Por que a esquerda brasileira tem motivos para comemorar
Jean-Philip Struck,* Made for minds
Apesar de ver frustrada esperança de vitória de Lula no primeiro turno e assistir a uma nova onda de direita no Legislativo, esquerda recuperou terreno e obteve conquistas como a eleição de mulheres indígenas e trans
Apesar de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ter vencido no primeiro turno neste domingo (02/10), algo que pesquisas apontaram que tinha chance de acontecer, e de uma nova onda de direita no Legislativo, a esquerda brasileira tem motivos para comemorar.
Após o fracasso de 2018, a esquerda recuperou terreno junto ao eleitorado em 2022, criando um cenário difícil para a reeleição de Jair Bolsonaro.
Lula ficou à frente de Bolsonaro por mais de 6 milhões de votos no primeiro turno e, desde a redemocratização, nunca um segundo colocado conseguiu virar o resultado na segunda rodada.
Os 57,2 milhões de votos recebidos por Lula neste primeiro turno de 2022 rivalizam com os 57,8 milhões que Bolsonaro recebeu no segundo turno de 2018.
Em relação a Fernando Haddad no primeiro turno de 2018, Lula ampliou a votação presidencial do PT em mais de 25 milhões de votos.
Recuperação petista
Lula recuperou espaço para o PT em todos os estados brasileiros, incluindo grandes colégios eleitorais como São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio, estado que foi o berço do bolsonarismo, Haddad recebeu apenas 14,7% dos votos no primeiro turno de 2018. Em 2022, Lula obteve 40,7%.
O PT também elegeu quatro senadores e ampliou sua bancada de seis para nove em relação a 2018.
Na Câmara, junto com a federação que formou com PCdoB e PV, o PT elegeu 80 deputados. Será a segunda maior bancada da Casa. Juntos, os três partidos elegeram 11 deputados a mais que em 2018.
O PT também foi o partido que mais elegeu governadores no primeiro turno: três e continua a na disputa em mais quatro estados.
O partido ainda colecionou várias marcas simbólicas. Elegeu o deputado estadual mais votado de São Paulo, Eduardo Suplicy, com 807 mil votos, e foi para o segundo turno em Santa Catarina, um dos estados mais bolsonaristas do país, com o petista Décio Lima enfrentando Jorginho Mello, do PL.
O PT também é o partido que mais elegeu mulheres para a Câmara: 21.
Conquistas para o Psol, trans e mulheres indígenas
Outros partidos de esquerda também têm motivos para celebrar. A aliança formada por Psol e Rede elegeu 14 deputados, três a mais do que em 2018.
Guilherme Boulos, do Psol, foi o deputado federal mais votado de São Paulo, tomando a posição que havia sido de Eduardo Bolsonaro em 2018, e o segundo mais votado do Brasil, com mais de 1 milhão de votos.
Boulos chegou a cogitar candidatura à Presidência pelo partido, mas optou por concorrer à Câmara para fortalecer a bancada do Psol. Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, ele chegou a disputar o segundo turno para prefeito de São Paulo em 2020 e em 2018 concorreu à Presidência. Em 2021, a revista americana Time elegeu Boulos como uma das 100 lideranças emergentes que estão moldando o futuro.
A nova legislatura também marca a chegada das primeiras deputadas trans da história da Câmara: Erika Hilton, do Psol, e Duda Salabert, do PDT, terceira deputada mais votada de Minas Gerais. Duda foi a terceira deputada mais votada de Minas Gerais. Erika foi a oitava mais votada em São Paulo. Nas últimas eleições, em 2020, ambas haviam sido eleitas vereadoras.
Duas indígenas também foram eleitas para a Câmara dos Deputados: Sônia Guajajara e Célia Xakriabá.
Eleita pelo Psol de São Paulo e internacionalmente conhecida pelo nome do seu povo, Sônia Guajajara é uma das principais lideranças indígenas em atividade. Coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ela se tornou, em 2018, a primeira indígena do Brasil a disputar as eleições presidenciais (como vice de Boulos, também pelo Psol.
Em 2022, foi eleita pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo. No fim de setembro, foi anunciada como uma das indicadas ao Prêmio Sakharov 2022, do Parlamento Europeu, a mais alta homenagem prestada pela União Europeia ao trabalho em matéria de direitos humanos.
Célia Xakriabá foi eleita também pelo Psol, de Minas Gerais, com a defesa dos territórios indígenas e de ações que atenuem as mudanças climáticas como pauta. Ela foi da primeira turma de Educação Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2013.
Nas entrelinhas: Bolsonaro ampliou mais ao centro do que Lula
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense
Tanto as eleições para governador no Sudeste, principalmente em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas, como as eleições para o Senado, igualmente majoritárias, mostram que a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região foi menor do que se estimava e que a política de alianças do presidente Jair Bolsonaro nesses estados foi mais soft do que se imaginava. Ambos serviram como alavanca para as eleições dos candidatos proporcionais de seus respectivos partidos, mas o PL passou de 76 para 99 deputados, enquanto o PT saltou de 56 para 68 representantes na Câmara, embora Lula tenha tido mais de seis milhões de votos de vantagem em relação a Bolsonaro.
Os resultados eleitorais, principalmente no Sudeste, mostram que Lula não ampliou suas alianças o quanto era preciso, apesar da escolha do ex-governador tucano Geraldo Alckmin para vice. Houve vários episódios em que isso ficou evidente, como na negativa de conversa com o ex-presidente Michel Temer, que poderia ser o movimento que faltava para evitar a consolidação da candidatura de Simone Tebet e o MDB apoiá-lo formalmente na eleição. O fato de o PT e seus aliados falarem repetidamente em frente ampla não significou que ela tenha existido realmente, o que houve foi uma frente de esquerda, que se julgava forte o suficiente para levar a eleição de roldão no primeiro turno.
Para usar parâmetros históricos que possam ilustrar essa distinção, podemos citar a frente democrática formada pelo PSD, o PTB e o clandestino PCB, em 1955, para eleger o presidente Juscelino Kubitschek, que mesmo assim não foi suficiente para obter a maioria absoluta dos votos válidos, pois recebeu 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora. Ou seja, a esquerda apoiou o candidato conservador. Frente ampla se formou contra o general Castelo Branco quando as eleições de 1965 foram suspensas. Carlos Lacerda (UDN), que havia sido o grande artífice do golpismo udenista; Juscelino, que apoiou a destituição do governo; e João Goulart (PTB), o presidente deposto, no exílio, com apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes (PCB), na clandestinidade, formaram uma frente ampla de oposição. Lacerda e Juscelino foram cassados, e os militares mudaram as regras do jogo, acabando com qualquer possibilidade de redemocratização, com a proibição da Frente Ampla e a adoção do Ato Institucional nº 5.
Formar uma frente ampla é muito mais complicado do que articular uma frente de esquerda, a partir de uma agenda nacional-desenvolvimentista. Significa aceitar a centralidade da agenda política liberal na política, fazer concessões na economia e reduzir a profundidade das propostas sociais. Lula não manifestou no primeiro turno nenhuma intenção de fazer essas concessões, sempre avaliou que o esvaziamento da chamada terceira via, por meio do voto útil, resolveria essa questão em seu favor. Não foi o que aconteceu.
Triângulo das Bermudas
Houve tentativas de costurar uma aliança entre o governador Rodrigo Garcia (PSDB) e o presidente Lula nas eleições de São Paulo, mas essas articulações, para formação de uma frente ampla em São Paulo, nunca foram levadas a sério, porque a questão teria sido resolvida com a presença de Alckmin na chapa de Lula. Acreditava-se que o favoritismo do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad seria confirmado nas urnas, mas não foi o que aconteceu. O candidato de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, um carioca que caiu de pára-quedas nas eleições paulistas, virou o primeiro turno em ampla vantagem. Uma parcela dos eleitores de Garcia, derrotado por antecipação, fez a baldeação para o candidato de Bolsonaro já no primeiro turno; agora, é muito mais difícil atrair os demais para uma aliança com Haddad, porque Tarcísio lidera com ampla vantagem na disputa de segundo turno.
