Marco Aurélio Nogueira: Riscos e incógnitas na política externa

Faltam prudência e sentido estratégico, sobra desejo de ‘mudar tudo o que está aí’

Nada pode ser pior para um país que almeja o status de potência média emergente e pretende jogar o jogo da diplomacia internacional do que a adoção de uma política externa enviesada pela ideologia.

A ideologia é inerente à política, doméstica ou internacional, pelo simples fato de que impregna as escolhas e as condutas humanas. Ela é muito mais sinônimo de orientação ideal do que de “distorção do real”, mas suas lentes, quando mal calibradas, podem de fato cegar e promover atos descompensados, que desorganizam e prejudicam.

Países escolhem parceiros e posicionamentos internacionais em função dos interesses nacionais, de valores, tradições e estilos de atuação, da correlação de forças, de metas estratégicas e possibilidades efetivas. Muitas vezes, porém, os condutores da política externa se deixam guiar por esquemas de solidariedade e alinhamento mais afinados com orientações e escolhas ideológicas. Entram e saem de blocos e arranjos motivados por tais esquemas, e não pelos interesses de seu Estado e de sua população.

Podem fazer isso de modo escancarado, imprudente, ou de modo cauteloso, realista, para que as preferências político-ideológicas se componham com os interesses nacionais e não joguem o país numa zona aberta de turbulência.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, fez sua campanha denunciando o “ideologismo” da política externa petista, que teria, em sua visão, submetido os interesses do Brasil a inflexões ideológicas distorcidas – como, de resto, aconteceria em todas as demais áreas do Estado. Para ele, a esquerda petista seria uma fábrica de doutrinação indiferente às necessidades do País.

Mas ao escolher para a chancelaria nacional um diplomata de perfil ideológico e doutrinário, com derivações regressistas em termos valorativos e intelectuais, Bolsonaro copia o que atribuía ao PT, só que com o sinal trocado.

A solidariedade petista é agora substituída pela submissão a Donald Trump, tido como estadista que “salvará o Ocidente” e corrigirá os desatinos do “globalismo”, retirando-o das mãos do “marxismo cultural”.

O diplomata Ernesto Araújo sustenta, por exemplo, que a globalização é um processo direcionado por uma ideologia (o globalismo) que está a serviço da China. Trump não seria o chefe esquisito de uma superpotência, mas o grande líder que reagiria à decadência do Ocidente e buscaria recuperar “o passado simbólico, a história e a cultura das nações ocidentais”. Despreza-se o que há de nacionalismo tosco e de rejeição às instâncias multilaterais no “trumpismo”, destacando nele tão somente um antiglobalismo mal definido.

O suposto é que a salvação viria pela vibração ideológica e cultural, já que a raiz do problema estaria na agressão feita pela globalização aos valores ocidentais por meio da intensificação do intercâmbio de pessoas, ideias, produtos e costumes. Na crítica à globalização, os antiglobalistas não destacam os problemas da reprodução ampliada do capitalismo, mas a dimensão espiritual e a defesa genérica da nação. “Somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação — inclusive e talvez principalmente a nação americana”, escreveu o novo chanceler.

Preocupante será se Ernesto Araújo levar a sério as frases pretensamente filosóficas que ilustram seu pensamento. São frases que não soam bem na boca de um diplomata, especialmente porque colidem com os valores e as diretrizes típicas da política externa que, desde Rio Branco, vem sendo seguida pelo Estado brasileiro com as devidas atualizações.

Pode ser que não se transfiram para a gestão da política externa prática e se limitem a ser um marcador retórico. Se algo delas passar, o País terá muito mais ônus do que bônus e conhecerá prejuízos em seus interesses (políticos e econômico-comerciais), em seu posicionamento estratégico e em sua imagem internacional. Será levado a um isolamento contraproducente e estranho à sua História.

Uma diplomacia voltada para a submissão aos Estados Unidos e o isolamento entrará em atrito com três vetores importantes. O primeiro é o Itamaraty, com suas tradições de independência e de não alinhamento automático. O segundo é a proclamada política econômica de Paulo Guedes, que terá de se valer de um protagonismo internacional realista e pragmático, refratário a manobras isolacionistas e a perspectivas míticas de “salvação”. Em terceiro lugar, não terá passagem fácil entre os militares, cujo nacionalismo tem outro fundamento. Pode-se imaginar como as Forças Armadas assimilariam a ideia de Araújo de que o Brasil necessita de uma “metapolítica externa” para se situar e atuar “naquele plano cultural-espiritual em que, muito mais do que no plano do comércio ou da estratégia político-militar, estão-se definindo os destinos do mundo”.

Como política de Estado, a política externa não pode ser manejada exclusivamente em função de preferências governamentais, como emanação da vontade de um governante ou de um partido. Uma troca de governo não deve implicar a alteração radical da política externa, a não ser que almeje a completa desorganização do lugar do País no mundo. A permanência de certas diretrizes funciona como estrela-guia, garantia de acumulação e continuidade.

Com a escolha de Araújo, o presidente eleito atiça ainda mais a polêmica na área da política externa, depois das inadequadas declarações sobre a China, o Mercosul e Israel, além da questão com os médicos de Cuba. Faltam prudência e sentido estratégico, sobra desejo de “mudar tudo o que está aí”, o que poderá levar não à defesa do Brasil, mas a um açodado alinhamento com a ascensão global da direita populista, que tem no trumpismo um de seus motores.

Sairiam assim de cena os interesses nacionais, em benefício de um impreciso “nacionalismo” por delegação, de consequências imprevisíveis.


Marco Aurélio Nogueira: Os próximos dias do resto da nossa vida

O Brasil não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos

Seja qual for o resultado das urnas de amanhã, uma constatação está dada: protagonizamos a mais tensa e desqualificada disputa presidencial da História nacional. Poderemos gastar um bom tempo de pesquisa para interpretar o uso que se fez das redes e das fake news, os erros e acertos das campanhas, mas nada será mais desafiador do que compreender o terremoto que abalou as estruturas políticas da sociedade e alterou de forma substantiva a cabeça dos brasileiros.

Como foi possível que, na segunda década do século 21, a disputa presidencial transcorresse como se o País ainda estivesse no século 20? Suas elites políticas e intelectuais ignoraram os sinais de que algo estava a fermentar nos subterrâneos da vida social. Nada se discutiu de substantivo, nenhum mapa cognitivo saiu dos debates, nenhuma luz iluminou o eleitorado, que chegou às urnas enfeitiçado por pregações mágicas e regressistas, alheias ao razoável, mudas diante dos desafios que se abrem para o futuro.

O resultado foi a ampliação dramática das divisões políticas e do desentendimento social.

Tornamos inviável o centro político, a inteligência e a moderação, em benefício da estridência reacionária, da agitação irresponsável, do apelo a um passado mitificado. O oportunismo, a demagogia e a prevalência de interesses mesquinhos tomaram o palco de assalto, marginalizando as demais candidaturas. Sobraram os antípodas, que se escolheram reciprocamente, impelidos por uma ordem social despedaçada e sequiosa de “segurança”, um o espelho invertido do outro.

Nenhuma vitória terá força suficiente para desprezar esse quadro social. O vencedor e sua oposição terão de negociar, dialogar, contemporizar. Um pacto terá de ser costurado.

