018. Foi, porém, uma pequena aceleração perto do muito que é necessário. O presidente Bolsonaro, quando disse em novembro que o total dos empregos formais criados chegaria a 1 milhão, demonstrou desconhecer o que acontece todo dezembro, mês de queda no Caged. O resultado no ano ficou em 644 mil vagas formais, 115 mil a mais do que em 2018.
É uma melhora passo a passo, lenta demais em relação ao necessário. O país ainda tem 1,7 milhão de vagas formais a menos do que tinha em 2014, antes de a economia cair na crise provocada pela desastrada condução da política econômica do governo Dilma. Se o ritmo de 2019 for mantido, somente em 2022 tudo será recuperado. Felizmente, a expectativa é de um crescimento maior do PIB este ano, o que deve se refletir também em um aumento das contratações.
Como se pode ver no gráfico, o país terminou o ano de 2015 com destruição de 1,5 milhão de empregos com carteira assinada. Em 2016, foram perdidos mais 1,3 milhão. Em 2017, ficou na linha d’água, e a queda foi reduzida para 20 mil. O grande ponto de inflexão ocorreu em 2018, quando o país saiu do negativo e criou 529 mil empregos formais. Agora, foram esses 644 mil. É um bom resultado, é o melhor em seis anos. Mas que seis anos! Esse avanço era natural e ainda é insuficiente.
Há, no entanto, boas notícias. Houve criação de empregos em todas as cinco regiões do país e em todos os 26 estados e no Distrito Federal. A construção civil teve um forte aumento de vagas, de 17 mil para 71 mil, confirmando que o setor, de fato, está se recuperando, depois de muitos anos de contração. A indústria de transformação também conseguiu contratar mais, de 2 mil para 18 mil, apesar de ter vivido um ano de 2019 com altos e baixos em termos de crescimento. O comércio acelerou de 102 mil para 145 mil. Os serviços, por sua vez, contrataram menos que em 2018.
Os efeitos da reforma trabalhista aprovada em 2017 estão mais visíveis. Foram 85 mil empregos intermitentes criados, quando o trabalhador é convocado pelo empregador sem uma carga horária definida. E mais 20 mil vagas em tempo parcial. Em ambos os casos, a jornada de trabalho é inferior ao tempo de 40 horas semanais de um regime convencional de carteira assinada. E isso significa que a remuneração também será menor. Há o lado positivo de se criar mais vagas, mas também o lado negativo de ser um emprego formal com menor qualidade.
Para acelerar o ritmo de contratações o país precisa crescer mais. Pelas contas do Itaú Unibanco, a geração de empregos formais em 2020 chegará a 881 mil, se o crescimento do PIB for 2,2%. A consultoria LCA revisou para cima a sua estimativa, de 802 mil para 850 mil. Em 2021, o número pode chegar a 1 milhão, caso a economia acelere para 3%, pelas contas do Itaú. Ainda assim, a taxa de desemprego deve cair lentamente, explica o banco. Ao mesmo tempo em que aumentarão os empregos formais, cairão os informais. É por isso que a estimava é de que a economia vai conviver com taxas de desemprego de dois dígitos pelo menos até 2021. É importante lembrar que todo ano a força de trabalho cresce em um milhão de pessoas, com os jovens que chegam ao mercado de trabalho. Para o desemprego cair, é preciso superar essa linha.
A melhora do emprego formal pode fazer com que a economia entre em um círculo virtuoso. Com a estabilidade do emprego e a carteira assinada, haverá maior acesso ao crédito e crescimento da renda. As famílias poderão se aproveitar dos juros mais baixos no sistema financeiro. Principalmente as vendas de bens duráveis, de maior valor, podem ser beneficiadas, o que favorece também a indústria e os investimentos.
Míriam Leitão: As liberdades andam juntas
Para Ilan Goldfajn, só as reformas não bastam para atrair o capital externo. É preciso recuperar a agenda ambiental e fortalecer a democracia
O ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn definiu como “ultrajante” o episódio da repetição das palavras de Goebbels pelo ex-secretário de Cultura Roberto Alvim. Mas constata “que a sociedade colocou um limite e isso é importante reconhecer”. Ilan diz que agora os investidores querem ativos que tenham três qualidades: boa governança, responsabilidade social e sustentabilidade ambiental. Ele não acredita que a economia esteja desligada do resto. “A democracia e a economia andam juntas. Liberdades individuais e liberdades econômicas andam juntas”.
Ilan, que hoje preside o conselho de administração do Credit Suisse, assumiu a presidência do Banco Central com a inflação perto de 10% e os juros em 14,25%. Ao sair, a inflação estava abaixo da meta, e os juros em 6,5%. As taxas continuaram caindo para 4,5%. Isso, segundo ele, está provocando uma revolução:
— Eu acho que esse novo patamar veio para ficar, mas isso não quer dizer que não possa cair um pouco mais ou subir se a economia estiver voltando a crescer. O Brasil vai deixar de ser uma exceção no mundo pelos juros altos que tinha. Isso é uma revolução para quem está no mundo das finanças. Quem tem mais dinheiro se pergunta: “Como eu faço para ter mais rentabilidade?” Todo mundo estava com investimento parado no overnight e ganhava. Agora tem gente que vem falar comigo: você mexeu nos juros e deu problema pra gente, eu quero me aposentar e onde vou botar o meu dinheiro?