No Rio de Janeiro, não foi muito diferente. Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado André Ceciliano (PT), candidato ao Senado, foi o fiador do governo de Cláudio Castro, que assumiu a gestão após a cassação de Wilson Witzel, sem nunca antes ter disputado um cargo majoritário. Essa aliança foi rompida quando Lula apoiou a candidatura do deputado federal Marcelo Freixo, seguindo a lógica da frente de esquerda. Se a aliança fosse mantida, seria possível a neutralidade de Castro, que descolou sua campanha de Bolsonaro, facilitando a vida de Lula. Mas uma aliança desse tipo é inimaginável para a esquerda carioca e o PT. Ou seja, a frente ampla não se viabiliza na prática. Agora, Lula procura Castro, mas é leite derramado.
Em Minas, o governador Romeu Zema (Novo) assumiu uma posição de neutralidade nas eleições, diante do fato de que Lula mantinha ampla vantagem no estado. As condições para uma aliança entre os dois estavam dadas pelo posicionamento da maioria esmagadora dos eleitores, mas Lula preferiu apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, na expectativa de que o levaria ao segundo turno e transferiria seus votos, o que aconteceu, mas não na escala necessária. Zema venceu no primeiro turno e já anunciou que vai dar uma força para Bolsonaro em Minas.
Com as posições bem definidas nos estados do Sul e Centro-Oeste, a favor de Bolsonaro, e do Norte e Nordeste, com Lula, a disputa da maioria dos eleitores nos estados do Sudeste, o chamado Triângulo das Bermudas, decidirá as eleições. Bolsonaro venceu no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Espírito Santo; Lula em Minas.
Escritores da periferia estão entre selecionados para lançamento na Bienal de Brasília
Bienal do livro*
Dezoito escritores da periferia do Distrito Federal e do Plano Piloto tiveram suas obras inéditas selecionadas para lançamento na 5ª Bienal Internacional do Livro de Brasília (Bilb). O resultado foi divulgado nesta segunda-feira (3/10). O evento, que tem entrada gratuita, será realizado de 21 a 30 de outubro, no Pavilhão do Parque da Cidade.
No total, o público da bienal terá acesso a uma programação com mais de 60 escritores nacionais e internacionais. Entre os selecionados no edital específico para o DF, estão escritores de Ceilândia Sul, Planaltina, Gama, Arniqueira, Jardim Botânico, Granja do Torto, Cruzeiro, Sudoeste, Asa Sul e Asa Norte.
Os livros deles disputaram as vagas entre 71 obras inscritas no edital que visa incentivar ainda mais a criação literária, depois de serem produzidas e registradas durante a pandemia A diretora-geral da Bilb, Suzzy Souza, diz que a ideia é garantir visibilidade a autores do DF que não conseguiram lançar seus livros por causa do distanciamento imposto como medida de combate ao coronavírus.
“A bienal é plural. É por isso que também abre as portas para que autores de diversas regiões dentro do próprio DF possam lançar suas obras durante a programação, que também tem presença confirmada de vários escritores nacionais e de outros países. Vai ser uma experiência inesquecível”, afirma a diretora-geral da Bilb, Suzzy Souzza.
A seguir, veja a lista das obras selecionadas e seus respectivos autores
- Além do olhar: poesias vividas | Adelaide Ribeiro Jordão (Asa Norte)
- Sob a magia da taifa | Almeria Machado Godoi (Jardim Botânico)
- A Macoxi e o segredo das sementes | Caroline Barroso da Silva (Asa Sul)
- Eterna Primavera | Eustáquio J. Ferreira Santos (Asa Norte)
- O balãozinho azul | Fáuston da Silva (Arniqueira)
- Minha pele cor de pele | Francisco de Assis Olinda da Silva (Ceilândia Sul)
- Desencantares para o esquecimento | Geraldo Ramiere Oliveira Silva (Planaltina)
- Ruídos: confissões prematuras | Giovane Munhoes Perina (Águas Claras)
- O Menino que tinha medo de criança | Gisele Garcia (Sudoeste)
- Como as sementes viram árvores | Letícia de Queiroz Magalhães Sousa (Planaltina)
- Aziza: a preciosa contadora de sonhos | Luciana Palmeira da Silva Cardoso (Granja do Torto)
- Mayra e a floresta viva | Marcos Aurélio Branco Linhares (Cruzeiro)
- Era só brincadeirinha! | Maria Aparecida Chagas Ferreira (Asa Sul)
- Um Pouco | Maria Cecilia de Queiroz Aprigliano (Asa Norte)
- Sua Primeira Casa | Rafaela Kalaffa Sergio e Silva (Arniqueira)
- O dia em que nasci | Rebeca Danielle Prado de Andrade (Asa Sul)
- SobreVoar ou A Imanência da Leveza | Valdério Soares da Costa (Asa Norte)
- Preta de greve e as sete reivindicações | Zenilda Vilarins Cardozo (Gama)
A Bilb também será realizada como comemoração à Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, que é celebrada tradicionalmente de 23 a 29 de outubro. O evento oferecerá encontros com autores, homenagens, lançamentos e espaços especiais, apresentações teatrais, exibições de filmes, contação de histórias, shows musicais em pequeno e grande formato, seminários e oferta de vale-livro.
A 5ª Bilb é uma realização da InterCult Produções e do Instituto Levanta Brasil, com direção-geral de Suzzy Souza e Henrique Senna. O evento também tem trabalho articulado com os curadores nacional, Paulliny Tort; internacional, José Rezende Jr.; e de HQ, Pedro Brandt.
A entrada na bienal é gratuita. No entanto, todas as pessoas devem acessar o site da Bilb, clicar na parte de ingressos eletrônicos para retirar seu voucher. Para ter acesso à área do palco BILBeats, onde artistas realizarão suas apresentações, os interessados devem obter ingresso pago, na parte de shows musicais. A cantora e compositora Céu é uma das que já confirmaram presença na atração.
À CNN, Roberto Freire diz que Cidadania anunciará apoio no 2º turno até terça-feira
Cidadania23*
Em entrevista à CNN neste domingo (02), o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, disse que anunciará o apoio do partido no segundo turno da eleição presidencial até amanhã (04).
“Nós não vamos nos omitir. Em 48 horas, daremos uma resposta”, afirmou
Presidente do Cidadania diz que não irá se omitir e anunciará apoio até terça (4)
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, afirmou à CNN que anunciará quem o partido apoiará no segundo turno até terça-feira. “Nós não vamos nos omitir. Em 48 horas, daremos uma resposta”, disse. Este foi o prazo sugerido por Simone Tebet (MDB), em discurso na noite deste domingo (2). A senadora pelo Mato Grosso do Sul ficou em terceiro lugar na disputa pela Presidência da República, com pouco mais de 4,1% dos votos.
O Cidadania tentará reunir a direção do partido ainda nesta segunda-feira (3). A legenda forma uma federação junto com o PSDB. Mas primeiramente fará uma reunião à parte.
De acordo com lideranças da legenda, o posicionamento de segundo turno já vinha sendo analisado, uma vez que as chances de vitória de Tebet eram menores do que as dos principais colocados, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Integrantes do partido ouvidos pela CNN, após o resultado, viram com preocupação o perfil dos candidatos eleitos para o Senado, mais alinhados com o atual governo, e chegaram a chamar de expressão do “obscurantismo” político. Este é um dos fatores que vão ser levados em consideração antes do anúncio de posição.
Houve avaliação de que o PT subestimou a disputa ao acreditar em vitória em primeiro turno. A leitura é de que Lula não conseguiu vencer, sem ir para segundo turno, nem mesmo no ápice de sua popularidade e que dificilmente este feito seria alcançado desta vez.