Se Haddad vencer, será uma vitória da resiliência democrática e do poder das redes. Na semana derradeira, as mensagens pró-Haddad e uma militância determinada deram-lhe o gás que faltava. Não será uma vitória do PT. O partido, porém, cuidou de armar uma nova narrativa para si: sai o Lula perseguido pelo golpe, entra o “fascismo fraudulento” de Bolsonaro, impulsionado pelo pânico que impregnou a alma de muita gente.

Se o vitorioso for Bolsonaro, pode-se esperar qualquer coisa, um enigma. A nova narrativa petista encontrará ressonância numa sociedade machucada por tantas divisões políticas e partidárias. Será como acender um fósforo diante de um baú de dinamite. O governo Bolsonaro não terá sossego. Mas a esquerda que a ele se opuser desse modo também não conseguirá reorganizar-se para cumprir uma função democrática e reformadora. Permanecerá amarrada numa cultura negativa, de “resistência”, vocacionada para dividir e diferenciar mais do que agregar e unificar.

Não dá para cravar que o eventual governo Bolsonaro levará o Brasil para uma ditadura fascista. Os componentes fascistoides exibidos durante a campanha terão de passar pela prova dos fatos. Uma escolha terá de ser feita: ou jogar o País num regime de força e na histeria social desagregadora, ou buscar a reconciliação. Neste segundo caso, Bolsonaro terá de arquivar a retórica belicista e reacionária. Sem isso seu governo submergirá. Precisará dissolver sua própria folha de serviços hostil aos direitos e às liberdades civis. Terá de ser o estadista que não apareceu durante a campanha.

Uma Presidência mais democrática, como a que promete Haddad, deixará o País parecido com o que se conhece, mas não necessariamente trabalhará para qualificar a democracia. Primeiro, porque trará consigo outro “mito” igualmente nefasto – o do Lula perseguido e santificado –, que fará a balança pender mais para o Estado do que para a sociedade. Depois, porque o PT poderá voltar ao poder com sangue nos olhos e desejo de vingança, o que ensejará uma reação social ruim para a governança democrática. Também aqui o presidente terá de ser muito mais do que um homem de partido.

O Brasil do próximo ciclo não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos, para a qual o papel do presidente será estratégico.

O novo chefe do Executivo começará a trabalhar com uma democracia de má qualidade, que funciona e tem suas instituições, mas produz poucos resultados naquilo que deveria ser seu alvo principal: educar a cidadania e satisfazer sua expectativa de que as escolhas governamentais sejam justas e eficazes.

O País está despedaçado, os nichos políticos estão “empoderados” de modo insano, cegos para o outro, sem disposição para o diálogo, as divisões ameaçam se prolongar no tempo. Nada disso ajuda a preservar e fortalecer a democracia. Os problemas econômicos, infraestruturais, educacionais, relacionados à saúde e à proteção social são desafiadores. A próxima legislatura parlamentar é uma incógnita: os partidos estão enfraquecidos e a composição do Congresso Nacional combina a manutenção de algumas famílias tradicionais com uma chusma de novas figuras de quem não se conhecem o perfil e a densidade democrática.

O País continuará surpreendendo, com sua força, sua população, suas conquistas. Foi assim durante todo o século 20. De algum modo, ainda que por vias tortas, haverá política. E nela os democratas haverão de depositar suas fichas. A “pequena política” – concentrada no jogo miúdo do poder, na destruição dos adversários, na chantagem – terá de se encontrar com a “grande política”, voltada para a recomposição da comunidade política.

O futuro será comprometido se perdermos essa perspectiva e continuarmos a alimentar as divisões perfunctórias, a competição pelas migalhas do poder, a lógica partidária que mal consegue permanecer de pé, a retórica de “guerra”.

O importante é que nossa emoção sobreviva, amanhã há de ser outro dia, dizem os poetas. Somente a perspectiva da política democrática resolverá o problema de saber quem somos, por que estamos juntos e o que queremos alcançar.


Marco Aurélio Nogueira: Quando o ódio encontra a violência

A cultura da época substitui a moderação política pela contestação radicalizada, indispõe a sociedade com o modo de ser dos políticos, desdemocratiza o pensamento dos cidadãos.

Logo após o primeiro turno das eleições, passamos a perceber que algo “novo” despontava no Brasil. Multiplicaram-se as informações dando conta de que gays, lésbicas e transexuais, além de negros e ativistas do PT, estavam sendo perseguidos, humilhados e agredidos por apoiadores de Bolsonaro. Sobretudo nas redes, os fatos vêm sendo sistematicamente denunciados, como parte de uma operação de desconstrução do candidato do PSL.

Há muito de fake news, mas inúmeras denúncias têm comprovação e testemunhas. Estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV mostra, por exemplo, que os comentários sobre agressões por motivação política geraram 2,7 milhões de postagens desde que o segundo turno começou, contra 1,1 milhão nos 30 dias anteriores à eleição. É um volume impressionante, sobretudo quando se considera que as agressões são feitas nas redes e também na vida presencial.

As cenas de ativistas de extrema-direita vociferando contra o comunismo, o “vermelho” da esquerda e contra o PT são a prova de que há muita gente querendo atear fogo no convívio social, valendo-se para tanto da ignorância, da violência verbal e da grosseria explícita. São cenas que causam mal-estar, mas pouco mobilizam, tamanho é o grau de estupidez que carregam.

Tais ativistas não são marcianos sugadores de cérebros, nem têm força persuasiva para roubar o discernimento das pessoas. De algum modo, porém, ajudam a que se forme uma massa de gente que acha que discussões de temas polêmicos podem ser resolvidas no grito, sem mediações racionais, sem regras.

Como é uma gente insatisfeita com tudo, fica fácil imaginar o tamanho do problema.

Agressões e piadas
A intolerância política cresceu muito por conta das campanhas eleitorais, que traduziram em termos públicos algo que estava “escondido” na sociedade. Discursos de ódio, vindos sobretudo de ativistas da extrema-direita, passaram a frequentar o espaço público e a desafiar a democracia. Ora os discursos são diretos, agridem por palavras duras, ofensas e atos performáticos, ora são dissimulados, via ironias e piadas, que humilham e discriminam muitas vezes de modo ainda mais ferino.

A extrema-direita é a principal fonte geradora das agressões. É imbatível nesse quesito. Mas não é a única.

O “ódio” que é hoje verbalizado se alimenta de uma violência que está enraizada na vida social brasileira. Vem de longe e mostra a cara sob a forma da criminalidade, da miséria, da insegurança, da ação socialmente seletiva da polícia. Manifesta-se entre os desvãos da “cordialidade” inerente à nossa cultura e a desigualdade social, a injustiça flagrante, as hierarquias sociais promotoras de separações e discriminações. Nossa “cordialidade” nunca foi sinônimo de simpatia. Ganhou contornos mais dramáticos nas últimas décadas, impulsionada pela desorganização familiar, pelo desemprego, pelo fracasso do sistema educacional e pelas alterações na estratificação social. A cultura da época também deu sua contribuição, ao promover a substituição da moderação política pela contestação radicalizada, ao indispor parte gigantesca da sociedade ao modo de ser dos políticos e às regras do sistema político, ao “desdemocratizar” o pensamento mais espontâneo dos cidadãos.