Ilan diz que esse dinheiro que ia remunerar o capital aplicado em títulos públicos era custo da dívida, que agora está em queda. Citou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, para dizer que este ano essa economia pode ser de R$ 120 bilhões para o Tesouro:
— O dinheiro pode ir para outros lugares, pode ajudar na construção civil, pode financiar a infraestrutura. Ou vai para a bolsa, e as empresas captam e podem investir. Então, eu, fora do Banco Central, estou ajudando a navegar nesse novo cenário, que nós mesmos ajudamos a criar.
Recentemente, Ilan disse numa entrevista que “a festa é boa, mas a festa é nossa”. Ele se referia ao fato de que o dinheiro que está chegando na bolsa de valores é basicamente brasileiro. O capital estrangeiro não está vindo. Perguntei a ele, nesta entrevista que fiz na Globonews, o que está acontecendo com o investidor externo:
— A festa é de fato nossa. Eu não estou vendo estrangeiro entrando. Semana passada eu estive em Nova York, de novo, conversando com investidor. E eles falam que o país está indo bem, provavelmente vai ter aumento da classificação de risco, que as reformas são bem-vindas. Mas o ambiente global não é propício a grandes investimentos. E o Brasil ainda não recuperou totalmente a confiança, a ponto de eles tirarem dinheiro de um lugar para pôr aqui.
Ele não acha um problema ter tido aumento da saída de capital no ano passado. Pensa que decorre dessa queda dos juros. O investimento que vinha por este motivo foi embora. Acredita que o dólar permanecerá alto:
— O patamar do câmbio também não volta a ser o que era no passado. O dólar chegou a ser R$ 1,60, há pouco tempo estava em R$ 3,00. Hoje estamos acima de R$ 4,00. O patamar é diferente.
Sobre as reformas, ele diz que é fundamental fazer a reforma tributária e nela o “governo é o ator principal”. O problema é que os projetos que estão tramitando são do legislativo.
Na visão de Ilan Goldfajn, o investidor estrangeiro quando olha para o país quer ter todas essas informações sobre as reformas, privatizações, ajustes, mas não basta isso. Ele quer saber sobre meio ambiente e democracia.
— Tudo se complementa. Uma democracia ativa, com liberdade de imprensa, mostra que tudo tem mais sustentabilidade. E isso complementa a liberdade econômica. A bolsa sobe porque os juros caíram, mas o segundo passo vai depender do dinheiro de longo prazo. A democracia e a economia andam juntas. Liberdades individuais e liberdade econômica andam juntas. O investidor olha isso. Uma coisa não está separada da outra, de jeito nenhum — diz ele.
Ilan é brasileiro, mas nasceu em Israel. Perguntei pelo episódio de Alvim.
— Foi ultrajante. Para qualquer pessoa, para os judeus principalmente. Todos nós nos sentimos ofendidos. Já não como economista, mas como indivíduo olhando algo que nos deixa indignados. Foi um sintoma de algo que está acontecendo, mas é preciso reconhecer que a sociedade colocou um limite e isso foi um passo importante.
Míriam Leitão: Petrobras encolhe e reduz emissões
Governo ficará com 50,3% da Petrobras após o BNDES vender suas ações. Para privatizar as refinarias, terá que criar sete empresas
Se o BNDES vender o total dos 10% de ações ordinárias que tem da Petrobras, na operação que lançou oficialmente na terça-feira, o governo ficará com apenas 50,3% do capital votante da empresa. Hoje, do capital total, o governo é dono de 58%. A empresa está ficando menor, já vendeu no ano passado US$ 16,3 bilhões de ativos e, com isso, reduziu sua dívida de US$ 111 bilhões para menos de US$ 90 bilhões. Continua sendo a petrolífera mais endividada do mundo.
Para vender ativos, a Petrobras terá que, curiosamente, criar outras estatais. Uma delas será a empresa de geração de energia elétrica para agregar as suas 26 usinas termelétricas. Dessas, só 16 são efetivas. Outra venda será a dos gasodutos submarinos, as chamadas rotas 1,2,3. Será feito um IPO, e ela passará a ser sócia minoritária.
Serão criadas outras sete empresas na área de refino. A venda das refinarias já está na fase das propostas vinculantes. Há pelo menos cinco interessados em cada uma das refinarias. Serão vendidas as de Manaus, Fortaleza, Pernambuco, Bahia, Minas, Rio Grande do Sul e Paraná. Mas para que a operação seja feita, cada uma delas será desmembrada da Petrobras, virará uma empresa independente para ser vendida. A Petrobras quer ficar apenas com a Reduc e as quatro de São Paulo. O fim do monopólio no setor foi aprovado por mudança constitucional em 1996, mas 24 anos depois o refino ainda é monopólio estatal.
Mesmo que consiga vender esses ativos, reduzir seu passivo, a Petrobras enfrentará outro dilema para ter futuro: como se tornar menos fóssil, dado que é uma empresa de petróleo. O mundo caminha na direção de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e isso é verdade até para as empresas que vivem de prospectar, produzir e vender petróleo, o combustível fóssil por excelência.