Texto publicado originalmente no portal do Cidadania23.
Intimidação e esquerda acuada: o clima no maior reduto bolsonarista do Rio
Nem mesmo o frio e a chuva fizeram com que a campanha eleitoral cessasse no principal reduto bolsonarista no Rio de Janeiro. Na reta final, cabos eleitorais de candidatos bolsonaristas e de partidos do Centrão disputavam espaço embaixo das marquises no Calçadão de Campo Grande, principal centro comercial do maior bairro carioca, localizado na zona oeste da capital.
No local, militantes e candidatos de esquerda relatam rotina de medo e intimidação por bolsonaristas, além do temor da milícia.
As zonas eleitorais de Campo Grande entregaram a Jair Bolsonaro (PL) sua maior vitória na disputa presidencial de 2018 na capital. Nelas, Bolsonaro venceu Fernando Haddad (PT) com 75% dos votos válidos. O bairro é o mais populoso do Brasil, segundo dados do Censo de 2010, e tem uma grande população evangélica e um número significativo de militares e policiais entre seus habitantes.
Nesta campanha, as ruas foram disputadas por candidatos de partidos fisiológicos e por bolsonaristas.
Ali, a esquerda se vê pouco representada: no Calçadão, o único candidato com uma presença relevante encontrado pelo UOL na quarta-feira (28) foi o petista André Ceciliano, presidente da (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) que tenta se eleger senador.
Fora isso, havia apenas duas barraquinhas distribuindo material de candidatos progressistas: uma do PCdoB e outra do PDT.
"É duro fazer campanha em Campo Grande porque ainda tem muita gente que declara voto em Bolsonaro. E há apreensão o tempo todo porque é notório que é uma área dominada [pela milícia]. Mas estamos aqui firmes e fortes na tentativa de mudar esse quadro", argumenta.
"Fazer campanha aqui no Calçadão ainda é tranquilo, dentro dos bairros [de Campo Grande] é diferente, tem um clima de intimidação maior." Carlos Rangel, coordenador da campanha do PCdoB em Campo Grande.
Atentado durante campanha. Apesar de relatos de discussões e troca de ofensas entre bolsonaristas e militantes de esquerda, a campanha transcorria sem casos de violência física até esta semana.
Na terça-feira (27), o vereador Willian Siri (PSOL), candidato a deputado federal, denunciou ter sido vítima de um atentado enquanto fazia campanha no centro de Campo Grande.
Siri relata que conversava com eleitores na calçada de um famoso bar do bairro quando um homem jogou o carro em sua direção. O parlamentar estava de costas e só não se feriu gravemente porque foi puxado por uma pessoa que viu a tentativa de atropelamento, segundo contou ao UOL.
Quando você olha essas violências políticas que têm no Brasil, não imagina que vai acontecer com você. Campo Grande é um bairro que nunca teve esse histórico. Tem a questão da milícia, que é outra coisa, mas violência nesse nível ideológico, não.
"Willian Siri (PSOL), vereador e candidato a deputado federal Com a proximidade do primeiro turno, Siri demonstrou preocupação com o risco de uma escalada de violência, especialmente com a chance de vitória de Lula no primeiro turno. Apesar disso, ele diz que a receptividade no bairro com candidatos de esquerda tem sido muito maior do que em 2018.
"O Calçadão de Campo Grande é meu parâmetro de vida política. Em 2018, até o camelô era Bolsonaro. Hoje mudou muita coisa. A quantidade de panfletos e adesivos do Lula que saem é muito grande."
'Datacamisa' dá vantagem a Bolsonaro. Se as campanhas de esquerda sustentam uma percepção de que o apoio a Lula tem crescido na reta final da campanha, quem aproveita a eleição para faturar tem uma opinião oposta.
Vendedores de itens como camisas e toalhas dos candidatos na região dizem que a procura por produtos com alusões ao presidente é muito maior.
O comerciante Adailson da Silva, 46, tem uma gráfica na região. Na frente, exibia apenas camisas com motes bolsonaristas. Perguntado sobre o motivo, disse ser uma opção eminentemente comercial.
"Não boto do Lula porque não vende. Para cada uma saem 30 do Bolsonaro. Eu só faço do Lula quando tem encomenda, porque não compensa ter no estoque. Hoje mesmo vendi dez camisas do Bolsonaro e não saiu nenhuma do Lula ainda", explicou.
A percepção do ambulante Geovane de Souza, 47, é a mesma. Ele concilia uma barraca que vende roupas e acessórios e uma carrocinha de pipocas no Calçadão. Ao lado de camisas verde e amarelas com o rosto de Bolsonaro há uma toalha de Lula à mostra. Souza diz que a demanda dos bolsonaristas é maior e que os públicos dos dois candidatos têm perfis diferentes.
"No comecinho estava vendendo mais do Lula, mas de um mês pra cá inverteu. Vendo 15 itens do Bolsonaro e uns cinco do Lula. Hoje já vendi cinco do Bolsonaro e nenhuma do Lula", relata. "Quem compra do Bolsonaro é mais pai de família, que vem pegar pra presentear o pai ou o avô. Já do Lula é gente mais jovem mesmo", diz.
Destino de presidenciáveis. O Calçadão de Campo Grande é um ponto de parada obrigatório de candidatos que almejam crescer entre o eleitorado de perfil popular no Rio. Por isso, é sempre visitado por candidatos à prefeitura da capital e ao governo do estado.
Até mesmo presidenciáveis já marcaram presença no local. O mais célebre deles foi José Serra (PSDB). Em 2010, foi durante uma caminhada no local que ocorreu o episódio da bolinha de papel, quando ele caminhava ao lado de seu vice, Índio da Costa, e de militantes.
O grupo se encontrou com petistas e uma confusão ocorreu. Serra foi atingido por um objeto na cabeça e, inicialmente, foi divulgada a versão de que seria uma pedra. O presidenciável chegou a ir a um hospital fazer exames, que nada constataram. Posteriormente, imagens da confusão revelaram que Serra foi atingido por uma bolinha de papel e um rolo de fita adesiva.
Em 2014, foi a vez de Aécio Neves (PSDB) ir ao local. Ele foi levado por Jorge Picciani (MDB), que naquela época capitaneava o movimento "Aezão", uma dissidência que pedia votos no governador Luiz Fernando Pezão —que formalmente apoiava Dilma Rousseff (PT)— e no tucano.
Já Lula esteve no local fazendo corpo a corpo em 1998, quando acabou derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 2014, o PT chegou a organizar um grande comício para a campanha de Dilma Rousseff (PT) no Calçadão, tendo Lula como atração principal. Mas o ex-presidente desistiu de ir, frustrando os petistas que o aguardavam no local.
Na campanha deste ano, apenas Ciro Gomes (PDT) fez uma caminhada no Calçadão—ele esteve no bairro da zona oeste ao lado de Rodrigo Neves (PDT), seu candidato ao governo do Rio.
Texto publicado originalmente no portal UOL.
Paulo Guedes é ‘engodo’ e não conhece a realidade do Brasil, diz Simone sobre atual ministro da Economia
Cidadnia23*
A candidata a presidente da coligação Brasil para Todos (MDB, Cidadania, PSDB e Podemos), Simone Tebet (MDB), criticou ao atual ministro da Economia, Paulo Guedes, e o chamou de ‘engodo’ durante entrevista ao Jornal da Record, da TV Record, nesta quarta-feira (28).
“Lamentavelmente, o atual ministro é um engodo. O ‘Posto Ipiranga’ que diz resolver tudo e não resolve nada. Ele simplesmente não conhece a realidade do Brasil a ponto de dizer que não tem gente pedindo comida ou dinheiro nos semáforos das grandes cidades brasileiras”, disse a candidata, a referir à fala de Guedes, ocorrida nesta segunda-feira (26), quando, em discurso para empresários na Bahia, ele afirmou que o Auxílio Brasil, programa de transferência de renda do governo Jair Bolsonaro (PL) em vigor desde novembro do ano passado, retirou as pessoas das ruas.