Essa derivação da sociabilidade brasileira trouxe consigo uma cultura própria. No embalo da reorganização “líquida” da vida social e de uma tradução equivocada da “malandragem”, abandonaram-se as práticas educadas e gentis, a delicadeza para com o outro, a empatia. A suavidade foi substituída pela brutalidade, o silêncio discreto pelo ruído gratuito e desrespeitoso. Ser manso e sereno passou a ser visto como comportamento conciliador, frouxo demais, suspeito, típico de gente que não vai à luta.

Nessa derivação, houve pouca ideologia e quase nenhuma consciência de “ódio”. O efeito foi mais degradação da convivência.

Ambiente agressivo
Criou-se assim um ambiente favorável à agressividade, que terminou por ser “naturalizada”. Aos poucos foi sendo apropriada pelas correntes políticas, virando símbolo identitário. Mesmo as esquerdas se deixaram levar por isso, ao trabalharem cada vez mais pela estigmatização de seus adversários e pela ênfase em contraposições aparentemente mobilizadoras tipo “nós contra eles”.

A extrema-direita só precisou catar os grãos espalhados por esse novo ambiente para construir sua retórica e atuar com base numa “narrativa” que antes só existia de modo inexpressivo. Por esse caminho, de uma maneira que ainda não conseguimos compreender plenamente, chegou à sociedade, mobilizando importantes setores. É uma “narrativa” que mistura anticomunismo com religião, denúncias de corrupção com ataques à esquerda, mercado com Estado, formando uma maçaroca com alto poder tóxico, difícil de ser desenrolada.

A candidatura de Bolsonaro ganhou impulso ao incentivar a violência como recurso de persuasão. Fez isso graças à personalidade e à conduta do próprio candidato, um personagem sem freios moderadores, sem apreço pela democracia, autoritário nas palavras e nos gestos. Ele reagiu aos sinais que vinham de baixo, do cansaço político e do medo dos cidadãos, do seu desejo de autoridade e proteção, e de muitos outros estados de espírito semelhantes. Incentivados por cima, diversos seguidores começaram a espalhar terror na sociedade, ora para denegrir o petismo, ora para agredir minorias, ora para manifestar com veemência seu amor pelo chefe.

A violência ganhou assim uma tradução política e eleitoral baseada no “ódio” (contra ricos, esquerda, minorias, negros, políticos, homoafetivos, mulheres). Substituiu as pressões veladas, as intimidações típicas do voto de cabresto, as chantagens dos poderosos, práticas comuns na sociedade brasileira tradicional, pela agressão verbal nas redes, pela ação performática de grupos fantasiados, pela coação física.

Essa cultura da violência não encontrará barreiras de forma espontânea, sem esforços democráticos e pedagógicos expressivos. Caso se dê a inação dos democratas e dos sistemas geradores de convivência e igualdade, os violentos tenderão a encontrar um ambiente sempre mais favorável à sua pregação e ao seu estilo de atuação. Ganharão um poder de convencimento que não está dado de antemão.

Além da palavra do chefe
Nenhum governo desarmará a bomba do “ódio” e da violência se somente tiver como recurso a palavra do chefe. Não governará, pela direita ou pela esquerda, se tiver na base uma sociedade em crispação, convencida da virtude do “grito”, com bolsões de fanáticos caçando adversários políticos, ativistas, negros, mulheres e minorias. Uma Presidência que interaja com o regime democrático constitucional e com uma sociedade disposta em rede e hiperativa, somente governará se souber produzir paz e harmonia, valendo-se antes de tudo de políticas públicas que promovam inclusão, igualdade e educação (escolar, técnica, política, cívica). Se não agir assim, em pouco tempo será destruída pelas chamas que incentivou ou se recusou a combater.

Num presidencialismo como o nosso, com a população e a cultura política que temos, a “palavra do Presidente” tem peso. Atinge as pessoas, pode mobilizá-las para algo “maior”, reeducá-las e direcioná-las. Pode também levá-las à exasperação, abrindo-lhes as portas do inferno. As instituições do Estado – Executivo, Legislativo, Judiciário – poderão ajudá-lo a agir nesse sentido. Poderão até mesmo forçá-lo a isso, caso necessário. Ou expeli-lo. A escolha será do Presidente: ou seguirá um caminho que ignore os controles democráticos, os freios e contrapesos da democracia representativa, ou irá se ajustar a eles. Ou alimentará uma guerra social fratricida, que o destruirá e a seu governo, ou agirá como estadista, pensando na defesa do Estado e da sociedade.

O clima exasperado da campanha eleitoral precisa ser desativado assim que fechadas as urnas. Precisa ser substituído pela oposição democrática ao eleito, conforme o caso. Insistir em seu prolongamento somente servirá para manter em atividade os vulcões que nos ameaçam e corroem a democracia. Isso caberá ao novo Presidente, mas também aos partidos políticos, à sociedade civil, aos intelectuais e aos cidadãos.

A extrema-direita também fará sua escolha. Ou se constitucionaliza e abraça o Estado de direito, civilizando-se, ou jogará no buraco o País que ela jura amar acima de tudo.


Marco Aurélio Nogueira: A frente em favor de Haddad

Manifestos de apoio e declarações de artistas são insuficientes para fazer a pedra se mover em outra direção. Cabe ao PT dar o primeiro passo, o mais decisivo

Muitas vezes se tem a impressão de que o PT não está de fato empenhado em ganhar as eleições presidenciais de 2018.

Se estivesse, estaria buscando dar materialidade à “frente democrática e progressista” que intelectuais, ativistas democráticos e o próprio Haddad dizem querer constituir, mas que, até agora, não saiu do papel.

O PT nunca soube lidar bem com a ideia de “frente democrática”. É um dos problemas do partido, uma das nódoas mais fortes de sua trajetória. Sempre se indispôs contra todas as tentativas de unir os democratas e de trabalhar em conjunto com eles. Sempre desejou ser farinha de outro saco, diferente, a única capacitada para olhar pelos pobres e oprimidos.

Se, agora, mostra-se disposto a mudar de posição, deve ser saudado e aplaudido.

O desafio é imenso e só será vencido se houver concessões, serenidade e sinalizações claras.

Não é produtivo proclamar a intenção e pouco fazer para convertê-la em fato. Conversas com personalidades, suavização da linguagem da campanha e movimentos de repaginação simbólica, como a troca do vermelho pelo verde-e-amarelo, são úteis mas ajudam pouco, ou quase nada. Não chegam ao fundamental.

Se a ideia de união dos democratas contra Bolsonaro for para valer, Haddad tem de ir mais longe. Precisa abandonar a narrativa adotada até agora pelo PT, a do golpe, da perseguição ao Lula, do nós contra eles, da culpa dos outros, da manipulação da mídia, da completa inocência do partido. Precisa propor e organizar uma mesa de entendimentos com os setores democráticos de centro, de centro-esquerda e de centro-direita, dos social-democratas aos liberais, na qual, de modo aberto e transparente, seja acordado um programa comum para o próximo ciclo governamental.