A empresa, diante desse dilema, colocou em marcha um projeto de descarbonização, investindo nele US$ 170 milhões por ano. Na exploração, há muitos anos já foi desenvolvida a tecnologia de captura e reinjeção do CO2 emitido. E a empresa quer chegar à meta de 100% de captura desse gás carbônico. Outra meta que está sendo perseguida é queimar menos gás nas plataformas. Como o petróleo, ao ser extraído, vem associado ao gás, a empresa sempre queimou isso pela dificuldade de transportar, mas o total queimado no local vem sendo reduzido. A Petrobras reduzirá em 50% o metano até 2025. Vai reduzir em 30% a captação de água doce e aumentar o reuso até 2025. A partir de janeiro ela terá obrigatoriamente que produzir e exportar óleo diesel com 0,5% de enxofre. Porém, a atual direção não acredita em investimento importante em novas fontes de energia e acha que as outras empresas do setor fazem muita propaganda, mas as fontes alternativas são uma parte pequena de seus ativos.
Apesar de estar em plena temporada de venda de ativos, e no meio de mudanças de processo para reduzir as emissões, a estatal mais emblemática no Brasil continua com planos de aumentar a produção. A crise pelo congelamento do preço dos derivados, os casos de corrupção, e o alto endividamento provocou uma redução do investimento na empresa. Há dez anos ela não aumenta o volume de petróleo produzido. Mas por ter vencido o leilão do campo de Búzios, no fim do ano passado, a direção da empresa acha que conseguirá aumentar a curva de produção.
O investimento maior que terá que fazer será em Búzios. Mas é um campo que ela conhece bem. Na área original, a Petrobras já está extraindo 600 mil barris/dia e a um custo de extração de US$ 4. Portanto, é onde a Petrobras fará a aposta para garantir aumento de produção nos próximos anos.
No último ano, além de vender alguns ativos como TAG, BR, Liquigás, 65 campos maduros, e o negócio de biocombustível, a empresa encerrou as atividades da PetroAfrica que tinha com o BTG na Nigéria e devolveu a concessão da distribuidora de gás ao governo do Uruguai. A negociação com o então presidente uruguaio Tabaré Vázquez, que era de esquerda, foi fácil e objetiva, segundo o relato dos negociadores. Nessa distribuidora, o Brasil vivia a situação surreal de comprar gás da Argentina ao preço do mercado e fornecer ao consumidor uruguaio a preço mais baixo, com subsídio. A perda acumulada foi de US$ 200 milhões nos anos em que operou no Uruguai.
Míriam Leitão: A economia do desmatamento
Para grilar e desmatar é preciso um grande volume de capital. O governo tem que entender melhor quais são os vetores do desmatamento
Quanto custa uma motosserra? E várias delas? Quanto custam tratores, correntões, caminhões? Tudo isso é necessário para desmatar. Um método primitivo, mas muito usado, é o correntão. Ele vai arrastando as árvores, mas não funciona sem tratores. São necessários dois, um de cada lado. Quanto custam dois tratores? Depois, é preciso ter caminhões para transportar as toras até o consumo. Mas, antes, é necessário ter uma escavadeira hidráulica com garra de metal para empilhar as toras nos caminhões. Capangas armados ocupam a terra que está sendo grilada. Fazem isso a soldo. De quem? Documentos são esquentados, como as guias de transportes. São comprados títulos falsos de propriedade. O ministro Paulo Guedes disse em Davos que “o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza” e que “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”. Não é a pobreza que desmata. Para grilar e desmatar é preciso capital. Muito capital.
O ministro estava num debate sobre outro assunto. Era um painel sobre indústria avançada e o uso de recursos naturais. Paulo Guedes, segundo explicou depois, defendia a tese de que os países de economia avançada derrubaram florestas para escapar da pobreza. Mas essa ideia de que, como disse, “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer” já foi dita algumas vezes pelo ministro do Meio Ambiente. É uma avaliação errada dos vetores reais do desmatamento.
No ano passado foram desmatados quase 10 mil km2 só na Amazônia, numa alta de 30%, segundo o Prodes, do Inpe. E aumentaram as queimadas. Há muitos estudos provando a correlação direta entre o aumento do desmatamento e o das queimadas. Não houve um surto de alta da pobreza que explicasse o que aconteceu em 2019. O que houve foram sinais do governo de que o crime não seria combatido. E qualquer economia, até a do crime, é estimulada por sinais e expectativas.
Movimentar essa cadeia do crime, montar as conexões, ocupar a terra com pastagem, esquentar o documento para vender, tudo isso exige um enorme investimento. Quando o governo combate o crime e impõe o império da lei, o risco fica mais alto e o retorno do capital, mais incerto. Neste cenário, há uma redução do incentivo e a taxa do crime cai. As leis econômicas, sempre elas, determinam alta e queda da destruição ambiental. Uma forma de combater o crime é pegar todo aquele material — motosserras, caminhões, tratores, escavadeiras — e apreender ou destruir. Isso aumenta o prejuízo do criminoso, mas agora está proibido pelo presidente da República.
O ministro disse que a pobreza é o pior inimigo do meio ambiente. Deve-se combater a pobreza por inúmeros motivos, mas é preciso inverter o entendimento do fato. O pobre é a grande vítima da destruição do meio ambiente. Ele é recrutado como mão de obra em trabalho degradante, depois é ele que vive os efeitos da degradação da terra, da água e do ar. A falta de saneamento contamina principalmente as regiões onde moram os pobres. Os lixões se acumulam é nas periferias. Nos extremos climáticos são os pobres os mais afetados. Eles não são os agentes da destruição ambiental. São suas primeiras vítimas.