Simone respondeu também perguntas sobre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), falou sobre sua proposta para o empreendedorismo feminino e disse ainda o que pretende fazer para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Voto útil
Durante a entrevista, Simone evitou citar o nome de Lula, mas disse que o “voto útil” é o “voto consciente” e que quem decide a eleição são os cidadãos. A campanha petista investe no que é conhecido como “voto útil”, quando um eleitor opta por um candidato que não é necessariamente a sua primeira opção com o objetivo de determinar os resultados eleitorais.
“Voto útil é o voto consciente do eleitor. Quem decide, dia 2 de outubro, são os cidadãos. Participei de algumas eleições e sei que o dia decisivo é nas eleições”, afirmou a presidenciável.
Combate à fome
Ao visitar o Mercado Muncipal de São Paulo nesta quarta-feira (28), Simone defendeu o combate à fome no Brasil.
“Estar no Mercado Municipal, onde nós falamos de fartura, é mostrar a triste realidade de um Brasil tão desigual. De um lado, alimenta o mundo, mas há uma parcela significativa da população que passa fome”, disse.
Ela ressaltou ainda a importância do combate urgente ao desperdício de alimentos no Brasil.
“Os dados oficiais mostram que se nós acabarmos com o desperdício, nós temos capacidade de alimentar todo o Brasil que passa fome. Depois da porteira para fora, nós temos desperdício no manuseio, no transporte, na armazenagem e na comercialização dos produtos, sem contar o desperdício da comida que a gente joga na lata de lixo porque não come tudo”, avaliou Simone.
Matéria publicada originalmente no portal Cidadania23.
Revista online | Fome cai na boca de presidenciáveis e grita na barriga dos mais pobres
“Aqui em casa a mistura só é arroz e farinha. De manhã, meus meninos comem pão seco com água. Não tenho dinheiro para comprar leite”. O desabafo é da dona de casa Graziela dos Santos Pereira, de 27 anos, mãe solo de quatro meninos, de 11, 10, 8 e 6 anos, respectivamente. “Não consigo tomar nem remédio, porque dói com a barriga vazia”.
Moradora do Sol Nascente, favela no Distrito Federal e uma das maiores no Brasil, Graziela vive de “fazer bico de diarista”, como ela mesma conta, mas apenas quando consegue deixar as crianças aos cuidados de algum parente ou vizinho. “Não sobra para comer. A gente vive da compaixão das pessoas”, afirma. Ela se mudou do Maranhão para o DF, no ano passado, em busca de melhores condições de vida.
Sentada em uma cadeira de madeira de um barraco de lona, onde mora com os filhos, ela diz receber R$ 600 de auxílio do governo federal. Ela diz que “quebrar o jejum com pão de manhã”, “engolir a mistura no almoço” e repetir “arroz com farinha” na janta tem sido a realidade da família dela. “De vez em quando, a gente recebe ovo. Aqui não tem jeito de nem de guardar carne porque falta geladeira”, diz.
O retrato da miséria se estende a outras famílias brasileiras. Estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), divulgado neste mês, mostra que três em cada dez famílias enfrentam insegurança alimentar moderada ou grave no país.
No total, em todo o país, 33 milhões de brasileiros sofrem com algum nível de insegurança alimentar, que tem três gradações: leve, moderada e grave. Famílias em insegurança alimentar grave passam fome, assunto regular nos discursos dos candidatos à Presidência da República e que mostra a gravidade do cenário brasileiro.
Negacionismo
No Brasil, a fome também é um dos assuntos que mais fazem os adversários cobrar explicações do presidente Jair Bolsonaro nos debates. Ele, porém, vai na linha do ministro da Economia, Paulo Guedes, que diz ser impossível ter 33 milhões de brasileiros passando fome no país.
Além disso, no mês de agosto, Bolsonaro vetou o reajuste de verbas para a merenda escolar aprovado pelo Congresso. Por isso, hoje o repasse para a compra de alimento para cada estudante do ensino fundamental e médio é de apenas R$ 0,36.
Se levar em conta a insegurança leve, de acordo com a pesquisa, o problema fica muito maior. No país, existem 125,2 milhões de pessoas com preocupação sobre a disponibilidade de alimentos, com algum grau de indisponibilidade deles ou passando fome. Equivale a seis em cada dez famílias brasileiras.
De acordo com o levantamento, as populações das regiões Norte e Nordeste são as que mais sofrem, em termos proporcionais, com a insegurança alimentar grave. No Maranhão, estado onde nasceu Graziela, por exemplo, quase dois terços (63,3%) das residências com crianças até dez anos apresentam insegurança alimentar moderada ou grave.
Em seguida, segundo a pesquisa, aparecem Amapá (60,1%), Alagoas (59,9%), Sergipe (54,6%), Amazonas (54,4%), Pará (53,4%), Ceará (51,6%) e Roraima (49,3%). As famílias com renda inferior a meio salário-mínimo por pessoa estão mais sujeitas à insegurança alimentar moderada e grave.
"Os resultados refletem as desigualdades regionais e evidenciam diferenças substanciais entre os estados de cada macrorregião do país. Não são espaços homogêneos do ponto de vista das condições de vida. Há diferenças socioeconômicas nas regiões que pedem políticas públicas direcionadas para cada estado que as compõem", diz Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan.
Grave retrocesso
O ano de 2022 será lembrado como o marco de um grave retrocesso da segurança alimentar no Brasil com uma quantidade de pessoas passando fome ainda maior do que o registrado 30 anos atrás. O governo, porém, nega.
Se hoje 33 milhões de brasileiros passam fome no país, em 1993, eram 32 milhões de pessoas nessa situação, de acordo com levantamento semelhante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A população brasileira era 27% menor que a de hoje.
O governo alega que o consumo dos mais pobres está garantido com os programas de transferência de renda cujos valores aumentaram no último ano. O negacionismo do governo do presidente Jair Bolsonaro sobre a fome se comprova, inclusive, na falta de programa efetivo de combate ao problema ou de orientação da população relacionada ao consumo adequado de alimentos.
A Organização das Nações Unidas (ONU) orienta que reduzir desperdício de alimentos é a saída para combater a fome e a insegurança alimentar. O órgão estima que 17% de toda a produção global de comida é desperdiçada, a maior parte dentro das casas. Locais que servem comida, como restaurantes, totalizam 5% desse desperdício, e os varejos de alimentar, 2%.
O problema, que atinge principalmente quem vive em favelas ou outras áreas mais pobres do país, tem chamado atenção de líderes mundiais, que vem pedindo esforços contra a crescente insegurança alimentar, agravada pela convergência de crises, pela invasão russa e falta de fertilizantes.
Em declaração conjunta, publicada ao final de uma reunião ministerial à margem da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, neste mês, Estados Unidos, União Europeia, União Africana, Colômbia, Nigéria e Indonésia afirmaram seu "compromisso de agir de forma urgente, global e concertada para responder às extraordinárias necessidades alimentares de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo".
Graziela, que olhava seus filhos brincarem no terreno de chão batido onde fica seu barracão, diz não ter perspectiva de melhoria. “Está todo mundo falando disso agora como se estivesse preocupado porque é época de eleição, mas viver assim já é algo banalizado. Todo dia a gente ouve o estômago ‘roncar’ de fome em algum momento”, afirma.
“Fome tem solução”
O diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos no Brasil, Daniel Balaban, diz que o principal desafio no combate à fome no mundo é mobilizar países a criarem medidas que os façam parar de pedir ajuda externa. “Para isso, eles têm que investir em políticas públicas”, afirmou.