Tal programa comum não poderá se concentrar somente na resistência ao autoritarismo encarnado na campanha de Bolsonaro. Pode partir dele e enfatizá-lo, mas precisa estabelecer com clareza mínima um plano de recuperação econômica, de reforma do Estado, de contenção dos gastos públicos. Precisa jogar fora ideias apressadas e pouco democráticas acumuladas pela cultura petista ao longo do tempo, como a do controle social da mídia e a da postergação da reforma da Previdência.

Terá de mostrar generosidade sincera, não instrumental, com os aliados que deseja incorporar à batalha contra Bolsonaro.

Não se trata de “fazer autocrítica” ou de bater no peito para pedir desculpas pelos erros cometidos, coisa que não acontecerá. Mas de mostrar humildade e intenção sincera de contribuir para que os democratas se aproximem entre si. De interagir com os adversários e com os que pensam de forma diferente não como inimigos a serem combatidos, mas como parceiros que merecem tratamento de respeito, sem qualquer rasgo de superioridade moral, sem vetos ideológicos ou programáticos, sem arrogância.

Se os democratas aceitarão o desafio é uma questão em aberto, que só poderá ter resolução cabal depois que Haddad e o PT derem o primeiro passo, o mais decisivo.

Não adianta falar que todos os democratas estão “obrigados” a atuar contra o autoritarismo sem fazer gestos claros em favor dessa ideia, sem cortar a própria carne. Gestos que precisam começar pelo abandono de pretensões hegemônicas e pela incorporação de uma disposição clara de compartilhar passos e propostas com os eventuais aliados.

Manifestos de apoio e declarações de artistas não farão a pedra se mover em outra direção. Cabe ao PT e a seu candidato mostrarem que estão à altura da hora presente.

Faltam 15 dias. É um tempo escasso, que precisa ser aproveitado com coragem e grandeza de espírito.

Se a operação for rapidamente posta em prática, com sabedoria política e energia cívica, pode ser que se consiga reverter um quadro que parece a essa altura tragicamente consolidado.


Marco Aurélio Nogueira: O vendaval conservador

A pregação bolsonariana soube explorar e manipular as vertentes que agitaram os rios subterrâneos da sociedade, extraindo disso o efeito político-eleitoral de que necessitava

A constatação já foi feita por todos os observadores. Resta agora buscar as razões.

Independente do que acontecer no segundo turno, o Brasil infletiu para a direita nas eleições de 2018. Não necessariamente para a extrema-direita, mas seguramente para um polo hostil à esquerda.

Foi um vendaval, que varreu o País de cima a baixo e empurrou o PT para seu nicho mais tradicional, o Nordeste, onde se manteve firme e forte, mas numa dimensão incômoda para um partido que se quer de esquerda. O eleitor petista da região não é ideológico, não é de esquerda nem tipicamente “democrático e racional”: orienta-se pelos hábitos do coração, pelo agradecimento. Lula é seu farol, não o PT. O resto do apoio vem por força da ação dos políticos tradicionais, dos grandes caciques e das famílias poderosas, com suas coligações.

Bolsonaro foi impulsionado por um tipo de conservadorismo curioso: parte de seus votos veio de pessoas interessadas em “mudar o que está aí”. Houve votos ideológicos, de extrema-direita, fanatizados, evidentemente, mas não há como saber em que proporção. Não foram votos “fascistas”. Parcela da votação obtida foi composta por pessoas que optaram por viver o paradoxo de mudar para experimentar uma conservação. O antipetismo foi o ingrediente que “racionalizou” o veto a práticas governamentais tidas como avessas ao bom governo, a repulsa ao descaso dos políticos e dos partidos.

Tratou-se de um conservadorismo de fundo moral, voltado para os costumes, tanto os que florescem na base da vida social (família, gênero, religiosidade, cultura) quanto os que se reproduzem no plano estatal, de onde se espalham pela sociedade. Ele se voltou, também, contra a prevalência e a retórica das pautas identitárias, vistas como produtoras de divisões e fraturas sociais.

A pregação bolsonariana valeu-se da efervescência de certas vertentes que agitaram os rios subterrâneos da sociedade. Soube perceber o efeito político-eleitoral delas e manipulou-as com habilidade.

A repulsa aos políticos e ao modo usual de se fazer política foi a primeira. Traduziu-se em termos “antipolíticos”: desvalorização dos entendimentos e da negociação, dos debates públicos típicos da democracia, dos jogos parlamentares estendidos no tempo, do respeito às minorias e a seus procedimentos parlamentares.

O desejo de “renovação” foi a segunda vertente. Das práticas políticas e governamentais antes de tudo. Renovação da classe política, vista como amarrada a um universo político pouco “decisionista”, refratário à produção de políticas resolutivas. Renovação dos discursos políticos.

O repúdio à corrupção veio por extensão e em atendimento a uma pregação que contagiou o País nos últimos anos, ao menos desde os primeiros passos da Operação Lava-Jato. Aqui a metralhadora girou freneticamente.

O “antipetismo” foi a vertente que recebeu tratamento mais intenso, com direito a todo tipo de mentiras e manipulações. Foi assim em parte porque o PT jamais saiu da vitrine governamental na última década e meia, em parte porque o fracasso do governo Dilma calou fundo e produziu muitos estragos, em parte porque o PT não conseguiu se livrar de suas “narrativas” típicas e separou-se dos ânimos de setores importantes da opinião pública.

A dinâmica da polarização “nós” contra “eles”, ora na versão esquerda vs. direita, ora como oposição democracia vs. autoritarismo, fechou o pacote, capturando eleitores que nenhuma aproximação tinham com o bolsonarismo.

É difícil imaginar que País iniciará o ano de 2019, seja quem for o vencedor do segundo turno.

Mas é fácil perceber o que o vendaval já produziu. O conservadorismo moral ganhou corpo. As redes ocuparam o espaço da TV. Os marqueteiros perderam força. Uma direita (extrema e moderada) adquiriu base popular, de massas, esgrimindo um discurso que, se conseguir ser mais bem elaborada, irá organizar todo um novo campo. As grandes organizações partidárias (PT, PSDB, MDB) atingiram o fundo do poço e não se sabe como e se voltarão à superfície. Uma nova classe política encontra-se em plena gestação.

O novo governo federal terá de conviver com uma sociedade em crispação e com um Congresso fragmentado como nunca antes nesse País.

O sistema político mostra-se esgotado, trocando de pele e de cultura.


Marco Aurélio Nogueira: Incompetência geral

No próximo ciclo, seja quem for o eleito, a obra será de reconstrução: do Estado, da economia, da política, do tecido social

O cenário eleitoral continua volátil, mas a reiteração das tendências que projetam um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad tem sido suficiente para que se dissemine um clima que cruza entusiasmos salvacionistas com receios democráticos e alguma dose de pânico. A pergunta vem se repetindo: como conseguimos chegar a este ponto, em que uma candidatura pouco qualificada e alinhada com a autocracia regressista ameaça defrontar-se no segundo turno com outra sustentada pela expectativa de retorno a um tempo pretérito mitificado? A euforia de uns se choca com a preocupação de muitos.

O desfecho anunciado deve-se a um conjunto de equívocos.