A criação do Conselho da Amazônia pode ajudar, principalmente se levar para o governo informações que o ilustrem sobre a verdadeira origem das redes de ilegalidade na Amazônia e afastem os mitos que têm dominado as declarações oficiais sobre o assunto. O Conselho será mais eficiente se não for feito para atender às teorias conspiratórias que mobilizam o governo Bolsonaro. Foi anunciada também a criação da Força Nacional Ambiental. Ela precisará de orçamento. Mas esta é a administração que cortou orçamento do Ibama e do ICMBio, que limitou as ações preventivas e as operações de comando e controle nas regiões vulneráveis.
É urgente que este governo conclua o período de noviciado e entenda o que se passa na Amazônia, para deter o aumento do desmatamento. Primeiro, para impedir a destruição de riqueza coletiva. Segundo, porque o mundo mudou, como se pode constatar em todos os relatórios que foram feitos por instituições financeiras para o Fórum Econômico Mundial. O assunto deixou o terreno da retórica para ser determinante da alocação de recursos dos grandes investidores.
Míriam Leitão: Os riscos fatais do planeta Terra
A economia mundial foi atravessada pela emergência climática e não há escolha que possa ser feita sem considerar esse risco
Quando será tarde demais? A pergunta que precisa ser feita diante do aumento do perigo, qualquer perigo, tem que estar conosco como uma inseparável companheira na era da emergência climática. Quando será tarde demais? Fiz essa pergunta a cientistas ingleses quando visitei o Met Office, o Inpe inglês, em 2009. Eles me mostraram as projeções, os cenários, os riscos, os tipping points. Um dos deflagradores desse ponto, a partir do qual nada mais é possível fazer, disseram eles, é a perda da floresta amazônica. O Inpe contou de novo que o desmatamento continua a crescer. Subiu 85,3% de janeiro a dezembro de 2019, comparado com 2018.
Foi exatamente o Deter, sistema de detecção de desmatamento em tempo real, que foi atacado pelo governo, a ponto de o presidente da República demitir o diretor do instituto. E o que o instituto alertou aconteceu. O Prodes já havia mostrado quase 30% de aumento. Esse sistema tem dados mais consolidados sobre 12 meses que terminam em julho de cada ano. O Deter é sistema de alerta, vai na frente, vai avisando. Na semana passada, ele divulgou os números do ano inteiro, de janeiro a dezembro, o primeiro desse governo que deliberada e abertamente estimula o desmatamento.
A economia foi atravessada por essa emergência e não há escolha que possa ser feita sem ter em vista esse perigo. O Brasil subsidia combustível fóssil, reduz imposto sobre diesel, gasta R$ 1 bilhão do dinheiro dos nossos impostos, todos os anos, subsidiando térmica a carvão. O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, me disse que o subsídio irá, pelo Plano Nacional de Energia, até 2027. Então a sociedade brasileira gastará R$ 8 bilhões até lá e só no segundo mandato presidencial depois do atual é que acabará esse gasto. Ou não. O governo Bolsonaro quer que o BNDES volte a financiar térmicas a carvão. O ministro me disse que não é para construir novas térmicas. É apenas para elas instalarem novas tecnologias. A decisão do banco, na gestão de Maria Silvia, foi não financiar e ponto. Recursos públicos seriam emprestados apenas para energias limpas e novas. Mas o que preocupa alguns economistas brasileiros são incentivos dados, e que existem em todos os países, à energia solar, limpa e sustentável. Eles nunca se incomodaram com o do carvão ou dos derivados de petróleo. Curiosa inversão do olhar.
“Os riscos diante de nós demandam imediata ação coletiva”. A frase, que poderia estar na boca de um ambientalista, foi escrita em documento divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Quase todos os riscos de longo prazo vistos nos cenários feitos pelos economistas e executivos da economia global são climáticos. Eventos climáticos extremos, grande perda de biodiversidade, crimes ambientais, falha na mitigação, são esses alguns dos problemas apontados por 750 especialistas e tomadores de decisão que responderam ao questionário do Fórum que acontece em Davos.
Se todos eles, que tomam decisões, acham que o perigo é este, se tantas ruas do mundo estão ocupadas por manifestantes, se líderes jovens estão alertando, com uma maturidade que nem deveriam ter, por que mesmo o mundo continua errando?
Em 2009, quando visitei o Met Office, um prédio nas proximidades de Londres com detalhes que lembram seu fundador, o comandante do navio de Charles Darvin, o mundo estava se preparando para a COP-15 de Copenhague. Havia muita esperança de um acordo global do clima que tivesse poder de lei nos países. O desmatamento da Amazônia estava caindo havia vários anos. Grandes empresários, executivos das principais empresas globais ouviam os alertas dos cientistas. Parecia ser o momento em que o mundo começaria a se afastar do perigo extremo. A reunião fracassou. Em Paris, anos depois, se conseguiu fechar o acordo do clima. Mas o governo americano passou a ser ocupado por um negacionista. O brasileiro, também. O mundo andou para trás desde Paris. Nós também. A reunião de Madri, em dezembro, foi melancólica.
Quando será tarde demais? Essa é a pergunta que a humanidade precisa encarar agora porque terá que respondê-la para as gerações que herdarão a Terra. O que estamos entregando aos nossos filhos, aos nossos netos?