O diretor ressalta que a continuidade de políticas públicas possibilitará à população acesso a direitos básicos, como alimentação nutritiva e saudável. “A fome tem solução, e, para isso, temos que ter vontade política de resolver o problema. Sem esse investimento contínuo, há risco de os países continuarem a enfrentar cenários de insegurança alimentar e desigualdade social”, alertou.
Confira, a seguir, galeria de fotos:
Segundo Balaban, boas práticas de combate à fome devem ser ancoradas em quatro pilares principais: ajuda humanitária, investimento em educação, políticas de auxílio a pequenos produtores rurais e investimento em ciência e tecnologia. A orientação serve, sobretudo, para países que tiveram a situação da fome agravada pela pandemia da covid-19.
Assistente social e mestre em políticas públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Andreia Lauande ressaltou que a fome não é um problema que surgiu com a pandemia do coronavírus. “Infelizmente, não é só a pandemia responsável por esse processo. Nós passamos por uma crise extremamente complexa que se acentuou com a pandemia”, disse ela.
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Revista online | 1789 e 1822: duas datas emblemáticas
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Revista online | Editorial: O calendário da democracia
Estamos às vésperas do primeiro turno das eleições gerais deste ano, momento propício para fazer o balanço das tarefas postas para candidatos, partidos e eleitores situados no campo da democracia, na resistência, portanto, aos esforços governistas de romper ou avariar os pilares do estado democrático de direito no país. Essas tarefas se distribuem ao longo do tempo, em etapas bem demarcadas pelo calendário eleitoral.
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O primeiro objetivo consiste na vitória eleitoral sobre o candidato do governo, no primeiro ou no segundo turno. Para tanto, é urgente, em primeiro lugar, praticar a campanha em prol do comparecimento às urnas, combater, consequentemente, o absenteísmo eleitoral no círculo de parentes, amigos e conhecidos. Em segundo lugar, persistir nos argumentos em favor do voto válido. Convencer o maior número possível de concidadãos a fugir do voto em branco e do voto nulo, uma vez que atitudes de recusa do conjunto de partidos e candidatos não são compatíveis com o momento presente, de alto risco para a democracia. Finalmente, levar com empenho, para o maior número possível de pessoas, o argumento do verdadeiro voto útil: toda opção é legítima e louvável, do ponto de vista da democracia, exceto o voto no candidato do governo.
A presente eleição é singular, ou seja, ao contrário das anteriores, o inesperado pode ocorrer, entre a proclamação dos resultados e a posse dos eleitos. Não faltaram, ao longo dos últimos quatro anos, ameaças, abertas e veladas, de confronto com a vontade dos eleitores, a pretexto da possibilidade fantasiosa de fraude eleitoral em benefício de candidatos da oposição. É fundamental, portanto, apoiar com serenidade e firmeza a Justiça Eleitoral, ao longo da apuração e após o anúncio dos resultados. Toda tentativa de contestação a esses resultados deve ser repudiada de público por todos os atores do campo democrático.
Confira, a seguir, galeria de fotos:
Finalmente, o sucesso na eleição e na garantia do seu resultado resultará na posse dos eleitos. Abre-se então a terceira fase de recuperação da democracia no país, a reconstrução das instituições. Essa etapa exigirá um acordo amplo, construído de forma aberta e transparente, em torno dos pontos cruciais da agenda democrática, pontos que devem unificar todas as forças desse campo, independentemente de seu posicionamento enquanto governo ou oposição.
Há que reparar a arquitetura institucional do país, com um esforço de reforma direcionado com maior ênfase para todos os setores que demonstraram vulnerabilidades, após três décadas de operação à sombra das regras da Carta de 1988.
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Revista online | “Brasil precisa de choque para economia de carbono neutro”
O historiador Jorge Caldeira, que também é escritor, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), diz que o país tem uma oportunidade maior do que a descoberta do ouro no século XVII para se desenvolver: ingressar na economia de carbono neutro. Segundo ele, o estímulo à plantação de árvores é a saída mais viável para esse objetivo.
Caldeira é o entrevistado especial desta revista Política Democrática online de setembro (47ª edição). Autor de dezenas de livros, como Brasil: Paraíso restaurável e História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos, ele diz que o país reduzirá à metade as emissões de carbono, se parar de desflorestar a Amazônia.
Segundo o escritor, que também é sócio fundador e diretor da editora Mameluco, “a passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento” no país e no mundo. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Política Democrática (PD): O senhor vê como viável o Brasil assumir o projeto de carbono neutro?
Jorge Caldeira (JC): O Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) é o fracasso que dura até hoje. Até então, o Brasil tinha a economia que mais havia crescido no mundo nos últimos 80 anos. O PIB absoluto do Brasil era maior do que o da China. Então, os 50 anos de fracasso do planejamento levaram à situação em que estamos. Nos planos eleitorais, continua o debate como se o planejamento de desenvolvimento do Brasil fosse ainda o modelo dos anos 1970. De lá para cá, o Brasil perdeu a globalização fase um, que são cadeias produtivas, trocas, comércio internacional crescendo acima da média nos mercados internos. Então, o Brasil se fechou, perdeu esse pedaço. O país tem uma segunda chance agora, que é transformar economia de carbono neutro, cujo preço central não existia na economia tradicional. É o preço do carbono. Era a natureza até bem pouco tempo atrás. A mudança climática transformou em bem escasso a temperatura regulada na vida da Terra e criou um mercado de carbono, que existe no planeta inteiro e tem um preço. Quem emite carbono, portanto, queima combustível fóssil, floresta e paga. Quem fixa carbono recebe. Portanto, não é só um preço. São fluxos de renda, emprego, trabalho, progresso. O Brasil está fora dessa economia porque não se planeja. Esse mercado movimentou, em 2020, US$ 280 bilhões no planeta, o que é quatro vezes o total da exportação do agro brasileiro. O planejamento econômico do Brasil não é feito para que o país esteja nesse mercado por falta de meta de carbono neutro para determinada data. O primeiro ente político a adotar o carbono neutro como meta foi a União Europeia, em dezembro de 2019. Mas, ao longo de 2020, entraram China, Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, as grandes economias do planeta. Hoje o planejamento estratégico delas é feito em referência ao carbono neutro. Os incentivos econômicos para o desenvolvimento, progresso, emprego e renda são dados em função disso, que leva muito mais longe do que as pessoas imaginam. A União Europeia atrelou todo o dinheiro de recuperação da Covid à meta de carbono. A Air France, que é uma companhia aérea francesa, pediu 7 bilhões de euros para sobreviver na pandemia, em troca de se adequar a uma meta de carbono zero em 2050. Isso, que já é realidade de planejamento econômico, estratégico e, especialmente, de mercado nas economias centrais, é absolutamente marginal na vida brasileira. O Brasil, que tem 8% do território planetário, pode ficar perto de 35% a 40% de todo o carbono do planeta. Portanto, é a economia para a qual, obrigatoriamente, deve se dirigir todo o investimento em fixação de carbono e combate ao aquecimento global. Qual é o método para se fazer isso? O que o Brasil precisa para chegar lá? O país é o quinto maior emissor de carbono do planeta. Metade das emissões brasileiras é relacionada à derrubada e queimada de árvores, o que é considerado duplamente na conta de carbono. Se derruba a árvore, você elimina um fixador de carbono. Se queima, você emite. Vai para a conta como emissão de carbono. Se parar de desflorestar a Amazônia, o Brasil reduzirá à metade as emissões de carbono no país. Além disso, só há um método de fixar carbono razoável a médio prazo: plantar árvores. A árvore, quando cresce, fixa carbono. Então, a pessoa que emite paga para a pessoa que planta, que fixa o carbono. Com essa possibilidade, a economia brasileira tem 35% do mercado mundial de qualquer jeito porque não há outra forma de fazer isso. Brasil, Indonésia e África têm 80% desse mercado. Plantar árvores é o gerador de empregos mais barato que existe. Precisa de uma pessoa por hectare. O Brasil tem 500 milhões de hectares disponíveis para plantar árvores sem mexer na agricultura e na pecuária, nas cidades e nas reservas. Se fosse usar todo esse potencial, precisaria importar gente porque não teria trabalhadores suficientes para tocar o projeto. Semente tem. O investimento é mínimo, e esta é a nova realidade da economia. Planejar estrategicamente o futuro da economia nacional, com geração de emprego e renda, além da reinserção do Brasil na economia mundial, é carbono neutro.