Erraram os democratas, que não conseguiram compreender a derivação conservadora da sociedade, turbinada pela repulsa ao politicamente correto e pela antipolítica. Trataram isso como uma espécie de doença, de forma simplória, com insultos e estigmas. Deixou-se assim caminho livre para a pregação bolsonarista, que foi capturando apoios, mal-estares e convicções. A direita fundamentalista pôs o corpo inteiro para fora, misturando ódio, medo e ressentimento contra a “esquerda”. Bolsonaro decodificou esses sinais e traduziu-os num bólido antipetista.

Os democratas erraram uma segunda vez quando deram o PT como morto, depois da derrota eleitoral de 2016 e do impeachment. Não reconheceram a força do partido, derivada tanto da alta exposição midiática, da estrutura organizacional e das adesões intelectuais quanto da mitificação popular de Lula. Em vez de pressionarem para que o PT se depurasse e revisse suas opções, passaram a mão na cabeça do partido e quando abriram os olhos o velho PT estava mais vivo que nunca, fabricando ilusões, plantando esperanças e ocupando simbolicamente os espaços do “progressismo”.

Foram incompetentes os liberais. Optaram por medir forças entre eles num quadro de polarização em que só teriam chances se formassem um polo alternativo marcado pela moderação. Batendo uns nos outros, naufragaram de modo patético, sem sequer aproveitarem o ambiente receptivo à pregação liberal em favor da liberdade pessoal, do mercado, do empreendedorismo. Fecharam-se à esquerda democrática e foram afundando agarrados a um doutrinarismo primário.

Foi igualmente incompetente o centro-esquerda. Em vez de impulsionar o imaginário social-democrático, que tanta falta nos faz, seus articuladores derivaram para um apoio ao centro que jamais teve reconhecimento e não soube desvencilhar-se do abraço asfixiante do “Centrão”, cujo fisiologismo recebe repulsa generalizada. Olharam para a direita sem se preocupar com a esquerda. Sua ideia de “polo democrático e reformista” ficou solta no ar, sem contagiar o eleitorado ou sensibilizar o mundo político. O centro-esquerda colou-se assim a um centro fragmentado e autodestrutivo, largando Marina e Ciro à própria sorte e ajudando-os a se encantarem com a possibilidade de atrair as viúvas do lulismo.

E foi incompetente, por fim, o PT. Inebriado pelo desejo de vingança, pela vocação de dono da verdade e pela pretensão de comandar com mão de ferro o campo progressista, o partido submeteu-se ao imperialismo religioso do lulismo. Orientado pelas cartas nada gramscianas de um Lula encarcerado, Haddad trocou a ousadia e o arejamento discursivo pela narrativa tosca do “golpe” e do retorno a um passado em que o povo era feliz. Passou a prometer crescimento, abundância e geração de empregos sem explicar como fará isso sem cortes de gastos, sem reforma da Previdência e sem criticar os esquemas de corrupção associados ao modo lulista de governar. Haddad flutua entre o distanciamento e a submissão a Lula. Num dia afirma que vai soltá-lo, no outro diz não ao indulto. Esconde o retrocesso havido nos anos de Dilma para louvar a bonança do período Lula. Dissimula e falseia a realidade, ludibriando os eleitores. Quer pagar de moderado para atrair os não petistas, mas ao adular Lula gera desconfiança e rejeição.

Haddad e Bolsonaro têm seus problemas e dificuldades. O capitão, hospitalizado, vê sua campanha desorientar-se e perder seu principal ativo. Terá de reorganizá-la rapidamente para não perder o que já acumulou. Se vencer, terá de provar que tem condições de governar. Já Haddad, que ganhou fôlego com a ascensão fulminante, precisará buscar os votos dos indecisos, dos antipetistas, dos que não se identificam com nenhum dos polos. Se vencer, terá de demonstrar, dia a dia, que consegue soltar-se de Lula e conter o apetite do PT.

Bolsonaro e Haddad não são equivalentes. Um é autoritário e outro, não. Mas estão atados por um mesmo tipo de cegueira e fanatismo.

O modo como avançou a disputa não sugere que o próximo ciclo será produtivo. As campanhas deseducam a população. Eleitores petistas estão sendo induzidos a acreditar que do céu cairá uma chuva de fartura e facilidades. Os de Bolsonaro acham que ele acabará com a bandidagem e a corrupção. Uns e outros estão cansados e parecem querer ver o circo pegar fogo.

Normaliza-se o que deveria ser visto como risco. A vitória de Bolsonaro ou de uma nova versão do lulismo deixará o País numa situação ruim. A ponte que liga esses dois cenários chama-se ingovernabilidade, alimentada por uma dinâmica de vetos cruzados permanentes, radicalizações e confusão social.

Cada época tem seus limites. Os nossos, no Brasil de 2018, se resumem a poucas palavras: a sociedade abandonou os políticos à própria sorte e os políticos, sem apoio social e sem partidos dignos do nome, perderam as referências e não sabem mais o que fazer.

Chegamos assim, por vias que não puderam ser controladas, ao esgotamento de uma época democrática. No próximo ciclo, seja quem for o eleito, a obra será de reconstrução: do Estado, da economia, da política, do tecido social. Não será um começar de novo, mas qualquer avanço será sofrido e terá de ser duramente negociado.


Marco Aurélio Nogueira: Além da solidariedade

A rápida recuperação de Bolsonaro antecipou o fim da trégua solidária e as campanhas devem voltar a mostrar suas diferenças

Uma coisa é ser solidário. Outra, bem diferente, é deixar a solidariedade borrar o fundamental.

Afastado temporariamente Jair Bolsonaro, ficaram suas ideias e o movimento que ele representa. As estrelas diziam que o bolsonarismo ganharia alento e visibilidade com o atentado. Não foi o que indicaram as primeiras sondagens (DataFolha). As campanhas adversárias, porém, ficaram desarvoradas.

Acontece que o candidato está em franca e rápida recuperação. Posa à vontade no hospital, simulando armas em punho. Já ensaia os primeiros passos e está a cada dia melhor. O repouso forçado, em vez de atrapalhá-lo, parece que o ajuda, ao poupá-lo de alguns debates e dar-lhe gás para o segundo turno. Poderá fazer campanha do hospital, do mesmo modo que Lula faz da cadeia.

O fim da trégua solidária ficou desse modo antecipado. A troca de pancadas entre os candidatos terá de ser recalculada. Impossível atacá-lo como se fez antes. A beligerância será reduzida, em nome da democracia e da “paz social”. Em decorrência, espera-se que surjam mais espaços para a apresentação de propostas e diálogos equilibrados.

Nesse caso, poderemos ver melhor o que não aparece tanto: há mais convergências que divergências entre os postulantes à Presidência, indicação de que existe uma ampla zona de entendimento no campo democrático reformista. Agora é ver se isso passa para o plano prático e consegue ser assumido pelos próprios candidatos, de modo a eliminar o que há de personalismo e intransigência entre eles.

O fim do mundo não está chegando, que há um futuro possível mais à frente, pedindo para ser politicamente decifrado e projetado. Ideias compartilhadas podem dar ensejo a uma ideia mais articulada de país. A solidariedade e o repúdio à violência valorizam o diálogo, a racionalidade e a generosidade, elementos básicos de uma sociedade democrática.

O próprio Bolsonaro talvez saia melhor do atentado: mais humano, mais convencido de sua fragilidade, mais capacitado para perceber que o acirramento de ânimos e emoções não leva a lugar nenhum, só complica o que já é bastante complicado. Seus coordenadores terão de acertar o tom da campanha daqui para frente. Entre eles também há radicais e moderados, pombas e falcões. Qual vertente irá prevalecer é algo em aberto.