Míriam Leitão: Cai o secretário, fica o projeto
O secretário se foi, mas todo o projeto ficou. A questão central é simples: Roberto Alvim não estava só, nem falava sozinho
Roberto Alvim caiu. O ex-secretário de Cultura era até caricato. Não apenas plagiou Joseph Goebbels, o ideólogo de Hitler, ele imitava seus trejeitos, seu penteado e o reverenciava em objetos na sala. Alvim estava à vontade na transmissão da noite da quinta-feira, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, que o elogiou. Ele não é mais o secretário. Foi derrubado pela imprudência de ter copiado e colado a fala de Goebbels. O projeto que ele estava colocando em prática permanece e não era só dele. A ideia de que a cultura possa ser limitada, censurada, dirigida e usada para alavancar uma delirante e perigosa visão de mundo, de país e de poder continua nos editais, decisões e nas ideias de muitos integrantes do atual governo.
Goebbels era o ministro da mentira. Ele sabia a força estratégica da mentira e a usou para deflagrar perseguições contra os adversários políticos. Ele foi o agente que criou o ambiente social em que o nazismo prosperou e que permitiu a mais hedionda das tragédias do século XX: o assassinato em massa dos judeus em campos de concentração. O que aconteceu aos judeus no holocausto afeta cada pessoa, seja de que etnia ou credo for e em que país esteja. É a lição mais cara que a História nos deixou. Não se brinca com um crime dessa dimensão. Jamais. Não é aceitável ouvir o que ouvimos na boca de um integrante do governo brasileiro. A lei 9.459 de 1997 pune com a pena de dois a cinco anos a divulgação de símbolos do nazismo. A liberdade de expressão é total numa democracia, mas isso está na categoria do inadmissível.
O fato de ele ter sido demitido, após a natural comoção que provocou no país, não elimina as muitas dúvidas que nos rondam. Roberto Alvim não tinha evidentemente a força que teve o ministro da propaganda de Adolf Hitler, mas a dúvida é: o que quer um governo em que um secretário se sente à vontade para fazer a evocação de um notório genocida? E isso logo depois de ser coberto de elogios pelo presidente da República.
— Ao meu lado, o Roberto Alvim, o nosso secretário de cultura. Depois de décadas, agora temos sim um secretário de cultura de verdade. Que atende o interesse da maioria da população brasileira. População conservadora e cristã. Muito obrigado por ter aceito essa missão. Você sabia que não ia ser fácil né? — disse Bolsonaro, tendo de um lado o então secretário de Cultura e do outro o ministro da Educação. Os dois braços de qualquer projeto totalitário.
A transmissão inteira da quinta-feira à noite com Weintraub e Alvim foi deprimente. O ministro da Educação defendeu, sendo ecoado pelo presidente, as escolas cívico-militares como se fossem a única e milagrosa solução para todos os complexos problemas da educação brasileira. Alvim contou ao presidente que lançaria ao final de fevereiro um edital de cinema. “Cinema sadio, ligado aos nossos valores, aos nossos princípios.”
Tanto na transmissão, quanto no video em que declamou Goebbels, o ex-secretário fez um movimento recorrente neste governo, que é se apropriar politicamente do sentimento de família, do amor à pátria e da devoção a Deus. Como se Deus, a família, e o país fossem monopólios do atual governo e só agora estivessem sendo defendidos. Esta é a estratégia mais perversa para falar com uma parte grande da população, capturar evangélicos, manipular as pessoas como se esse governo fosse a encarnação dos valores do cristianismo.
A arte, como disse a imensa Fernanda Montenegro, resistirá nas catacumbas. Ela é múltipla, ela é diversa, ela explode, frutifica e surpreende. Mas o que Alvim estava dizendo, quando foi interrompido, é que existe um plano para despejar milhões em obras encomendadas. O que Bolsonaro disse na transmissão foi em reescrever a história do Brasil, como todos os projetos totalitários fizeram. “Vamos contar a história verdadeira do Brasil de 1500 até agora”, disse Bolsonaro, ao lado de Alvim. O ex-secretário repetiu: “Vai ser a maior política cultural do seu governo e ouso dizer uma das maiores políticas de incentivo à cultura da história do Brasil. É um edital que vai patrocinar em várias categorias obras inéditas. Vamos escolher e lançar.” A cultura sob encomenda, a arte fabricada para um projeto de poder, a história reescrita e num governo que exalta torturadores. O secretário se foi, mas todo o projeto ficou. A questão central é simples: Roberto Alvim não estava só, nem falava sozinho.
Míriam Leitão: Tamanho real da privatização
Banco do Brasil, Caixa e Petrobras, justamente as empresas que estão fora da privatização, são 75% dos ativos das empresas estatais no país e 71% do patrimônio líquido. O BNDES tem 17% dos ativos. A Eletrobras, 4%. Se não vender a estatal de energia, sobram 4% dos ativos. Essas são estatísticas do Boletim das Estatais. O secretário de Desestatização, Salim Mattar, explica que o governo continuará vendendo ativos dessas empresas, mas admite que todas elas estão fora do programa. Sobre o BNDES, Mattar afirma que o governo quer vender todas as ações da BNDESPar, mas devagar, para não derrubar o mercado.
Levei dados do relatório da Secretaria das Estatais para mostrar ao secretário, em programa que fiz com ele na Globonews, que se essas empresas estão fora então não se pode falar em “acelerar” o programa. Ele será pequeno.
— Não haverá privatização da Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, por isso eu falo em desestatização. A Petrobras tinha distribuidora de petróleo, tinha distribuição de gás no Uruguai, tinha Pasadena, que foi uma aberração — disse Salim Mattar.