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PD: O senhor reconhece, na nossa história, outros momentos em que o Brasil perdeu oportunidades análogas à da economia verde? Se as perdemos, quais foram os motivos?
JC: O Brasil, em 520 anos de contato com a economia ocidental, aproveitou e perdeu oportunidades. O país não é a potência que mais aproveitou a oportunidade de 500 anos, mas está muito longe de ser um desastre. O Brasil é uma das 15 maiores economias do mundo, mas pode ser facilmente a quarta, quinta, terceira, sem grandes problemas. Há dois momentos em que o país não aproveitou as oportunidades, que são graves. O Brasil, em 1800, era do tamanho dos Estados Unidos. Em 1890, era 15 vezes menor. Então, na época, houve perda de oportunidade muito grande em relação ao padrão da economia que mais crescia no mundo. Essa perda foi, basicamente, por causa do tempo que levamos para lidar com a questão da escravidão. Não apenas a libertação dos escravos, mas a adaptação das instituições brasileiras ao capitalismo, o que começou na República, com direito de propriedade, facilidade de fazer empresa, gasto público decente em educação e saúde. Então, o Brasil criou isso por oportunidades próprias, mas perdeu uma oportunidade gigantesca. Desde os anos 1970, se isolou da globalização. Basicamente, esse foi um ciclo de 50 anos perdidos. A economia de carbono neutro é um ciclo diferente, já que a diferença econômica é carbono, preço e mercado, assim como geração e transferência de riqueza. A institucionalização disso na economia está acontecendo agora no resto do planeta. A oportunidade real, que é maior do que a descoberta do ouro no século XVII, é entrar na economia de carbono neutro.
PD: Quais as maiores restrições que o Brasil enfrentou, ao longo dos 200 anos da Independência, para financiar o desenvolvimento e conseguir produzir ambiente de crescimento sustentável da nossa economia? Essas restrições parecem estar mais agudas ou mais frouxas?
JC: O Brasil levou 16 anos, entre 1890 e 1906, para sair de uma estagnação de sete décadas para ir a uma economia que crescia mais do que a dos Estados Unidos. Mudou-se, basicamente, o enquadramento institucional da movimentação de capitais. Além de todos os males pessoais do domínio de uma pessoa sobre a outra e o preconceito, que dura muitos séculos, as pessoas precisam entender que, na economia da escravidão, o escravo era, também, o principal título financeiro dela. O título de propriedade do escravo era empregado pelo proprietário dele. Então, todo o mercado financeiro, no Império, funcionava em torno do título de propriedade do escravo. Quando se fez a abolição, rasgou-se o título de propriedade. Além de o escravo fisicamente ser libertado, o dono perdeu o título de propriedade, e isso deixou de circular no mercado. Para se manter o título de propriedade do escravo como o principal da economia, foi preciso torná-lo, por meios legais, competitivo, e o jeito que se encontrou de fazer isso, no Império, foi restringir o crédito ao máximo. As políticas econômicas da época eram todas de restrição de crédito, o que permitia que o título de propriedade do escravo ficasse competitivo. Acabou a escravidão. Facilitou-se o crédito, e o capital apareceu a troco de nada. Existe um livro chamado Nature of Capital, que mostra exatamente como que, em São Paulo, se financiou, com pequeno capital, a ferrovia e a acumulação do capital. Os tropeiros de São Paulo conseguiram financiar a sua passagem para a posição de proprietários de ferrovias antes ainda do fim da escravidão, e isso permitiu uma acumulação de capital que, depois, foi aproveitada na economia. Essa história toda eu conto no livro Júlio Mesquita e Seu Tempo, que aborda o período em que a economia brasileira teve um “crescimento chinês”. Mas o Brasil também foi bem, fazendo o contrário, depois dos anos 1930. Como a base do crescimento não eram os pequenos, mas os grandes projetos – siderurgia, eletrificação, petróleo –, precisava ter capital intensivo para isso. Então, a solução brasileira foi juntar esses capitais no estado. Foi muito bom. Funcionou. O PND do Geisel era feito para que as ações fossem cada vez mais assim: o estado junta os capitais e os aplica, e o mercado interno cresce por causa dessa aplicação de capitais. Isso deixou de ser relevante em 1970, mas muita gente continua pensando que o desenvolvimento, no Brasil, é um grande projeto estatal. A boa notícia é que a economia de carbono neutro, especialmente no que se refere à energia, é meio como era a dinâmica no século 19. Nos últimos dois anos, foi instalada, no Brasil, uma Itaipu de energia solar, que representa 10% da produção da energia elétrica no país. É um negócio gigantesco, provavelmente, o maior investimento em energia nos últimos tempos. Basicamente, 700 mil pessoas foram colocadas em pequenas instalações, e alguns poucos produtores fizeram instalações maiores. Mesmo assim, ela tem escala tão pequena que dá para ser financiada privadamente. Não precisa ser grande. Então, isto é outra vantagem na área de energia, especificamente, que o Brasil já tem competitividade por causa da matriz energética mais limpa do planeta. O mundo, em geral, é 80% de fóssil; 20% de renovável. Esse é o padrão mundial das economias industrializadas. O Brasil tem cerca de 55% de fóssil e cerca de 45%, de renovável. Então, para se chegar ao carbono neutro, a energia vai ajudar, mas o mais importante é plantar árvores. O país tem tudo para essa economia dar certo e, inclusive, o fato de ser tudo descentralizado. Já está acontecendo tudo isso sem planejamento. Como financiar? Financia com um ambiente onde muitas pessoas podem financiar o seu projeto, mas precisam ter muito mais do que isso. O ambiente de planejamento, para a economia de carbono neutro, é de muita gente pequena fazendo negócio, empreendendo. Essa é a vocação brasileira sociológica hoje como a principal categoria de emprego e renda. É esta gente que faz a transformação. A passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento. Isto é central porque ela não precisa ser feita como ocorreu na passagem da economia escravista para a economia capitalista no tempo da República. O Brasil precisa ter planejamento. Emitiu-se US$ 280 bilhões de título para fixar carbono, mas levou quase zero disso. É preciso instruir os pequenos proprietários para juntarem provas de que estão plantando. Se planta um hectare de floresta, ganha-se um dinheirinho. Se cinco milhões de proprietários fizerem isso em um hectare, o Brasil quintuplicará a capacidade de refazer mata nativa em um ano. Na Amazônia, tem 15 milhões de hectares nas mãos de sem-terra, que se tornaram proprietários e tiveram que desmatar porque não sabiam fazer cultura. Se pagar para plantar, haverá 15 milhões de empregos com um emprego por hectare dentro da Amazônia. Isso é 2% da área da Amazônia. O que falta para o contrato de fixação de carbono é a segurança: a pessoa que põe o dinheiro para financiar um hectare de floresta precisa ter certeza de que o dinheiro foi aplicado em um hectare de floresta como mostra a própria foto de satélite.
PD: O senhor acredita que falta cultura de patente ou algum tipo de institucionalidade do Estado, um plano de país voltado para inovação e empreendedorismo, para estimular essas ações?