Bolsonaro e o bolsonarismo continuarão a explorar o reacionarismo de alguns, o mau humor de outros, as frustrações, o ressentimento, a ignorância política e o cansaço cívico das pessoas, o machismo que pulsa firme na sociedade. Continuarão falando de democracia sem valorizá-la ou traduzi-la em termos sistêmicos, culturais e de governança. Permanecerão apostando na ordem e na autoridade em vez de no diálogo, desprezando a busca de união, serenidade e moderação. Não poderão fugir disso, sob pena de perderem identidade. Mas há mais de uma maneira de seguir essa pauta.

É verdade que o general Mourão, seu vice, passou a falar de modo mais equilibrado e prudente, indo além dos anátemas do candidato. Ele, porém, mistura a fala moderada com menções a “autogolpes”, a heróis torturadores e a intervenção militar em caso de “anarquia generalizada” sem deixar claro o que entende por isso. A expectativa é que o general enquadre o capitão e consiga por mais substância na mesa. Conseguirá?

Tudo somado, também será preciso que alguém acalme os bolsonaristas, que não se cansam de bater como loucos na “esquerda”, misturando no mesmo saco comunistas, marxistas, socialistas liberais, liberais progressistas, libertários e petistas, o que só faz fomentar ódio e confusão. Em vez de consensos que sinalizem uma direção coletiva, criam guetos e áreas de penumbra, nas quais somente os “escolhidos” terão lugar.

É uma predisposição que colide com a democracia, hostiliza a sociedade civil e empobrece a política. De uma maneira tão ostensiva e tão contrária aos tempos que não parece reunir condições de se tornar vitoriosa.

O fundamental, que não pode ser borrado, é que o bolsonarismo nada sozinho numa dada direção, ao passo que todos os demais protagonistas da política nacional nadam em outra. Situação essa que precisa ser mostrada e demonstrada pelo debate político, solidariedade à parte. Dissociar-se de Bolsonaro é importante, não para satanizá-lo, mas para valorizar a democracia.

De políticos kitsch, mitos, santos salvadores, heróis, mártires e “pessoas honestas” a história brasileira está saturada. A transparência, a clareza de propósitos, a serenidade, a firmeza democrática e a honestidade pessoal estão batendo à porta, pedindo passagem. Com elas, recuperaremos o valor da negociação política – das mediações – para que se reforme o que precisa ser reformado. Sem elas, o relógio andará para trás.


Marco Aurélio Nogueira: Debate mostrou que há um futuro mais à frente

Candidatos afastaram a violência e valorizaram o diálogo, a racionalidade e a generosidade, elementos básicos de uma sociedade democrática

Apesar das ausências de Jair Bolsonaro e do PT, o debate não foi morno: diferenças apareceram e os candidatos puderam esclarecer alguns de seus pontos programáticos. O clima moderado e a serenidade fizeram a diferença. Ganharam os eleitores.

Todos mantiveram seus perfis de atuação, sem novidade. O bom ambiente, porém, incentivou-os a deixar de lado ataques fúteis e jogadas de efeito. Tentaram melhorar a comunicação com o eleitor, simplificando a linguagem e a apresentação de números, por exemplo. Alckmin saiu-se bem nesse quesito, assim como Ciro Gomes e Alvaro Dias. Mas nenhum deles chegou ao nível da agitação simplória e demagógica de Guilherme Boulos, que perdeu mais uma oportunidade para se mostrar como uma opção convincente de esquerda.

Geraldo Alckmin manteve-se mais uma vez excessivamente aprisionado a São Paulo, enquanto Ciro se soltou do Ceará. O ex-governador paulista permaneceu frio e objetivo, com um discurso centrado na racionalidade administrativa. Ciro, por sua vez, conteve sua verve inflamada, dosou as palavras e mostrou maior disposição para cooperar e dialogar com os demais.

Juntamente com Marina, destacou-se. Ambos apresentaram propostas exequíveis e transmitiram firmeza na defesa de suas posições. Marina deve ter ganhado pontos ao defender a Lava Jato, a prisão em segunda instância, a Justiça como reparação e a gestão pública como recurso estratégico.

Ainda que os candidatos tenham se esforçado para carimbar suas propostas, o debate fluiu com muitos pontos de convergência, mostrando que existe uma ampla zona de convergência e entendimento no campo democrático reformista. Agora é ver se isso passa para o plano prático e consegue ser assumido pelos próprios candidatos, de modo a eliminar o que há de personalismo e intransigência entre eles.

O debate mostrou que o fim do mundo não está chegando, que há um futuro possível mais à frente, pedindo para ser politicamente decifrado e projetado. Ideias compartilhadas podem dar ensejo a uma ideia mais articulada de país. Todos afastaram a violência e valorizaram o diálogo, a racionalidade e a generosidade, elementos básicos de uma sociedade democrática. Valeu a pena.


Marco Aurélio Nogueira: Ferimentos radicais

Sangue, fúria e ódio mal calibrados espirram na vida coletiva, afetam a todos nós, ferem a democracia.

Pouco importa que o criminoso tenha dito que agiu a mando de Deus e demonstrado indícios claros de perturbação mental. A vida é feita de intenções e efeitos não intencionais, de razões e desdobramentos. Todo ato é uma coisa em si, pode não chegar a ser um ato para si, mas sempre pode repercutir. Em política, isso é ainda mais forte.

A facada foi em Bolsonaro, assim como meses atrás o alvo havia sido Marielle e um ônibus do PT. Sangue, fúria e ódio mal calibrados, que espirram na vida coletiva, afetam a todos nós, ferem a democracia.

Nenhuma disputa política tem chances de ganhar com a eliminação física dos adversários. Especialmente em condições democráticas, onde a “guerra” se faz de outro modo. A política precisa se afirmar não como poder, mas como convite ao diálogo, à moderação, à mediação do que é diverso e plural.

Tudo isso é mais que sabido, mas de tempos em tempos os atores perdem a memória. Numa sociedade em cujo DNA a democracia entrou tardiamente e de forma seletiva, mais como sistema do que como valor, são muitos os que não conseguem entender aquilo que é procedimento obrigatório, exigência, custo, “sacrifício”: ninguém está autorizado a se afirmar pela força, contra a vontade da maioria, por baixo de leis e instituições construídas coletivamente.

Não há nem sequer a possibilidade de que se diga, para justificar o fanatismo, o exagero, a agitação pueril, que leis e instituições foram impostas por oligarquias e classes dominantes, pelo Estado do capital ou qualquer outra baboseira do tipo. A esquerda que assim procede – seja a política, seja a intelectual – parou no tempo, contribui pouquíssimo para que a sociedade assimile os tempos complexos da política e da luta política, os desafios da democracia, entre os quais está a capacidade de tolerar e respeitar os que pensam de forma diferente ou estão em outros campos políticos e ideológicos. A extrema-direita que assim pensa – sim, ela também – nos empurra para trás com suas grosserias e agressões, seu fundamentalismo tosco e retrógrado.