Todas essas vendas estavam sendo preparadas desde o governo passado. A propósito, o governo Temer pegou o país com 228 estatais e reduziu para 208, segundo gráfico do Boletim. Salim Mattar usa outro número, diz que são 695 empresas. E explica:
— Temos empresas controladas pelo governo, como Banco do Brasil e outras. Temos subsidiárias das estatais, do BB, da Petrobras, por exemplo. Temos as coligadas, quando há uma participação estatal mas não o controle. E temos as investidas, a Caixa Econômica tem investimento em um banco na Venezuela. A sociedade brasileira conhece muito pouco disso e a desestatização é reduzir esse número — diz o secretário.
É com base em todo esse universo que ele diz que foram vendidos 71 ativos no ano passado. Mas até na equipe econômica se diz que o programa está lento, para a ambição das promessas. O governo atual faz críticas a presidentes anteriores, como se estivesse começando agora a redução do tamanho do Estado. Não é bem assim, como se sabe. No período Fernando Henrique, foram vendidas toda a telefonia, mais as distribuidoras de energia e a Vale. Itamar Franco vendeu a CSN e a Embraer. Collor iniciou o programa de privatização com a siderurgia e a petroquímica. Para Salim Mattar todos os governos anteriores criaram estatais.
— Na nossa Constituição houve um momento de lucidez no artigo 173 que diz que o governo não será empresário e somente terá empresa quando for o caso de segurança nacional ou para prestar serviços relevantes à sociedade. Todos os governos violaram a Constituição de 1988. Abriram empresas — diz Mattar.
Perguntei a razão de o governo atual ter criado uma estatal, a NAV:
— Por uma questão de segurança nacional para controlar o espaço aéreo. Em todos os países é considerado segurança nacional. Até porque nas guerras de hoje é tudo muito mais via míssil do que terrestre.
Salim Mattar disse que continuará nessa linha de venda de ativos, ainda que a empresa principal esteja fora do programa.
— No presente momento, a Caixa está montando seus ativos para vender, que são a Caixa Seguridade, Caixa Cartões, Caixa Loterias. Por isso precisamos de uma MP para criar uma empresa para pôr esses ativos e assim poder vender — disse ele.
Sobre os Correios, perguntei quem substituiria a capilaridade que a empresa tem, a única a estar no Brasil todo:
— A capilaridade da Caixa e dos cartórios é superior à dos Correios. Estão sendo feitos estudos no PND, vai para o BNDES, o banco contrata uma consultoria, faz modelagem, contrata bancos de investimento para vender. Pelo cronograma, vende até dezembro de 2021. Se o fast track for aprovado, reduzimos em 50% o tempo.
Salim Mattar disse que a Eletrobras será vendida, porque o Congresso que aprovou a reforma da Previdência vai aprovar o Projeto de Lei.
Sobre a BNDESPar, ele disse que esse governo não tem interesse em ter uma carteira de investimento. E que as ações serão vendidas de forma gradual, “de acordo com o mercado”.
Míriam Leitão: Valor das reservas, segundo Meirelles
Henrique Meirelles acha que o BC tem espaço para vender reservas, diz que São Paulo cresce o dobro da média nacional e gerou 40% das vagas
São Paulo está crescendo num ritmo que é o dobro da taxa brasileira e criou 40% dos empregos formais do ano passado, segundo o secretário de Fazenda do estado, Henrique Meirelles. Quando foi presidente do Banco Central no governo Lula, Meirelles iniciou a política de acumulação de reservas cambiais. O BC atual está vendendo reservas. Para Meirelles, isso é normal e não representa risco nem mesmo num contexto de volta do déficit em transações correntes. Sobre a reforma tributária, ele acha que o melhor caminho seria o do substitutivo apresentado pelos estados aos dois projetos no Congresso, mas lamenta a falta de definição do governo federal.
Meirelles disse que a projeção para o crescimento fechado do ano passado é de 2,6% no estado e em 2020 será entre 3% e 3,5%:
— Imagina 2019 se o Brasil tivesse crescido à taxa de São Paulo. Agora, tire São Paulo da taxa nacional e o país teria crescido só 0,3%, por aí.
Segundo ele, os setores de serviços, comércio e indústria estão crescendo forte, principalmente os mais intensivos em mão de obra como construção civil.
— Nos serviços, em 12 meses até novembro, o país teve 0,9% e São Paulo teve 3,2%. A indústria caiu 1,1% no país, enquanto em São Paulo cresceu 0,3% — disse.
Perguntei para ele que opinião tem sobre a venda das reservas cambiais no ano passado. O Banco Central chegou a vender US$ 36 bilhões no segundo semestre. Ele havia acumulado no começo do ano, portanto a queda foi de US$ 18 bilhões. Segundo dados que confirmei com o governo, isso permitiu a redução da dívida pública em quase um ponto percentual. Portanto foi um bom negócio. A questão é se é arriscado diminuir o nível desse seguro contra a instabilidade internacional.
Meirelles acha que não, e que há margem até para reduzir mais.
— Acho que o nível ideal de reservas do Brasil está em torno de US$ 300 bilhões. Minha experiência empírica dentro e fora do governo.
Hoje o país tem US$ 356 bilhões, portanto, por essas contas poderia vender mais. Ao se tornar presidente do Banco Central, no começo do governo Lula, Meirelles encontrou uma situação totalmente diferente:
— Quando assumi, o BC vendia diariamente US$ 50 milhões ao mercado, era a chamada “ração”. O Brasil tinha US$ 38 bilhões, mas foi caindo até atingir US$ 15 bi. Chegamos a ter 40% da nossa dívida pública denominada em dólares. Tínhamos papéis indexados ao dólar. Então nós éramos devedores líquidos.