JC: Se você comparar as categorias básicas do Censo do século XVIII, vai ver que o Brasil, em 1800, era uma nação em que nove décimos das unidades produtivas eram pequenas unidades familiares, e um décimo era coisa maior do que isso. Nessas unidades, se fez toda a adaptação, toda a criação econômica e toda a produção, porque estavam no sertão. A visão econômica que se tinha disso, na maneira antiga de historiografia, era de unidades de economia de subsistência, ou seja, que não produziam riquezas e que eram incapazes de acumular capital. Esse conceito de economia de subsistência era usado por economistas conservadores, liberais e da esquerda, que achavam que ali não havia riqueza. Isso foi contemplado nos anos 1970, quando viram que a economia dos índios era capaz de produzir excedente, fazer troca, e, portanto, permitia acumulação. No livro Banqueiro do Sertão, mostro como fazer negócios com índios gerava, dentro da economia brasileira, uma cadeia de acumulação de capital gigantesca. Capital era prata contrabandeada do Peru, em 1600, 1700, antes do ouro. Então, esse padrão não era visto pelo conceito antigo. Hoje, para se explicar como que a economia colonial brasileira chegou a ser do tamanho que a dos Estados Unidos, a razão é simples. O chamado mercado interno que, antigamente, era calculado em peso. A economia informal era a economia. No século XVIII, o padre Guilherme Pompeu de Almeida movia negócios em uma área que ia de Buenos Aires, Potosí, Belém, Salvador, Rio de Janeiro, sem sair de Araçariguama. Ele tinha capital suficiente para fazer isso trocando – ele basicamente fabricava ferro, que era a mercadoria base de troca com os índios. Trocava, fornecia esse ferro, por algodão, madeira, farinha. Vendia isso e acumulava prata nas trocas, que também fornecia para as áreas. Havia grande capacidade empreendedora, mas a economia formal brasileira era realmente pobre para lidar com isso. O que a República fez, e o Brasil precisa fazer agora, é simplesmente diminuir o tamanho do caminho entre economia formal e economia informal para que haja crescimento. Se quiser plantar em cinco milhões de propriedades, você tem que facilitar a vida de cinco milhões de proprietários e fazê-los empregar outras cinco milhões de pessoas que, hoje, estão tudo na informalidade. Vai ter que formalizar para poder prestar conta do contrato de venda de carbono fixado para alguém que veio do exterior. Esta formalização simples permite muito, e o problema do Brasil, para ser uma segunda, primeira economia do mundo, é saber fazer isso direito hoje, o que não é tão difícil. Acho que o que se faz, no país, é vender como não educação o que, na verdade, é cultura e produtividade. Índios sabem reflorestar melhor do que o melhor fazendeiro. Temos que arranjar um jeito também de, nessa economia, chamar um índio para nos ensinar, o que não é feito porque achamos que ele é mal-educado e que nós somos educados. Não é verdade. Todo o Brasil foi feito de adaptação a uma realidade tropical que a Europa desconhecia. Quem se adaptou? Quem conhecia? O índio. Eu sempre dou o exemplo do homem da carrocinha de reciclagem, que é economia circular e a mais moderna que existe. Aquilo lá é trabalho e capital. A carrocinha é capital. Ele é trabalho, e ele, trabalhando, enche a carrocinha, que é capital, e faz renda. Ele não tem emprego. Ele não está no mundo formal, mas ele é, tecnicamente, um empreendedor, uma mistura de trabalho e capital. Para a nossa sorte, a população pobre do Brasil tem esta característica essencial, e ela pode ser aproveitada.
PD: O Brasil já foi mais ou menos inovador, mais ou menos capitalista, o capitalismo chegou à base?
JC: Há uma diferença entre empreendedor e capitalismo. Capitalismo é trabalho assalariado, basicamente. Então, você precisa ter acumulação suficiente de empreendedores para que chegue a uma empresa capitalista. Isso depende de condições institucionais. No Brasil, não é muito bom porque mantém, na informalidade, a população empreendedora, e o país não é muito bom de formalizar a acumulação de capital do informal para o formal. Só foi bom no período do começo da República. Rui Barbosa, em 17 de janeiro de 1890, baixou um decreto cujo artigo primeiro libera a organização de empresas, no Brasil, bastando registrá-las na junta comercial. Até então, para você organizar uma sociedade anônima no Brasil, precisava juntar as pessoas, fazer o estatuto da empresa, levantar 10% do capital e, quando isso estava pronto, depositava o capital no banco. Mandava a papelada para o Conselho de Estado, que era órgão assessor do poder moderador na Corte do Rio de Janeiro e levava um ou dois anos para autorizar a empresa a funcionar, ou não, dependendo de várias questões, inclusive, saber se a finalidade daquele negócio era lícita ou ilícita do ponto de vista moral. Evidentemente que o Império e eles se orgulhavam que tinham 89 sociedades anônimas em todo o Brasil em 1889, enquanto, na Inglaterra, havia 10 mil. Com o decreto de Rui Barbosa, só no ano da assinatura e apenas na cidade de São Paulo, se fizeram 210 sociedades anônimas. Então, a restrição não é capacidade. Não havia capacidade empreendedora. Não era capital. Não era nada. Era regulação. A regulação era ruim. O Brasil precisa de um choque dessa espécie hoje para entrar na economia de carbono neutro, que é como fazer alguém que tenha um hectare plantar árvore nesse hectare de maneira decente. O Brasil não recebe dinheiro porque isso não está feito. O resto do planeta não tem terra, não tem lugar para pôr árvores, não tem água, não tem nada. Aqui, no Brasil, o problema é que a lei não deixa.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
PD: O Brasil tem eleição desde 1560. Se há um povo, no mundo, que não pode dizer que não sabe votar, é o Brasileiro porque teve chance de aprender na terra de José Bonifácio que, depois, gerou Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas, Marcos Maciel. Por que a política se degradou tanto no Brasil ultimamente e o que devemos fazer para sair disso?
JC: Em uma economia em declínio, é difícil que apareça gente otimista e capaz de olhar um futuro bom. A tendência é ficar tentando repetir a fórmula que nos levou ao sucesso lá no passado e não ficar enxergando o que mudou e porque temos que fazer diferente. Então, uma das coisas que me preocupa muito na eleição atual é que o grande ambiente e as grandes categorias de debate intelectual estão no mundo da Guerra Fria. O modelo de muito sucesso demora muito para morrer mentalmente. Ficam tentando repetir, insistindo no que já foi e que não é mais. Quanto mais você fizer isso, pior fica a sua situação, e isso pode ir muito longe. Há nações onde essa situação, às vezes, passa a um declínio, a decadência ou a cenários muito complicados sem que se saia dessa disfunção. É como um filme em que você volta todo dia para o mesmo dia. Isso está acontecendo, em alguma medida, no Brasil. A nossa sorte é que um resto de outras coisas funciona. O Brasil tem conexões com o resto do mundo e, no que interessa, é o potencial para a economia de carbono neutro. Então, o mundo vai nos olhar. Vai ser difícil escapar dessa. Por bem ou por mal, o Brasil vai ter que se adaptar a isso. Isso é, mais ou menos, quando você tem esse tipo de clima, é mais ou menos o que aconteceu no fim do Império com a abolição. Todo o mundo que tinha o mínimo de visão de futuro dizia “temos que fazer abolição porque isso aqui não tem futuro”. Em 1800, quando fizeram as instituições brasileiras para proteger a escravidão, ninguém tinha alternativa para ela. Em 1850, em uma hora, já havia alternativas para ela. Em 1880, aquilo era um atraso monumental, e os escravistas diziam que, se houvesse abolição, faltariam braços para o trabalho porque ninguém quer ser escravo, mas os braços para o trabalho livre sobravam. Então, o Brasil está olhando o mundo um pouco como era no fim do Império, com lentes do passado, da Guerra Fria, de projetos econômicos que já não tem mais sentido porque ninguém vai fazer um poço de petróleo. Esquece. Não tem futuro. É economia morta. O equivalente à defesa do trabalho escravo no tempo do Império é o negacionismo de hoje: negar que não existe uma economia nova nascendo. Mas a economia existe. Então, não tem como escapar disso. A elite brasileira tem muita dificuldade de olhar uma economia com os princípios da economia de carbono neutro. No entanto, o pequeno empresário enxerga isso muito mais depressa que o grande. Por isso que a mudança está acontecendo embaixo. No caso da energia solar, qualquer dono de casa faz a conta e fala: se colocar uma placa solar aqui, pago essa placa solar só na conta de luz em 12, 16, 24 ou 36 meses. É assim que está sendo feito, apesar de não ter plano nacional para a transição à energia solar. O que era planejamento nos anos 1970 não é planejamento hoje. O que era desenvolvimento econômico não é desenvolvimento econômico hoje. Se não se adaptar a essa mudança, você ficará no tempo passado. A economia do tupinambá é muito mais próxima a dos prêmios Nobel de 2007, 2008, 2010, que foram concedidos a quem lida com a tradição de carbono neutro e a economia circular, e não com a teoria econômica que aplicamos, como a Teoria do Valor, de Karl Marx e do Adam Smith. Isso é uma coisa que pouca gente nota, mas valor em economia, para o Adam Smith ou Marx, é exatamente a mesma definição teórica: o que está na natureza não tem valor, o que só começa na hora em que se arranca a árvore que estava na natureza, porque é trabalho humano, e, com isso, faz-se uma mercadoria. Enquanto ela é útil, tem valor. Quando deixa de ser útil, perde o valor, e você joga fora. É lixo. Então, o ciclo econômico é só entre arrancar da natureza e jogar de volta para a natureza. Por outro lado, o ciclo econômico do cacique e dos economistas é diferente: você tem que produzir, reciclar e produzir de novo para fazer um circuito de produção econômica. Essas mudanças a gente percebe pouco, mas são essenciais no mundo que corre hoje.