Dirão que quem planta chuva colhe tempestade, que quem prega a violência recebe a violência de volta. É uma visão estreita, que justifica o injustificável mediante um exercício de relativização que termina por responsabilizar a vítima. É inaceitável que uma versão desse tipo saia da boca de candidatos, intelectuais ou formadores de opinião, porque eles são protagonistas centrais de um momento da vida social que precisa ser pedagógico, educativo.

A polarização escapou do razoável. Não se reveste mais de razões filosóficas, diferenças programáticas ou ideologias. Tornou-se veneno puro, que já há um tempo vem corroendo e intoxicando amizades, relações familiares, convivências, degradando mentes, gerando perturbações, angústias e ansiedades em pessoas que têm a vida para viver. É uma deformação que deveria ser combatida por todos, no mínimo porque com sua vigência não conseguimos respirar direito.

Insuflar ânimos, agredir adversários e transformá-los em inimigos, ofender divergentes e antagonistas, difamar e espalhar notícias inverídicas para agitar e chantagear, são práticas que desonram a democracia e bloqueiam a vida civilizada. Radicalizações que levam a dinâmicas “nós contra eles”, os bons e os maus, os santos e os golpistas, são o caminho mais curto para a quebra do pacto democrático que nos sustenta, ou deveria. Em algum momento, em alguma curva da estrada, o “nós contra eles” termina por se tornar a versão diabólica do “eles contra nós todos”.

O louco que esfaqueou Bolsonaro é um alucinado. Mas também é uma ameaça ao convívio dos integrantes de uma comunidade. Os que eventualmente vierem a aplaudi-lo, os que pedirem aos brados o seu linchamento, os que banalizarem o ato alegando que a vítima atraiu para si o que prega para os outros, os que acharem que não ocorreu nada de mais, estarão vendo o mundo com lentes distorcidas, sem conseguir valorizar aquilo que nos faz únicos no exercício político de substituir a guerra pelo diálogo. Polis, Urbe, Civitas são conceitos que passam longe deles, porque não sabem o que é democracia.

A derrota de Bolsonaro ou será democrática ou não se consumará. Por isso é que os democratas precisam ser solidários a ele.


Marco Aurélio Nogueira: Tempo de choques e atritos

Urge uma candidatura democrática capaz de promover uma união que abra as portas do futuro

Basta passar os olhos pelos debates e entrevistas eleitorais para constatar: os candidatos são o que são. Nenhum deles exibe poderio político extraordinário, nem particular força de persuasão. Cada um tem seu gueto, seu estilo, suas convicções, seu séquito. Mas nenhum ainda conseguiu sair de si, ultrapassar os muros de proteção, chegar aonde o povo está. Uns acreditam que conseguirão isso com a televisão, outros com as redes. Ninguém sabe quão potentes serão esses meios.

O tempo é de choques e atritos. Não há por que fugir dele à espera de um candidato ideal ou de uma candidatura que reúna os “melhores”. Isso não acontecerá, e talvez seja até bom que não aconteça. Democracia é pluralidade, divergência, confronto de opiniões, manifestação de preferências. É uma oportunidade para a sociedade olhar-se no espelho, mostrar sua cara, conhecer suas falhas, imperfeições e possibilidades. Numa época de partidos e verdades em crise, pregar a ordem unida é caminhar às cegas, sem poder de convencimento.

Os candidatos lutam pela própria afirmação, atropelam-se uns aos outros. É da lógica eleitoral. O sangue que deles escorre pode adubar candidaturas indesejáveis ou beneficiar quem menos se espera. São efeitos colaterais não previstos, riscos, preço da democracia.

A sabedoria está em minimizar os efeitos, evitar que os choques se traduzam em agressão e ruptura. Mentiras escabrosas e campanhas negativas de desconstrução são tóxicas, envenenam a democracia. Não se trata somente de cordialidade, mas de bater sem deixar marcas e sem poupar o adversário principal, facilitando-lhe a vida.

O campo da democracia no Brasil vive hoje um dilema: é possível trabalhar para que se tenha uma mudança que mexa nas estruturas, nos sistemas em geral, nas instituições, nos hábitos políticos, que produza mais vida civilizada? De que modo: mediante ataques frontais e explosões de indignação, ou por negociações longas, transações difíceis, de modo incremental? Alianças à direita ou com a “velha política” impedem a mudança necessária ou precisam ser toleradas? O que fazer com o “Centrão” e com as bancadas setoriais, que burlam os partidos e chantageiam o Executivo?

Mudar tornou-se um imperativo. Virá mais cedo ou mais tarde, já está vindo sem que percebamos bem, cegos que estamos por disputas e polarizações paralisantes. Não devemos exagerar no argumento. O Brasil não é um doente terminal, não vai acabar nem descarrilar depois das eleições, seja quem for o próximo presidente. Não há por que ficar parado perante um inimigo da democracia, nem temer os populistas de plantão. Não haverá salvadores da pátria e todos terão de cooperar entre si, fazer alianças, negociar, assimilar a velha política, pedir ajuda ao mercado e à população. Errarão e acertarão, uns mais, outros menos. Perigos e ameaças virão mais de uns do que de outros. Mas a roda continuará a girar.

A exigência de cooperação tem uma implicação positiva: faz todos terem de reduzir o topete, moderar as fantasias, aprender a respeitar os limites, arregimentar as forças que garantam algum sucesso. Impõe a articulação e a mediação.

Os candidatos, porém, precisam colaborar. Não se podem comportar prometendo mundos e fundos, criando falsas expectativas e esperanças vãs, falando mais para ferir os adversários do que para esclarecer a população. Sua função é apresentar planos, metas, ideias, revelar o fundo do poço e os meios para dele sair, não varrer para baixo do tapete a sujeira acumulada, fingindo que nada têm que ver com ela. Não podem transferir para as oligarquias ou para os “golpistas” responsabilidades que precisam ser contabilizadas coletivamente.

Repetir slogans e chavões, incorporar o espírito de terceiros para iludir o povo, jurar ataques frontais aos bancos, à propriedade privada e à política tradicional podem impressionar os incautos, mas não ajudam a que o País encontre uma rota.

São políticos antipolíticos. Recusam a política realmente existente como se ela fosse o único entrave e pudesse ser eliminada por decreto. Políticos que não falam de alianças e negociações, a não ser para demonizá-las ou justificá-las envergonhadamente. Que não se dedicam a falar do “como”, das concessões inevitáveis, dos sacrifícios que precisarão pedir ao povo. Derramam-se em elogios ao “novo” sem se darem ao trabalho de qualificá-lo. Suas propostas são genéricas, não descem a detalhes essenciais, não convencem. São fogos de artifício, lançados para desviar a atenção, disfarçar um buraco negro que não se deseja enxergar.

Jogam para a plateia. Obedecem a roteiros traçados por assessores e marqueteiros, capricham na performance, com gestos calculados para alcançar o máximo de efeito e atrapalhar os adversários. Também é parte do jogo, não dá para pedir que não ajam assim. São ritos eleitorais.

Mas as circunstâncias estão a clamar por algo mais, roteiros melhores, propostas claras e detalhadas. Não para que se conquistem votos, mas para ajudar a sociedade a se autocompreender, a se mobilizar, a se preparar para sacrifícios e dificuldades. Está certo, é somente uma eleição a mais, o mundo não acabará no dia seguinte, o País tem reservas para queimar. Mas, e para além das generalidades sobre o gigante adormecido? Quem irá desarmar a bomba da polarização?