O governo passou a uma política deliberada de acumulação de reservas, aproveitando o boom das commodities, e o resultado foi que em 2008 tinha US$ 200 bilhões:
— Com isso superamos a crise de 2008.
Ele acha que a crise cambial que a Argentina enfrenta prova que o Brasil estava certo. Quanto à venda agora, ele acha normal:
— Não tem maiores problemas, mas tem que ir com moderação porque isso tem limite. O grande problema de ter muita reserva é o custo fiscal, porque de uma lado tem a operação compromissada, de outro, as reservas. Quando os juros estão altos, o custo disso é enorme. Quando assumi o BC, a taxa real era de 14%. O CDI estava em 33% e a Selic chegou a 26,5%. Mas agora houve uma queda dramática dos juros. Mas o custo de reduzir muito esse seguro qual é? De haver uma instabilidade e o país parecer sem o nível certo de reservas. Isso depende da história de cada país.
Apesar de os juros estarem baixos, o ex-ministro, hoje secretário, disse que se os modelos do Banco Central indicarem queda da inflação, a Selic pode até ser reduzida novamente. Ele disse que aprendeu a levar a sério os modelos do BC.
Meirelles espera que a reforma tributária evolua este ano e disse que houve um avanço importante quando os 27 estados chegaram num acordo, pela primeira vez em 30 anos, e apresentaram uma proposta conjunta:
— O projeto dos estados foi apresentado como substitutivo tanto à emenda 45 que está na Câmara quanto à emenda 110 que está no Senado e em acordo com os presidentes Maia e Alcolumbre. A ideia é ter uma alíquota única para todos os produtos em cada estado. E cada estado tem uma margem para subir ou descer a alíquota e tem um comitê gestor com estados, municípios e governo federal. A reforma do ICMS e do ISS é muito importante. E podia andar em paralelo com a reforma do governo federal. O problema é que estávamos conversando com o Marcos Cintra. Ele caiu e eles ainda estão formulando o que fazer.
Míriam Leitão: O que o ajuste fiscal já permitiu
O país em dois anos pode economizar R$ 200 bilhões em juros, fruto do ajuste que começou no governo passado e continua agora
O Congresso, ao voltar, terá uma tarefa imediata. Decidir se dará seguimento à tramitação do projeto de venda da Eletrobras. Se não andar nada em fevereiro, na primeira revisão bimestral do Orçamento, em março, o governo terá que contingenciar R$ 16 bilhões. Mas há boas notícias fiscais. Uma delas é a contínua redução da dívida pública. Se os juros forem mantidos nos níveis atuais até o fim do ano, mesmo sem qualquer queda eventual, o governo terá economizado em dois anos quase R$ 200 bilhões só em pagamento de juros.
O contingenciamento é obrigatório pelas regras orçamentárias. Na conta das receitas entraram os R$ 16 bilhões que o governo deve arrecadar com a renovação das usinas, que só pode acontecer se a Eletrobras for privatizada. E pela lei, no final de março, o governo terá que dizer como está a gestão orçamentária. Nessa revisão, terá que comprovar que o projeto está andando. Do contrário, há risco de frustração de receita, e o congelamento de despesas é automático.
No final do ano passado, o governo acabou liberando tudo o que contingenciou. Mas o problema é que a liberação em muitos casos chegou tarde demais. A receita extra veio do leilão do petróleo. Até o início de dezembro havia R$ 34 bilhões bloqueados. Quando liberou, muitos ministérios não conseguiram gastar. O ano passado terminou com dados fiscais muito melhores do que o imaginado, mas ainda com déficit. Se parte desse dinheiro liberado no final de 2019 for gasto este ano, isso pressionará as contas de 2020. São os problemas das muitas regras engessadas do orçamento brasileiro.
A decisão de aumentar o salário mínimo na proporção da inflação do ano passado foi tomada na equipe econômica por dois motivos: primeiro, porque a lei exige que haja recomposição do poder de compra do salário mínimo. Segundo, como será por MP, o Congresso poderia mudar. O que criou a defasagem foi que a inflação subiu no final do ano, mais precisamente, no último mês. Por isso a inflação de fato ocorrida foi um ponto percentual acima das projeções.
Mas não há espaço para novas pressões de gastos. Uma delas foi o pedido do presidente Bolsonaro de se dar redução na conta de luz dos templos religiosos. As igrejas já têm deduções ou isenções em vários tributos como Imposto de Renda e IPTU. Se tiverem privilégios nos pagamentos da energia, isso será pago pelos outros consumidores. Pelo contrato, a empresa de energia não pode ter prejuízo na venda de luz. Então alguém pagará. Além do mais, isso vai na direção oposta da defendida pelo Ministério da Economia.
O temor entre integrantes da equipe econômica é que as notícias de melhora nas contas do governo sejam entendidas como licença para aumentar os gastos. Alguns são indispensáveis, evidentemente. Mas o que se ouve por lá é que o Brasil não pode esquecer que ainda é um país deficitário e com uma grande dívida pública.