Sobre o entrevistado
Jorge Caldeira é escritor, jornalista, historiador e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (47ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
André Eduardo: consultor legislativo do Senado Federal na área de economia e mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).
Benito Salomão: economista chefe da Gladius Research, doutor em economia pelo Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).
Carlos Marchi: jornalista e escritor. Trabalhou no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo, nos principais meios de comunicação do país – Correio da Manhã, Última Hora, O Globo, TV Globo, O Estado de S. Paulo. Paulo. Entre 1984-1985 foi assessor de imprensa na campanha civilista de Tancredo Neves. Foi secretário geral do Sindicato dos Jornalistas do DF (1977-1980) e vice-presidente da Fenaj (1980-1983).
Cleomar Almeida: jornalista, coordenador de Publicações da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e editor da revista Política Democrática online.
Silvio Ribas: jornalista, escritor, consultor em relações institucionais e assessor parlamentar no Senado Federal.
Vinícius Müller: doutor em História Econômica, professor do Insper e membro do Conselho Curador da FAP.
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Revista online | Veja lista de autores da edição 47 (setembro/2022)
*Ivan Alves Filho é autor do artigo 1789 e 1822: duas datas emblemáticas. É historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.
*Lilia Lustosa é autora do artigo Não! Não Olhe! Sim! Enxergue!. É crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
*João Marcos Buch é autor do artigo Eleições atrás das grades. É juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville (SC) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
*Vilma Pinto é autora do artigo Os desafios fiscais para 2023. É diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado
*Henrique Brandão é autor do artigo Um Natal com Darcy Ribeiro. É jornalista e escritor.
*Alberto Aggio é autor do artigo O Chile do pós-plebiscito. É mestre e doutor em História pela USP e professor titular em História da América pela Unesp, com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma (Itália).
*Paulo Ribeiro da Cunha é autor do artigo Militares e o governo Bolsonaro: política ou partidarização?. É livre docente em Ciência Política pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), autor de Militares e Militância: uma relação dialeticamente conflituosa (São Paulo: Ed. Unesp, 2012; 2020; 2022) e consultor da Comissão Nacional da Verdade.
*Roberto Freire é autor do artigo Por que eu voto em Simone?. É advogado, político e presidente nacional do Cidadania23.
*Eduardo Heleno Santos é autor do artigo Sete meses de guerra e um sistema internacional em transição. É doutor em Ciência Política (UFF, 2015) com tese sobre a extrema direita no meio militar. É professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
*Vladimir Carvalho é autor do artigo Godard, o gênio exausto. É um cineasta e documentarista brasileiro de origem paraibana.
*Jorge Caldeira é escritor, historiador, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
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Revista online | Confira charge de JCaesar sobre eleições 2022
* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro/2022 (47ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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5ª Bienal Internacional do Livro de Brasília levará público à “transformação”
Bienal do livro*
Com o tema “A transformação acontece aqui”, a 5ª Bienal Internacional do Livro de Brasília (Bilb) reunirá escritores, influenciadores digitais, shows musicais e espaços para histórias em quadrinhos (HQs), de 21 a 30 de outubro, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade. O evento movimentará cultura, economia e turismo na capital federal. As pessoas devem se cadastrar no site oficial para retirar o ingresso gratuito para visitação aos estandes (clique aqui).
Incluída oficialmente no calendário oficial de eventos do Distrito Federal por meio da Lei 5.702, de 23 de agosto de 2016, a bienal deste ano vem com tema inovador. “Durante a Bilb, crianças, jovens e adultos vão mergulhar no presente e nas experiências literárias para que assim possamos ter melhor compreensão das transformações que queremos em nossas vidas e para a humanidade”, afirmou a diretora-geral, Suzzy Souza.
A diretora explica que o público da 5ª Bilb vai mergulhar em atrações divididas em seis eixos temáticos: autores, mercado, música, HQs, crianças e multimeios. “Eles tiveram como ponto de partida a ideia principal do projeto representada no conceito concretizado no tema do evento. Nós estamos trabalhando muito para fazer desta bienal uma experiência inesquecível”, ressaltou.
Segundo ela, a bienal vai movimentar, também, a economia, por causa da contratação de profissionais que trabalham para garantir a melhor estrutura da feira literária, uma das maiores do Brasil e da América Latina.
Assim como o público em geral, o mercado editorial e literário tem sido muito beneficiado pela bienal. Nas quatro edições anteriores, editoras e revendedoras participantes comercializaram mais de 600 mil livros. No total, alunos e professores da rede pública do DF também movimentaram cerca de R$ 7 milhões com vale-livro.
Além dos espaços reservados à visitação no evento, outro grande espaço da bienal será o Palco BILBeats, uma área exclusiva que, durante o evento, terá uma rica e vasta programação musical, com shows de artistas locais e nacionais. A cantora e compositora Céu vai se apresentar no local no dia 22 de outubro.
Para fazer a visitação à bienal, o público pode acessar o site oficial do evento, clicar em “ingressos” e, depois, em “acesso à Bilb”. No entanto, para ter acesso à área exclusiva onde serão realizadas as apresentações artísticas no palco BILBeats, os fãs devem clicar nas abas de “ingressos” e “shows”, sucessivamente.
A 5ª BiLB é uma realização da InterCult Produções e do Instituto Levanta Brasil, com direção-geral de Suzzy Souza e Henrique Senna. O evento também tem trabalho articulado com a curadora nacional, Paulliny Tort; o curador internacional, José Rezende Jr; e o curador de HQ, Pedro Brandt.
A bienal
Ao longo das quatro edições anteriores, o projeto recebeu mais de 1,5 milhão de visitantes, dentre os quais cerca de 200 mil eram estudantes das redes pública e particular de ensino do Distrito Federal. O público teve a oportunidade de assistir a palestras e debates de mais de 470 escritores brasileiros e estrangeiros.
Além disso, a bienal lançou 600 livros de mais de 60 países, com 120 seminários e debates, além de apresentações de 161 artistas e grupos brasileiros.