Candidatos presidenciais estão se oferecendo para gerenciar a roda da História, interferir na nossa vida, direcionar uma sociedade às voltas com seus piores demônios. Não deveriam jamais prometer o que deles não depende ou falar como se não houvesse amanhã.

É hora de pavimentar o caminho. O tempo ruge. O País não acabará, mas será trágico se no final de outubro não houver uma candidatura democrática com força política e sensibilidade para promover uma união que reduza riscos e abra as portas do futuro.


Foto: Beto Barata\PR

Marco Aurélio Nogueira: O tamanho da indefinição

O Brasil não acabará depois das eleições, seja quem for o vencedor do pleito presidencial

O mundo gira e a caravana roda. Com o avançar do calendário eleitoral, a definição dos candidatos, de suas coligações e seus compromissos, com as primeiras pesquisas e os debates iniciais, subiu a temperatura e ingressamos em um tempo de tomadas de posição.

Não há porque temer esse tempo ou fugir dele em nome do candidato ideal ou de uma candidatura única que jamais existiu, que dificilmente poderia existir e que nem sequer deveria ser tida como exigência democrática. Democracia é pluralidade, divergência, choque de opiniões, manifestação de preferências. Numa época de partidos e verdades em crise, pregar a ordem unida é caminhar às cegas, sem poder de convencimento.

Guerras entre candidatos são suicidas, mas não há como contorná-las: lutam pela própria afirmação, não pela afirmação de um campo ou polo. É da lógica da disputa eleitoral. O sangue que escorre dos guerreiros pode mesmo adubar candidaturas autoritárias. Não há como evitar isso, ao menos no primeiro turno. Correr riscos é um dos preços da democracia.

A sabedoria está em minimizar os efeitos, evitar que os choques ultrapassem o razoável, traduzindo-se em agressão e ruptura. Mentiras escabrosas e campanhas negativas de desconstrução são tóxicas, envenenam a democracia. Não se trata somente de cordialidade, mas de bater sem deixar marcas e sem poupar o adversário principal, facilitando-lhe a vida.

Sempre será preciso fazer a análise concreta da situação concreta. A frase é marxista, mas não é preciso ser marxista para aceitá-la: trata-se de um suposto do realismo político e do esforço que se deve fazer para enxergar o todo, com suas determinações, suas possibilidades reais e as relações de força que nele têm lugar. Alcançar uma compreensão abrangente e a mais racional possível é boa norma de conduta na política.

O amplo e heterogêneo campo da democracia no Brasil vive hoje um dilema: é ou não possível trabalhar para que se tenha uma mudança consistente no país, uma mudança que mexa nas estruturas, nos sistemas em geral, nas instituições, nos hábitos políticos? Mudar tornou-se um imperativo, virá mais cedo ou mais tarde, já está vindo sem que percebamos bem, cegos que estamos por disputas e polarizações paralisantes. Não devemos ser maximalistas nem exagerar no argumento. O Brasil não é um doente terminal, não vai acabar nem descarrilhar depois das eleições, seja quem for o o próximo Presidente. Não há porque ficar parado perante o pior inimigo da democracia, nem temer os populistas de plantão. Não haverá salvadores da pátria e todos terão de cooperar entre si, fazer alianças, negociar, assimilar a velha política, pedir sacrifícios à sociedade. Errarão e acertarão, uns mais, outros menos. Perigos e ameaças virão mais de uns do que de outros. Mas a roda continuará a girar.

A exigência cabal de cooperação tem um efeito colateral positivo: faz com que todos tenham de abaixar o topete, moderar suas fantasias, aprender a respeitar os limites, arregimentar as forças que podem garantir que algo seja feito. Impõe a que se privilegiem a articulação e a mediação.

Os candidatos são o que são. Nenhum deles exibe propriamente força. Não dispõem nem de poderio político extraordinário, nem de particular força de persuasão. Cada um tem seu gueto, seu estilo, suas convicções, seu séquito. Todos precisam sair de si, ir além dos muros que os protegem, chegar onde o povo está. Uns acreditam que conseguirão isso com a televisão, outros com as redes. Mas ninguém sabe quão potentes serão esses meios.

Tudo somado, é o que explica o tamanho da indefinição.

 


Marco Aurélio Nogueira: Como se não houvesse amanhã

Candidatos à Presidência precisam ensaiar mais, ser mais sérios e cuidadosos em todos os fundamentos

Um novo debate eleitoral sempre cria expectativas e esperanças. Fica-se na torcida para que haja um avanço, para que cada candidato mostre finalmente a que veio.

Não foi bem o que ocorreu ontem na RedeTv.

O tom foi um só, basicamente: eles falam como se não houvesse amanhã. Limitam-se a brandir promessas, frases genéricas, pegadinhas e compromissos, como se tudo dependesse deles e nada mais precisasse ser feito a não conseguir que um novo personagem ocupe a cadeira presidencial. São ilusionistas. Atores de uma pantomima típica da vida de exposição que levamos, feita de insights, caras e bocas, frases curtas, minutos controlados, pressa.

Dá para apontar o dedo, seletivamente, para os momentos em que alguém foi além disso, embasando de modo mais “técnico”, político-administrativo, seus planos de governo.

Somente três candidatos se destacaram. Ciro e Alckmin mostraram firmeza, serenidade e conhecimento prático. Marina cresceu ao enquadrar Bolsonaro e ser mais propositiva. Os demais perderam uma boa oportunidade para esclarecer o que estão a fazer ali, que papel estão se propondo a representar.

Bolsonaro tropeçou nas próprias palavras e teve de ver Daciolo pressioná-lo pelos flancos. Álvaro e Meireles, muito pouco à vontade, limitaram-se a repetir slogans e chavões. Boulos, uma caricatura forçada do Lula de bem antes, mostrou ter língua afiada, mas continuou a se perder nas propostas maximalistas e de “ataque frontal”.

São políticos antipolíticos, que recusam a política realmente existente como se lhes fosse possível eliminá-la por decreto. Políticos que não falam de alianças e negociações, a não ser para demonizá-las ou justificá-las envergonhadamente. Que não se dedicam a falar do “como”, das concessões inevitáveis, dos “sacrifícios” que precisarão pedir ao povo. Derramam-se em elogios ao “novo” sem se darem ao trabalho de qualificá-lo.

Sempre haverá quem faça um desconto e diga que, num palco de TV, rola um show e nele o comportamento é fictício: estão a jogar para a plateia, obedecendo a roteiros traçados por assessores e especialistas em marketing eleitoral, onde o que menos importa é o conteúdo, já que o fundamental é produzir efeito e fumaça com uma performance calculadamente eficiente.

É verdade. Mas deve-se considerar também que existem dramas e dramas, roteiros melhores e piores, bons e maus desempenhos cênicos. Candidatos à Presidência precisariam, no mínimo, ensaiar mais e ser mais cuidadosos em todos os fundamentos. Não podem ser artistas, nem mesmo quando estão no palco.

Afinal, estão se dispondo a fazer girar a roda da História, a interferir na nossa vida, a direcionar um País que assiste ao show com várias pulgas atrás da orelha.