A melhora mais visível foi exatamente na dívida. Essa redução dos juros e, portanto, dos custos, começou no governo Temer, quando a Selic saiu, de forma consistente, de 14,25% até 6,5%. Mas as quedas que aconteceram no atual governo já produziram efeito. Na conta de juros brutos, o governo pagou, em 2019, R$ 69 bilhões a menos do que pagaria se a Selic permanecesse em 6,5%. E este ano, se ficar constante, haverá outra redução de R$ 120 bilhões. O governo pagava de juros 9% do PIB em 2015 e deve estar pagando entre 4% e 4,5% agora, segundo fontes do governo. A mudança da TJLP para TLP, também na administração Temer, diminuiu o subsídio financeiro concedido via BNDES. E o banco no ano passado devolveu ao Tesouro R$ 123 bilhões, que foram usados para abater dívida. Além disso, houve a reforma da Previdência, que não tem efeito imediato, mas melhora as projeções, e a venda de parte das reservas cambiais.
Tudo isso fez cair a dívida pública. A previsão era de que bateria em 80% do PIB e está em 77%. Essa reversão estava projetada pelos economistas para acontecer no próximo mandato presidencial. Já está acontecendo. O temor agora é que o mundo político entenda isso como licença para ampliar gastos. E por mundo político entenda-se até o presidente, com pressões como essa da energia dos templos religiosos. O Brasil é um país que está começando o seu ajuste fiscal. Há muito a ser feito.
Míriam Leitão: Urgência máxima na Educação
O Congresso tem feito o seu papel para construir um novo Fundeb. As entidades da sociedade civil, também. Quem tem errado consistentemente é o governo. O risco será de todo o país, caso os prazos se esgotem sem que haja um projeto aprovado. O Fundo é formado por recursos dos estados, municípios e governo federal, e ele complementa o financiamento para a educação básica no Brasil. Este será o último ano de vigência. O assunto está tramitando no Congresso há três anos, e agora, na reta final, o Ministério da Educação surpreendeu todo mundo dizendo que mandará uma nova PEC.
A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) explicou para a coluna o risco desse “começar de novo” inventado pelo governo:
—Tive essa informação de envio de um novo texto por meio da entrevista coletiva do ministro. Essa ideia não tem cabimento nem lugar. Como é uma PEC, estamos trabalhando neste texto desde a legislatura passada. É complexo. Não votamos porque ficamos parados em 2018 sem poder votar mudança constitucional por causa da intervenção no Rio, mas o debate e as audiências públicas aconteceram. Nesta legislatura o texto teve que ser reapresentado e continuei como relatora.
No fim de semana, a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, reagiu indignada a essa volta à estaca zero anunciada pelo ministro Abraham Weintraub. Ela acha que isso é uma tentativa de “desmonte” do Fundeb. Priscila escreveu em rede social que isso coloca em risco a existência do fundo e desrespeita três anos de trabalho do Congresso: “Governar não deveria ser para amadores, diversionistas e oportunistas”, disse.
Um assunto constante das entrevistas com os candidatos em 2018 era como resolver o Fundeb. E não houve por parte do então candidato, hoje presidente, qualquer resposta coerente sobre o assunto. Os jornalistas pareciam apressados ao perguntar, em 2018, sobre um fundo cuja validade vai acabar apenas no fim de 2020. Mas quem acompanha o assunto sabe que esse fundo virou a espinha dorsal do financiamento educacional brasileiro. Acabar com ele, ou não tomar decisões a tempo, é instalar o caos na educação básica no começo do ano que vem.
Essa política pública nasceu no governo Fernando Henrique. Era o Fundef. Cobria o Fundamental. Mas sempre teve o mesmo desenho: os três níveis da Federação contribuem para que o valor seja depois distribuído com critérios que buscam a redução das desigualdades. No governo Lula, virou Fundeb, depois das críticas de praxe às propostas do governo anterior, mas que eram tão boas que foram ampliadas para o ensino médio.
Desde o começo da atual administração todo mundo da área tenta explicar a urgência de uma decisão. O Ministério da Educação ignorou o assunto por muito tempo. Depois passou a participar. E agora surpreende com a notícia do envio de nova PEC.
Como existem três textos sobre o assunto tramitando — no Senado o relator é o deputado Flávio Arns (Rede-PR) — para ganhar tempo, desde maio do ano passado, foi feito um trabalho conjunto com as consultorias das duas Casas para assim uniformizar o texto.
— Não dá para imaginar alguém começando do zero com uma nova PEC agora. Na verdade eu não consigo entender de onde ele (o ministro) tirou isso — diz a deputada Dorinha.
Hoje o fundo representa 63% do financiamento da educação básica. O fundo ultrapassa R$ 150 bilhões, mas atualmente só 10% são depositados pelo governo federal. A ideia é ampliar paulatinamente o percentual que é de responsabilidade do governo federal. Há uma discussão com a área econômica que tem sido construtiva. Eles propuseram elevar para 15%, usando recursos dos fundos regionais. O problema mesmo é a atitude do MEC.
— Quando 49% das escolas não têm esgoto. Cerca de 29% das escolas não têm água, tudo é básico. E a parte escolar mesmo, biblioteca, sala de aula, a estrutura é muito ruim — diz a relatora.
O Congresso está propondo o uso de recursos do fundo social de petróleo e gás natural que em 2019 arrecadou R$ 19 bilhões, e o direcionamento de fundos que estavam parados e estão sendo extintos pelo governo.
— O Fust nós votamos e só serviu para fazer superávit — diz a deputada.
A deputada acha que a Câmara tem que votar até abril, no plenário, porque precisa ir para o Senado e ser votado no primeiro semestre, porque o segundo terá que ser dedicado às regulamentações. Ela acha que o texto na verdade já deveria estar votado. Essa é a urgência máxima da pauta da educação no país hoje.